segunda-feira, 30 de junho de 2008
A política do bloco neoliberal
domingo, 29 de junho de 2008
Mercado e Estado II
Entre o mercado municipal da minha terra, que muito aprecio e que não gostaria de ver destruído pela concorrência das grandes superfícies, e outros mercados, igualmente existentes, as diferenças de qualidade são evidentes. Na realidade, no mundo em que vivemos há mercados que são repugnantes; tão repugnantes do ponto de vista moral aos olhos de uma esmagadora maioria que o Estado os proíbe. Estou a pensar no mercado de seres humanos ou de órgãos humanos, por exemplo. Existem ainda outros que são pelo menos contestados e muitas vezes igualmente ilegais: os mercados de sexo ou de narcóticos, por exemplo.
O que há de comum entre o mercado municipal da minha terra e os mercados repugnantes que referi como exemplo? Em todos eles há um bem (ou bens) a que se pode aceder através de um pagamento em dinheiro. Tudo o resto são diferenças.
Serve isto para dar mais um passo. A existência de um mercado particular depende de um entendimento (de natureza moral) acerca do bem cuja transformação em objecto de comércio se contempla. Este entendimento é sempre sancionado pelo Estado, quer quando o permite, quer quando o proíbe. Em ambos os casos o Estado está presente. No primeiro, a proteger os direitos de propriedade do detentor do bem e a zelar pelo cumprimento dos termos contratuais da transacção, no segundo, a procurar impedir que a transacção tenha lugar. Mercado e Estado talvez comecem já a surgir embutidos um no outro. Mas a história continua.
sábado, 28 de junho de 2008
Grandes transformações: no século XIX e hoje
Ou seja, temos pela frente apenas duas opções: aceitar a actual política económica da UE ou abandonar a UE. Se, em vez da sua preferência pela ortodoxia, Saldanha Sanches se tivesse interessado pela experiência do economista do desenvolvimento Albert Hirschman, saberia que há uma outra possibilidade. Em situações de crise, não temos forçosamente que escolher entre “acomodamento” ou “abandono”; também é possível “erguer a voz”. Quer dizer, optar pela participação crítica propondo uma alternativa que rasgue novos horizontes e mobilize para uma saída da crise.
Claro que há uma alternativa à actual construção da UE. Saldanha Sanches, Vital Moreira, e demais mentores do social-liberalismo português, não a reconhecem porque usam os óculos do pensamento liberal de novo dominante na ciência económica. Algo que faz lembrar os anos 20-30 do século passado – anos da crise do padrão-ouro, o espartilho da política económica de então – quando as ideias de Keynes eram desprezadas pela academia. Se, em vez da sua preferência pela ortodoxia, Saldanha Sanches se tivesse interessado pelo institucionalismo de Karl Polanyi, saberia que a imposição dessa disciplina monetária, conjugada com a livre circulação de capitais permitida à alta finança da época, contribuiu decisivamente para a crise global do capitalismo e a eclosão da 2ª Grande Guerra. Uma alternativa aos binómios “liberalismo” versus “proteccionismo” e “mercado” versus “Estado” acabou por emergir após muito sofrimento e destruição dando origem aos “trinta gloriosos” anos de crescimento da Europa e às suas variantes de um Estado de Bem-Estar.
Não tendo percebido que a “economia de mercado” em que vivemos foi uma construção histórica resultante do entrelaçamento de lutas sociais e políticas, debates teóricos e confrontos ideológicos, os defensores acríticos da construção europeia agarram-se aos “enormes avanços sociais” inscritos nos Tratados de Amesterdão e Lisboa e não vêm que a sua dimensão social está gravemente prejudicada pela disciplina monetarista inscrita no âmago dos Tratados da UE através do PEC e do BCE. Para a esquerda socialista, a alternativa não passa nem pela saída do euro (como afirma Saldanha Sanches e sugere Vital Moreira) nem pela submissão a uma constituição geradora de estagnação e divergência económica (ver Jörg Bibow).
Bastaria lerem algumas publicações académicas respeitáveis para sentirem o ridículo de afirmações como a de que a esquerda (convenientemente apelidada de “radical”) se bate por “uma imaginária “integração alternativa” cuja natureza aliás não definem”. De facto, só não vê as propostas concretas quem não quer ... ou não pode. Para começar, sugiro a leitura das seguintes contribuições (C. Mathieu/H. Sterdyniak, Arestis/Sawyer, EuroMemorandum 2007). Depois, se as emoções não toldarem a razão, talvez comecem a perceber que as convergências à esquerda são realmente possíveis; claro, longe das suas Novas Fronteiras.
Rectificação de um erro
Na mesma linha, escrevi no Público de 23/6/2008: “Uma notícia recente do PÚBLICO (11/6/08) relatava que foi aprovado pela UE um projecto de directiva que prevê que o horário de trabalho semanal se possa estender até às 65 horas. Tal opção foi descrita como “a Europa dos patrões” (Manuel António Pina, JN, 11/6/08), “o regresso ao século XIX” (PSOE) e a criação de “uma sociedade de escravos” (Dom Januário T. Ferreira, Expresso, 21/6/08). Segundo a notícia, apenas Espanha, Grécia, Hungria, Chipre e Bélgica declararam firme oposição à directiva, no sentido de que não venha a ser aprovada pelo PE. Perante o silêncio do governo, fica a ideia de que uma boa dose de europeísmo crítico só faria bem ao PS.”
