"O primeiro-ministro diz também que a informação oficial que lhe foi fornecida em 2012 indica que os referidos 2880,26 euros, mais os juros, poderiam ser pagos 'a título voluntário e a qualquer momento para efeito de constituição de direitos futuros, desde que o contribuinte não optasse por invocar a sua prescrição, a qual já ocorrera em 2009'.
Perante esta informação, Passos também nada fez".
Terá ficado a pensar se pagava a dívida ou ficou à espera de uma "reestruturação" mais favorável...?
sábado, 28 de fevereiro de 2015
Inspirador
“É preciso que os jovens tenham a confiança de viver e conviver com o erro e entender que neste mundo, onde cada vez mais vivemos conectados, têm mais a ganhar se colaborarem.” Quem falava assim, afiançava o sempre rigoroso Camilo Lourenço, só podia ser um líder “inspiracional e transformacional”. Zeinal Bava falava assim.
Esta semana, numa sessão da comissão de inquérito ao Espírito Santo, foi então um alegre e confiante convívio de Bava com o erro, no quadro de uma imensa colaboração com Mariana Mortágua, por exemplo. Uma inspiração para todos os jovens, que assim têm ficado a conhecer melhor os meandros do capitalismo financeiro realmente existente.
Uma das coisas mais interessantes que temos visto é como o discurso do empresarialmente correcto, o que gosta muito de alardear os génios da gestão, só para justificar os seus colossais rendimentos, é uma fraude, que de resto só tem paralelo na do empreendedorismo individual ou na da psicologia positiva alardeada pelos privilegiados deste mundo, os que não hesitam em regurgitar nos jornais o quem quer, consegue.
Os resultados destas fraudes vão da legitimação da crescente desigualdade salarial à promoção da pulverização empresarial, passando pela promoção de uma depressiva pulsão egoísta ou pela ofuscação do paciente trabalho coletivo que é requerido para montar uma organização; uma organização como foi a PT antes da sua crescente fragilização pela privatização e pela financeirização, as duas tendências neoliberais de que o empresarialmente correto é em parte reflexo ideológico degradado: no fundo, todos falavam de Bava, de Granadeiro ou de Salgado, mas ninguém falava do colectivo de trabalho que fez a PT.
Tudo isto faz-me lembrar Brecht, que já tinha intuído isto tudo: Quem construiu Tebas de sete portas?
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
Os «desequilíbrios que vêm de trás» e os trambolhões que o «sucesso do ajustamento» causou
A Comissão Europeia (CE) decidiu lançar um balde de água gelada na campanha de propaganda em curso sobre o sucesso do «ajustamento» português. No quadro das análises do semestre económico, a CE decidiu colocar Portugal sob vigilância apertada por «desequilíbrios excessivos», salientando os riscos ligados aos «níveis elevados de dívida, tanto internamente como externamente, e elevado desemprego», não deixando igualmente de sublinhar que o sistema de protecção social português foi incapaz de lidar com o aumento da pobreza nos últimos anos, em virtude de os cortes nos apoios sociais terem afectado «desproporcionalmente» os mais pobres. E como se não bastasse, a Comissão Europeia vem ainda reclamar pelo abrandamento nas reformas estruturais depois da «saída limpa» e assinalar o óbvio: que o «crescimento potencial de longo prazo não chega para pagar a dívida pública». Como retrato do aclamado «sucesso do ajustamento» e como exercício de enjeitar responsabilidades, estamos conversados. O médico acaba de culpar o paciente pelos efeitos da terapia que prescreveu e que pretende reforçar.
A reacção do governo tardou mas lá acabou por chegar, pela voz de Luís Marques Guedes. De acordo com o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, os desequilíbrios económicos apontados pela Comissão Europeia «são chagas que vêm de trás» e que registaram, segundo o governo, uma evolução positiva nos últimos anos. Como retrato do estado de pânico e de negação em que a maioria de direita se encontra, estamos conversados. Em vez de questionar o médico pelos efeitos causados pela terapia prescrita (e apesar do entusiasmo com que a aceitou), o paciente prefere passar adiante e dizer que, sendo maleitas que já vêm de longe, até se estão a resolver.
Olhemos para o que se passou nos últimos anos, em alguns dos domínios que a CE identifica como «desequilíbrios excessivos», considerando três momentos distintos. A situação em 2007 (antes do impacto da crise financeira), no final de 2010 (antes da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika) e a situação em 2014, depois de três anos de «glorioso ajustamento» e de paradigmática «mudança estrutural» da economia e da sociedade portuguesa.
Em resultado da sangria migratória e da quebra acentuada no saldo natural nos últimos três anos, Portugal atingiu em 2014 um saldo demográfico negativo (-60 mil) que é absolutamente inédito na nossa história recente e longínqua. A destruição de emprego, por sua vez, atingiu entre 2010 e 2014 níveis colossais (com uma quebra de cerca de 8%, o dobro da registada entre 2007 e 2010) e o desemprego dispara no mesmo período de 11 para 14% (sendo que sem as operações de camuflagem estatística de desempregados esta subida seria muito mais significativa). A dívida pública em percentagem do PIB não cessou de aumentar e a percentagem de população em risco de pobreza conhece novos patamares, em linha com a hipocrisia que subjaz à garantia de «ética social na austeridade».
Tudo isto, atente-se bem, em consequência de um programa de «ajustamento» que prometia «salvar o país», proceder a um «equilíbrio sustentável das finanças públicas» e corrigir os tais «desequilíbrios estruturais». O que comprova que os sacrifícios valeram mesmo a pena, só é preciso continuar a insistir.
A reacção do governo tardou mas lá acabou por chegar, pela voz de Luís Marques Guedes. De acordo com o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, os desequilíbrios económicos apontados pela Comissão Europeia «são chagas que vêm de trás» e que registaram, segundo o governo, uma evolução positiva nos últimos anos. Como retrato do estado de pânico e de negação em que a maioria de direita se encontra, estamos conversados. Em vez de questionar o médico pelos efeitos causados pela terapia prescrita (e apesar do entusiasmo com que a aceitou), o paciente prefere passar adiante e dizer que, sendo maleitas que já vêm de longe, até se estão a resolver.
Olhemos para o que se passou nos últimos anos, em alguns dos domínios que a CE identifica como «desequilíbrios excessivos», considerando três momentos distintos. A situação em 2007 (antes do impacto da crise financeira), no final de 2010 (antes da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika) e a situação em 2014, depois de três anos de «glorioso ajustamento» e de paradigmática «mudança estrutural» da economia e da sociedade portuguesa.
Em resultado da sangria migratória e da quebra acentuada no saldo natural nos últimos três anos, Portugal atingiu em 2014 um saldo demográfico negativo (-60 mil) que é absolutamente inédito na nossa história recente e longínqua. A destruição de emprego, por sua vez, atingiu entre 2010 e 2014 níveis colossais (com uma quebra de cerca de 8%, o dobro da registada entre 2007 e 2010) e o desemprego dispara no mesmo período de 11 para 14% (sendo que sem as operações de camuflagem estatística de desempregados esta subida seria muito mais significativa). A dívida pública em percentagem do PIB não cessou de aumentar e a percentagem de população em risco de pobreza conhece novos patamares, em linha com a hipocrisia que subjaz à garantia de «ética social na austeridade».
Tudo isto, atente-se bem, em consequência de um programa de «ajustamento» que prometia «salvar o país», proceder a um «equilíbrio sustentável das finanças públicas» e corrigir os tais «desequilíbrios estruturais». O que comprova que os sacrifícios valeram mesmo a pena, só é preciso continuar a insistir.
Francisco Assis, o pragmatismo e a moderação
Francisco Assis fez ontem no Público a sua habitual defesa do bom-senso conservador – essa mistura de responsabilidade, pragmatismo e moderação – que, segundo nos explica recorrentemente, é a única via possível para uma evolução respeitável do mundo em que vivemos.
Segundo Assis, este é o caminho que o governo grego tem vindo a trilhar. “O Governo grego tem dado provas de uma respeitável dose de pragmatismo”, diz-nos o eurodeputado socialista, acrescentando que “não há Europa, nem há soluções europeias para a presente crise, se descurarmos essa virtude essencial que é a moderação”.
