domingo, 31 de julho de 2011
Leituras
O Expresso desta semana tem três artigos de economia política que vale a pena ler com toda a atenção.
O primeiro artigo é de Nicolau Santos – “Privatizações: quem os trava?” – e assinala a tremenda irresponsabilidade de se prescindir do controlo público de serviços públicos de rede cruciais, da rede de electricidade aos correios, condicionando as gerações futuras “em matéria de empregos qualificados, inovação, investigação e (...) segurança”. Santos parece ter alguma esperança que isto possa de alguma forma correr bem, chamando a atenção para o perigo de não se poder corrigir o que correr mal. Para corrigir o que correr mal, que vai ser tudo, um futuro governo de esquerda a sério terá de renacionalizar, como é óbvio. É por estas e por outras que desde o início deste blogue temos defendido um sector público robusto: Quem diz que as empresas públicas são ineficientes e desnecessárias não anda a ler jornais, porque devemos ter um sector público, a utilidade do see ou vender a república, por exemplo.
O segundo artigo é de Manuel Pinho – “Uns anjinhos ou muito pior”. Algo auto-congrulatório, mas severamente critico dos compromissos troikistas em matéria de privatizações do sector da energia, Pinho mostra algo de crucial através do exemplo da Dinamarca de Poul Thomson do FMI: como os países mais desenvolvidos ainda mantêm sectores estratégicos sob controlo público, ao contrário do que prescrevem as instituições internacionais para as periferias que se encontram sujeitas aos seus programas de desenvolvimento do subdesenvolvimento, através da pilhagem a que as elites locais chamam “ajuda”. A maior empresa de energia dinamarquesa é controlado pelo Estado em 77%, paga uma taxa de imposto de 40%, o seu CEO aufere menos do que Mexia e paga uma taxa de IRS de 60% e os trabalhadores elegem 1/3 do conselho administração, informa-nos Pinho. Outro mundo.
Do nosso mundo, o mundo do choque neoliberal, fala Alfredo Barroso – “Super-Álvaro e as doses de Caval(l)o”. É o mundo de países desfeitos pelas utopias de mercado, caso da Argentina. O economista argentino Domingo Cavallo, que agora dá conselhos sob a forma de artigos às periferias europeias, esteve por detrás de grande parte das decisões que geraram a catástrofe socioeconómica argentina. Álvaro Santos Pereira, que apresenta a história económica argentina de pernas para o ar no seu último livro, gosta das doses intelectuais de Cavallo. O país pagará um preço elevado pela transformação destas preferências intelectuais em políticas públicas.
sábado, 30 de julho de 2011
Um consumidor moderado
O que José Manuel Fernandes não percebe – ou finge não perceber – é que os transportes públicos não são uma coisa frugal (como as «pipocas» de João Duque) para um elevado número de trabalhadores portugueses, sobretudo para os que vivem com o salário mínimo (485€) ou menos, e que passam a desembolsar acréscimos que podem atingir (no caso da Carris, por exemplo) 12€ mensais, para poderem deslocar-se diariamente entre a casa e o trabalho.
Mas a insensibilidade social, deliberada ou apenas ignorante, de JMF, fica ratificada num outro ponto do artigo, em que o jornalista faz o favor de nos esclarecer tecnicamente que este é um corte efectuado no lado da despesa e não no lado da receita (em virtude de o aumento das tarifas cobradas pelas empresas transportadoras exigir menores indemnizações compensatórias por parte do Estado). De facto, para os cidadãos verdadeiramente afectados por estes aumentos esse preciosismo técnico faz toda, mas mesmo toda a diferença. Ui, é que sabendo disso já não custa mesmo nada.
sexta-feira, 29 de julho de 2011
Luta de classes (II)
«O milionário Warren Buffett, o terceiro homem mais rico do mundo de 2011 segundo a revista «Forbes», comentou um dia as reduções multimilionárias aos impostos dos mais ricos dos EUA, fazendo notar que a sua empregada doméstica tinha uma taxa de imposto maior que ele. Para Buffett era claro que se vive uma guerra de classes e que, diz ainda, a classe dele «está a ganhar esta guerra». Quando ouvimos que a crise toca a todos e que é uma espécie de peste negra que une a pátria esbaforida em uníssono, devemos perceber que no barco não estamos todos».
(Do artigo de Nuno Ramos de Almeida no «i», A crise é um negócio)
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Luta de classes (I)
«Os 25 mais ricos de Portugal aumentaram fortunas para 17,4 mil milhões». Num país em que a população em risco de pobreza era de 18% em 2009 (valor que ascenderia a 43,4% caso o rendimento das familias e dos cidadãos deixasse de contar com o impacto atenuante das transferências sociais, de acordo com o mais recente inquérito às Condições de Vida e Rendimento, do INE). Num país em que os sacrifícios austeritários recaem esmagadoramente sobre o factor trabalho.
Isto não vai acabar bem!