Porém, o assessor de imprensa do Ministério do Trabalho e da Solidariedade (MTS), José Pedro Pinto, bem como alguns leitores deste blogue (e o meu amigo Pedro Adão e Silva), advertiram-me que errei.
Escreveu-me José Pedro Pinto (num email): "Fala o Dr. André Freire do "facto" de Portugal, via Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, ter acompanhado a proposta da Presidência em exercício da União Europeia que pretende alterar a directiva do tempo de trabalho. Ora, dispensando-me eu de detalhar que as alterações propostas (que ainda têm que ser aprovadas pelo Parlamento Europeu) apenas se referem ao chamado opt-out, mecanismo apenas accionado na UE pelo Reino Unido, e não ao tempo de trabalho semanal (48 horas na UE, 40 horas em Portugal), apenas quero informá-lo que Portugal se posicionou contra esta proposta de directiva (exactamente a mesma posição adoptada pelo Governo espanhol)."
Reconheço o meu erro e lamento-o.
Porém, tal deveu-se a uma notícia do Público que não vi desmentida pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade.
Dizia o Público de 11/6/08, página 38: “A confederação europeia de sindicatos (ETUC) reagiu com uma posição oposta, considerando «inaceitável» a decisão. Esta posição é partilhada pela Espanha, Bélgica, Grécia, Hungria e Chipre, os cinco países que criticaram veementemente os termos do acordo, face ao qual se abstiveram. Os cinco pretendem agora convencer o Parlamento Europeu, co-legislador com os governos, a alterar a decisão num sentido mais favorável aos trabalhadores.”
Ora, o meu artigo é perfeitamente consistente com a notícia. (excepto na inferência interpretativa que fiz, “Perante o silêncio do governo, fica a ideia de que uma boa dose de europeísmo crítico só faria bem ao PS.”, que é isso mesmo: uma inferência interpretativa, uma inferência a partir de um facto; mas o facto relatado, que é o que o MTS identifica como errado, está consistente com a notícia, até mesmo o suposto “silêncio do governo”)
A notícia foi desmentida efectivamente (no Público) e escapou-me?
Sinceramente, não vi.
Se foi, há um lapso meu e só meu porque isso me escapou.
Mas se não foi, então eu apenas fui induzido em erro por uma notícia (de um jornal de referência a que dou inteira credibilidade) que não vi desmentida.
Neste caso, dir-me-ão que eu poderia ter feito mais pesquisa para validar a notícia, mas creio que também compreenderão facilmente que a feitura de um artigo de jornal não implica, a maior parte das vezes, que vamos fazer validação de notícias saídas em jornais de referência (sobretudo quando não as vimos desmentidas).
Dir-me-ão, também, que eu poderia ter contextualizado a notícia. Poderia, sim, mas estou certo que compreenderão também que não o fiz porque esse não era o assunto central da crónica.
É que, se o MTS não clarificou/desmentiu o teor da notícia, e ela de facto induz em erro, então talvez devesse tê-lo feito (se, como parece, e bem, dá bastante importância ao assunto).
Finalmente, enquanto cidadão português, fico muito contente em saber que “Portugal se posicionou contra esta proposta de directiva (exactamente a mesma posição adoptada pelo Governo espanhol)”, mas não é isso que qualquer leitor infere da referida notícia.
sexta-feira, 27 de junho de 2008
Mercado e Estado I
Podemos não questionar este hábito por julgar que ele nos confere algumas vantagens. Por exemplo: (1) permite-nos em debates classificar de forma expedita o oponente – defende que o Estado deve intervir, logo, é um inimigo do mercado; manifesta apreço por certas formas de relação mercantil, logo, é um (neo)liberal; (2) facilita o estabelecimento de um meio-termo – «economia social de mercado» ou «mercados regulados», por exemplo – onde supostamente se situariam a virtude e o bom senso.
Mas, quem pensar que estas habilidades retóricas contribuem pouco para a qualidade do debate, ou quem passou por experiências dissonantes, estará motivado para o esforço que a mudança de hábito requer. Sabendo que não é fácil, tentarei a persuasão.
Permitam-me que, para ir depressa, ilustre a tal experiência motivadora da revisão do hábito com um caso pessoal. Não sendo um crente na mão-invisível encontro-me muitas vezes a apreciar certos mercados. É o caso do mercado municipal da minha terra. Não é tanto a qualidade dos produtos (os legumes são óptimos, mas o peixe, francamente…), o que me agrada é o contexto, anónimo, não intrusivo, e ao mesmo tempo afável, que aí se pode experimentar. A última coisa que eu desejaria é que os produtores familiares deixassem de ter um espaço em que podem comercializar livremente os seus produtos. Sei no entanto que não é preciso vir lá «o comunismo» para que isso aconteça. Basta que na minha terra continuem a abrir grandes superfícies.
Já das grandes superfícies fujo eu a sete pés (embora tenha de reconhecer que o peixe é muito melhor e possivelmente mais barato) porque as experimento como espaços vazios de vida (social) de qualquer espécie – um dos tais não-lugares de que falam alguns sociólogos.
