O parágrafo é da autoria de Domenico Losurdo, em A luta de classes - uma história política e filosófica, editado, em 2015, pela Boitempo no Brasil. Já devia ter sido editado em Portugal, mas, como acontece com o melhor marxismo, não o foi.
sexta-feira, 22 de novembro de 2024
Um parágrafo, dois gráficos, algumas palavras.
O parágrafo é da autoria de Domenico Losurdo, em A luta de classes - uma história política e filosófica, editado, em 2015, pela Boitempo no Brasil. Já devia ter sido editado em Portugal, mas, como acontece com o melhor marxismo, não o foi.
Dois pesos e uma impunidade total
«Senhora presidente, o mundo não devia habituar-se à morte de palestinianos. A ver morrer crianças palestinianas à fome. A ver mães carregar os seus filhos de um lado para o outro, deslocados à força. Não devia habituar-se a ver jornalistas serem assassinados, nem trabalhadores humanitários a serem mortos.
A ver palestinianos serem detidos, sequestrados, carregados em camiões para serem torturados, abusados sexualmente e violados. O facto de sermos palestinianos não torna isso menos chocante, nem menos ultrajante. Talvez para alguns nós tenhamos a nacionalidade errada, a fé errada, a cor de pele errada. Mas nós somos humanos! E devíamos ser tratados como tal. Existe uma Carta das Nações Unidas para Israel que é diferente da carta que todos aqui têm? Digam-nos!
Existe uma lei internacional para eles e uma lei internacional para nós? Têm eles o direito de matar e o único direito que nós temos é o de morrer?»
Da intervenção de Majed Bamya, Vice-embaixador palestiniano na ONU, no dia em que os Estados Unidos vetaram mais uma resolução que apelava a um cessar-fogo imediato em Gaza. Isto é, os Estados Unidos ainda sob a administração de Joe Biden, que de forma consistentemente trágica, além de ceder armas, pouco ou nada mais fez, ao longo do último ano, que verter mediáticas lágrimas de crocodilo.
quinta-feira, 21 de novembro de 2024
Fascismo e antifascismo
Recordar é viver: um trol de extrema-direita, encerrado numa bolha reacionária estrangeira, usou a expressão “wokismo” nas cerimónias do 25 de abril e alguém o apanhou bem na RTP, com uma magnífica gralha.
Obsessões que resistem a factos: João Marôco e o alegado «retrocesso educativo» de Portugal
Trazendo à memória o ex-ministro Nuno Crato e a sua peregrina tese da «década perdida» na educação – que corresponde justamente ao período em que o nosso país alcançou os progressos mais notáveis na aferição internacional PISA –, João Marôco insistiu recentemente, no Público de 4 de novembro, na ideia de que Portugal regista um «retrocesso educativo que ninguém quer ver».
O recente debate sobre a disciplina de Cidadania foi o pretexto para o regresso a esta tese, com João Marôco a lamentar que a relevância concedida a esse debate não permita que se discuta aquilo que, em seu entender, realmente importa: o recuo, «sem precedentes, nas literacias de leitura, matemática e ciências dos alunos, evidenciado no último PISA».
Sucede, porém, que a ideia de um recuo de Portugal no PISA de 2022, que em termos comparativos caracterize o nosso país como um caso isolado de fracasso – por não acompanhar uma tendência internacional generalizada – carece de fundamento. De facto, a descida verificada face ao PISA de 2018 está em linha com o decréscimo de resultados registado à escala da OCDE e da UE, refletindo assim, em idêntico grau, o impacto da pandemia nas aprendizagens. Ou seja, sem que as diferenças observadas sejam estatisticamente relevantes, como a própria OCDE e o Iave cuidaram oportunamente de assinalar.
(...) Em suma, o que a evolução dos resultados de Portugal neste exercício internacional de aferição das literacias demonstra é, portanto, algo muito claro. Depois de uma aproximação progressiva à OCDE em todos os domínios, conseguida com diferentes governos, passa-se a uma situação em que os alunos portugueses acompanham a evolução de valores à escala da organização.
O resto do artigo pode ser lido no Público de ontem.
quarta-feira, 20 de novembro de 2024
Choque de procuras
Nesta linha, foi recentemente divulgado um novo estudo, em que se procede a uma comparação entre Portugal e Espanha, constatando-se que as semelhanças entre os dois países, em termos de trajetória macroeconómica, não se refletem na evolução do preço das casas. De facto, desde 2013, «os preços da habitação em termos reais cresceram mais de 80% em Portugal e menos de 30% em Espanha».