É um facto que não faltou responsabilidade, bom-senso e moderação à social-democracia europeia nos últimos 25 anos. Foi assim que os governos socialistas aprovaram o Tratado de Maastricht em 1992, tornando a Europa prisioneira de uma trajectória deflacionista e da deterioração social contínua, que só poderá ser intervertida com moderação no dia em que todos os Estados da UE aceitarem uma alteração substancial do Tratado. A família social-democrata europeia, em que o PS se insere, supostamente tentou em 1997 que a 'Europa do Mercado' saída de Maastricht fosse moderada por uma 'Europa Social', mas o Tratado de Amesterdão não fez mais do que institucionalizar o princípio da ‘flexibilização laboral’ à escala da UE. Os socialistas europeus criaram depois a Estratégia de Lisboa para que o objectivo da competitividade fosse prosseguido através do conhecimento e da inovação, moderando assim a pressão para a desvalorização de salários e direitos sociais, até ver essa estratégia ser utilizada para colorir com tons de rosa o aprofundamento da desregulamentação do direitos laborais e da liberalização irrestrita dos mercados na UE. Em 2008 defendeu uma resposta keynesiana à maior crise económica mundial desde a década de 1930 e acabou pouco depois a implementar programas de austeridade cujo único sucesso visível foi acelerar a concretização da agenda conservadora na Europa.
Sempre, mas sempre, com bom-senso e muita moderação, em busca de 'soluções europeias' e para que houvesse 'Europa', os socialistas europeus, PS incluído, foram responsáveis, de facto: responsáveis por termos hoje uma UE que é mais fonte de problemas do que de soluções, pelo menos para quem defende uma sociedade mais justa.
Há um aspecto em que concordo com Assis: o governo grego tem dado mostras de grande pragmatismo. E é por razões pragmáticas que devemos perceber que, como em tudo, até na moderação devemos ser moderados.
Segundo Assis, este é o caminho que o governo grego tem vindo a trilhar. “O Governo grego tem dado provas de uma respeitável dose de pragmatismo”, diz-nos o eurodeputado socialista, acrescentando que “não há Europa, nem há soluções europeias para a presente crise, se descurarmos essa virtude essencial que é a moderação”.
É um facto que não faltou responsabilidade, bom-senso e moderação à social-democracia europeia nos últimos 25 anos. Foi assim que os governos socialistas aprovaram o Tratado de Maastricht em 1992, tornando a Europa prisioneira de uma trajectória deflacionista e da deterioração social contínua, que só poderá ser intervertida com moderação no dia em que todos os Estados da UE aceitarem uma alteração substancial do Tratado. A família social-democrata europeia, em que o PS se insere, supostamente tentou em 1997 que a 'Europa do Mercado' saída de Maastricht fosse moderada por uma 'Europa Social', mas o Tratado de Amesterdão não fez mais do que institucionalizar o princípio da ‘flexibilização laboral’ à escala da UE. Os socialistas europeus criaram depois a Estratégia de Lisboa para que o objectivo da competitividade fosse prosseguido através do conhecimento e da inovação, moderando assim a pressão para a desvalorização de salários e direitos sociais, até ver essa estratégia ser utilizada para colorir com tons de rosa o aprofundamento da desregulamentação do direitos laborais e da liberalização irrestrita dos mercados na UE. Em 2008 defendeu uma resposta keynesiana à maior crise económica mundial desde a década de 1930 e acabou pouco depois a implementar programas de austeridade cujo único sucesso visível foi acelerar a concretização da agenda conservadora na Europa.
Sempre, mas sempre, com bom-senso e muita moderação, em busca de 'soluções europeias' e para que houvesse 'Europa', os socialistas europeus, PS incluído, foram responsáveis, de facto: responsáveis por termos hoje uma UE que é mais fonte de problemas do que de soluções, pelo menos para quem defende uma sociedade mais justa.
Há um aspecto em que concordo com Assis: o governo grego tem dado mostras de grande pragmatismo. E é por razões pragmáticas que devemos perceber que, como em tudo, até na moderação devemos ser moderados.
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015
Excedentes primários
Numa altura em que se discute o programa europeu para a Grécia, vale a pena fazer um pequeno ponto sobre os saldos primários excedentários gregos… e portugueses. Um saldo primário é a diferença entre as receitas e despesas do Estado antes das despesas com a dívida (juros e eventuais amortizações). Um excedente primário significa que o Estado está a receber mais do que gasta, antes da despesa com a dívida. O Estado está a poupar. Esta realidade tem implicações para a economia.
Uma economia pode ser dividida em sector público, sector privado (famílias e empresas) e resto do mundo. Os saldos entre eles têm que ser iguais a zero. Se um poupa então o outro tem que gastar mais do que recebe. Numa equação simples: saldo líquido do sector privado + saldo líquido do estado - saldo líquido com resto do mundo = 0. Se como acontece hoje na Grécia, e em Portugal, temos uma poupança do Estado, então o sector privado tem de gastar mais do que recebe (défice) e/ou o resto do mundo tem de gastar mais do que recebe do país em causa (excedente externo).
Aquando do início da crise, quer a Grécia, quer Portugal, acumularam gigantescos défices externos. O resultado foi por isso correspondentes défices nos sectores público e privados destes países. Com a austeridade violenta, os défices públicos e privado caíram em ambos países, logo o défice externo também caiu. Como a procura externa não aumentou o suficiente, a fonte externa de excedente foi pois a contracção do PIB e consequente redução de importações.
Hoje ambos os países têm saldos primários públicos positivos e pequenos excedentes externos. Há quem argumente que visto que o ajustamento já foi em grande medida feito, a manutenção do presente status quo não terá efeitos no produto destes países. Ou seja, uma pausa na austeridade tornaria o papel orçamental do sector público neutro em termos de impacto no sector privado (famílias e empresas). Tal conclusão é falsa. Na Grécia, com saldos orçamentais positivos superiores aos excedentes externos (que se mostram muito pouco sustentáveis), o resultado do primeiro só pode ser um: continuação da contracção da despesa do sector privado, recessão e redução de importações que possibilite o equilíbrio da equação. Conclusão, qualquer manutenção de saldos primários positivos implica sempre um impacto recessivo sobre a economia, tornando qualquer recuperação uma miragem.
Finalmente, há um bom contra-argumento: o que conta é o défice público total e não o saldo primário. Isto seria verdade se a despesa com juros e dívida fosse mera distribuição interna de rendimento entre o sector público e o sector privado. Não é o caso. A dívida é detida na sua esmagadora maioria por agentes estrangeiros, logo os seus pagamentos são perdas de rendimento nacional para o exterior. O défice público não permite um equilíbrio com a poupança privada nacional. A conclusão é óbvia: a austeridade não desapareceu, na Grécia ou em Portugal, e os seus efeitos negativos também não; andaremos assim entre estagnação e crise. Até que o que tem de ser feito seja feito...
Uma economia pode ser dividida em sector público, sector privado (famílias e empresas) e resto do mundo. Os saldos entre eles têm que ser iguais a zero. Se um poupa então o outro tem que gastar mais do que recebe. Numa equação simples: saldo líquido do sector privado + saldo líquido do estado - saldo líquido com resto do mundo = 0. Se como acontece hoje na Grécia, e em Portugal, temos uma poupança do Estado, então o sector privado tem de gastar mais do que recebe (défice) e/ou o resto do mundo tem de gastar mais do que recebe do país em causa (excedente externo).
Aquando do início da crise, quer a Grécia, quer Portugal, acumularam gigantescos défices externos. O resultado foi por isso correspondentes défices nos sectores público e privados destes países. Com a austeridade violenta, os défices públicos e privado caíram em ambos países, logo o défice externo também caiu. Como a procura externa não aumentou o suficiente, a fonte externa de excedente foi pois a contracção do PIB e consequente redução de importações.
Hoje ambos os países têm saldos primários públicos positivos e pequenos excedentes externos. Há quem argumente que visto que o ajustamento já foi em grande medida feito, a manutenção do presente status quo não terá efeitos no produto destes países. Ou seja, uma pausa na austeridade tornaria o papel orçamental do sector público neutro em termos de impacto no sector privado (famílias e empresas). Tal conclusão é falsa. Na Grécia, com saldos orçamentais positivos superiores aos excedentes externos (que se mostram muito pouco sustentáveis), o resultado do primeiro só pode ser um: continuação da contracção da despesa do sector privado, recessão e redução de importações que possibilite o equilíbrio da equação. Conclusão, qualquer manutenção de saldos primários positivos implica sempre um impacto recessivo sobre a economia, tornando qualquer recuperação uma miragem.
Finalmente, há um bom contra-argumento: o que conta é o défice público total e não o saldo primário. Isto seria verdade se a despesa com juros e dívida fosse mera distribuição interna de rendimento entre o sector público e o sector privado. Não é o caso. A dívida é detida na sua esmagadora maioria por agentes estrangeiros, logo os seus pagamentos são perdas de rendimento nacional para o exterior. O défice público não permite um equilíbrio com a poupança privada nacional. A conclusão é óbvia: a austeridade não desapareceu, na Grécia ou em Portugal, e os seus efeitos negativos também não; andaremos assim entre estagnação e crise. Até que o que tem de ser feito seja feito...