Da minha crónica no jornal i:
Muita gente entendeu a decisão de alargar o âmbito de intervenção do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) como um passo na direcção de um Fundo Monetário Europeu, na senda de uma Europa federal. Acontece que, com esta decisão, os cidadãos alemães, austríacos, holandeses e finlandeses alargam consideravelmente a sua responsabilidade fiscal pelos encargos que o FEEF no futuro assumirá enquanto prestador de garantias nos empréstimos à Grécia (dois), à Irlanda, a Portugal e aos bancos europeus que entretanto terão de ser recapitalizados. Daqui a algum tempo, quando a Espanha e a Itália acabarem por bater à porta do FEEF, soarão campainhas nas cabeças dos cidadãos da Europa rica. Aceitarão eles que os seus governos (sem os ouvir) assumam a responsabilização total e colectiva por uma dívida imensa através da emissão de obrigações europeias, os "eurobonds", garantidas por tributação federal? Isto não vai acabar bem!
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Austeridade rima com insolvência
Título do Negócios: Roubini diz que Irlanda e Portugal estão insolventes
Nouriel Roubini, economista que previu a crise financeira de 2008 e que é conhecido pelas projecções catastróficas, avisa que "dentro de alguns anos o actual programa de ajuda a Portugal vai cair por terra, tal como acontecerá na Irlanda."
Nada que já não soubéssemos em Janeiro (ver aqui).
Junte-se o ataque crescente dos especuladores à Espanha e à Itália e em breve chegará a hora da verdade para a zona euro. Não serão precisos vários anos como diz Roubini.
Alternativa política, precisa-se.
A revolta dos banqueiros
Nos últimos dias assistimos ao impensável: o esboço de um conflito entre o Banco de Portugal e a troika, por um lado, e o clube de banqueiros, por outro, com o governo algures no meio. A linguagem ‘subversiva’ utilizada pelos banqueiros era no mínimo inabitual. O que está a acontecer?
É difícil ler nas entrelinhas do discurso dos banqueiros, mas o artigo de Pedro Guerreiro no Jornal de Negócios ajuda um pouco. O essencial é o seguinte: a) os donos dos bancos não querem participar na sua capitalização – não tanto porque não possam, mas porque hoje em dia há investimentos muito mais atractivos do que a banca; b) os donos dos bancos não querem que o estado participe na capitalização com os meios postos à disposição pela troika, (mesmo que temporariamente), tornando-se accionista; c) os donos dos bancos receiam auditorias ao crédito concedido que possam expor as suas fragilidades e tornar inevitável a participação pública.
Os grupos financeiros portugueses sempre foram incapazes de resistir pelos próprios meios a ofensivas externas e sobreviveram como entidades relativamente autónomas apenas sob a protecção do Estado português. Neste momento, com o Banco de Portugal transformado em agência do BCE e o ministério das finanças em comissão executiva da troika, podemos estar a viver o momento em que o Estado português deixou de ter capacidade para desempenhar esse papel. Nestas circunstâncias a participação temporária de dinheiro público (obtido com o financiamento da troika) na capitalização dos bancos portugueses pode ser a antecâmara da transferência da propriedade dos bancos portugueses para grupos financeiros de dimensão europeia. É isto que os donos da banca portuguesa receiam e podem ter boas razões para recear.
Não deixa de ser verdade que neste momento quem manda é a banca, mas a banca que manda já não é a portuguesa. Os “donos de Portugal” estão a perder o pé contra donos de coisas maiores.
Devemos aliar-nos num fervor patriótico aos nossos donos menores na sua luta contra os donos maiores e os seus infiltrados? Não me parece. É importante que a banca em Portugal tenha margem de autonomia relativamente a estratégias que nos são alheias, mas talvez estejamos a chegar ao ponto em que isso só poderia ser garantido com a nacionalização dos bancos. Bem sei que isso fere a sensibilidade de donos menores e de donos maiores e, de tão radical que parece ser, a de muitas outras pessoas. A mim parece-me simplesmente que é verdade.
Esperteza saloia
Com um título assim, acalentamos por momentos a esperança de que o Presidente da República decide – num acto da mais elementar justiça – não deixar passar em claro a iniquidade social do imposto extraordinário (que recai exclusivamente sobre os rendimentos dos salários, deixando incólumes os lucros empresariais, rendimentos de capital e demais ganhos financeiros).
Mas depressa nos desenganamos: aqueles que Cavaco lamenta não se encontrarem em condições de poder contribuir para este grande desígnio nacional «são muitos dos desempregados, são muitos daqueles que se encontram em situação de exclusão social, são doentes crónicos, são famílias de muitos baixos rendimentos». Não são a banca, nem as empresas, nem os investidores financeiros. O «truque» de Aníbal é óbvio: não se queixe (nem seja mesquinho) quem vai pagar o imposto (lembrem-se dos desempregados, dos excluídos, dos doentes crónicos e das famílias pobres). Quanto aos outros, não interessam para o caso.
