sexta-feira, 13 de junho de 2008

Tratado de Lisboa para o caixote do lixo da história

«O ministro da Justiça irlandês admitiu já a vitória do 'não' no referendo ao Tratado de Lisboa, confirmando os números que estão a ser divulgados pela imprensa» (Público). Boas notícias. Assim se confirma como o anti-democrático vanguardismo liberal das elites políticas e económicas europeias, que procura limitar a democracia para expandir o alcance das forças de mercado, esbarra sempre nos países onde os cidadãos podem fazer uso, em referendo, da arma do voto.

7 comentários:

NC disse...

"Vanguardismo liberal"?!?!??

Ainda não conheçi nenhum liberal defensor do Tratado.

João Rodrigues disse...

Saia da blogoesfera lusa, veja quem é a facção dominante das coligações que suportam o tratado (Durão, Sarkozy, a social-democracia rendida à expansão do mercado e tutti quanti) e sobretudo analise as tendências fortes da UE e os seus arranjos. Sobre isto aqui fica um resumo de um argumento que eu desenvolvi noutro lugar:

No entanto, isto não impediu os líderes reunidos em Lisboa de assinar um Tratado que não inverte, longe disso, o processo global de aproximação da União Europeia a um modelo neoliberal de capitalismo cujas fragilidades socioeconómicas se tornam agora particularmente evidentes.

Esta convergência tem essencialmente três grandes pilares impulsionadores, aceites quase sem discussão pelas elites políticas e económicas, e que constam do Tratado de Lisboa: (1) uma Comissão Europeia dotada de instrumentos e de vontade política para alargar a lógica do mercado interno e da concorrência a um número crescente e potencialmente ilimitado de áreas; (2) uma moeda única gerida por um Banco Central «independente» do poder político democrático e com um mandato focado exclusivamente na estabilidade de preços, sem qualquer preocupação com o impacto das suas decisões ou omissões no crescimento económico e na criação de emprego; (3) um orçamento comunitário residual e uma orientação de política orçamental presa à miragem do equilíbrio das contas públicas, concebida como um fim em sim mesmo, que não permitem que os poderes públicos, europeus e nacionais, possam influenciar o andamento da economia e desta forma promover o pleno-emprego.

Se a estes pilares juntarmos a fragmentação nacional dos regimes fiscais, da legislação laboral ou da política social, cujo grau de harmonização continuará a ser diminuto ou mesmo inexistente, facilmente se entende como a integração europeia tem criado incentivos que orientam perversamente as políticas públicas nacionais no sentido da erosão dos direitos sociais ou laborais, bem como da fragilização da justiça dos sistemas fiscais. Dos actuais projectos de desregulamentação das legislações laborais nacionais, apoiados pela Comissão, até aos sucessivos cortes nos impostos que oneram os grupos sociais mais privilegiados, aos estados, sobretudo aos mais pequenos como Portugal, parece restar pouco mais do que procurar «seduzir» os capitais, cuja mobilidade o processo de integração tem feito tudo para promover, ou então procurar sair da crise através da promoção das exportações por via da compressão dos custos relativos do trabalho. Como todos os outros países tendem a fazer o mesmo, num processo descoordenado, o resultado é perverso: um mercado interno europeu desnecessariamente contraído por uma orientação de política que supostamente o deveria estimular.

Hugo Mendes disse...

João,

Tentando isolar um ponto ou outro das nossas discordâncias (e concordo contigo, por exemplo, na excessiva independencia do Banco Central; a questão é como é que isso se resolve):

"ou então procurar sair da crise através da promoção das exportações por via da compressão dos custos relativos do trabalho."

Não percebo. Foi assim que os países europeus (e do Leste Asiático, aliás; como enriqueceu a Coreia do Sul?) enriqueceram: exportando. Como é que queres que paises pequenos - a grande maioria dos países da UE -, com um mercado interno incipiente, cresçam sem ser através das exportações? Se as exportações levassem, por definição, à "compressão dos custos do trabalho", não conseguias explicar o enriquecimento dos países pequenos. A "experiencia natural" mais fácil é mesmo comparares os países pequenos da Europa Ocidental com os paises pequenos que estavam no passado do outro lado da "cortina de ferro".
Já agora, para além do sucesso economico, foram as exportações que obrigaram os países a construir instituições de diálogo social eficaz. Quanto maior a 'facilidade' de 'usar' o mercado interno, maior a dificuldade de reunir à mesma mesa governo e parceiros sociais, porque eles precisam menos uns dos outros para resolver problemas colectivos que surgem quando é preciso ganhar mercados externos e evitar a inflação salarial (que era aliás a função destes acordos; e quando eles não funcionam e não são capazes de garantir a essencial 'wage restraint', então lá vem, em ultima instancia, o polícia do banco central controlar a inflação...).
Compara a facilidade de chegar a consensos alargados em países pequenos (=mercado interno pequeno: países nordicos, Holanda, Austria, Suiça) com países grandes (=mercado interno grande: França, Itália, Inglaterra; sendo a Alemanha uma parcial excepção pela forma como foi construida a relação entre capital e trabalho depois de 1945) e tens a concretização empírica do que falo.
Tirando a Irlanda - que é uma excepção interessante enquanto país que cresceu excepcionalmente através da abertura ao investimento estrangeiro -, os únicos países que fazem dumping fiscal são os únicos que durante décadas não exportaram nada e hoje, claro, são obrigado a usar o único instrumento que podem para competir internacionalmente. Porquê? Porque perderam décadas de aprendizagem que só é possível através das exportações e da conquista de mercados externos. E isso leva a que, ironicamente, os ex-países comunistas sejam hoje os com mais impulsos "capitalistas". Perderam, claro está, o comboio histórico da social-democracia que permitiu a vários países enriquecerem pela especialização que só as exportações garantem.