Na pele dos outros
«Portugal em "vigilância apertada" pela comissão europeia devido aos desequilíbrios excessivos (antecâmara das sanções). Agora imaginem que Varoufakis vai à próxima reunião pedir mão pesada para Portugal e contextualizamos melhor o comportamento do governo nacional. Mas não deixa de ser sintomático que Portugal esteja "debaixo de olho" de Bruxelas, menos de uma semana depois de Maria Luís Albuquerque ter aceitado, de forma indigna, participar numa cerimónia com o único propósito de mostrar o governo grego que a Alemanha gostaria de ter. O dócil e cordato governo do PSD e CDS. Uma semana depois veio a factura do "sucesso".»
Pedro Sales (facebook)
Tempo para quê?
Em troca de cedências importantes em matérias de princípio, o governo grego ganhou algum tempo. A pergunta que se impõe é, por isso, "Tempo para quê?".
Após os desenvolvimentos políticos em catadupa dos últimos dias, a situação parece ter finalmente estabilizado com a assinatura do acordo de princípio entre o governo grego e o Eurogrupo e a aparente aceitação por este último do pacote de medidas proposto. O que para já ainda não cessou é a disputa política em torno da interpretação deste desenlace: todos, ou quase todos, reclamam algum tipo de vitória, ainda que a maior parte destas interpretações seja mutuamente contraditória.
Esta latitude de interpretações é permitida, em primeiro lugar, pela diversidade de critérios utilizada para aferir o desenlace. Do ponto de vista do governo grego, por exemplo, estamos perante uma vitória quando se alcança progressos face à situação anterior? Quando se evita um desenlace considerado catastrófico? Quando se alcança o melhor que era possível alcançar dadas as circunstâncias? Ou quando se alcança os objetivos propostos?
Outro elemento que permite a existência de exegeses contraditórias é a bizantina opacidade, quando não mesmo incompreensibilidade, do próprio acordo, que visa precisamente acomodar interpretações diversas - pelo menos até certo ponto, mas já lá iremos. Esta ambiguidade ao nível do acordo de princípio estende-se também à lista das medidas, na qual os termos genéricos e a ausência de quantificação ou calendarização precisas permitem (mais uma vez, até certo ponto) acomodar um grande número de interpretações.
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
Debate: Protecção Social e Terceiro Sector em Portugal
«Nas reformas efectuadas ao longo de quase um século em matéria de assistência social e mais recentemente de solidariedade social, esteve e continua a estar a necessidade de transformar o velho paradigma assistencialista e residual num modelo capaz de responder aos mais recentes desafios da protecção social, uma cidadania social assente na efectivação de direitos e na participação activa de todas as partes envolvidas, concretizado através de medidas, programas, projectos.
Os desafios que se apresentam, no actual contexto, ao nível da protecção social são enormes e a solução a adotar face aos problemas presentes, bem como o rumo a seguir em matéria de Modelo de Protecção Social que desejamos, tornam o actual momento, também num momento decisivo para o futuro da cooperação entre o Estado e o Terceiro Setor. Que modelo queremos para Portugal?»
O debate, promovido pelo Observatório sobre Crises e Alternativas (CES Lisboa), com o apoio do Câmara Municipal de Lisboa, tem lugar amanhã, 26 de Fevereiro, no Centro de Investigação Urbana de Lisboa (Picoas Plaza, Rua do Viriato, 13E), a partir das 18h00. Participam na sessão Cláudia Joaquim (Economista, autora do terceiro Caderno do Observatório, hoje divulgado), Eugénio Fonseca (Presidente da Cáritas Portuguesa) e Pedro Adão e Silva (Sociólogo). A moderação do debate será feita por Manuel Carvalho da Silva (Sociólogo, Observatório sobre Crises e Alternativas). Estão todos convidados.
Portugal não é a Grécia
Há duas questões que vão suscitar uma imensa perplexidade a economistas, sociólogos e historiadores que se debrucem nas próximas décadas, com o distanciamento que o tempo permite, sobre o período que a Europa atravessa.
A primeira diz respeito ao lembrete que o João Ramos de Almeida aqui deixou, sobre o falhanço da austeridade. Como foi possível, perguntarão os cientistas sociais, que após a implementação de um conjunto de programas de «ajustamento» em diferentes países, impregnados até à medula pela opção da austeridade, os governos europeus não tenham decidido parar para fazer um balanço e retirar conclusões sobre o seu insucesso, preferindo assobiar para o ar e insistir na mesma receita, como se nada se tivesse passado?(*) Em tempos normais, uma conferência europeia sobre a dívida (que a Grécia propôs e a Europa rejeitou), comportaria necessariamente um debate prévio e consequente sobre a austeridade, que impediria os oportunos estados de negação nesta matéria.
A segunda questão, que não deixará de causar uma arrepiante estranheza no futuro, é a de saber como foi possível que se instalasse, na Europa do século XXI, uma tamanha indiferença dos governos (e um relativo silêncio social) perante o sofrimento causado pelas próprias políticas de austeridade, como se apenas de um irrisório dano colateral se tratasse. O continente europeu, que no pós-guerra foi para o mundo um farol civilizacional no respeito pela vida e pela dignidade humana, parece ter placidamente aceite que, em pleno século XXI, crianças pudessem passar fome e pessoas pudessem morrer por falta de acesso a cuidados de saúde, que famílias inteiras ficassem sem emprego e sem casa ou passassem frio por não poder pagar eletricidade. Na Grécia, como aqui.
É por isso que o recente acordo entre o governo grego e o Eurogrupo, apesar de todas as suas limitações e ambiguidades, não pode deixar de ser encarado como uma afirmação da decência e da dignidade numa Europa anestesiada e complacente com fenómenos que não era suposto terem lugar no nosso tempo. Como foi possível, perguntarão no futuro os cidadãos europeus, que mesmo acreditando que a austeridade era o caminho para superar a crise, se tenham permitido os níveis de sofrimento e privação a milhões de pessoas, como os que foram permitidos? Como foi possível não garantir à partida, em nome dos próprios valores europeus, a necessidade de acompanhar a receita austeritária com um programa de salvaguarda social, minimamente aceitável?
Nestes dias, Portugal já não é de facto a Grécia. Por cá, continua o desprezo governamental pelo sofrimento dos seus concidadãos, sem hesitações em cortar na saúde e na educação pública, no RSI, CSI e outras prestações sociais (ao arrepio de recomendações da própria OCDE ou ignorando, como muito provavelmente irá suceder, as conclusões do relatório da Amnistia Internacional, em que se denunciam, pela primeira vez, os impactos sociais da austeridade). Tudo isto ao mesmo tempo que se abrem «cantinas sociais» em catadupa (nada de senhas de alimentação para a malandragem) e se transferem massivamente recursos públicos, sem escrutínio, para as IPSS.
Na Grécia, o novo governo responde em sentido contrário, alinhado com o programa que sufragou nas eleições: assegura o acesso gratuito a eletricidade e senhas de alimentação a pelo menos 300 mil famílias, cuidados de saúde para os grupos mais vulneráveis da população, a restituição do 13º mês nas pensões abaixo de 700 euros e a criação de um Rendimento Mínimo, entre outras respostas à crise humanitária que se vive naquele país. Medidas que, sendo financiadas por ajustes nas despesas do Estado, não comportam o agravamento do défice orçamental. Escolhas políticas portanto e não, como é evidente, inevitabilidades técnicas.
(*) Num generoso gesto de serviço público, a Helena Araújo tem-se recentemente dedicado a traduzir, no 2 Dedos de Conversa, um conjunto interessante de artigos de opinião saídos na imprensa alemã, demonstrativos de que, também por lá, as mudanças políticas ocorridas na Grécia avivaram o debate em torno do fracasso da austeridade.
Amanhã
Para comemorar o lançamento do nº 100 do Le Monde Diplomatique (edição portuguesa) e angariar fundos para o jornal, realiza-se um jantar na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, no decurso do qual serão leiloadas obras generosamente cedidas por artistas amigos e simpatizantes.