Dando nota que os preços das casas em Portugal estão sobrevalorizados desde 2017, os autores do estudo concluem que «o crescimento dos preços em Portugal tem sido impulsionado maioritariamente por forças da procura, com a oferta a ser ineficaz em contrabalançar essas pressões, ao contrário do que sucede em Espanha».
A expressão «choque de procuras», sugerida no estudo, é particularmente feliz para descrever o essencial da génese e natureza da crise de habitação, contribuindo para refutar a tese simplista e ilusória da falta de casas, que tende a ignorar, desde logo, a relação entre população e alojamentos. Aliás, deste ponto de vista, tudo indica que Portugal até construiu mais ao longo da última década do que o nosso país vizinho, como ilustra o gráfico aqui em cima. Em média, entre 2010 e 2023, foram licenciados 1,8 fogos por mil habitantes em Portugal e apenas 1,5 em Espanha.
Ora, se a crise de habitação decorresse simplesmente da falta de construção, como dominantemente se afirma (ao arrepio do que nos dizem as comparações internacionais), os preços das casas em Espanha teriam até subido mais que em Portugal. Porque, de facto, como assinalam os autores do estudo, «o crescimento dos preços é marcadamente guiado pelas forças da procura», sendo a oferta «incapaz de contrabalançar este efeito» e contribuindo até, «em alguns períodos, ainda que de forma ligeira, para o crescimento dos preços».
terça-feira, 19 de novembro de 2024
Teses
Apresentação e debate
Sábado, workshop Causa Pública sobre a crise de habitação
«A crise na habitação está hoje na ordem do dia em diferentes países como um dos problemas políticos que emergiram depois da crise financeira de 2008. Mas em Portugal a situação é pior do que na esmagadora maioria das economias desenvolvidas. A crise habitacional é hoje um dos mais graves problemas que a sociedade portuguesa enfrenta.
A Causa Pública tem vindo a trabalhar sobre a questão da habitação, sob a coordenação de Guilherme Rodrigues. No dia 23 de novembro iremos realizar um workshop em que apresentamos o primeiro de um conjunto de três relatórios dedicados a este tema.
Pretende-se apresentar o diagnóstico da crise habitacional portuguesa, discutir os seus custos sociais, mas também o seu impacto económico – que é muito relevante e que tende geralmente a ser ignorado no debate público. Finalmente, depois de anos em que foram lançados diferentes pacotes legislativos, queremos começar a debater políticas públicas que respondam efetivamente ao problema».
Com a participação de Alexandre Abreu e João Pereira dos Santos, num debate moderado por Ana Drago, sobre o estudo que será apresentado por Guilherme Rodrigues. Sábado, 23 de novembro, a partir das 14h30, no SPGL (Lisboa). A participação é gratuita, devendo as inscrições ser feitas por email: iniciativas@causapublica.org.
segunda-feira, 18 de novembro de 2024
Haja luz e esperança
«Estive na primeira reunião de líderes do G20, convocada em Washington no contexto da crise financeira de 2008. Dezesseis anos depois, constato com tristeza que o mundo está pior.
Temos o maior número de conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial e a maior quantidade de deslocamentos forçados já registrada. Os fenómenos climáticos extremos mostram seus efeitos devastadores em todos os cantos do planeta. As desigualdades sociais, raciais e de género se aprofundam, na esteira de uma pandemia que ceifou mais de 15 milhões de vidas.
Segundo a FAO, em 2024, convivemos com um contingente de 733 milhões de pessoas ainda subnutridas. É como se as populações do Brasil, México, Alemanha, Reino Unido, África do Sul e Canadá, somadas, estivessem passando fome. São mulheres, homens e crianças, cujo direito à vida e à educação, ao desenvolvimento e à alimentação são diariamente violados. Em um mundo que produz quase 6 bilhões de toneladas de alimentos por ano, isso é inadmissível. Em um mundo cujos gastos militares chegam a 2,4 trilhões de dólares, isso é inaceitável.
A fome e a pobreza não são resultado da escassez ou de fenômenos naturais. A fome, como dizia o cientista e geógrafo brasileiro Josué de Castro, “a fome é a expressão biológica dos males sociais”. É produto de decisões políticas, que perpetuam a exclusão de grande parte da humanidade.
