sábado, 28 de março de 2020

O futuro não deve ser pós-nacional

Ao assistir às justas declarações de António Costa sobre mais uma provocatoriamente intrusiva posição do governo holandês, consolidei duas convicções: em primeiro lugar, a maioria dos social-democratas europeus passa a nossa desgraçada vida a pedir às relações internacionais um tipo de solidariedade que só as relações nacionais lhes podem dar; em segundo lugar, arranjos excessivamente supranacionais, conformes à expansão das forças de mercado, são uma fonte de inimizades entre os povos.

É claro que não se obtém na escala europeia aquilo que se perdeu na escala nacional. Pelo contrário, a escala da UE, em geral, e do Euro, em particular, tem sido a melhor forma de minar qualquer social-democracia digna de registo.

Quando no outro dia vi António Costa a defender, em entrevista ao Público, que os países de leste crescem mais porque não têm o constrangimento do Euro, percebi que há factos que começam a ser digeridos no topo. Temo que seja tarde demais. Isto não vai acabar espontaneamente. Mais facilmente acabará a social-democracia europeia, como aliás se vê.

Entretanto, tenho-me lembrado, vá-se lá perceber porquê, de um muito recente livro por traduzir, Why Nationalism, da autoria da filósofa política e ex-Ministra trabalhista israelita Yael Tamir.

Tamir defende que uma ideia institucionalizada de comunidade nacional continua a ser fundamental para que as relações de fraternidade recíproca com impactos redistributivos possam florescer, sendo as classes populares as que têm melhores razões para não esquecer esta hipótese, ao contrário de elites globalistas, que desprezam os laços geradores de estruturas de direitos e obrigações potencialmente mais igualitárias e legítimas.

No fundo, a pátria é o único bem para aquele que nada tem, como assinalava o socialista Jean Jaurés entre o final do século XIX e o início do século XX. Para os mais ricos, pode não ser bem assim. A social-democracia europeia esqueceu-se desta ideia fundamental entre o final do século XX e o início do século XXI. Pagou caro. Pagámos todos caro.

Hoje, temos de novo boas razões para falar disto. E reparem que defender uma variante de nacionalismo não é, como aliás argumenta Tamir, incompatível com a cooperação internacional, antes pelo contrário. Reconhece-se melhor que todos os povos têm o mesmo direito à autodeterminação institucional, a definir as suas regras nos seus territórios, um sentimento universalizável, como já se viu na longa luta contra a alternativa – o império, mesmo que liberal.

Trata-se também de reconhecer a necessidade da fronteira, já que sem ela não existe comunidade, nem responsabilização democrática, mas também a sua plasticidade, em função das prioridades colectivamente definidas. Fluxos há muitos e formas de os controlar também. Só há, por exemplo, política de acolhimento se existir fronteira, com critérios, idealmente resultantes de deliberação democrática, sobre quem entra e porquê. Por exemplo, esteve muito bem o governo desta velha nação ao decidir acolher crianças sírias, fugidas do estatocídio aí cometido, sendo desgraçadamente um dos poucos países europeus a fazê-lo.

De resto, um mundo menos globalizado – menos integração, melhor integração – é um mundo mais fácil de pilotar económica e socialmente, lição que se aprende com economistas como Keynes, o de uma razoável auto-suficiência nacional ou com o também anti-hayekiano Myrdal, social-democrata sueco que pugnou por um nacionalismo são. Um mundo com outras economias, mais centradas nacionalmente, será um mundo mais estável e plural.

Não sabemos o que vai acontecer, mas sabemos que tudo começa com boas questões, como a que Nuno Aguiar coloca na Exame: um mundo mais desglobalizado depois disto? Insisto que temos de responder afirmativamente. A história é novidade, mas também pode ser boa recorrência...

12 comentários:

Anónimo disse...

Penso que o João Rodrigues está a colocar uma falsa questão, não existem países sem bancos centrais da mesma forma que não existe democracia sem uma lógica igualitária, neste momento temos uma moeda que é a fonte de todas as discórdias, inevitávelmente e se não for possível o entendimento os países irão fechar-se sobre si próprios o que me parece mais destrutivo do que um passo para a frente na integração. A situação actual é muito delicada talvez já esteja até a sair do controlo dos países mais poderosos da zona Euro.

Cacim Bado disse...

PENSO RÁPIDO
Perdido o pé, temos um presidente a erguer-se esforçado para figurante do andor armado por Costa.
Que à custa de muito treino de ginásio faz o pleno da gritaria usando artisticamente as mãos.

PauloRodrigues disse...

E que tal uma segunda cisão na UE; depois dos ingleses, Portugueses, Espanhois, Italianos e Gregos.
Até podíamos construir uma comunidade económica nova do sul da europa, sem união política e sem moeda comum.
Apenas temos a burguesia contra e esses são apenas 1%.

Jaime Santos disse...

O Nacionalismo é a guerra, João Rodrigues, e não há volta a dar a isso. A ingenuidade (?) dos nacionalistas é acreditar justamente que finda a UE as relações podem ser outra coisa que não aquilo que sempre foram, com os fortes a dominar os fracos.

A UE tem pelos menos a virtude de providenciar um quadro que permite regular tais tensões, de forma imperfeita, claro, como sempre... Alguém imagina que o Mundo ficaria melhor sem as NU?

E depois, quem vem agora defender o ideal nacional e presta homenagem a ideias e a sistemas (socialismo real e URSS) que no Passado mais não fizeram do que esmagar a Liberdade dos Povos, deveria ter um bocadinho de vergonha na cara antes de vir falar disso.