Foi há pouco mais de um mês, mas pode hoje dizer-se que longe vai o tempo em que o presidente dizia (numa crítica implícita ao anterior governo), que a «justiça na repartição de sacrifícios» teria que ser uma marca da governação do novo executivo. Em mais um gesto de esperteza saloia, mostrando uma preocupação meramente instrumental para com os desfavorecidos, Cavaco comporta-se como um caçador que – para desviar as atenções da caça grossa – lamenta que as crias de perdiz, pelo seu insuficiente tamanho, não possam ser abatidas.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Consciência
Para César das Neves, a economia de mercado constitui uma espécie de força da natureza (com leis que funcionam tanto melhor quanto menos o Estado e as políticas públicas nela se intrometerem), a que todos se devem adaptar e submeter, sem desculpas nem justificações. À escala comunitária, o professor da Universidade Católica advoga que os países em risco de incumprimento (como Portugal e a Grécia) devem resolver sozinhos os seus problemas (invocando para este efeito o exemplo da Califórnia, cuja situação de falência teria supostamente que ser ultrapassada sem ajudas federais de nenhuma espécie). À escala nacional, César das Neves recorre ao mantra do Estado preguiçoso e gastador, sentenciando que «temos um sistema de saúde pior que os outros e que gasta mais que os outros per capita» (não cuidando contudo de explicar como diabo teremos conseguido - entre outros méritos - que a taxa de mortalidade infantil passasse de 77,5‰ em 1960 para 2,4‰ em 2010, uma das mais baixas do mundo). (*)
Perante a frieza estratosférica do raciocínio de César das Neves, vale a pena ouvir a entrevista de Januário Torgal Ferreira à RTPN. Quando a jornalista Sandra Felgueiras lhe pergunta se o país está a viver um clima de medo e de fome, a resposta é lapidar: «claro que está... e de fome em muitíssimas situações», acrescentando a importância de serem criadas «soluções que não podem ser de forma alguma de caridade, neste sentido de assistencialismo». Sobre o impacto desigual da austeridade, o Bispo das Forças Armadas não hesita: «eu não vou aqui silenciar o que penso, nunca... (...) eu não posso compreender como é que instâncias altamente rentáveis e, neste pais, com dinheiro, que não haja um sentido de justiça».
(*) No próprio programa Prós e Contras, Ricardo Paes Mamede e João Ferreira do Amaral encarregaram-se de repor a verdade relativamente ao exemplo da Califórnia, lembrando os dispositivos federais de apoio social e os investimentos militares. No Jugular, Mariana Vieira da Silva demonstra a circunstância de Portugal se encontrar, na realidade, abaixo da média da OCDE em despesas de saúde per capita.
domingo, 24 de julho de 2011
Uma imagem da economia política africana
Uma das histórias que se esconde por detrás da imagem é a da monocultura, característica que a Guiné-Bissau partilha com numerosos países africanos. Ao longo dos últimos dez anos, a castanha de caju tem representado consistentemente 80% a 95% do valor total das exportações deste país, no contexto de uma tendência de longo prazo para a diminuição do preço internacional deste produto.
Outra das histórias que aqui se esconde tem a ver com o fim gradual do campesinato de “subsistência” e a penetração da vida rural africana por parte da lógica da mercadorização: juntamente com as plantações de caju, disseminou-se também na Guiné-Bissau a partir da década de 1980 uma tendência inexorável para a mediação mercantil entre a produção e o consumo, com a expansão da produção de caju a surgir a par da redução, ao longo das últimas décadas, da produção local de arroz (base da dieta local). Nalgumas regiões, a expansão da área cultivada com cajueiros teve já como consequência o esgotamento da “fronteira natural”, sendo de prever que isso venha em breve a estar na origem de uma pressão, também ela inexorável, no sentido da mercadorização futura da própria terra (que em geral não é ainda transaccionada). Acumulação primitiva, como se diz em certos contextos.
Outra história ainda é a dos constrangimentos infraestruturais à produção no contexto de muitos países em desenvolvimento. Os camiões estão à espera devido à capacidade relativamente limitada do porto de Bissau. Analogamente, poder-se-ia falar dos constrangimentos decorrentes da rede viária limitada, da inexistência de instalações de armazenamento e conservação (especialmente nas áreas rurais) ou da impossibilidade de acesso ao crédito por parte dos produtores locais.
E a última história tem a ver com a estrutura oligopsonística das cadeias de valor da maior parte das mercadorias de exportação africanas e a sua relação com a pobreza: essas cadeias de valor são em geral dominadas por um número reduzido de grandes empresas multinacionais de importação e exportação, o que permite a estas últimas comprimir para níveis próximos do limiar de subsistência os preços pagos aos produtores locais (as famílias rurais, em geral pobres, que cultivam e apanham caju nas suas próprias parcelas de terreno).
Dependência monocultural, constrangimentos materiais e sociais à produção, transição agrária, estruturas de poder do comércio internacional. Chama-se a isto economia política – e ajuda a perceber muito melhor o mundo do que modelos bacocos ou correlações espúrias.
