quinta-feira, 30 de abril de 2015

Lembrem-se do Oceanário


O governo já deu início ao processo de privatização do Oceanário, ignorando olimpicamente a moção aprovada pela Assembleia Municipal e o interesse manifestado pelo Turismo, a Câmara e a Universidade de Lisboa (entre outros parceiros), tendo em vista «assumir a gestão do equipamento, garantindo a manutenção em funções da equipa que tem nele trabalhado e que o tem gerido». Tal como no caso do Pavilhão Atlântico (lembram-se?), o Oceanário é um dos equipamentos da Parque Expo que desde 2007 sempre proporcionou lucros (que atingiram, no ano passado, 1,1 milhões de euros) e um dos espaços culturais mais visitados na cidade de Lisboa.

Como sublinha Nicolau Santos, «o Oceanário está pois no ponto exato para ser privatizado: dá lucro e os utentes/clientes estão satisfeitos», pouco importando que se não se perceba a razão que leva a «que o Estado aliene o que está na esfera pública e corre bem. (...) Ou seja, o Governo entrega a um privado, cujo objetivo é seguramente o lucro, uma instituição que não existiria se não tivesse sido construída com dinheiros públicos».

Poderá argumentar-se (na linha das justificações invocadas no decurso da privatização do Pavilhão Atlântico), que os 40 milhões de euros que a «concessão» do Oceanário a privados permite arrecadar decorrem da necessidade de amortizar a dívida de 200 milhões da Parque Expo. Só não deixa de surpreender que, a par deste «sacrifício», supostamente «necessário», seja ao mesmo tempo com a maior descontração e leviandade que o governo abdica, por exemplo, de 85 milhões de receita em favor do Novo Banco. Pelas mais nobres razões de defesa do bem comum e da sustentabilidade das finanças públicas, seguramente.

Por isso, quando ouvirem dizer que «não há dinheiro», que o Estado é mau gestor e não tem receitas para assegurar políticas sociais decentes, lembrem-se do Oceanário. Quando vos disserem que é preciso «reformar» e encolher os sistemas públicos de saúde e educação, lembrem-se do Oceanário. Quando insistirem que não há condições para garantir os mínimos de subsistência aos mais excluídos, lembrem-se das privatizações do Pavilhão Atlântico e do Oceanário. E também dos CTT, já agora.

Nota: Encontra-se aqui a petição «Pela manutenção do Oceanário de Lisboa na esfera do domínio público». Assinem e divulguem.

Ainda sobre as medidas dos “peritos do PS”

Sinceramente, gostaria de começar por dizer que, na minha opinião, se estranha que o PS tenha cedido a sua estratégia política à estratégia comunicacional.

A técnica de criação de factos políticos para marcar a agenda da comunicação social - através de um documento de "peritos do PS", em vez de uma sóbria divulgação de posições políticas do PS - teve um senão: as medidas dos "peritos do PS" são de tal ordem que permitem a sua apropriação pela Maioria, o que colocará o PS numa estranha posição de ter de criticar e recusar na praça pública as medidas por si apresentadas com pompa e circunstância. Veja o que se passou com a medida do crédito fiscal para os empregos mal remunerados.

E é sobre isso mesmo que hoje queria escrever.

1. Comecemos pelas medidas fiscais propostas.

a) Propõem os “peritos do PS” a eliminação gradual da sobretaxa em IRS. Tal como o fez a Maioria. O ritmo é diferente, a medida é a mesma. Mas por que não reverte o PS as mexidas nos escalões de IRS, esses sim profundamente causadores do “enorme aumento de impostos” de 2013? Nessa altura, reduziu-se o número de escalões - proposta pelo CDS - e tributou-se mais os rendimentos intermédios. Claro que se terá de fazer contas e ver como se pode reverter essa agravamento fiscal. Mas o que competia a um PS de esquerda era reformar o IRS que neste momento apenas serve para tributar salários e pensões e deixar todas as outras categorias de rendimento. Vejam-se as estatísticas e veja-se o peso diminuto das outras categorias de rendimento na colecta de IRS. Não o fazer é assumir que nada de diferente se poderá de fazer em relação ao que faz a direita no poder.