A participação no evento requer confirmação prévia para o email [jantar.leilao@gmail.com].
terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
Lembrança de outros tempos
Poucos meses depois do 25 de Abril, lembro-me de ter daquelas discussões violentíssimas com militantes de partidos que hoje seriam considerados extrema-extrema esquerda, sobre - pasme-se! - se tinha valido a pena ter acontecido a revolução. "Revolução? Aquilo foi um golpe de Estado. Nada mudou, está tudo na mesma!", diziam-me. E eu discutia com aqueles argumentos reformistas, quase social-democratas, que hoje seriam considerados de esquerda radical: "Os presos políticos foram libertados, a imprensa é livre, podemos manifestar-nos quando queremos". E eles continuavam: "A guerra continua, as estruturas do Estado não foram destruídas, temos um Governo com todos os homens do regime reabilitados e elevados a salvadores da Pátria". E eu citando as palavras de Álvaro Cunhal: "Estamos noutra fase, temos de consolidar aquilo que foi conquistado, tudo a seu tempo". Eram momentos loucos, em que cada lado parecia ser incapaz de dar o braço a torcer. Tinha-se de convencer, vencer. Quem se calava, perdia. Éramos todos muito jovens e ansiosos, emocionalmente envolvidos em tudo até à exaustão. E ambos os lados tinham razão. Apenas mudava a estratégia. E a sensação de que tudo tinha de ser feito naquele instante.
Não sei porquê, veio-me à lembrança estas cenas à medida que ia lendo os argumentos desanimados sobre os acontecimentos na Grécia. Houve recuo, não houve recuo?
Tempo, apenas tempo.
Preparados?
Depois do acordo de dia 20 e das medidas apresentadas hoje pelo governo grego, já é mais fácil desenhar alguns cenários sobre o que se irá passar durante os próximos 4 meses. Poder-se-ia dizer que o próximo combate será em Junho mas, se se quiser ser mais exato, o combate será um braço-de-ferro permanente, de baixa-média intensidade, durante os próximos 4 meses.
Antes de mais, o acordo. A Grécia partia para estas negociações com uma fragilidade. A única fonte de poder negocial de que o Estado grego dispunha (e dispõe), a ameaça de incumprimento e ruptura, era, no contexto das negociações, pouco ou nada credível. Por duas razões:
- Em primeiro lugar, o governo grego ainda se está a instalar, a por ordem nos ministérios que o governo anterior sabotou cuidadosamente e a tentar domar o aparelho do Estado grego. Um processo nada fácil, sobretudo quando se dispõe de poucos quadro com experiência governativa.
- Em segundo lugar, este governo foi eleito com um claro mandato: romper com a política de austeridade, mantendo o país no euro. Uma quadratura do círculo, dizem muitos, e as instituições europeias parecem querer dar-lhes razão. Mas é esse o mandato do governo e, assim sendo, o cenário da saída só poderia ser explorado em face da evidência da inviabilidade de uma “saída por dentro”.
Perante isto, o governo enfrentou estas negociações com fortíssimas restrições financeiras, económicas e políticas. Mesmo assim, a tentativa anterior por parte da Alemanha de proceder a uma pura extensão do memorando de entendimento foi recusada e acabou por sair da mesa em benefício deste acordo. O saldo é um documento críptico, ao bom estilo das instituições europeias, cheio de ambiguidades e silêncios habilidosos. Desse documento resultam vitórias e derrotas de parte a parte e alguns empates. Os empates são as partes pura e simplesmente imperceptíveis.
O governo grego fez neste processo várias concessões, nomeadamente o facto de o empréstimo ter passado a ser de 4 meses e condicionado à aprovação prévia das medidas a aplicar. Ao mesmo tempo, o Governo grego compromete-se a não reverter medidas aprovadas no âmbito do programa de ajustamento, embora haja excepções neste domínio. O acordo admite a flexibilização da meta do excedente primário, mas apenas para 2015.
Por outro lado, os gregos conseguiram desativar o acordo deixado por Samaras e pelo Eurogrupo para o corte das pensões e o aumento do IVA. O BCE irá desbloquear os lucros obtidos com a dívida grega, que ascendem a 1,9 mil milhões de euros, cerca de 1% do PIB grego. Apesar da regra de não-reversão das medidas do anterior governo, o governo grego irá reintegrar 2100 funcionários públicos ilegalmente despedidos e proceder a um aumento faseado do salário mínimo.
As medidas apresentadas pelo governo grego (e, presume-se, previamente acordadas com quem interessa) apontam para o fim das medidas de austeridade e incluem algumas medidas com impacto na receita fiscal (na maior parte dos casos, não imediato), bem como medidas que poderão constituir um pequeno estímulo económico. A lista é dominada por medidas de baixo ou nenhum custo mas, ao mesmo tempo, o governo grego reclama para si próprio áreas de soberania no plano de salários, pensões e investimento. As instituições europeias terão, obviamente, outras ideias.
O empréstimo só será concretizado em Abril. Adivinha-se até lá muita guerra de bastidores. O governo grego tentará esticar a corda das políticas de estímulo económico, a Alemanha tentará limitá-las ao máximo. Apesar disso, e ao contrário de muitos aqui e na Grécia, penso que o governo grego conseguiu condições aceitáveis para os próximos meses. Se este programa for implementado, a Grécia ganhará alguma margem de manobra orçamental e poderá até ter algum crescimento, embora sem criação relevante de emprego. E responderá diretamente ao desespero de centenas de milhares de famílias, o que só poderá aumentar a sua base de apoio político.
A questão decisiva é qual é que será a atitude do governo grego nas negociações de Junho, essas sim, absolutamente decisivas. O presente acordo não fecha a porta, mas também não diz nada de concreto sobre reestruturação da dívida. Por outro lado, a flexibilização do excedente primário é apenas para 2015, o que faz adivinhar um novo confronto a esse nível para os anos seguintes. Se a estratégia de ganhar tempo serve para este pequeno prolongamento e para uma resposta de curto prazo à emergência social, em Junho a discussão será outra. Tratar-se-á de saber se o novo Governo consegue impor soluções para os problemas estruturais e aí já não vai ser só uma questão de tempo.
Ou seja, a próxima vai ser pior. O que significa que o governo terá de trabalhar em várias frentes. Por um lado, terá de empurrar ao máximo os limites deste acordo para chegar nas melhores condições possíveis (económicas, sociais e políticas) às negociações de Junho. Por outro lado, terá de preparar um pacote negocial sólido para apresentar nesse contexto, que lhe permita assegurar um apoio popular esmagador e responder a sério aos problemas da sua economia. Finalmente, terá de preparar metódica e afincadamente um cenário de saída do Euro.
Este último elemento é decisivo. A questão da saída do Euro não é um debate sobre possibilidades longínquas. Podia ter acontecido agora, pode acontecer em Junho, pode até acontecer entretanto, se as interferências das instituições europeias se mantiverem e agravarem. Num cenário de radicalização dessas negociações, um governo grego que não esteja preparado para incumprir e sair no dia seguinte é um governo desarmado. E se há alguma coisa de que as atuais instituições europeias e a Alemanha já deram provas é da sua espetacular insensatez. A Grécia precisa de um Governo que "esteja à altura do que lhe acontecer". O que quer que isso seja.
O critério para avaliar o sucesso negocial da Grécia
O acordo obtido na reunião do Eurogrupo da passada sexta-feira não representa seguramente uma vitória do governo grego. É certo que Varoufakis levou para casa a possibilidade de regresso dos bancos gregos ao financiamento regular pelo BCE e a expectativa de conseguir contornar algumas das medidas previstas no actual programa de ajustamento. Trata-se, porém, de meras expectativas e possibilidades, em qualquer caso sujeitas à aprovação dos restantes membros do Eurogrupo e/ou à arbitrariedade do Conselho de Governadores do BCE. Como se não bastasse, o acordo não resolve as dificuldades de financiamento do Estado grego: primeiro, o dinheiro do programa em vigor destinado à recapitalização dos bancos helénicos, que até aqui poderia ser utilizado pelas autoridades nacionais com alguma descrição, passou a ser controlado pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade; segundo, o acordo estende-se apenas por quatro meses, o que não cobre o período de Julho e Agosto, o mais exigente no que respeita à amortização da dívida pública grega.
O Eurogrupo pode até aceitar por agora a lista de reformas apresentada por Atenas, mas tal também não significa que o governo de Tsipras esteja a levar a água ao seu moinho. Quem controla as instituições europeias continua a poder decidir a cada momento se o comportamento grego é ou não aceitável – e a mensagem continua a ser muito simples: as metas que foram acordadas pelo anterior governo são para cumprir. Qual o espaço que fica, perante isto, para o governo grego cumprir qualquer coisa que se assemelhe ao programa com que foi eleito é algo que só conseguiremos perceber nos próximos meses, se entretanto não se consumar uma ruptura (interna ou externa).