Isto serve-me para sugerir uma primeira ideia: “o mercado” enquanto tal não existe, é uma abstracção; o que existe são mercados particulares, a que costumes e normas particulares conferem qualidades distintas. Este é o primeiro passo. Chegaremos ao destino – a oposição Mercado-Estado é fictícia – mas como isso exige algum esforço é preferível ir caminhando por etapas.
Acrescentar pontos II
Os riscos prioritários são outros. No entanto, e como o Nuno Teles já aqui argumentou, a política do BCE prepara-se para acrescentar crise à crise. Trata-se de promover a contracção da procura, ou seja, de promover o desemprego para conter supostas pressões salariais. Os trabalhadores mais vulneráveis serão sacrificados. Perante esta tragédia, que inclui poderosos incentivos à perda de competitividade das empresas industriais europeias e à sua deslocalização para fora da zona euro, por via da valorização do euro, acho espantoso que se continue a defender que as soluções para o desemprego europeu passam por um «aligeiramento da regras» dos mercados de trabalho, ou seja, por uma alteração da regras por forma a que sejam os trabalhadores a suportar os fardos de todos os ajustamentos económicos. Isto quando as revisões dos estudos empíricos existentes e a própria OCDE indicam que a criação de emprego não passa necessariamente por aqui. E a criação de emprego de qualidade muito menos.
Acrescentar pontos
E ainda: que tipo de europeísta é Vital Moreira?
(i) Num quadro de mercado interno de bens, serviços e capitais, considera ou não razoável a existência de níveis mínimos de fiscalidade sobre os lucros que previnam a erosão da capacidade de financiamento dos Estados e o crescente peso dos impostos indirectos (não progressivos) face aos impostos directos (tipicamente mais justos)?
(ii) No contexto da integração monetária considera ou não necessária uma política orçamental ao nível da UE, que permita fazer face a desempenhos económicos assimétricos de curto-prazo entre as economias dos Estados Membros (como existe em contextos federais, como os EUA e a Alemanha)?
(iii) Parece-lhe ou não que a conjugação de uma política monetária única, de fortes restrições às políticas orçamentais nacionais e da ausência de um instrumento de gestão orçamental de curto-prazo a nível da UE tem sido um factor condicionante fundamental na gestão dos bens e serviços públicos, conduzindo a decisões frequentemente ditadas mais pela necessidade de angariar receitas orçamentais no imediato do que por critérios de eficiência e equidade?
(iv) Considera ou não que a arquitectura institucional da UE - com uma Comissão e um Conselho não eleitos e um parlamento sem iniciativa legislativa - carece de mecanismos fundamentais para o equilíbrio democrático, tendo em conta os poderes que a UE foi acumulando, principalmente desde o Tratado de Maastricht?
(v) Parece-lhe ou não que a distribuição de domínios em que as decisões do Conselho são tomadas por maioria ou por unanimidade favorecem a tomada de decisões que vão no sentido de uma maior liberalização e dificultam a aprovação de aspectos como critérios sociais, laborais e ambientais mínimos à escala europeia?
(vi) Já agora, entre os «enormes avanços sociais do Tratado de Amesterdão e do próprio Tratado de Lisboa» consegue dar-me um exemplo de uma decisão que não exija a unanimidade dos votos do Conselho (tornando-o em algo mais do que uma declaração de intenções)?
(vii) Finalmente, considera ou não que o facto de qualquer alteração ao Tratado da UE ter de ser aprovada pela unanimidade dos países efectivamente blinda a trajectória liberal que tem caracterizado a UE (como parece reconhecer, embora a atribua à maioria nas instituições) ?
Sem responder a estas questões, frases como «a tese da natureza intrinsecamente (neo)liberal da UE é uma conveniente invenção da esquerda radical para justificar a sua visceral hostilidade à integração europeia», que insiste Vital Moreira em reproduzir, continuarão a soar como uma simples incapacidade para dar resposta às questões que qualquer europeísta de esquerda gostaria de ver respondidas.
E engana-se quando acusa esta 'esquerda radical' de criticar a UE «em nome de uma imaginária "integração alternativa", cuja natureza aliás não definem». Não é difícil enumerar, a título exemplificativo, alguns elementos básicos de um programa europeísta de esquerda para a UE:
- incluir nos objectivos do BCE o crescimento económico (tal como acontece no caso do Banco Federal Americano) e o pleno-emprego, corrigindo assim a obsessão exclusiva com a estabilidade de preços;
- promover a criação de instrumentos de política orçamental à escala europeia com fins de estabilização conjuntural (para além de um combate efectivo às assimetrias regionais);
- eliminar a concorrência fiscal através de um esforço de harmonização da fiscalidade sobre as empresas e sobre os ganhos de capital, impedindo que a livre circulação de capitais na UE continue a corroer a base fiscal dos países e da União;
- adoptar uma taxa Tobin Europeia para amenizar os movimentos de capitais especulativos.