Acho, por isso, que estás a raciocinar ao precisamente contrário. O que precisamos, a prazo, é de construir espaços institucionais para fazer dialogar o capital e o trabalho, cada umdeles bem organizado e representando o seu 'lado' de forma coordenada. Recuar na nossa capacidade de acção colectiva, que é o que a recusa do Tratado comporta, vai estilhaçar qualquer capacidade de construir esses espaços que podiam permitir, no futuro, acordos transnacionais.

E já agora, tu dás que tanto valor à democracia nacional :): se N países (falo dos do Leste Europeu) decidiram internamente, através de governos democraticamente eleitos, a adopção, por exemplo, de "flat taxes", quem somos nós para dizer que eles têm de fazer uma harmonização fiscal?
Faço esta pergunta porque umas vezes a UE é apresentada como um monstro que retira autonomia às decisões dos Estados, mas depois não vês nenhuma contradição que UE imponha uma harmonização fiscal que me parece violar principios essenciais de manobra democrática dos governos. Esses países não têm direito a requerer autonomia nesse (como noutros) planos? Ou a democracia só é boa quando serve as batalhas da esquerda?

Atenção: eu não discordo que alguma harmonização fosse possível - gradual! -, evitando algum do dumping fiscal existente. Mas acho que estamos a pedir a Lua, aqui e já. À conta de querermos instituições e acordos perfeitos, recusamos algumas melhorias. E como as recusamos, ficamos com as imperfeiçoes actuais. Pior, vamos aprofundá-las. Ou achas que é a recusa do Tratado de Lisboa que vai resolver o dumping fiscal? Achas que é a sua recusa que vai aumentar o orçamento comunitário? Ou que vai mudar alguma coisa em relação ao Banco Central Europeu?
Não só não resolve o problema, como provavelmente recuámos - sem retorno, talvez? - na possibilidade de um dia virmos a ter capacidade de encontrar soluções colectivas neste - e noutros - pontos. E quando tivermos deitado a perder todas as possibilidades de agirmos em conjunto....vamos acabar com acordos bilaterais entre países que só vão, é fácil ver, aprofundar os problemas de descoordenação. E se esses acordos bilaterais explorarem - como é racional que explorem - a vantagem comparativa dos países mais pobres, com toda a probabilidade aprofundando o dumping, depois não se queixem do "race to the bottom"....

abraço
Hugo

Anónimo disse...

Infelizmente parece que é cedo para cantar vitória. Acho que os Eurocratas/Bilderberg's ainda vão ganhar na secretaria.

João Dias disse...

Parece-me que Hugo Mendes terá interpretado mal a frase de João Rodrigues, este não disse que as exportações conduzem à "compressão relativa dos custos de trabalho", nem está implícito na frase que é contra as exportações "per si", o que é dito é que a promoção/aumento das exportações não pode/deve ser feita pela "via"/baseada nos baixos custos de mão-de-obra.

"Se as exportações levassem, por definição, à "compressão dos custos do trabalho", não conseguias explicar o enriquecimento dos países pequenos."

Pelo contrário, o enriquecimento dos países é explicável com base nesse factor competitivo perverso..."a compressão dos custos relativos do trabalho". Por exemplo, o crescimento da China é feito com base na ausência de direitos laborais mínimos, como os custos de trabalho na China são baixíssimos, o produto final chega ao consumidor a preços mais baixos, com a margem de lucro potenciada pela exploração dos trabalhadores. Mais, um país pode enriquecer e esse enriquecimento não ser sentido pela população, o PIB de um país pode aumentar e o governo criar políticas que não façam a redistribuição dessa mais valia.

Pedro Sá disse...

Diga o que disser, esse argumento do liberalismo é falso. Muito falso. Porque nada foi alterado agora.

Anónimo disse...

Caro João Rodrigues,

Existe uma coisa que não compreendo quem defende o Não ao Tratado que é o argumento que limita a democracia.

O que acontece é precisamente o contrário, um reforço do Parlamento Europeu e um maior acesso dos cidadãos europeus à comissão.
Julgo que incentivar essa utopia é errado pois induz a conclusões manipuladas.

"uma Comissão Europeia dotada de instrumentos e de vontade política para alargar a lógica do mercado interno e da concorrência a um número crescente e potencialmente ilimitado de áreas"

Quais são os instrumentos que não passam pelo Parlamento?

[Sobre esta temática - Tratado de Lisbo e falso argumento de antimedocracia escrevi um artigo no meu blogue (é só seguir o link no meu nome) que gostaria que comentassem, pois julgo que era salutar existir uma discussão mais aprofundada deste tema]