O Syriza venceu as eleições com um mandato claro: parar com a austeridade sem sair do euro. Em última instância, este é o critério fundamental para avaliar o sucesso negocial da Grécia neste processo. Nas presentes circunstâncias, parar com a austeridade significa não aumentar o IVA, não cortar salários nem pensões, e acudir às emergências sociais. Apesar de serem objectivos modestos, o governo grego não conseguirá atingi-los sem pôr em causa as metas orçamentais definidas no programa de ajustamento em vigor, a menos que encontre novas fontes de receita. Varoufakis vai tentar convencer os seus congéneres europeus de que tal é possível através da combinação de: (i) um combate eficaz à evasão fiscal, (ii) a taxação das grandes fortunas, (iii) um contexto macroeconómico externo mais favorável (prosseguimento da desvalorização do euro e queda do preço do petróleo, realização do impacto das políticas do BCE sobre os juros, crescimento da procura interna no conjunto da zona euro, etc.) e (iv) a canalização para a Grécia de investimentos financiados pelas instâncias europeias (nomeadamente o Banco Europeu de Investimentos).
Não sabemos se as instituições europeias vão alinhar com, ou sequer tolerar, esta visão. Se o fizerem, o governo grego ganha não apenas alguns meses para se preparar melhor para todas as contingências, mas também a oportunidade de demonstrar ao resto da UE que só travando a austeridade é possível implementar muitas das reformas consideradas necessárias na sociedade grega (uma mensagem que muitos governos, incluindo o português, não vão gostar de ouvir). Se, pelo contrário, os poderes europeus mantiverem a determinação em derrotar e humilhar o governo grego a qualquer custo, o Syriza falhará na estratégia que afirmou ser a sua, restando-lhe uma de duas opções: ou cede à pressão externa e trai o seu programa (arrastando no seu suicídio político uma parte da esquerda europeia) ou devolve aos gregos a palavra sobre o futuro da Grécia na UE (o que pode abrir um novo capítulo na história da integração europeia). Resumindo, vamos andar a discutir a Grécia durante mais algum tempo.
PS: ontem participei no "Programa da Manhã" da Antena 1, num debate sobre este tema, com a jornalista Teresa de Sousa. Fica aqui o link.
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
Lembrete: Os programas da troika falharam
O cenário está montado na Europa para a guerra. Não falo da Ucrânia/Rússia, se bem que seja capaz de imaginar cenários em que esse conflito entre nesta guerra. Mas da guerra ideológica (e de votos) que visa esmagar à nascença uma ampla frente anti-austeridade no seio do "império" e, assim, salvar a cara de quem defendeu a austeridade como medida económica.
Esta percepção não vem de uma profunda análise política europeia, mas da percepção sensorial destas últimas semanas, quando ouvimos:
1) o ministro da CDU alemã das Finanças nas suas várias declarações ("Se eles não querem mais ajuda, nós não os forçamos a aceitá-la"), muitas delas para lá do que seria um aconselhável exercício diplomático de um ministro com responsabilidades comunitárias, o que até lembra a sanha com que o pacto franco-alemão veio esmagar sangrentamente a Comuna de Paris - 80 mil mortos - para restaurar a tranquilidade no império. Não foi assim há tanto tempo (144 anos no próximo 28 de Maio);
2) os argumentos igualmente assanhados do governo PSD/CDS a defender o argumentário da CDU alemã e até aceitar - tal como o fez com a troika - colar-se e aceitar ser usado pelo governo CDU/SPD, como seu peão de briga. (Quem acha que disse estas frases? "O problema é que a Grécia viveu acima das suas possibilidades demasiado tempo e mais ninguém quer dar dinheiro à Grécia sem garantias"; "A Grécia quer mais crédito, mas tem de haver condições... é uma questão de princípio para os ajudar a si próprios" )
3) a satisfação com que pensadores da direita radical esperam - aliás, como o ministro da CDU alemã ("Os gregos terão certamente dificuldade em explicar o acordo aos seus votantes") de que o Syriza caia na rua, às mãos dos seus eleitores, por terem tão claramente rasgado o seu pacto eleitoral.
O que fascina em todo esta corrida ao armamento é que já ninguém discute o que lhe esteve na base: o insucesso do famigerado programa, com o qual querem - ainda - amarrar os gregos. E a Europa.
Voltar e voltar e voltar a discutir o insucesso do programa é essencial para desmontar argumentos nesta guerra em curso.
Vejam-se os vários argumentos suscitados pela direita - alguns de forte eficácia popular - que tornam tudo ainda mais irracional:
1) O interesse nacional é continuar, porque assim ganhamos a confiança dos mercados e, com ela, capacidade negocial para alterar as condições (Primeiro-Ministro no Parlamento, na passada 6F):
Mas os "mercados" - whatever quem sejam - são feitos de entidades pragmáticas que querem ser remunerados pelas suas aplicações. Um programa ineficaz só torna impossível o pagamento da dívida. Portanto, para quê insistir na ineficácia, no falhanço? A única razão é... manter a "rédea curta e porrada na garupa". Seja naquilo que consideram "despesismo", seja na "indisciplina" dos governos de esquerda, seja apenas nos governos de esquerda.
2) A legitimidade democrática grega não vale menos do que a de outros países
Argumento muito repetido e que é um ilusionismo: passar de um tabuleiro de discussão em que se estava a perder para outro em que se ganha. Questões: 1) Se os governos europeus receberam legitimidade dos seus povos para aplicar um programa ineficaz, então são co-responsáveis pela sua ineficácia e devem pagar por isso. E quando se esquivam a esse pagamento apenas estão a fugir às suas responsabilidades e compromissos iniciais de que a terapia levaria ao crescimento económico e ao emprego; 2) Se os governos da zona euro não receberam esse mandato popular para aplicar um programa ineficaz, então estão a exorbitar e podem recuar nas suas posições irracionais de manter o que falhou.
3) O povo grego não pode exigir empréstimos sem aceitar condições
(Schauble e Passos Coelho no Parlamento na 6F passada). Parece uma La Paliçada. Mas para quê manter condições que se sabe serem ineficazes, que falharam? Mais uma vez, apenas por uma questão de poder, ao arrepio da ineficácia.
Quanto mais se pensa nesta irracionalidade, mais se torna óbvio que a questão fundamental é outra ("Há quem queira usar a situação da Grécia para repensar toda a Europa. Eu julgo que é um abuso"). E, por isso, é que tão importante discutir o que correu mal nesta Europa, com estes programas de rolo compressor que nem salvaguardam os interesses dos credores. Falharam, falharam, falharam.
Se reconhecerem o fracasso não lhes sobra nada
1. Quando se referiram à carta de Varoufakis, que solicitava a extensão do acordo de empréstimo com o Fundo de Estabilização Financeira, como um perigoso «cavalo de Troia», talvez os delegados alemães que participaram na reunião do Grupo de Trabalho do euro, realizada na passada quinta-feira, não tenham dado conta do alcance profundo da metáfora a que recorreram. Desconfiados de que a carta do ministro das Finanças grego poderia visar apenas a obtenção de um «financiamento de ponte», «pela porta das traseiras», os representantes do ministério das Finanças alemão, mandatados por Schäuble, decidiram exigir à Grécia «compromissos mais claros e convincentes».
2. Mas o que estava e continua a estar em causa, como assinalou o Manuel Esteves num artigo lapidar no Jornal de Negócios, é a determinação da Europa em «garantir que a Grécia prossegue o rol de políticas que foram prescritas a Portugal, Espanha, Irlanda e Chipre, entre outros», e que incluem «privatizações, flexibilização do mercado laboral, contenção de salários, desregulamentação dos mercados ou redução dos gastos do Estado com serviços públicos». Isto é, as sacrossantas reformas estruturais, essa «espécie de guia de boas práticas que qualquer governo sensato e realista deve seguir». O que obriga a que se faça tudo, mesmo tudo, para que o governo grego não consiga ser bem-sucedido.
3. A austeridade, enquanto solução para a crise, é um conto de fadas que já não convence nem uma criança de cinco anos, minimamente atenta ao mundo que a rodeia. Tal como não convencem as fábulas que se lhe associam, da «austeridade expansionista», das «gorduras do Estado Social», do «empreendedorismo» salvifico ou da «ética social na austeridade», entre outras. Essas são as fissuras que se foram formando nas muralhas do castelo e que, com o tempo, se vão tornando cada vez mais indisfarçáveis. A receita da austeridade, que infligiu um sofrimento tão atroz quanto inútil a milhões de pessoas, fracassou: na Grécia, a dívida pública passou de 133 para 175% entre 2010 e 2014 (quando a previsão inicial da troika apontava para que se atingissem os 144% em 2014); e em Portugal galopou, no mesmo período, de 93 para 129% (quando a versão inicial do memorando estimava um valor de 115% para 2014).