Vital Moreira não precisa de gastar tempo a explicar que estas medidas são inviáveis no quadro actual da UE. Não temos dito outra coisa. Mas a sua inviabilidade não é técnica ou teórica. Ela deriva de um arranjo institucional que deixa poucas alternativas, mesmo que houvesse para tal maiorias claras entre os cidadãos europeus. É assim mesmo, o neoliberalismo está mesmo no sangue daquilo que é a UE nos dias de hoje. Abandonar a defesa do projecto europeu não é solução; aceitá-lo acrítica e entusiasticamente na forma que hoje assume é-o muito menos.
quinta-feira, 26 de junho de 2008
As fontes de baixa produtividade que interessa discutir
Promover o oportunismo e acabar com estas imagens
Austeridade Assimétrica Permanente e Bloco Central
quarta-feira, 25 de junho de 2008
Os erros trágicos da social-democracia europeia e os trabalhos de Rasmussen
O erro trágico das fracções ainda dominantes da social-democracia europeia foi terem sido parte activa dos processos de liberalização de capitais à escala europeia, de criação de uma moeda única e de uma arquitectura do governo económico europeu que trancam a Europa numa trajectória neoliberal porque, entre outros elementos, não os acompanhou de uma unificação das regras fiscais ou da regulação financeira ou laboral. Foi a primeira vez na história que se embarcou para a criação de uma moeda e de um mercado únicos sem um poder político forte e com recursos próprios. Uma utopia liberal de Estado Mínimo à escala europeia (o orçamento da UE representa 1% da riqueza). A orientação de política do BCE, o PEC, a redução da progressividade dos sistemas fiscais e a pressão sobre os direitos laborais nacionais são resultados previsíveis deste erro trágico.
Na boa tradição da reconstrução racional dos processos históricos, Hugo Mendes parece ver estas gravosas evoluções, que têm a marca dos conflitos sociais definidores das trajectórias dos capitalismos, como adaptações necessárias para salvar o «essencial». Dada a evolução negativa generalizada que se tem registado já não se percebe o que é afinal essencial para Hugo Mendes. O crucial processo de financeirização do capitalismo europeu e a correspondente desestabilização das relações laborais, engendrada pelas exigências de rendibilidade provenientes de investidores e de especuladores financeiros cada vez mais impacientes e com um poder que não cessa de aumentar, são totalmente ignorados. Acontece que, desde a década de noventa, o seu campo de acção tem sido aberto pelo projecto europeu de construção de mercados. O desigual modelo anglo-saxónico, centrado nos mercados financeiros liberalizados, viaja nas asas do projecto europeu até agora patrocinado pelos partidos sociais-democratas.
Pelo menos alguns sociais-democratas, como Poul Rasmussen, já perceberam os riscos que a acção sem entraves dos fundos especulativos coloca aos modelos coordenados de capitalismo, que, na boa lógica das complementaridades institucionais, exigem núcleos accionistas estáveis e pacientes. Daí os seus esforços, até agora frustrados, para regular os hedge funds à escala europeia. Estamos mesmo bem trancados e por isso temos que lutar de forma intransigente contra todos os tratados que cristalizam estas opções. Por cá, a jovem geração de ideias, tirando os lugares-comuns, ainda parece demasiado seduzida pela actuais configurações do projecto europeu e da globalização para poder contribuir para a elaboração das alternativas fortes de que necessitamos.
Público, OCDE e desregulação do mercado de trabalho. Ou para quê ser mais papista que o papa?
A notícia divulgada no Público online tem uma leitura óbvia: os 'técnicos' da OCDE entendem que a legislação laboral «restritiva» é causadora de desemprego. Acontece que a OCDE e os seus 'técnicos' já há alguns anos que deixaram de 'entender' isto. E não é por acaso. Após várias tentativas, até agora não se conseguiu identificar uma relação robusta entre o 'grau de restrição' das legislações laborais e os níveis de desemprego dos países, levando a OCDE e outras instituições defensoras de mercados de trabalho desregulados a ter de alterar o argumentário para defender as suas posições.
De facto, quando lemos o texto do Público percebemos que não se trata de uma citação do relatório hoje divulgado (ao qual vale a pena estar atento), mas uma colagem de diferentes parágrafos do documento original. Terá sido uma má leitura do relatório ou a vontade de ser mais papista que o papa?
terça-feira, 24 de junho de 2008
Que tipo de europeísta é Vital Moreira?
Tenho sérias dúvidas se Vital Moreira é mais 'europeísta' do que qualquer uma das pessoas que escreve neste blog. Num quadro de globalização neoliberal, o processo de integração europeia representa uma esperança para todos aqueles que acreditam na necessidade e na possibilidade de construir um espaço político em que seja a democracia a controlar o mercado e não o inverso, sem cair numa autarcia indesejável e inviável. Mas esta esperança há muito que tem vindo a ser defraudada. A cada novo Tratado, a UE tem vindo a reforçar o poder dos mercados sobre as sociedades europeias. Fá-lo quando retira os principais instrumentos de política económica ao Estados, sem os substituir por instrumentos ao nível europeu que permitam gerir devidamente os ciclos económicos - favorecendo períodos prolongados de crise económica e de desemprego. Fá-lo ao impôr espartilhos tecnicamente injustificáveis às políticas orçamentais nacionais, o que em contextos de crise económica prolongada conduz inevitavelmente ao paulatino desmembramento dos serviços públicos e dos principais elementos do Estados Social. Fá-lo ao praticamente inviabilizar (impondo o princípio da unanimidade nas decisões) quaisquer avanços que permitam criar critérios sociais, laborais e fiscais mínimos à escala do continente. Ao fazê-lo, e dada escassez de instrumentos de política económica atrás referida, convida (implicita e expliciamente) os Estados Membros a basearem as suas políticas de competitividade em tudo o que reduza custos para as empresas - flexibilização e precarização no mercado de trabalho, concorrência na fiscalidade sobre os lucros, etc. Finalmente, fá-lo ao criar obstáculos dificilmente transponíveis a qualquer alteração democrática deste quadro institucional (nomeadamente, dando o poder de veto a qualquer país) .