O G20 representa 85% dos 110 trilhões de dólares do PIB mundial. Também responde por 75% dos 32 trilhões de dólares do comércio de bens e serviços e dois terços dos 8 bilhões de habitantes do planeta. Compete aos que estão aqui em volta desta mesa a inadiável tarefa de acabar com essa chaga que envergonha a humanidade.
Por isso, colocamos como objetivo central da presidência brasileira no G20 o lançamento de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Este será o nosso maior legado. Não se trata apenas de fazer justiça. Essa é uma condição imprescindível para construir sociedades mais prósperas e um mundo de paz».
Do discurso de abertura proferido por Lula da Silva, no início da Cimeira do G20, no Rio de Janeiro.
domingo, 17 de novembro de 2024
Obrigado, Celeste Caeiro
sábado, 16 de novembro de 2024
A ascensão da extrema-direita não começou hoje
Como escreve Manuel Loff, no Público (13/11), a segunda vitória de Donald Trump configura uma viragem histórica.
Esta vitória parece não encaixar nos modelos dos cientistas políticos da mesma maneira que a crise não existia nos modelos económicos neoclássicos. Abundam as análises, focando-se no papel da inflação e do custo de vida, no apoucamento, com décadas, de grande parte da classe operária americana, bem como o papel da desinformação e das redes sociais ou do jogo sujo da campanha baseada na mentira, no racismo, na xenofobia, na lgbtfobia, e num discurso populista reacionário, que pretende fazer retornar os EUA a um passado idílico que nunca existiu, contra uma suposta elite corrupta de que na verdade o próprio Trump sempre fez parte. Todos estes pontos, e outros, como o apoio demcrata ao genocídio, são válidos e cumulativos.
O facto é que Trump não ganha apenas nos EUA. Qualquer análise que se preze não pode esquecer que Trump faz, obviamente, parte de uma tendência generalizada nos países do norte dito global, onde a extrema-direita ganha ou, pelo menos, cresce de uma forma tal que influencia os termos do debate, extrema as posições da direita tradicional e coloca a esquerda na defensiva.
Trata-se, portanto, de uma viragem histórica com alcance internacional. Uma tendência óbvia é olhar para outras eras históricas semelhantes. Estamos, de facto, bem próximos do período após a Primeira Guerra Mundial, com a progressiva ascensão dos fascismos, a grande depressão, as guerras civis e que culminou na Segunda Guerra Mundial. As semelhanças são claras e têm sido notadas amiúde.
O que não tenho visto (e pode ser falha minha) é o encontrar das causas desta viragem na última viragem histórica de dimensões semelhantes – falo dos anos 70 e 80 do século passado.
sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Espaços e tempos
quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Memorável
Graças sobretudo ao sociólogo Carlos Fortuna, Professor Catedrático Emérito da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), o Mil Folhas já vai no décimo número. É o boletim quadrimestral da excelente biblioteca da FEUC, agora em obras de renovação.
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
Mais uma lição
terça-feira, 12 de novembro de 2024
Amigos, amigos, negócios incluídos
Livrai-nos dos verdes com bombas, livrai-nos do Livre
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Pistas para compreender o regresso de Trump
domingo, 10 de novembro de 2024
A esquerda otanizada
Há uma esquerda, ainda dominante por aqui e por ali, presa mentalmente na geografia ideológica da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, no acrónimo mais conhecido, em inglês). Por exemplo, já se disse que é impossível a uma mulher ganhar num país tão conservador como os EUA.
sábado, 9 de novembro de 2024
Um jornal cada vez mais necessário
Qualquer financiamento público ao jornalismo tem de ser condicionado ao emprego com direitos, sem dúvida. Mas também à qualidade, autonomia, independência e pluralismo do jornalismo. Nunca para proteger lucros privados da «selvajaria do mercado». Sem isso, a retórica de dar «sustentabilidade, pluralidade e independência» ao sector só degrada o jornalismo que ainda tem alguma qualidade, como no serviço público, e encoraja um jornalismo cada vez menos plural (do extremo-centro à extrema-direita), mais superficial e sensacionalista, mais emocional e sem contexto, e com mais ângulos mortos nas realidades representadas (profissões, modos de vida, classes sociais, territórios).
sexta-feira, 8 de novembro de 2024
Brincar às casinhas?
