sexta-feira, 25 de julho de 2008

Porque a globalização financeira não funciona II

Alguns meses mais tarde, Martin Wolf, agora transformado num dos melhores cronistas liberais das origens da fragilidade financeira do capitalismo anglo-saxónico, e perante mais uma notícia de uma operação de salvamento público de uma instituição financeira privada nos EUA, escrevia que «a desregulamentação tinha atingido os seus limites» e que o «sonho» do capitalismo financeiro global se tinha transformado em pesadelo. A finança de mercado afinal não funciona mesmo. No entanto, os neoliberais ainda andam a procura de responsáveis políticos para o que é um desastre privado com óbvias repercussões públicas. Externalidades negativas em grande escala. Agora culpam a Reserva Federal que sempre os salvou. A ingratidão não tem limites e a hipocrisia também não. Wolf é demasiado sério para alinhar neste jogo simplista e falido. Aliás, pergunto: por que é que as taxas de juro baixas nas décadas do consenso keynesiano do pós-guerra não produziram crises financeiras de monta e serviram antes para garantir níveis elevados de investimento produtivo? Eu tenho uma resposta pouco original. Digam comigo as palavras sujas: controlo de capitais e regulamentação forte. Sector financeiro subordinado ao poder político e à economia real. Vão ver que não custa nada. As utopias de mercado é que já nos custaram demasiado caro.

6 comentários:

CCz disse...

Porque a informação não circulava à velocidade que circula hoje.
.
Peter Schwartz no seu livro publicado em 1991 "he Art of the Long View" previu entre outras coisas:
.
"The speed of global electronic transactions will generate speculative wealth much faster than industries and services; the exchange of information, not the possession of treasure, is the new definition of treasure."

F. Penim Redondo disse...

As teses inscritas neste post, como em muitos outros que tenho lido aqui, parecem-me contraditórias:

- partindo de gente que presumo de esquerda parecem reflectir uma estranha preocupação quanto à hipotética auto-destruição do capitalismo

- se o capitalismo financeiro não funciona, se se afunda em crises sucessivas, não devíamos congratular-nos em vez de propor medidas para a sua sobrevivência ?

- devemos então, para não ter chatices e transtornos, andar com o capitalismo ao colo eternamente ?

- "Sector financeiro subordinado ao poder político e à economia real" o que é que isto quer dizer, não está tudo misturado há muito tempo ? Não diziam os clássicos do marxismo que o "poder político" é uma manifestação da ordem económica em vigor ?

- o poder político é sempre bom, qualquer que ele seja ? se ele é "democrático" e se a maioria dos cidadãos que elegem o "poder político" querem organizar o mundo de forma diferente porque não o fazem os próprios cidadãos ?

- "economia real" cheira a século XIX. Vamos acabar com a economia digital ? Os virtuais financeiros são tão virtuais como os sinais da TV ou os DVDs on-line. É essa a economia do nosso tempo.
Vamos tornar-nos conservadores e pedir ao mundo para andar às arrecuas para se adequar às nossas teorias ?

Não há regresso ao passado. Quer se goste quer não é neste mundo digital, e com base nele, que temos que construir uma economia alternativa muito mais justa e mas também muito mais produtiva.

http://digital-ismo.blogspot.com/

Anónimo disse...

acho que o que vos falta é um bocado de prosa neo maoista clássica:

"Se a existência de beleza e moralidade no capitalismo fosse suficiente para mover as pessoas, viveríamos em uma sociedade liberal. Se as pessoas não percebem beleza e justiça no capitalismo, o problema é com a percepção pública, não com a realidade do mercado. É a mesma coisa que acontece com a percepção dos benefícios gerados pelo mercado. O capitalismo promove a paz, a saúde e a prosperidade."

no sitio do costume http://oinsurgente.org/2008/07/24/ordem-e-catalaxia-2/

João Rodrigues disse...