O tamanho importa – e o mundo real ainda mais
Encontra uma correlação negativa robusta: o tamanho médio do pénis explica cerca de 20% da variação do PIB no período em análise (de forma inversa), de forma estatisticamente significativa para α = 0,01 em qualquer uma das especificações do modelo. A correlação permanece elevada e robusta mesmo quando introduzida uma variável dummy relativa a África (de modo a controlar eventuais especificidades dos padrões de desenvolvimento africanos), revelando por outro lado uma associação estatística bastante mais forte e robusta entre o tamanho do pénis e a taxa de crescimento económico do que entre esta última e o tipo de regime político.
Aqui fica a sugestão de leitura, à atenção de econometristas, outros alquimistas e estudantes de economia.
Práticas democráticas
Tipos de terrorismo?
Há qualquer coisa de chocante nas condenações de “qualquer tipo de terrorismo” por parte de dirigentes de partidos de direita em todo o mundo (mas também do neo-eleito secretário-geral do PS português). A que propósito “qualquer tipo”? É como se o terrorismo fosse normal quando vem “de fora” e tivesse alguma coisa de estranho quando vem “de dentro”.
sábado, 23 de julho de 2011
Política
Custos
sexta-feira, 22 de julho de 2011
Uma goma
Notas
quinta-feira, 21 de julho de 2011
Revolucionários?
Ao contrário do que sugere Pedro Lains no Negócios de ontem, os “revolucionários” portugueses não inventaram o “liberalismo de Estado” porque não inventaram o neoliberalismo, ou seja, o projecto de reconfiguração do Estado para o usar como instrumento ao serviço do reforço de um certo poder empresarial e da expansão de uma certa forma de mercado, que têm por efeito transferir rendimentos e recursos para o topo da pirâmide social. Como sabemos da ampla literatura de economia política crítica sobre estas matérias, desde pelo menos Karl Polanyi até Jamie Peck, esta engenharia política não pressupõe menos Estado, pressupõe o reforço de um certo estilo de intervenção estatal, menos sujeito ao escrutínio democrático, mais repressivo e penalizador das classes subalternas e das suas formas de acção colectiva...
Quem é pressionado?
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Para quem continua a acreditar que nos EUA o governo Federal não apoia os Estados com problemas orçamentais
Crise ou declínio?
Ouvimos dizer: “As coisas para melhorarem, devem piorar primeiro”. A austeridade irá acentuar a recessão e o desemprego (agora já ninguém tem duvidas). Mas depois, dizem-nos também, o remédio fará efeito: “Isto é uma crise, não é um naufrágio, vamos ao fundo, mas depois voltamos à tona”.
Qual é a lógica de quem assim pensa e assim pensando nos administra o elixir? A austeridade provoca desemprego. Certo. Mas o desemprego combinado com redução da protecção social obriga as pessoas a aceitarem salários mais baixos. Os salários mais baixos, por sua vez, atraem capital para os sectores exportadores e o investimento aumenta nesses sectores. Resultado: o desemprego desce e as contas externas equilibram-se. Certo?
Não. Errado. A mobilidade que conta não é só a dos capitais. O desemprego e a descida dos salários obrigarão um número crescente de portugueses a emigrar de novo para a Europa do Centro que ainda cresce e para os países emergentes que até falam português (assim como de imigrantes a regressar aos paises de origem). A força de trabalho disponível pode não aumentar e a pressão à descida dos salários pode não se fazer sentir tanto como o esperado. Nesse caso os capitais não afluem e não há retoma do investimento. Entretanto o país despovoa-se, reproduzindo à escala nacional o que vimos acontecer em muitas regiões de Portugal.
O cenário não é de crise, é de declínio. E isto é o que temos de evitar.
Fishman em Portugal
Fishman ficou conhecido no debate público português depois de ter publicado um artigo sobre Portugal no New York Times, com uma visão algo idealista, mas que sublinhava bem as pressões especulativas sobre o nosso país que antecederam a intervenção externa. Algo idealista porque, como na altura escrevi no Le Monde diplomatique - edição portuguesa, a intervenção externa não foi um simples golpe dos agentes que operam nos mercados financeiros contra a economia política progressista de um país que insiste em manter uma "economia mista" com laivos keynesianos. A pressão externa convergiu com um bloco político-económico interno, liderado por grandes grupos económicos e financeiros rentistas. Um bloco que ganhou com a aventura do euro e com os correspondentes enviesamentos para os sectores dos bens não-transaccionáveis que a sobrevalorização da moeda, o acesso mais fácil aos circuitos financeiros internacionais e uma política industrial insuficiente permitiram. Um bloco que é responsável pelo facto de a economia política nacional só ter conhecido duas palavras nas últimas duas décadas – liberalização e privatização –, hoje incompatíveis com o acervo de direitos sociais e laborais que foi o lastro de um curto período de democracia de alta intensidade no nosso país.