Até porque o nacionalismo é normalmente um vaso vazio e fica a pergunta, que sistema político lhe querem meter lá dentro? As experiências históricas, à Direita e à Esquerda, não auguram nada de bom... Sistemas hegemónicos (Alemanha Nazi e URSS ou a China comunista) ou simplesmente falidos (Angola, Venezuela)...

Costa, a quem você chama amiúde de neoliberal (!), não começa a aperceber-se de nada, ele sempre teve uma noção muito exacta das relações de força entre Estados e de como navegá-las. E relativamente ao Euro, Louçã assinalava em 2015 que o PS, no seu quadro macroeconómico, previa a possibilidade do fim da moeda única.

Só que Costa não está disposto, se não for obrigado a tal, a submeter o País a uma provação por causa de fantasias leninistas que não querem ou não podem sequer conceber um plano concreto de saída do Euro. A conversa é a mesma há mais de uma década...

Jose disse...

Tudo isso não justifica o sofisma de que a política nacional não dispensa as manipulações monetárias.
O euro trouxe e traz mercados abertos e ajudas muito significativas.

Mas sempre a politiquice de rendimentos exige uma moedinha para jogar com números, como se mercados e ajudas não fossem a contrapartida de lhes tirarem o brinquedo!

Alf disse...

A questão central tem mesmo a ver com a questão da moeda única.
Na realidade, o euro foi desenhado como "réplica" ao marco alemão. Porventura, já estaremos esquecidos da turbulência resultante da aplicação "forçada" da moeda única e de como o País foi abalado com a transição escudo vs. euro.
Várias foram as ocasiões em que foi colocada a eventualidade de abandono da moeda única e, inclusivamente, o estudo e consequentes propostas de transição.
O chamado "esforço" no plano orçamental para suster a dívida, foi a resposta encontrada pelas sociais-democracias europeias, na altura alinhadas e agora nem por isso, como demonstram os episódios grotescos da Grécia e da Itália.
Para além disso tudo, acresce a circunstância de a dita "união" nunca o ter sido, a não ser para cerrar fileiras junto da mais execrável excrescência pós queda do Muro, que dá pelo nome de NATO. Para a qual, deve saber-se, o nosso País paga e não é assim tão pouco.
Assim parece desfazer-se o mito impossível de uma Europa unida. Ela só o foi, por mero exercício de uma conjuntura favorável a uma social-democracia corrupta e permeável aos interesses da banca e dos grandes grupos financeiros e empresariais.
Outra ajuda importante para consolidar e smplificar o mito, viria de uma "comunicação social", vendida aos tais interesses económicos, sempre capazes de configurar cenários novos, onde se glorificava a iniciativa individual e a maior mentira, uma teia onde acabariam por cair cidadãos incautos e pouco avisados: o mundo "maravilhoso" do empreendedorismo, dos "colaboradores" dedicados a uma causa comum. Que era afinal, o reinado da desregulacao completa do trabalho e da ausência de direitos dos trabalhadores.
Vozes avisadas foram alertando das pérfidas intenções. Não tiveram qualquer sucesso, dado que uma parte considerável da Esquerda, nacional e europeia, haveria de embarcar no canto da sereia: a possibilidade (sempre remota) da reforma da dita "união" e da "conversão" das suas imposições.
Assim se fez a instalação do Medo, com regras, tratados e outras imposições, sempre inculcando nos cidadãos a culpabilidade pessoal e generalizando a perversa divisão Norte-Sul.
Agora, com o cutelo em cima da cabeça (e do resto do corpo todo...), que tem um nome terrível, que oscila entre fascismo e Covid19, os mais desfavorecidos, que sempre pagam por todas as crises, terão que dar uma resposta pronta e eficaz. Que se afigura difícil e, uma vez mais, dolorosa.
Passe ela pela adopção de medidas nacionais correctivas, pela desobediência generalizada ou, pela greve geral revolucionária.
Na mesma, seguramente não podemos ficar...

Anónimo disse...

Quais "manipulações monetárias", José?

Qual é o problema que os mercados de divisas podem ter para um liberal?
Só por sonsice se pode querer que o valor da moeda em circulação esteja desalinhada com a capacidade produtiva do país. Situação anómala é a criada pelo euro.
E mais uma vez o acesso ao mercado único não depende do euro. Que o digam por exemplo a Polónia e a Suécia.
Não digas disparates, José!

Anónimo disse...

Muito bom post.

Sugestão: exportar o Grilhetas, para ir estagiar no backoffice do ministro das finanças holandês, e o troll jose, para contar anedotas durante as pausas para a coceira.

Jose disse...

Suspeito que há uma gente suficientemente moderna para não saber o que era o mercado da UE no tempo das quotas.
E a Polónia pode ter o brinquedo, mas não me consta que tenha liberdade cambial.

Anónimo disse...

A polónia não tem liberdade cambial? Porquê?
Da última vez que vi ainda tinham moeda e banco central próprios:

https://en.wikipedia.org/wiki/Polish_z%C5%82oty

Jose disse...

A variação de cotação do zloty face ao euro nos últimos 20 anos cabe em quantas centésimas percentuais?

Anónimo disse...

@José

A grande vantagem dos pegs em relação ao sistema euro é que em caso de necessidade se quebram sem as complicações de uma saída do euro. E todos os pegs acabam por ser rompidos mais cedo ou mais tarde,como por exemplo aquele que durante anos ligou o franco suisso ao euro. E mantê-lo custou uma nota preta ao SNB.