Pedro Brinca participou na mais recente edição do podcast do Expresso Chave na Mão, sobre o agravamento dos preços da habitação em Portugal e a dificuldade das famílias em aceder a um alojamento a preços compatíveis com os seus rendimentos. Em cerca de 18 minutos de conversa, e como seria de esperar, o economista apontou o dedo «à falta de oferta e de incentivos à construção».
Ou seja, em cerca de 18 minutos Pedro Brinca não teve uma palavra que fosse sobre o impacto nas novas procuras na subida dos preços e na origem da atual crise, preferindo insistir na narrativa tão dominante quanto simplista da falta de casas, com base na ideia de que, cito de memória, «há dez anos que não se fazem casas em Portugal». Daí à defesa da agilização do licenciamentos e da adoção de benefícios fiscais, entre outros incentivos à construção, foi só um passo.
Reforçando a tese sobre a resposta à crise de habitação, diz ainda o economista: “Quando aterro em Lisboa não vejo arranha-céus a perder de vista. O que não falta é espaço para construir. Algo se passa aqui”. Pois passa, passa-se até mais do se vê da janela de um avião: ao contrário de cidades como Tóquio e São Paulo (que Brinca cita como exemplos de construção em altura), ou de Nova Iorque, a população que vive em Lisboa tem vindo a diminuir desde os anos 80.
Não basta, portanto, olhar para as casas. É preciso ver mais longe e perceber que há hoje diversas procuras, incluindo as especulativas, que impedem que se continue a encarar a questão da habitação como o jogo simples entre alojamentos e famílias. Ou seja, para fazer um diagnóstico adequado, e encontrar as respostas certas, é necessário considerar o impacto e a presença dessas novas procuras (internas e externas, a par das associadas ao turismo), potencialmente inesgotáveis e para as quais a habitação constitui essencialmente um ativo financeiro.
Em contrário, e sem a adoção de medidas robustas de regulação, corre-se o risco de apenas estarmos a brincar às casinhas, sem resolver problema nenhum, e nomeadamente a questão da inacessibilidade dos preços para as famílias.
Para uma Economia antifascista
Isabella Weber, notável economista sinóloga, que reintroduziu o controlo de preços estratégicos na agenda intelectual de uma profissão desmemoriada, fazendo apelo à história e ao bom senso institucionalista, defendeu anteontem que precisamos de uma “Economia [economics] antifascista”. Nada é mais crucial nesta área.
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
A tragédia de Sanders
Bernie Sanders tirou logo justas ilações da vitória de Trump: “Não devia ser uma grande surpresa um Partido Democrata que abandonou a classe trabalhadora descobrir que a classe trabalhadora o abandonou. Os que estão preocupados com a democracia e a justiça económica têm de ter discussões muito sérias”.
quarta-feira, 6 de novembro de 2024
Comunicado
Duas imagens para hoje
Tarefa
Não há ausência de luz
terça-feira, 5 de novembro de 2024
Uma frase
Há livros, como acontece com a introdução de Pierre Blanc à relação entre geopolítica e clima, que valem por uma frase como esta, que não me sai da cabeça nestes tempos: “A resposta que pode ser dada à degradação por vezes violenta do estado da natureza depende, em última instância, da natureza do Estado”.
segunda-feira, 4 de novembro de 2024
Economia à dúzia
1. A economia ecológica tem sacudido a complacência dos economistas convencionais, que tratam a natureza, quando a tratam, como se fosse “capital natural”. Tudo é aí comensurável, redutível a uma mesma bitola pecuniária. Avaliam os custos das alterações climáticas através de modelos com uma taxa de desconto, como se o futuro fosse um fluxo de custos e benefícios pecuniários mais ou menos certos, mais ou menos distantes, como se a multidimensional e incomensurável catástrofe não fosse aqui e agora, parte de conflito social sobre custos sociais. “A maior falha dos mercados da história” não se resolve com paliativos ineficazes, simulando mercados ou com taxas e taxinhas incapazes, mas sim com alterações nos modos de produzir e nas relações de propriedade e de coordenação que lhes subjazem – mais plano, menos mercado.
domingo, 3 de novembro de 2024
Habituemo-nos à cooperação
Nos hemos negado a limpiar un Zara, estamos aquí para ayudar a la gente. no entendemos como, estando tantos pueblos llenos de fango y siendo tantas las personas de Alfafar, Sedaví y otras localidades que necesitan ayuda para sacar sus enseres se les ha ocurrido la idea de traernos a limpiar a un centro comercial.