Em suma, a deriva liberal da UE não resulta «do actual predomínio da direita no Parlamento Europeu e na Comissão» - como escreve Vital Moreira - está antes gravada no seu quadro institucional. Podendo teoricamente constituir-se como um espaço de progresso, liberdade e democracia, a União Europeia é hoje um dos principais motores da destruição do Estado Social na Europa, não havendo nenhum sinal significativo de que isto possa vir a ser revertido num futuro próximo.
Ser europeísta de esquerda hoje não passa apenas por defender a integração europeia como espaço privilegiado de exercício de democracia. Passa também pela necessidade de reconhecer que os Tratados da UE (em vigor ou à espera de o estar) não só não respondem às expectativas de uma esquerda europeísta, como se arriscam a ficar para a história como os carrascos da Europa das conquistas sociais.
Poderemos ter alguma esperança que um dia Vital Moreira discutirá estes assuntos sem recorrer às frases feitas do costume?
O que significa «menos Estado»?
Tudo isto para ilustrar o que parece ser uma faceta do neoliberalismo real: a transformação do «monstro». Era produtor e agora é cada vez mais pagante de produtos e serviços do sector privado. Na medida em que se reconhece que a provisão privada de alguns destes bens tem de ser regulada, além do preço de aquisição há que contar agora também com custos de regulação. O «monstro» fica mais magro, mas nem por isso mais barato. E a comunidade, há alguém capaz de garantir que fica melhor servida?
Economia política da diversidade
As lógicas da provisão
segunda-feira, 23 de junho de 2008
Austeridade assimétrica permanente
Keynesianismo ecológico ou o Estado ao serviço dos «falhados»
Os resultados estão à vista: «Lisboa é a zona de toda a Europa com maior presença das auto-estradas» e «Portugal é o terceiro país com menos comboios por habitante» (Pedro Sales no Zero de Conduta). Não admira que os transportes públicos tenham «perdido utentes de uma forma abismal a favor do transporte particular: entre 1990 e 2004 o uso do comboio diminuiu de 11,3% para 3,8%; o uso de autocarros diminuiu de 20,5% para 11,1%; o uso do automóvel subiu de 54,6% para 68,7%». Juntem a isto um crescimento suburbano caótico, que respeitou o direito de cada «pato bravo» a «fazer a casa que quer, onde quer» e temos algumas das razões que explicam o facto do peso dos combustíveis no orçamento dos portugueses ser o segundo maior da Europa - 5,2% para uma média Europeia de 3,3,% (Sérgio Aníbal do Público e do economia.info).
O investimento público, servido por um planeamento estratégico adequado, deve dar finalmente prioridade absoluta às necessidades de todos os que andam de autocarro, de comboio, de metro ou de eléctrico. Podemos ser «falhados», mas geramos externalidades positivas para o conjunto da comunidade: ar mais respirável, tempos de deslocação mais curtos, menos acidentes, mais oportunidades para interacção social. A decência de uma sociedade também se vê pela qualidade e pela popularidade dos transportes públicos. A actual conjuntura oferece uma oportunidade de ouro. É preciso combater a especulação e aumentar a transparência na formação dos preços dos combustíveis, mas é sobretudo preciso investir nos transportes públicos e nas energias renováveis. Keynesianismo ecológico.
domingo, 22 de junho de 2008
A lição alemã
Crise financeira internacional, inflação global, apreciação do euro, redução das exportações, declínio do excedente externo. Estes são indicadores do que, provavelmente, seria uma economia alemã deprimida. Porém, com um crescimento de 1,5% no primeiro trimestre de 2008, correspondente a uma taxa de crescimento anual de 2,6%, esta economia escapa à crise internacional.
Como explicar o "oásis"? Graças a um movimento sindical particularmente combativo durante 2007, apoiado politicamente por um Partido da Esquerda (Die Linke) em ascensão, o governo (sobretudo pelo SPD, parceiro minoritário da "grande coligação") foi obrigado a abandonar a política de austeridade salarial que imperou na maior economia europeia nos últimos dez anos. Mesmo com os avisos e ameaças do BCE, os salários dos trabalhadores alemães, quer no sector público, quer no sector privado, cresceram consideravelmente. Dois exemplos simbólicos: os trabalhadores ferroviários conseguiram um aumento de 10% até 2010, enquanto os trabalhadores dos correios impuseram um salário mínimo de 10 euros horários, o dobro do particado em outras empresas postais privadas.
A Alemanha abandona assim a exclusiva aposta na competitividade externa, da qual só algumas grandes empresas beneficiaram. O resultado é uma notável recuperação do consumo e do investimento que contrabalançam a conjuntura internacional adversa. Uma lição para o resto da Europa. A necessidade de mecanismos de coordenação salarial ao nível europeu sai daqui reforçada.