b) Redução da TSU dos trabalhadores. Só a inclusão desta medida nas medidas fiscais me põe os cabelos em pé. A Taxa Social Única não é um imposto: é uma contribuição que se insere num sistema de repartição para cobertura de diversas eventualidades de protecção social. Estamos a falar de Segurança Social e, como tal, todas as medidas que dizem respeito a mexidas na TSU deveriam ser tratadas num capítulo à parte. O que faz o programa político dos “peritos do PS” é minorizar escandadalosamente o papel da Segurança Social e considerá-la como uma fonte de rendimento do Estado, passível de ser usada para fins muito diversos daqueles para que foi criada. Veja-se só o que é dito sobre a redução da TSU dos trabalhadores: "A medida que se propõe permite aos trabalhadores que enfrentam necessidades de liquidez prementes e que não encontram resposta no setor bancário um aumento da liquidez. O Estado está aqui claramente a desempenhar o seu papel, suprindo uma falha do mercado e contribuindo para maiores níveis de bem-estar da população". Errado. A Segurança Social não é uma conta do Estado. Se essa é a missão do Estado, então deveriam ser criados impostos para satisfazer esse objectivo e reverter essa receita para a Segurança Social. Recorde-se que este tipo de visão esteve na base da dívida que os governos de Cavaco Silva criaram na década de 90, ao não acatar a Lei de Bases da Segurança Social e não transferindo verbas que deveriam vir do OE. Como apurou a minoria na Comissão do Livro Branco, a dívida elevou-se a mil milhões de contos (5 mil milhões de euros, a valores de 1996). Pior: a proposta dos “peritos do PS” adianta que essa descida da TSU dos trabalhadores poderá não ser revertida no futuro, já que a reversão será a excepção: só sera feita "se assim for considerado adequado".

c) Esta descida da TSU dos trabalhadores é, na prática, um plafonamento vertical. Aliás, como o PSD já defendeu em 2012. Jorge Coelho na Quadratura do Circulo, disse que não era plafonamento porque não há um limite de taxa nos níveis elevados de contribuições. Mas na realidade é um plafonamento ainda mais alargado, a todos os rendimentos, uma espécie de plafonamento vertical, transversal. Os efeitos são semelhantes: as contribuições caem imediatamente no curto prazo, os encargos só se reduzem a prazo nas pensões, à medida que os trabalhadores se reformam. Ou seja, é uma forma de reduzir pensões e rendimentos e que só se reverterá caso se "considere adequado".

d) Diz-se que é a "actual geração que 'pede emprestada a si própria'", e que não há nenhuma transferência inter-geracional. Mas esse é precisamente o seu problema: 1) reduz recursos inter-geracionais, afecta os recursos imediatos da Segurança Social; 2) introduz uma lógica não inter-geracional, bem na linha das contas individuais propostas pela Maioria; aliás, é sintomático que Paulo Portas tenha – oportunisticamente – usado esse argumento contra o PS. E oportunisticamente porque se “esqueceu” que todas as medidas do CDS na Segurança Social são as de introduzir o plafonamento para os mais jovens, no sentido de criar contas individuais!! Porca política da direita.

e) No IRC, o que os “peritos do PS” defendem é a paragem da descida progressiva da taxa de IRC, anunciada como um maior contributo das empresas e que servirá para financiar o desagravamento da descida da TSU patronal. Mas mais adiante acrescenta-se algo enigmático como "consolidação da derrama estadual". O que quer isto dizer? Não se sabe. Mas dá a entender que a derrama estadual, criada em 2010 como forma de agravar os lucros das empresas com maiores lucros, se fundirá na taxa de IRC? Se assim for, desaparecerá essa tributação e, representará por isso, um desagravamento em IRC para as maiores empresas?

f) Os “peritos do PS” sugerem ainda outras medidas que, porquanto poderão ser para um funcionamento mais transparente da administração tributária (AT), em teoria retiram poder à AT para decidir e, por isso, podem redundar num menor controlo de benefícios fiscais: “Conversão de benefícios fiscais contratuais em IRC em benefícios fiscais de funcionamento automatica”. Ou ainda: “Programa de supressão de obrigações declarativas e de conservação de informação, sempre que a mesma informação que deve ser produzida para fins fiscais seja esteja também disponível como resultado da atividade da empresa”. Quem decide isso?

