Estamos mal com a insistência nas ilusórias e estáticas vantagens comparativas. Os países semi-periféricos que se desenvolveram foram os que desafiaram, a golpes de boa política, o seu padrão de especialização tradicional e transitaram para sectores com maior valor acrescentado onde se podem capturar as rendas que advêm do domínio, mais ou menos pioneiro, de novas tecnologias. Ao contrário do que
alguns pensam, a criação destas vantagens competitivas dinâmicas pode ser um jogo de soma positiva. Faz então falta um discurso público desenvolvimentista mais assertivo e confiante, na linha de algumas preocupações que constam do
QREN. Um discurso que defenda e defina, usando a reduzida margem de manobra disponível, uma política industrial coerente, servida por incentivos selectivos e por investimentos públicos bem planeados, que favoreçam a área dos bens transaccionáveis intensivos em conhecimento e em tecnologia e não a captura de sectores da provisão pública. Esta corrente de pensamento existe em Portugal e, de vez em quando, consegue ter alguns sucessos, mas está muito abafada pelo «Consenso da Almirante Reis».
A política industrial, como o economista Dani Rodrik da Universidade de Harvard defende no seu último livro ( o capítulo a que me refiro está disponível
aqui), é um processo de descoberta, feito de colaboração entre o sector público e o sector privado (a «autonomia embutida» de um Estado forte de que fala
Peter Evans), capaz de superar as enormes falhas de mercado (externalidades e problemas de coordenação dos investimentos) que podem bloquear a emergência de importantes sectores económicos. Rodrik, baseando-se em extensa evidência empírica, torna visível o que é invisível para muitos: «raspem a superfície dos sucessos de exportação em sectores inovadores em qualquer parte do mundo e, na maior parte dos casos, verão políticas industriais, I&D pública, apoios sectoriais, subsídios à exportação, acordos tarifários preferenciais e outras intervenções públicas». Já agora vejam o que o Nuno Teles escreveu sobre as
energias renováveis ou
este artigo sobre as origens públicas de muitas inovações.
Enfim, não podemos confiar sempre nos famosos, mas muitas vezes enganadores, sinais do «mercado». Definitivamente, os mercados realmente existentes são moldáveis e dependem das políticas. Os países bem sucedidos são os que descobrem o que isto implica em cada momento e não falham nas escolhas de política industrial. E, aspecto crucial, conseguiram edificar um Estado capaz de guiar o sector privado sem ser por ele capturado. É fácil? Não me parece. É claro que se isto fosse fácil, teríamos hoje uma receita económica universal. Nada está mais longe da verdade. Se nem sequer temos, depois de tantas tentativas, uma única teoria económica ou um único modelo económico...