Ainda a proposta sobre o novo horário de trabalho na UE
Uma notícia recente do PÚBLICO (11/6/08), posteriormente retomada pelo Expresso (21/6/08), dava conta de que foi aprovado pelo Conselho Europeu um projecto de directiva que prevê que o horário de trabalho semanal se possa estender até às 65 horas. O facto de tal orientação, se vier a ser aprovada pelo Parlamento Europeu (PE), só poder ser aplicada nacional e localmente se tiver o acordo dos trabalhadores de nada vale: como explica João Proença ao Expresso, os trabalhadores são a parte fraca nas relações de trabalho e, por isso, se tal legislação vier mesmo a ser aprovada, depois quem não quiser seguir os desejos do patrão correrá sérios riscos de ser dispensado, isto é, despedido.
Por tudo isso, tal opção foi descrita como “a Europa dos patrões” (Manuel António Pina, JN, 11/6/08), “o regresso ao século XIX” (PSOE) e a criação de “uma sociedade de escravos” (Dom Januário Torgal Ferreira, Expresso, 21/6/08).
Segundo a notícia do PÚBLICO (11/6/08), nunca desmentida, apenas os governos de Espanha, Grécia, Hungria, Chipre e Bélgica, bem como a confederação europeia de sindicatos, declararam firme oposição à directiva, no sentido de que não venha a ser aprovada pelo PE.
Perante o silêncio do governo português, fica a ideia de que uma boa dose de europeísmo crítico faz muita falta ao PS. Mais, perante esta tendência para a asiatisação das relações laborais e do modelo social europeus, esperava-se de um partido socialista com convicções europeias e uma visão social-democrata para a Europa, uma firme batalha contra este projecto de directiva. Infelizamente, o PS português parece que, nesta como noutras matérias, está mais próximo da terceira via britânica (o New Labour/Reino Unido é um dos grandes impulsionadores da iniciativa) do que do socialismo democrático continental (PSOE, PSF, etc.). Más notícias para os europeus e para os portugueses, com certeza.
sábado, 21 de junho de 2008
A UE em versão para crianças
Se alguém se atrevesse a propor o controlo da movimentação de capitais, um imposto sobre os lucros, ou direitos laborais mínimos à escala europeia, tal estaria dependente do acordo dos 27 (nem que fosse o Luxemburgo, com menos de 0,5% da população da UE, a opor-se, a proposta não passaria). Ou seja, para tornar a UE mais social, 26 é mesmo igual a zero. Pelo contrário, para decidir sobre o nível das taxas de juro ou para aplicar os princípios da total liberalização das trocas no seio da UE, as instituições supranacionais (BCE e Comissão Europeia) decidem por si - mesmo que o façam contra a posição assumida pela generalidade dos representantes dos Estados-Membros. Estas são as regras estabelecidas, que fazem da UE uma instituição profundamente anti-democrática e um 'cavalo de Troia da globalização neoliberal', como assinalou o economista Francês Jean-Paul Fitoussi.
Uma das formas de blindar este estado de coisas foi garantir que nunca tal arquitectura poderia ser mudada a não ser com o acordo unânime dos Estados-Membros. É, pois, ridículo afirmar que 3 milhões de irlandeses não têm legitimidade para inviabilizar um projecto que foi aprovado por 26 países. No quadro actual da UE, legitimidade é o que não lhes falta.
A pressão que será feita nos próximos meses sobre os cidadão irlandeses para que aprovem à força o Tratado é tão vergonhosa quanto o défice democrático que tem caracterizado a UE (e sem o qual dificilmente se conseguiria impôr aos europeus a deriva liberal que a UE protagoniza). É quase tão vergonhosa quanto a insistência por parte dos líderes políticos europeus em tratar os cidadãos dos seus países como se fossem crianças, cada vez que se fala da UE.
sexta-feira, 20 de junho de 2008
Educação em debate
Um “New Deal” para os agricultores pobres
"A História tem mostrado que é necessária uma acção governamental para ajudar os agricultores mais pobres a escaparem à armadilha da pobreza derivada dos fracos rendimentos."
"Durante a crise da dívida, nas décadas de 80 e 90, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial obrigaram dezenas de países pobres importadores de alimentos a desmantelar estes sistemas estatais. Foi dito aos agricultores que deveriam desenvencilhar-se sozinhos, deixando que as “forças de mercado” fornecessem os ‘inputs’. Foi um grande erro: essas forças de mercado não existiam. "
"É hora de reestabelecer os sistemas de financiamento público que permitem aos pequenos agricultores dos países mais pobres, nomeadamente os que dispõem de terrenos com dois ou menos hectares, aceder aos necessários ‘inputs’ de sementes de alto rendimento, adubos e sistemas de irrigação em pequena escala."
quinta-feira, 19 de junho de 2008
A força e a fraqueza do projecto neoliberal europeu
A inflação não é um problema monetário (II)
Como argumenta um dos maiores especuladores mundiais, George Soros, a finança tornou-se «demasiado grande e demasiado rentável». Só limites claros à acção dos diferentes agentes financeiros podem estancar a especulação nos mercados de petróleo e bens alimentares. A solução para o problema da inflação passa obrigatoriamente por aqui.