4. Como se torna cada vez mais evidente, a austeridade nunca serviu de facto para combater a crise, mas antes para criar o ambiente necessário à concretização da agenda ideológica que a direita neoliberal, entre nós, jamais conseguiria sufragar em eleições. Da liberalização do mercado de trabalho à destruição dos serviços públicos de saúde, educação e protecção social; das privatizações e mercantilização destes serviços ao aprofundamento da pobreza e das desigualdades como condição necessária para competir, mesmo que tal signifique um processo de subdesenvolvimento económico e de regressão civilizacional. A austeridade é apenas um meio, um instrumento necessário para prosseguir a proclamada «transformação estrutural» do país.
5. É por isso que o grego «cavalo de Troia» constitui um enorme perigo para governos como o europeu e o português, que tentam proteger e preservar um castelo já de si fissurado. Ele enuncia caminhos alternativos e decentes para a superação da crise, quebrando o status quo e ameaçando devolver aos Estados a capacidade de definir políticas de desenvolvimento económico e social, deslaçando assim os fios que a «federação» tece, «para condicionar o poder do povo». Sem a arma da dívida, do défice e da austeridade, como poderá a nossa direita conseguir chegar ao «fundo do pote»? Percebe-se bem que é aqui que radica o pânico e a histeria que se instalaram em Belém e em São Bento logo a seguir ao resultado das eleições gregas, e que tiveram continuidade no servilismo repugnante a que se prestou a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, aninhada aos pés de Schäuble em Berlim. Se reconhecerem o fracasso, tendo que abdicar da camuflagem da austeridade, não lhes sobra nada. Nem programa, nem ideologia, para vencer eleições.
2. Mas o que estava e continua a estar em causa, como assinalou o Manuel Esteves num artigo lapidar no Jornal de Negócios, é a determinação da Europa em «garantir que a Grécia prossegue o rol de políticas que foram prescritas a Portugal, Espanha, Irlanda e Chipre, entre outros», e que incluem «privatizações, flexibilização do mercado laboral, contenção de salários, desregulamentação dos mercados ou redução dos gastos do Estado com serviços públicos». Isto é, as sacrossantas reformas estruturais, essa «espécie de guia de boas práticas que qualquer governo sensato e realista deve seguir». O que obriga a que se faça tudo, mesmo tudo, para que o governo grego não consiga ser bem-sucedido.
3. A austeridade, enquanto solução para a crise, é um conto de fadas que já não convence nem uma criança de cinco anos, minimamente atenta ao mundo que a rodeia. Tal como não convencem as fábulas que se lhe associam, da «austeridade expansionista», das «gorduras do Estado Social», do «empreendedorismo» salvifico ou da «ética social na austeridade», entre outras. Essas são as fissuras que se foram formando nas muralhas do castelo e que, com o tempo, se vão tornando cada vez mais indisfarçáveis. A receita da austeridade, que infligiu um sofrimento tão atroz quanto inútil a milhões de pessoas, fracassou: na Grécia, a dívida pública passou de 133 para 175% entre 2010 e 2014 (quando a previsão inicial da troika apontava para que se atingissem os 144% em 2014); e em Portugal galopou, no mesmo período, de 93 para 129% (quando a versão inicial do memorando estimava um valor de 115% para 2014).
4. Como se torna cada vez mais evidente, a austeridade nunca serviu de facto para combater a crise, mas antes para criar o ambiente necessário à concretização da agenda ideológica que a direita neoliberal, entre nós, jamais conseguiria sufragar em eleições. Da liberalização do mercado de trabalho à destruição dos serviços públicos de saúde, educação e protecção social; das privatizações e mercantilização destes serviços ao aprofundamento da pobreza e das desigualdades como condição necessária para competir, mesmo que tal signifique um processo de subdesenvolvimento económico e de regressão civilizacional. A austeridade é apenas um meio, um instrumento necessário para prosseguir a proclamada «transformação estrutural» do país.
5. É por isso que o grego «cavalo de Troia» constitui um enorme perigo para governos como o europeu e o português, que tentam proteger e preservar um castelo já de si fissurado. Ele enuncia caminhos alternativos e decentes para a superação da crise, quebrando o status quo e ameaçando devolver aos Estados a capacidade de definir políticas de desenvolvimento económico e social, deslaçando assim os fios que a «federação» tece, «para condicionar o poder do povo». Sem a arma da dívida, do défice e da austeridade, como poderá a nossa direita conseguir chegar ao «fundo do pote»? Percebe-se bem que é aqui que radica o pânico e a histeria que se instalaram em Belém e em São Bento logo a seguir ao resultado das eleições gregas, e que tiveram continuidade no servilismo repugnante a que se prestou a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, aninhada aos pés de Schäuble em Berlim. Se reconhecerem o fracasso, tendo que abdicar da camuflagem da austeridade, não lhes sobra nada. Nem programa, nem ideologia, para vencer eleições.
domingo, 22 de fevereiro de 2015
Nesta União Europeia é possível ir de A para E?
Hoje sabemos que há mais do que uma resposta possível à crise. Existe A (de austeridade) e existe também B, C, D e E (de esperança). A maioria dos gregos decidiu fazer alguma coisa para passar de A a E. Com isso conseguiu já uma coisa invejável: um governo que ao lado da maioria do povo também quer passar de A a E.
Esse governo começou a negociar com os guardiões de A. A negociação continua. O que conseguiram? Não farei balanços e muito menos julgamentos, precisamente porque a negociação ainda vai no adro e sobretudo porque acho indecente, do lugar relativamente confortável onde me encontro, arrogar-me a julgar quem teve a coragem de assumir a responsabilidade de uma passagem de A para E.
Há no entanto uma pergunta que se vai tornando obsessiva e que não consigo varrer para debaixo do tapete: ainda há nesta Europa possibilidade de passar de A para E, ou a União Europeia, particularmente a zona euro, transformou-se numa máquina capaz de suprimir no ovo qualquer veleidade de deslocação de A para E?
A União, particularmente a zona euro, constitui (digamos assim) uma estrutura feita de tratados, regras e outras instituições. Esta estrutura é dotada de instrumentos disciplinares poderosos. O Banco Central Europeu, em particular, dispõe (literalmente) de armas de destruição maciça.
Essa estrutura, tendente a conservar A, tanto pode adaptar-se para acomodar tensões decorrentes de passagens locais a E, como pode exercer pressão para adaptar, isto é suprimir, as tentativas locais de passagem de A a E.
É possível alterar a estrutura a partir de transições locais de A a E?. Não é fácil. Essas transições serão sempre desfasadas no tempo, pelo que se a estrutura for capaz de suprimir cada uma delas à nascença, a transformação da estrutura não ocorre. A transformação da estrutura a partir de transições locais só pode ocorrer se a estrutura for ela própria relativamente plástica, adaptando-se ela. Será plástica? Isso é o que estamos a descobrir a partir da experiência grega.
Se a rigidez predominar, as tensões locais continuarão a aumentar. A estrutura não verga e não vergando tenderá a quebrar. E o problema como sempre acontece em situações deste tipo, é não sabermos o que significa exactamente “quebrar”. Era preferível que vergasse, mas se isso não acontecer…
Estou certo, ou estou errado? Admito estar errado. Se calhar estou a ser muito “mecânico” ou “estruturalista”. Mas estou aberto à discussão. Quero mesmo que a discussão aconteça, sem anátemas, etiquetas de “soberanista” ou de “federalista”, de “europeísta” ou de “anti-europeista”. O pior seria varrermos o problema para debaixo do tapete. Estamos numa encruzilhada. Temos de enfrentar o dilema e sobretudo continuar a forçar a transição de A para E, apesar de possíveis desacordos quanto à plasticidade da estrutura e a direção desejável da sua evolução.
Um recuo não é um recuo?
Se é verdade que Vital Moreira parece ir da “CDU para a CDU”, como ironiza João Galamba no twitter, também é verdade que Vital tem toda a razão no que diz sobre o “acordo” de sexta-feira passada: “nem corte na dívida, nem fim da austeridade orçamental, nem reversão das medidas tomadas, nem novo empréstimo à margem do programa de resgate em vigor (que o Syriza tinha declarado morto e sepultado), nem fim da supervisão da troika (que só perde o nome).” Prevaleceu o ordoliberalismo inscrito nas regras e nas vontades dominantes, com as acomodações marginais de sempre. Isso mesmo é confirmado pela útil descodificação do acordo, parágrafo a parágrafo, feita por Bruno Faria Lopes no Económico: a troika, agora rebaptizada de instituições, continua no controlo. O melhor que podemos dizer é um vago “até ver” de quem não dá a guerra por perdida, apesar de uma batalha o ter claramente sido.