A austeridade falhou
Ciclo de Cinema Memória e Revolução: «As Operações SAAL»
A encerrar o ciclo de cinema Memória e Revolução, organizado pela Cultra, CES e Casa do Brasil, é hoje exibido às 21.00h, na Casa do Brasil (Rua Luz Soriano, 42, no Bairro Alto), o filme «As Operações SAAL», de João Dias (2007), seguindo-se um comentário do Arquitecto José António Bandeirinha e debate.
Sinopse: «Operações SAAL é o mais completo, abrangente e emocionalmente rico documento, de um período crítico do Pais e da sua história recente. Em 1974/75, um projecto de habitação envolveu arquitectos e população numa iniciativa única e revolucionária. Os pobres conquistavam casas, que eles próprios construíam, e a arquitectura portuguesa dava um passo ímpar na sua afirmação dentro e fora de portas. Trinta anos depois, as memórias filmadas dos actores destes processos ajudam a entender as repercussões sociais e culturais das Operações SAAL, ao mesmo tempo que um extenso acervo documental inédito ajudará a reflectir sobre os caminhos que a arquitectura e o urbanismo têm percorrido desde essa altura.»
terça-feira, 19 de julho de 2011
Hoje
Do posfácio de Sandra Monteiro ao livro «Portugal e a Europa em Crise», editado pela Actual Editora e organizado por José Reis e João Rodrigues, que reúne artigos publicados na edição portuguesa do Le Monde Diplomatique, entre Março de 2008 e Maio de 2011. Um roteiro para compreender a crise, as suas verdadeiras causas, o descalabro da resposta europeia e as propostas alternativas para a sua superação. A apresentação da obra, a cargo de João Cravinho, realiza-se hoje às 18h30 na livraria Almedina do Atrium Saldanha (Lisboa), contando com a presença de José Reis e João Rodrigues.
segunda-feira, 18 de julho de 2011
Da soberania
Portugal e a Grécia, por seu lado, são membros de uma espécie de federação, disfuncional e incompleta, assente numa separação letal entre política orçamental e política monetária, colocados na dependência de instituições centrais que parecem só existir para favorecer a pilhagem financeira e não para realizar, entre outras operações de política económica que deveriam estar institucionalizadas, as transferências orçamentais entre “regiões” que partilham a mesma moeda. Abdicámos dos atributos centrais da soberania democrática sem os recuperar à escala europeia. Este é o nosso problema europeu e a questão é saber se o conseguimos resolver no quadro do euro. Como estamos é que não pode ser.
Entretanto, no campo da dívida pública, a crise nos EUA é resultado de um sistema político disfuncional, também dominado por ideologias aberrantes, ilustrando o perigo de se aceitar uma regra, um tecto, artificial, que as crises agudas se encarregam sempre de furar, para variáveis, como a dívida, que dependem sobretudo do andamento da economia, mas sem esquecer, claro, as consequências fiscais negativas da captura do Estado pelos mais ricos...
Portugal e a Europa na encruzilhada da crise
A indignação geral, nacional e europeia contra as agências de notação nos últimos dias é mais reveladora da impotência da União Europeia em lidar com a actual crise financeira do que de uma qualquer epifania das nossas elites relativamente às responsabilidades destas agências e dos mercados financeiros na crise.
A decisão da Moody's em baixar a notação da República Portuguesa ou a ameaça da Standard and Poor's de avaliar o plano francês de envolvimento do sector privado no reescalonamento da dívida grega como bancarrota dão sobretudo conta do falhanço das políticas de austeridade. Num contexto de forte endividamento externo de famílias, empresas e Estado, qualquer movimento de redução do défice público tem como consequência uma redução do produto e, logo, uma diminuição da receita fiscal.
Não é, por isso, surpreendente que sejam necessários novos pacotes de financiamento, associados a mais austeridade e mais desemprego. Por outro lado, os acontecimentos dos últimos dias mostram também até que ponto o poder político europeu se encontra refém do sistema financeiro europeu, que não aceita quaisquer perdas neste contexto e que exige um euro forte para as suas estratégias de expansão. Só tendo isso em consideração, e não o ligeiro aumento da inflação, é possível compreender os recessivos aumentos da taxa de juro por parte do Banco Central Europeu.
Na iminência do incumprimento grego e com a especulação a alastrar de forma aguda aos mercados de dívida espanhola e italiana, entrámos, definitivamente, numa nova fase da crise. Esta não é uma crise susceptível de ser circunscrita a um pequeno número de países sem grande peso na economia europeia. Trata-se de uma crise sistémica, com origem na arquitectura disfuncional de uma União Económica e Monetária (UEM) na qual a moeda comum, sem um correspondente orçamento comum, cavou o fosso de competitividade entre o centro e a periferia que está na raiz dos presentes problemas. É, pois, tempo de pensar quais os possíveis cenários que nos esperam, se quisermos estar mais bem preparados para pensar em alternativas e reagir atempadamente.