A inflação não é um problema monetário (I)
quarta-feira, 18 de junho de 2008
Os novos tubarões do crédito
terça-feira, 17 de junho de 2008
Dos baixos salários num país desigual
Nota. Este livro sobre o declínio do tempo de lazer entre os trabalhadores norte-americanos poderia inspirar análises semelhantes para Portugal. Talvez não por acaso, Juliet Schor também escreveu um livro sobre o sobrendividamento e o sobreconsumo nos EUA. Descontando as diferenças óbvias, há padrões que parecem repetir-se dos dois lados do Atlântico.
Regresso ao passado?
Mais Ladrões de Bicicletas
segunda-feira, 16 de junho de 2008
A paixão pelo sul (do Tejo)
Acontece que o crescimento urbano da margem sul é um dos mais poderosos mecanismos da concentração demográfica num território limitado e congestionado, com consequências óbvias no desenho territorial do país e na lógica das relações interterritoriais internas. Este é também o local de conhecidos projectos imobiliários e turísticos.
Não é necessário lembrar outros episódios recentes da notória, mas não revelada, paixão do governo pelo sul do Tejo. Ficamos a saber que os custos dessa operação não têm sequer como limite a tão canónica gestão das contas públicas. Paguemos, pois, o desequilíbrio territorial e o acesso que viabiliza as rendas imobiliárias. Porque os objectivos orçamentais e fiscais mantêm-se, supõe-se...
Face ao Não da Irlanda ao Tratado de Lisboa, de forma arrogante alguns líderes da UE logo afirmaram que se trata de um problema que a própria Irlanda terá de resolver. Este é mais um episódio da cegueira que há longo tempo afecta a maioria da classe política da UE.
Bem sei que os Tratados são demasiado complexos para serem lidos, interpretados, e com conhecimento de causa votados pelos cidadãos. Ainda assim, importa não esquecer que também nas eleições legislativas a esmagadora maioria dos cidadãos também não lê os programas eleitorais dos partidos, o que não torna menos legítimas as suas escolhas. É possível que a exploração demagógica de alguns temas, alheios ao Tratado, tenha favorecido a campanha do Não na Irlanda. Contudo, não é menos verdade que os resultados das eleições autárquicas nos vários países também são “contaminados” pela conjuntura política nacional e, ainda assim, ninguém os deprecia.
De facto, a questão central é outra. Como foi possível pensar que um processo de construção política federal se pudesse realizar sem que os cidadãos europeus fossem directamente envolvidos e sentissem esse projecto como indispensável a um futuro de paz e prosperidade para as suas comunidades? O Tratado de Maastricht, com a criação de uma moeda única e outras inovações de natureza federal, foi um salto qualitativo no processo de construção de uma soberania supranacional, para o qual o Tratado de Lisboa dá novos contributos. Estarão os cidadãos europeus minimamente conscientes do que realmente significa o processo em que embarcámos?
Hoje, os cidadãos europeus sabem que o prometido maior crescimento económico resultante da integração europeia não se concretizou, antes deu lugar a uma prolongada estagnação e elevado desemprego; sentem que a UE não tem políticas de curto prazo que permitam fazer face a uma crise económica grave como a que atravessamos; observam o contraste entre as remunerações dos mais altos responsáveis pela especulação financeira ruinosa e a forma como o trabalho é sistematicamente tratado como “variável de ajustamento” a penalizar; estão habituados a ouvir o Banco Central Europeu exigir moderação salarial sob pena de novos aumentos das taxas de juro e vêm que, na prática, isso significa estagnação ou perda de poder de compra. Tudo isto, associado ao crescente descrédito da classe política, constitui o pano de fundo dos sucessivos Não: francês, holandês e irlandês.
A esmagadora maioria dos cidadãos não percebe que a Zona Euro caminha para o desastre porque o euro não é sustentável, social e politicamente, sem uma política orçamental, um poder democraticamente responsável pela sua gestão e um Banco Central mandatado para cooperar com políticas de crescimento. Os cidadãos podem não entender estes mecanismos, mas há algo que muitos já perceberam: que têm direito a uma vida melhor e estão dispostos a fazer alguma coisa para que os directórios políticos mudem o que tiver de ser mudado. O veto de referendos nacionais, provavelmente decidido em Lisboa, foi uma resposta cobarde à frustração de muitos cidadãos com os resultados da integração europeia e a forma como tem sido conduzida. A europeísta Irlanda estragou a fuga em frente e, mais tarde ou mais cedo, vai suscitar referendos em outros países porque, em última análise, o que está em causa é uma decisão de partilhar a soberania num contexto de grave crise socioeconómica. Na ausência de esperança, outros Não vêm a caminho.
Em vez de chamar ingratos aos Irlandeses, temos de falar claro sobre o que está em causa. Temos de exigir um amplo debate sobre a escolha com que estamos confrontados: construir uma democracia de natureza federal que dá prioridade ao pleno emprego e à redução das desigualdades ou prolongar a estagnação socioeconómica resultante da engenharia legislativa, de matriz neoliberal, que tem sido conduzida nas costas dos cidadãos. É verdade, há anos que a UE está em crise e há que superá-la. Mas convém não esquecer que ‘crise’ também significa ‘oportunidade’; neste caso a de recomeçar o processo de construção da UE em novas bases. Também passa por aqui o futuro da esquerda socialista.