Neste contexto, lamento que os europeístas de esquerda e os seus partidos andem como que perdidos na tradução. É possível explicar e até justificar, apodando-o de táctico, por exemplo, o recuo do Syriza, mas por favor não continuem a dizer que não foi um recuo e dos colossais, porque estão a prazo muito curto a gerar mais (des)ilusões. E, sobretudo, não digam que ocorreu uma qualquer mudança ou, pior, que a Alemanha tem menos poder, quando a sua hegemonia, e a das instituições da troika, nunca foi tão clara como hoje.
Bom, já que estou numa de elogio aos comunistas portugueses, devo dizer que a sua nota distingue-se pela sobriedade cuidadosa, insistindo num ponto fundamental: “O que o actual acordo testemunha é não só a natureza e objectivos da política da União Europeia de intensificação da exploração e redução de direitos dos trabalhadores e dos povos, mas também a patente limitação de enfrentar esses objectivos sem afirmar coerentemente o direito de cada povo a uma opção soberana de desenvolvimento.”
Têm cada vez mais razão nesta questão
No plano nacional, três grandes constrangimentos pesam hoje sobre o país, contribuindo para a degradação da situação nacional, entravando a recuperação económica e social e eliminando num prazo mais alargado as hipóteses de um desenvolvimento duradouro e equilibrado. São eles: os níveis brutais da dívida pública e da dívida externa, a integração monetária no euro e a dominação financeira da banca privada.
A renegociação da dívida, a libertação do país da submissão ao euro, com a readopção de uma moeda própria, e o controlo público da banca são, por isso, três instrumentos fundamentais para a recuperação e o progresso do país, que devem ser aplicados no seu tempo próprio, mas pensados e preparados em conjunto. Tudo devidamente articulado e integrado num projecto mais geral de concretização de uma alternativa política e de construção de uma democracia avançada nas várias vertentes da vida nacional.
O carácter integrado desta proposta tripartida impõe-se pela óbvia inter-relação entre os três constrangimentos e, bem assim, entre os instrumentos para lhes pôr fim.
João Ferreira, A dívida, o euro e a banca, Público de 03/02/2015.
sábado, 21 de fevereiro de 2015
Não sei
Não sei se o governo grego aceitou este acordo com a UE, a confirmar na 2ª feira, porque foi o melhor que conseguiu e não admite sair do euro, ou então, porque tem um plano B (sair do euro) e este acordo serve-lhe para ganhar tempo e preparar a saída. Não sei. Mas sei o que Portugal devia fazer. Seria assim:
5. Governo das esquerdas – o primeiro mês
Em nome da Constituição da República, e em nome de um futuro digno para Portugal, um governo das esquerdas legitimado pelo voto democrático deve tomar de imediato a decisão de repudiar o Memorando assinado com a troika e pedir à UE a abertura de negociações com vista à recuperação da autonomia política indispensável ao desenvolvimento do país.
Pedir a abertura de negociações significa dizer à UE que Portugal escolheu o caminho do desenvolvimento e precisa, no mínimo, de várias derrogações aos Tratados. Caso o status quo permaneça até esse dia, caberá então à UE fazer também a sua escolha: negociar com Portugal um novo estatuto dentro da UE, o que inclui várias derrogações, ou virar as costas a Portugal.
É importante que não haja ilusões sobre o que acontecerá após a denúncia do Memorando. Os empréstimos da troika serão suspensos e Portugal ficará sob ameaça de suspensão da liquidez fornecida aos bancos comerciais e ao Banco de Portugal. A comunicação social encarregar-se-á de lançar o pânico, em particular sobre as famílias com poupanças nos bancos. Por isso, antes mesmo de aceder ao governo, as esquerdas devem preparar um plano de contingência (ver secção seguinte). Neste período, a estratégia de comunicação terá de ser muitíssimo cuidada.
Reunir com os diferentes órgãos da UE para reivindicar um novo estatuto para o país, em nome do seu desenvolvimento e do respeito pela sua Constituição, faz parte de uma estratégia que visa colocar a UE na posição de ter de decidir sobre derrogações aos Tratados, incluindo o recente Tratado Orçamental. Seria desejável que esta fase negocial durasse um mês. Na melhor das hipóteses, haveria receptividade para uma saída ordeira do euro, vista pela Alemanha como inevitável e até desejável. Na pior das hipóteses, constatado o impasse, o governo teria ganho tempo e avançado na preparação técnica e legislativa para a introdução de uma nova moeda.
(Excerto do texto que apresentei ao Congresso Democrático das Alternativas em 2012)
Desanimado suspiro
Ontem tive uma experiência à semelhança do João Ramos de Almeida, mas com resultados diferentes: ler e reler o documento aprovado no eurogrupo e ouvir Varoufakis mais ou menos ao mesmo tempo. A experiência não foi boa. O que estava escrito pareceu-me uma cedência em toda linha em relação ao moderadíssimo programa do Syriza, veremos se temporária, muito depende da reacção interna, no partido e fora dele, mas o que era dito pareceu-me que estava longe disso, aproximando-se de um Ministro das Finanças, mais um, a falar de confiança entre parceiros e das imposições de austeridade como forma de evitar tentações e outras coisas mais: palavras, as coisas significam o que eu quero que elas signifiquem e por aí fora. Suspirei, profundamente desanimado, porque nesse momento a capitulação pareceu mais provável do que a sua única alternativa real. Veremos, pensei: a história ainda não acabou. Novo suspiro.
Suspiro desanimado
Aconteceu-me estar a ouvir em directo, no meu computador, a conferência de imprensa de Yanis Varoufakis após a sessão do Eurogrupo que aprovou o acordo. Tinha o computador nos joelhos e, ao fundo, estava a passar o "Frente a frente" no Jornal da Noite da Sic Notícias, entre Gabriela Canavilhas e Diogo Feio. O som estava no zero e apenas se ouvia a voz de Varoufakis, com Diogo Feio em segundo plano, desfocado. E a sensação foi a de que quão longe estávamos da Grécia de hoje. E o quanto precisávamos de políticos assim. Tão triste o aspecto artificial, oco de ideias, que passa nas imagens daquele tipo de políticos, que não precisa de som para mostrar o que representa.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
O euro em fase terminal
Quando participei no primeiro debate televisivo realizado em Portugal sobre o euro ("Prós e Contras", 15 Abril 2013), afirmei que a moeda única iria acabar. Da mesma forma que a Inglaterra de 1931 não aguentou a política de austeridade imposta por um sistema monetário que excluía a desvalorização da moeda - no padrão-ouro, o reequilíbrio externo teria de ser alcançado por redução dos salários, a chamada "desvalorização interna" -, também nos nossos dias, um dos países sujeitos à política cruel imposta pela UE acabará por sair. O primeiro será a Grécia, os outros vão a seguir, ao ritmo do respectivo ciclo político.
Entretanto, o discurso do medo voltará às televisões. Dir-nos-ão que sair do euro é uma calamidade porque perderemos metade do poder de compra, que os bancos vão falir e perderemos as nossas poupanças, que o Estado não pagará aos funcionários públicos e pensionistas, que seremos excluídos dos mercados para todo o sempre e, argumento último de quem está inseguro, que a Alemanha nos invadirá para restabelecer a ordem. Do serviço público de televisão, gerido por comissários políticos, não se pode esperar uma informação isenta e fundamentada. Não haverá recolha de depoimentos de especialistas estrangeiros que ponham em causa o pensamento dominante, não haverá debate honesto com uma participação plural que ultrapasse o discurso partidário rotineiro. Dos canais privados também não podemos esperar que cumpram as exigências básicas de pluralismo, nem que as autoridades competentes o exijam. O que temos visto fala por si. Aliás, os analistas que ocupam o palco estão no bolso dos grupos económicos e da finança. Um governo de salvação nacional também terá de resgatar a comunicação social e pô-la ao serviço do interesse público.
Recordemos então algumas ideias simples que os portugueses não têm direito a debater nos media de grande audiência. Quando Portugal sair do euro, todos os contratos realizados sob jurisdição nacional ficam automaticamente redenominados em novos escudos, segundo a jurisprudência internacional (lex moneta, 1 escudo = 1 euro). Assim, todos os empréstimos bancários, depósitos, salários, pensões, preços nas lojas, etc., passam a escudos e, a partir desse dia, o Estado apenas paga e recebe em escudos. O Estado fica sem problemas de liquidez porque os seus défices - necessários para estimular a economia - ficam cobertos por financiamento interno, quer do sector privado, que procura obrigações do Tesouro para aplicações seguras, quer do Banco de Portugal, a entidade pública que emite moeda. Portanto, sair do euro significa a libertação do país dos humores dos mercados financeiros. Quanto às necessidades de financiamento em outras moedas, os últimos dias mostraram-nos que os EUA estão dispostos a ajudar para evitar o recurso aos seus rivais. Note-se que os BRIC têm agora um banco que é alternativa ao FMI.