Se calhar são contraditórias, mas eu prefiro isso a estar encerrado num discurso que não tem contradições e que acha, sabe-se lá como, que basta falar em auto-organização e em fim do capitalismo ou do Estado para as tensões, por uma mão invisível, desaparecerem. Voltámos ao utopismo do fim do Estado. Que grande recuo. Não é assim preciso reflectir sobre regras, separação de poderes, democracia, papel do aparelho de coerção, problemas de acção colectiva, cálculo económico, papel do mercado, etc? O Estado é um campo de luta e são muitas as mediações das forças políticas para as económicas e das últimas para as primeiras. Acho eu.

No marxismo há uma discussão sobre o neoliberalismo como hegemonia do capital financeiro. Os capitais não têm todos a mesma lógia e o capitalismo não é monolítico. Estas constatações devem ser um primeiro passo para se pensar como saímos daqui para qualquer outro sítio mais decente.

Essa da informação é fraca desculpa. As tecnologias de comunicação e de informação podem facilitar a circulação de capitais, mas não determinam os arranjos institucionais prevalecentes. Além disso também facilitam a monitorização desses mesmos capitais. Os capitais financeiros são assim muito mais localizáveis do que algumas narrativas digitais sobre a natureza do capitalismo nos fazem crer. Basta olhar para a concentração geográfica das transacções ou então ter trabalhado numa sala de mercados financeiros. O lastro é evidente e há papel. Enfim, mas há sempre marxistas dispostos a alinhar com os neoliberais para nos dizer que é tudo sobredeterminado pelo desenvolvimento das forças produtivas ou lá o que é. Confunde-se o problema da acção colectiva à escala internacional, obstáculo a superar para voltar a enquadrar a coisa, com questões tecnológicas. O problema é político. E depois entre o capital financeiro que busca a sua valorização na ilusão da liquidez permanente (D-D’) e o capital industrial (D-M-D’) e as suas lógicas há uma tensão que o Marx, e muitos depois dele, Keynes incluído, assinalaram. Felizmente, os problemas actuais fizeram-nos voltar literalmente à terra e aos recursos...

F. Penim Redondo disse...

A utopia do fim do Estado fica para mais tarde.
Agora a questão é outra.

Se é no Estado que está a solução, então parece que há duas hipóteses:

1. O Estado é um mero moderador/regulador, o que significa que o capitalismo continua.

2. O Estado substitui-se à dinâmica económica da sociedade, e então estamos na solução cujo falhanço o século XX testemunhou.

Por mais voltas que se dê só há uma saída para o beco actual: as pessoas começarem a organizar-se para produzir sob novas formas. As tecnologias que podem facilitar essa evolução estão aí, há que adoptar formas de organização cooperativas em vez do assalariamento.

Parece que só falta os partidos de esquerda apontarem para estas novas soluções em vez de continuarem a exigir "emprego", o que parece caucionar a tese de que não há alternativa ao sistema arcaico de produção baseado no salário por tempo de trabalho.

João Rodrigues disse...

Obrigado ferro. Essa é mesmo boa. Maoismo anarco-capitalista no seu melhor. É preciso uma revolução cultural...

O seu problema f. penim redondo é que parece que pensa em termos dicotómicos. Eu acho que devemos pensar em termos de uma formação social em que coexistem em tensão criativa diferentes formas de organização da vida económica e diferentes mecanismos de coordenação. A questão é qual delas banha o sistema com a sua iluminação como dizia o Marx. Não podemos prescindir de mercados por questões de cálculo e de conhecimento. Não podemos prescindir do Estado por uma questão de regras e da sua aplicação e para assegurar a desmercadorização de elementos essenciais da provisão e a sua distribuição igualitária. E há lugar para o planeamento indicativo claro para assegurar certas trajectórias. Podemos e devemos promover formas mais democráticas de organização da produção em muitas áreas - através de cooperartivas, auto-gestão, etc. Aí julgo que concordamos e eu até tenho escrito sobre isso. Ver o último post sobre a empresa.