Neste contexto, são três os principais cenários alternativos que se colocam perante nós, cada um dos quais susceptível de pequenas variantes que não comprometem o seu sentido e implicações gerais. No primeiro cenário, depois de um provável incumprimento (e saída do euro) por parte da Grécia, a Europa decide mutualizar a dívida pública europeia através de emissão de euro-obrigações que cubram parcial ou totalmente as dívidas públicas nacionais. Os países em situação idêntica à de Portugal veriam assim os seus custos de financiamento descer. No entanto, um tal cenário implicaria necessariamente a criação de um ministério das Finanças europeu, que imporia a continuação da austeridade na periferia. Ainda que o risco de incumprimento no curto prazo desaparecesse em consequência, a ausência de instrumentos de política económica e a necessidade de permanentes saldos orçamentais primários positivos na periferia resultariam na continuação do declínio face ao centro, gerando uma tal degradação económico-social e perda de soberania que a futura implosão da UEM não seria mais do que adiada.
No segundo cenário, o rumo actual da situação permanece alterado, com uma UE incapaz de se pôr de acordo, tendo como consequência a entrada em incumprimento generalizado por parte dos pequenos países da periferia. Devido aos seus défices públicos, estes países ver-se-iam forçados a sair do euro sob pena de não conseguirem pagar salários e pensões. A banca entraria em colapso devido à sua dívida externa em euros e a concessão de crédito congelaria. Três crises eclodem em simultâneo: crise de dívida, crise bancária e crise cambial.
O resultado, no curto prazo, seria uma forte contracção do produto, aumento da inflação, desemprego e instabilidade social, à imagem do que sucedeu, numa primeira fase, na Argentina. Os países do centro assumiriam parte dos custos, recapitalizando o BCE e assumindo as perdas do incumprimento soberano através de transferências fiscais. Para estes países, seria politicamente mais fácil convencer os seus cépticos eleitores que tal pagamento é o custo de se terem livrado dos países "malcomportados".
Finalmente, no terceiro cenário, os países da periferia negoceiam com a UE uma saída organizada do euro. O incumprimento soberano far-se-ia através da desvalorização cambial subsequente (os pagamentos seriam feitos em escudos em vez de euros). Introduzir-se-iam controlos de capitais de forma evitar a fuga destes e a banca teria de ser imediatamente nacionalizada e recapitalizada através de emissão monetária, de modo a prevenir os efeitos de uma crise bancária profunda. Seria necessário proceder ao aprovisionamento de alguns bens essenciais, da alimentação ao petróleo.
Numa segunda fase, as reservas de ouro seriam utilizadas para estabilizar a taxa de câmbio. No curto prazo, seria impossível evitar o impacto da saída do euro sobre o produto e a inflação. No entanto, se adoptada de forma organizada, tal opção restituiria ao Estado os instrumentos necessários à reconversão económica, tornando mais fácil combater o défice externo através da desvalorização cambial e defendendo o emprego e os serviços públicos.
Todos estes cenários envolvem custos. Todavia, pensar e debater estas três alternativas de forma séria proporciona benefícios evidentes à posição de Portugal no contexto europeu. Nessas condições, beneficiando do alastramento da crise a novos países e recusando a falida continuação da política da austeridade, não é impossível perspectivar uma aliança europeia que possa impor uma reestruturação da dívida favorável aos devedores e um reforço do orçamento europeu de forma a aumentar a sua capacidade redistributiva. Um primeiro cenário alterado, portanto, com uma reconfiguração radical da UE, que passaria também, por exemplo, por alterar os estatutos e as prioridades do BCE. No entanto, qualquer posição negocial só terá força se for credível nas suas ameaças, pelo que é fundamental considerarmos seriamente os outros dois cenários. Na verdade, se a adopção de uma tal posição comum se mostrar impossível em consequência da evolução política nos diferentes contextos nacionais, a necessidade de um plano B implicará encararmos seriamente a possibilidade do terceiro cenário, recusando discursos apocalípticos e perspectivando um país com futuro.
domingo, 17 de julho de 2011
Aterragem?
Baseando-se nas declarações de Vítor Gaspar, apostado em aprofundar uma “grande transformação” que nos conduzirá a crises cada vez mais violentas, o editorial do Público de sexta-feira declarava que “o país vai descolar do modelo social europeu para aterrar no liberalismo da América”. Os arranjos institucionais da zona euro ajudam quem está apostado em copiar o pior dos EUA, já que foram pensados para erodir direitos laborais e sociais, para favorecer todas as convergências regressivas entre os modelos de capitalismo disponíveis. No entanto, não se trata de liberalismo, que nos EUA até adquiriu historicamente uma conotação progressista, próxima da social-democracia, assente na valorização das liberdades “positivas”, mas sim de neoliberalismo, ou seja, de uma ideologia apostada em criar as condições institucionais e políticas para transferir rendimentos e riqueza para os que estão no topo da pirâmide social, através da financeirização da economia e do domínio do Estado e da vida pública pelas grandes empresas, em especial pelas empresas do sector financeiro, pelo poder do dinheiro cada vez mais concentrado.