Um governo de ruptura deve, à cabeça, nacionalizar os bancos e instituir o controlo dos movimentos de capitais. Seria vantajoso comprá-los em bolsa, à cotação do momento, e proceder à sua recapitalização, tudo com emissão monetária. A inflação será o custo a pagar para recuperarmos a soberania. Mas será um custo transitório (inicialmente, cerca de 12%, muito menos nos dois anos seguintes) que pode ser distribuído com justiça social através de compensações a atribuir aos rendimentos mais baixos. A classe média/alta, vendo os seus desempregados recuperarem a dignidade de voltar a trabalhar em condições decentes, aceitará de bom grado alguma perda temporária de poder de compra. Como seria de esperar, o novo paradigma da política económica dará prioridade ao emprego, ao contrário da finança, que diaboliza a inflação e acha inevitável este desemprego típico dos anos trinta do século passado.
À medida que se forem abrindo espaços de debate público informado sobre o que significa sair do euro, os portugueses ficarão cada vez mais receptivos à proposta de uma Europa de países soberanos. Por muito que custe aos federalistas, não creio que os portugueses queiram viver num protectorado sujeito a diktats.
(O meu artigo no jornal i)
Todos somos credores
O Fórum Dívida e Direito Humanos, promovido pela IAC, é já amanhã, sábado 21, de fevereiro, a partir das 9.30 no Auditório do Liceu Camões em Lisboa. A inscrição pode ser feita aqui e mais informação encontrada aqui ou aqui.
Estávamos longe de imaginar quando a data foi fixada que o Fórum iria ocorrer num dia tão decisivo. Não sabemos o que irá prevalecer hoje na reunião do euro-grupo: o acordo razoável proposto pelo governo grego, ou o “não” da matilha punitiva. Sabemos que o resultado seja ele qual for, não é definitivo. Negociar-se-á até ao último minuto. Continuar-se-á a negociar mesmo depois, exista ou não algum tipo de acordo. Tudo está em aberto. E quando tudo está em aberto muito depende de cada um de nós.
Podemos e devemos, portanto, usar o encontro de amanhã para discutir em conjunto o que pode ser feito em Portugal. Como devemos agir? Poderemos ouvir e discutir de manhã com Yiannis Bournous - um amigo vindo da Grécia. Podemos usar as oficinas para organizar ideias, propor soluções e formas de ação coletiva. Temos um dia para pensar e trabalhar juntos. Utilizemo-lo bem.
No centro da discussão estará o conflito entre dívida e direitos humanos. Qual é a questão?
Numa sociedade decente todos somos credores. E todos somos devedores. Essa sociedade é feita de direitos e de obrigações reciprocas. Mas quando a reciprocidade é quebrada e alguns - os credores financeiros – julgam ter o direito de sobrepor os seus direitos ao mais elementares direitos de todos os outros, e conseguem efetivamente fazê-lo, então, é preciso parar, dizer basta, impedir que as linhas vermelhas sejam transpostas.
É esse o ponto em que estamos em muitos países do mundo, e também na Europa que se diz prospera, mas consente a miséria e o sofrimento evitável, em corredores de hospitais, na fila do desemprego, na porta da cantina social, no posto de trabalho inseguro, na pressão exaustiva das longas horas de trabalho, nos aeroportos da emigração.
Ilegítima é a dívida e a austeridade imposta em nome de "direitos" dos credores financeiros que se sobrepõem aos direitos humanos. Essa é uma dívida a que não estamos obrigados. Que legitimamente deve ser repudiada.
Devemos negociar, claro, como o governo grego tem feito, com responsabilidade, de igual para igual, e sem consentir que os credores financeiros transformem dívidas financeiras em servidão. Mas devemos negociar sabendo que a razão está do nosso lado: se todos somos credores, por que é que alguns pretendem ser mais credores do que outros?
Estávamos longe de imaginar quando a data foi fixada que o Fórum iria ocorrer num dia tão decisivo. Não sabemos o que irá prevalecer hoje na reunião do euro-grupo: o acordo razoável proposto pelo governo grego, ou o “não” da matilha punitiva. Sabemos que o resultado seja ele qual for, não é definitivo. Negociar-se-á até ao último minuto. Continuar-se-á a negociar mesmo depois, exista ou não algum tipo de acordo. Tudo está em aberto. E quando tudo está em aberto muito depende de cada um de nós.
Podemos e devemos, portanto, usar o encontro de amanhã para discutir em conjunto o que pode ser feito em Portugal. Como devemos agir? Poderemos ouvir e discutir de manhã com Yiannis Bournous - um amigo vindo da Grécia. Podemos usar as oficinas para organizar ideias, propor soluções e formas de ação coletiva. Temos um dia para pensar e trabalhar juntos. Utilizemo-lo bem.
No centro da discussão estará o conflito entre dívida e direitos humanos. Qual é a questão?
Numa sociedade decente todos somos credores. E todos somos devedores. Essa sociedade é feita de direitos e de obrigações reciprocas. Mas quando a reciprocidade é quebrada e alguns - os credores financeiros – julgam ter o direito de sobrepor os seus direitos ao mais elementares direitos de todos os outros, e conseguem efetivamente fazê-lo, então, é preciso parar, dizer basta, impedir que as linhas vermelhas sejam transpostas.
É esse o ponto em que estamos em muitos países do mundo, e também na Europa que se diz prospera, mas consente a miséria e o sofrimento evitável, em corredores de hospitais, na fila do desemprego, na porta da cantina social, no posto de trabalho inseguro, na pressão exaustiva das longas horas de trabalho, nos aeroportos da emigração.
Ilegítima é a dívida e a austeridade imposta em nome de "direitos" dos credores financeiros que se sobrepõem aos direitos humanos. Essa é uma dívida a que não estamos obrigados. Que legitimamente deve ser repudiada.
Devemos negociar, claro, como o governo grego tem feito, com responsabilidade, de igual para igual, e sem consentir que os credores financeiros transformem dívidas financeiras em servidão. Mas devemos negociar sabendo que a razão está do nosso lado: se todos somos credores, por que é que alguns pretendem ser mais credores do que outros?
Fórum da IAC: Dívida e Direitos Humanos
«Trabalho, saúde, educação, habitação, ambiente e qualidade de vida, segurança social, são direitos humanos consagrados em tratados internacionais e na Constituição da República Portuguesa. Em nome da dívida todos eles estão atualmente comprometidos devido à imposição de uma austeridade que não cura e só agrava o endividamento. O que vale mais? O serviço da dívida ou os direitos humanos?
Em Portugal, como nos outros países da Europa sujeitos ao castigo da troika, este é o momento para reafirmar a prioridade das necessidades e da dignidade das pessoas sobre os interesses da finança. Para denunciar como ilegítimo um serviço da dívida que sacrifica tudo o que verdadeiramente tem valor, penalizando sobretudo os que menos podem.
O Fórum é aberto a quem queira compreender as consequências da dívida nas nossas vidas e participar nas soluções.»
Organizado pela Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida, o Fórum tem início com a sessão «Dívidas e Direitos Humanos, uma causa sem fronteiras», que contará com intervenções de Rosário Caetano (professora), José Castro Caldas (economista), Maria da Paz Campos Lima (socióloga) e Yannis Bournous (activista político do Syriza) e com a projecção do vídeo «O que é para si a dívida?» (produzido por alunos do Liceu Camões). À tarde, decorrerão os «Workshops Dívida e Direitos Humanos» (Trabalho, Saúde, Educação, Habitação, Segurança Social e Ambiente e Qualidade de Vida), cujas conclusões serão apresentadas e discutidas na sessão de encerramento, em que participam Vítor Nogueira (economista, Amnistia Internacional) e Eugénia Pires (economista). A entrada é livre, podendo as inscrições ser feitas aqui).
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
Sobre o poder das ideias arcaicas na Economia
Desde o início da crise que
incrivelmente surpreendeu os “peritos” da economia, vimos um mito após outro
ser destruído pelos factos. A redução do défice não levou ao crescimento do
investimento por acréscimo da confiança. Emitir moeda numa economia gravemente
deprimida não conduziu a uma inflação descontrolada ou ao afundamento do valor
das moedas.
Chegou a hora da União Europeia
parar de executar uma política económica baseada em mitos estúpidos. Se a
chanceler alemã Angela Merkel, e outros líderes da União Europeia, não podem
aceitar a realidade, então a Grécia e a Europa do sul ficariam bem melhor
saindo do euro, deixando a Alemanha a nadar nos contos de fadas da Economia do
século XIX.
(Texto em inglês aqui)
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