Reforma laboral ou os salários como única variável de ajustamento
domingo, 15 de junho de 2008
As esquerdas, os equívocos e o povo
A argumentação de Vital Moreira sobre a impossibilidade de coligações (ou acordos de incidência parlamentar, outra possibilidade não considerada pelo articulista...) entre o PS e os partidos à sua esquerda assenta em quatro equívocos fundamentais.
Primeiro, esta ideia de que as esquerdas podem e devem tentar entender-se para uma solução de governo estável, caso o PS não tenha maioria absoluta, não é uma ideia peregrina agora defendida por Manuel Alegre. Não, foi subscrita por vários notáveis (Alberto Martins, Manuel Maria Carrilho, Vera Jardim, Maria de Belém Roseira e vários outros que apoiaram Alegre) do partido, em 2004, nas célebres primárias que opuseram Alegre, João Soares e Sócrates.
Segundo, a ideia de que as distâncias entre o PS e os partidos à sua esquerda, nomeadamente em matéria de política europeia, inviabilizariam tal entendimento não resiste a uma pequena análise comparativa. Por exemplo, todos nos lembramos que metade do PS francês defendeu o não à Constituição Europeia e o partido não só sobreviveu como esteve quase a ganhar as presidenciais de 2007. . . Mais, o europeísmo céptico (ou crítico) à esquerda do PS não será, pelo menos nalguns casos, muito diferente do que existe no PCF, na Izquierda Unida ou na Rifondazione Comunista. Ora qualquer destes partidos já se coligou (ou fez acordos) com os equivalentes do PS nesses países. . . E quando vemos o PS calado perante a recente orientação da Comissão Europeia de estender o horário de trabalho semanal até um máximo de 65 horas (Público, 11/6/2008), ficamos com a ideia de que, secalhar, o partido precisa mesmo de algum europeísmo céptico. . .
Recorde-se que, sobre esta orientação da Comissão, o PSOE afirmou que estamos perante um regresso ao século XIX. . . Ele há socialistas e socialistas. . .
Terceiro, a argumentação de Moreira é tão antiga como o próprio sistema político português da era democrática e tem levado, na prática, àquilo que eu chamei o "enviesamento de direita do sistema partidário português" (sobre esta matéria veja-se também o recente livro de Carlos Jalali sobre os partidos portugueses): historicamente o PS entendeu-se sempre com a direita, e nunca com a esquerda, para soluções de governo. Não será tempo de mudar essa sina?
Quarto, numa democracia, o povo tem a última palavra nas eleições. E, portanto, se, primeiro, nessas eleições os eleitores reforçarem significativamente os partidos à esquerda do PS; segundo, retirarem a maioria absoluta a este último; terceiro, deixarem a direita ao nível a que tem estado, nomeadamente inviabilizando a solução PS-CDS, ficará muito difícil para o PS não tentar entender-se com a sua esquerda. . . É que os entendimentos à esquerda podem ser difícieis, ninguém o nega. Mas não podem nunca ser o ponto de partida, como defende Moreira. Outro independente, como eu, o jornalista José Carlos de Vasconcelos explica muito bem e claramente quais são as condições mínimas para um entendimento à esquerda ("Pode a esquerda entender-se?", Visão, 12/6/08, p. 42). Mas elas não só não têm nada que ver com os argumentos de Vital Moreira como são perfeitamente ultrapassáveis (assim haja vontade política e o povo aponte com clareza nesse sentido).
Ranking da Arrogância
3 - Respeitamos o resultado irlandês, mas o processo de ratificações deve continuar. A Irlanda deverá resolver o seu problema.
Ou seja, não respeitamos o resultado irlandês e continuamos como se não fosse nada. Acabado o processo de ratificações parlamentares, a Irlanda forçará um novo referendo. Testada e provada na Dinamarca, a trafulhice em out-sourcing. Como disse o primeiro-ministro polaco: «Seguramente que a Irlanda encontrará uma forma de ratificar este Tratado.»
Seguramente.
2 - O não ganhou com argumentos conservadores e de Direita
Ou seja, a democracia vale desde que se utilize os argumentos certos. E os irlandeses estão confusos. Não deixa de ser curioso como mesmo opositores do Tratado compram acriticamente este argumento. No entanto, os serviços públicos, os direitos laborais, a democracia na Europa, o ambiente, a paz, foram alguns dos temas levantados pela esquerda irlandesa. Não se trata propriamente de uma agenda reaccionária.
Claro que há um não de direita ao Tratado, mas deixarei o argumento das más companhias para quem gosta de estar com Sarkozy, Berlusconi e Paulo Portas.
And the winner is...
1 - 1% dos europeus não podem impôr a sua vontade ao resto dos europeus.
A competição é apertada, mas este é o meu preferido. O único país que referendou o Tratado de Lisboa, rejeitou-o. A conclusão é a de que temos 1% da população europeia a impôr a sua vontade aos outros 99% entre os quais se contam os que ainda não tiveram oportunidade de referendar nem este tratado nem o anterior (como Portugal) e os que, tendo referendado e rejeitado um texto igual, foram agora enganados pelos seus governos (França e Holanda).