Uma fórmula fracassada que se quer replicar com ainda maior intensidade em Portugal – das desigualdades galopantes à crise permanente, passando pela emegência de um Estado penal, a alternativa à destruição do Estado social, até à exclusão de amplas camadas do acesso a bens essenciais, como a saúde, há assim muitos erros para repetir na aterragem planeada pelo governo. Até quando é que os cidadãos continuarão a aceitar utopias de mercado que fracassam sempre?
A queda
sábado, 16 de julho de 2011
Não há stresse...
Pilhar
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Bifurcação
Injustiça
Mas a regressão salarial tem relação com outro tema da conferência de imprensa: um plano de privatização intenso, com apelo aos capitais estrangeiros. Isto somado ao encolhimento rude do Estado nas suas funções sociais. É, de facto, uma profunda "transformação estrutural".
Acontece, no entanto, que Portugal, como economia periférica, está a ser alvo de uma manipulação agressiva a partir do exterior. É aí que está um problema estrutural decisivo. O mais difícil mas também o mais decisivo de todos. O que valem, nesse contexto, os sacrifícios rudes e desiguais que se impõem e o desapossamento da economia que se promove?
José Reis, Uma profunda sensação de injustiça, Público.
Claro como a água
Há alturas em que, não fosse as consequências serem tão dramáticas para a nossa economia e sociedade, quase agradeceríamos certos anúncios e medidas que tornam claro como a água do lado de que classe e de que interesses está o governo - e ajudam a afastar as ilusões que ainda possam ter os mais ingénuos (deve haver bastantes, visto que os elegeram):
Rendimentos do capital ficam isentos do imposto extraordinário - que é como quem diz, os trabalhadores e pensionistas que paguem a crise.
Um ladrão de bicicletas do outro lado do Atlântico
quinta-feira, 14 de julho de 2011
O Tratado de Lisboa é estruturalmente neoliberal
A Dinamarca, a Suécia e o Reino Unido, por exemplo, fazem parte da União Europeia mas não fazem parte da união monetária. Não há nenhuma razão para que o projeto europeu não prossiga e que a UE não prospere, sem o euro.
E há boas razões para esperar que seja isso que aconteça. O problema é que a união monetária, ao contrário da própria UE, é um ambíguo projeto de direita. Se isto não era claro no início, tornou-se agora completamente evidente, numa altura em que as economias mais fracas da zona euro estão a ser sujeitas a punições que antes estavam apenas reservadas para os países de baixo – e médio – rendimento, apanhados nas garras dos Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos líderes do G7. Em vez de tentarem sair da recessão através de estímulos fiscal ou/e monetário, como fez a maior parte dos governos do mundo em 2009, estes países estão a ser obrigados a fazer exatamente o contrário, com enormes custos sociais.
Vale a pena ler o artigo todo (aqui).
A estrada de Damasco
(Do artigo de Rui Tavares, no Público de 11 de Julho)
E, contudo, a «luz» fortíssima era já visível, há muito tempo, na estrada de Damasco. Apenas a teimosia insane, alimentada por uma fé cega na liberdade dos mercados, por um espírito medíocre de subserviência e pela cruzada contra o Estado, impede que líderes como Cavaco Silva não percebam as restantes evidências que se desenham, há muito, na estrada de Damasco. Da manifesta inviabilidade da via austeritária, tomada como solução única e inevitável, às disfuncionalidades do modelo de governação económica europeia (com a subjugação do BCE à lógica dos mercados financeiros), passando pela incapacidade de reconhecer nas soluções políticas o único caminho viável para resgatar o sonho europeu, que se esfarela cada dia que passa às mãos de lideranças sem rasgo nem competência.
A recente entrevista de João Ferreira do Amaral a José Gomes Ferreira, no programa «Negócios da Semana» (que infelizmente não se encontra disponível na respectiva página), constitui neste sentido um excelente mapeamento das sinuosidades que desenham a estrada de Damasco, dando conta das principais questões que é preciso discutir para sair da crise. Seria este o debate em que deveriam estar concentrados os líderes europeus. Mas o mais provável é que apenas sejam obrigados a despertar do seu son(h)o ideológico quando o fracasso das opções em que insistem, e reincidem, não mais se possa ocultar perante a luz incandescente das evidências que o mundo real nos oferece a cada dia que passa.
Um verdadeiro murro no estômago
As agências de notação estavam erradas quando exigiam austeridade aos governos das periferias da UE por terem défices e dívida pública elevados. Por isso, a Espanha e a Itália que se cuidem. Contudo, as razões agora invocadas pela Moody's para descer a notação do país são plausíveis e resumem-se em poucas palavras: a austeridade não resulta. Compreende-se a histeria do Presidente da República e dos arautos da doutrina neoliberal. Pela primeira vez, um actor do sistema financeiro internacional diz-lhes que vamos a caminho do abismo. É um verdadeiro "murro no estômago", como disse o primeiro-ministro, mas sobretudo para o bloco central dos economistas que professam uma teoria económica "da idade das trevas", para usar a sugestiva expressão de Paul Krugman.
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Mais Europa à custa da democracia?
A alternativa é perdoar a totalidade, ou a maior parte, da dívida pública grega (de qualquer modo é impossível pagá-la); recapitalizar os bancos alemães, franceses (e gregos); conceder à Grécia apoio suficiente para que possa realizar investimento público em infraestruturas num volume tal que arraste o investimento privado e reponha a saúde da sua economia. Se quiserem, este é o cenário “Plano Marshall”. Este plano poderia ser financiado por Euro-obrigações (proposta do Sr. Juncker), por financiamento directo do BCE, ou por uma taxa Tobin (ou por uma combinação destas três formas); assim, ‘o custo para o contribuinte europeu’ seria de menor importância.
Alternativas deste tipo serão de facto alternativas? As Euro-obrigações obrigam os países ricos a assumir a responsabilidade pelas dívidas de todos, pelo menos até certo ponto (por exemplo até 60% do PIB de cada país). O problema, para mim da maior importância, é que a mutualização da dívida dos estados não tem apoio político e, por isso mesmo, nunca foi proposta pelos partidos políticos desses países. Por outro lado, o financiamento através do BCE por criação de moeda poria em causa as condições exigidas pelos alemães quando aceitaram abandonar o marco.
Infelizmente, grande parte do que tem vindo a ser proposto para superar a presente crise assenta num pressuposto que me parece anti-democrático: admite-se que, sob a pressão da finança europeia que não quer suportar qualquer custo, e face ao alto risco de incumprimento dos países devedores, os governantes alemães, holandeses, austríacos e finlandeses acabarão por dar o passo federalista colocando os seus concidadãos perante o facto consumado. Para superar a crise temos de sacrificar a democracia?
Para reflectir sobre esta questão vale a pena ler este texto.
A retórica dos interesses
Como é maleável a retórica dos interesses dominantes. A tese de que os gastos públicos consomem recursos do sector privado que, se libertados, provocarão uma libertação das forças vivas da produção e crescimento económico era ainda há pouco tempo enunciado como verdade evidente por vastos sectores da direita política, apoiando-se na respeitável retórica da direita académica. Setenta anos depois da Grande Depressão, a generalidade da macroeconomia neoclássica tem mantido a lei de Say ligada ao ventilador, desencantando formas rebuscadas de continuar a alegar que toda a oferta gera a sua própria procura, que não há desemprego involuntário, que o conceito de procura agregada não tem fundamento e que a intervenção expansionista do estado é sempre contra-producente e iníqua. Do monetarismo dos anos 70 para a teoria dos ciclos económicos reais dos anos 80 em diante, houve até um retrocesso em termos de realismo, passando a rejeitar-se a mera possibilidade da política monetária (a orçamental fora já discartada) influir no nível de actividade económica e a alegar-se que todas as expansões e contracções são causadas por factores reais (novas tecnologias, chuvas intensas e outras coisas caídas do céu). Toda esta retórica dá imenso jeito em fases de relativa expansão de modo a defender a redução do papel expansivo e estabilizador do estado, não vá a proximidade do pleno emprego ter como consequência que os trabalhadores, menos pressionados pela realidade ou iminência do desemprego, comecem a alcançar direitos e aumentos salariais excessivos e a ter outras ideias mais ousadas. Já quando, como no contexto europeu e norte-americano actual, começa a tornar-se evidente que a procura tem de vir de algum lado e que a austeridade pública é mesmo recessiva, mas se pode argumentar que “tem que ser, pois a dívida é insustentável e o problema tem que ser resolvido assim”, a direita (em Portugal como nos EUA e noutros lados) esquece convenientemente a preocupação com a teoria económica e os convictos anúncios da morte de Keynes. Dispõe de uma retórica igualmente fictícia, mas mais eficaz.
(publicado simultaneamente no Portugal Uncut)
terça-feira, 12 de julho de 2011
Quem pode confiar?
Será que isto está desactualizado, agora que os moralistas económicos nacionais, os da instituição de uma economia crescentemente imoral, foram obrigados a começar a descobrir a União Europeia e o euro, indicando assim que não andaram a fazer mais nada este tempo todo do que pura propaganda, com a prestimosa colaboração de demasiados editorialistas, ao serviço de uma agenda política pouco recomendável? Talvez não esteja totalmente desactualizado, já que os moralistas ainda não desistiram da austeridade, a grande oportunidade para enfraquecer ainda mais posição do trabalho que se organiza e para desmontar o Estado social, à boleia de um processo bárbaro de tentativa de correcção conjuntural dos desequilíbrios externos através da destruição económica, o que diz tudo sobre a insustentabilidade deste euro.
Os moralistas falam de promoção da confiança empresarial, quando o investimento privado colapsa, impulsionado pelos sinais dados pelo público, e até de promoção da poupança, quando o peso do crédito malparado das familias, até aqui dos mais baixos na UE, aumenta, graças ao desemprego de massas permanente e à quebra dos rendimentos. Quem pode confiar?