2. Voltando ao mundo do Trabalho e à Segurança Social. E resumindo as medidas já analisadas: os "peritos do PS" defendem:

a) Uma limitação ao uso de contratos a prazo;
b) mas um concomitante alargamento das condições de justa causa para o despedimento individual às condições de mercado, harmonizando-as com as céleres condições de despedimento colectivo;
c) aumento minimal das indemnizações por despedimento como contrapartida desse mais célere despedimento individual;
d) redução das condições de contestação do despedimento por parte dos trabalhadores, ao alargar as condições de justa causa;
e) redução das contribuições patronais para a Segurança Social;
f) redução das contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social;
g) subsidiação dos empregos com salários mais baixos e irregulares, através das verbas da Segurança Social;
h) aumento das contribuições patronais na componente de protecção do desemprego para as empresas que despeçam mais do que o valor médio do sector. Uma medida de difícil introdução. Veja-se o que aconteceu a uma medida semelhante prevista na Lei Geral Tributária desde 1998 (coeficientes de base técnico-científica, e que serviam para identificar quem pagava menos imposto do que a média do sector): nunca foram aplicados, apesar de repetidas promessas de diversos governos;
i) redução a prazo das pensões, seja fruto da redução das contribuições dos trabalhadores, seja por revisão do factor de sustentabilidade;
j) abertura à discussão de fontes alternativas de financiamento da Segurança Social, sem apresentar propostas concretas. O financiamento através da paragem da descida da taxa de IRC é defendido como um alargamento da participação de empresas de maior valor acrescentado e não trabalho intensivo;
k) ausência de medidas para estimular a contratação colectiva ou o aumento do SMN.

Nada disto abona a favor de um PS de esquerda. Veremos o que irá dar.

Fuga de depósitos e banqueiros anarquistas

Varoufakis e a mulher foram atacados num restaurante por militantes (alegadamente) anarquistas. Diz o jornal The Telegraph, no seu site, que o ataque se ficou a dever à situação descrita no gráfico abaixo (ver o gráfico da notícia, em que os números são mais claros).

Depósitos bancários Grécia

O Telegraph não fornece nenhuma razão para pensar que os agressores fossem, de facto, anarquistas preocupados com a fuga de depósitos. No entanto, o mais importante na notícia são os dados citados no gráfico com base no Banco da Grécia e na Bloomberg, que permitem traçar a história da fuga de depósitos desde 2010, ano em que se iniciou a intervenção da Troika. Nesse primeiro momento, saíram da Grécia cerca de 87 mil milhões de euros. Seguiu-se um período de recuperação após a reestruturação da dívida grega em 2012 e uma estabilização até ao impasse negocial que agora se verifica e durante o qual saíram mais 24 mil milhões.

Durante todo este período, os depósitos caíram para cerca de 60% do seu valor no início de 2010. Esse valor mostra bem a dimensão da crise bancária grega, mas também as suas origens. Um primeiro movimento de fuga no contexto da recessão económica que o país enfrentou nos primeiros anos do ajustamento, uma recuperação baseada na esperança (ilusória) de que a reestruturação de 2012 fosse suficiente para devolver a dívida a uma trajetória de sustentabilidade e, mais recentemente, uma nova queda associada certamente à incerteza quanto ao desfecho das negociações entre governo grego e o Eurogrupo e quanto à própria permanência do país na moeda única. Em todo o caso, a fuga de depósitos é um expoente grave da crise bancária grega e, ao contrário da imagem que é frequentemente transmitida, é tudo menos recente.

(publicado originalmente no Observatório da Grécia)

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Meia dúzia de vezes


1. Uma ideia de Marco António Costa, olhem quem, vai fazendo o seu caminho previsível, até porque o PS infelizmente colocou-se a jeito: o quase inútil conselho das finanças públicas, criado pelo bloco central, deveria avaliar de forma dita “independente” os programas políticos. Reparem que eu não disse um conselho totalmente inútil, porque eu sou a favor do emprego de economistas, do emprego público qualificado, embora preferisse áreas socialmente mais úteis do que a versão do façam força que eu gemo de Teodora Cardoso.

2. Os programas seriam então avaliados à luz do programa político do que é o enésimo clone ideológico nacional do consenso de Bruxelas-Frankfurt, com a sua ênfase na tralha das regras austeritárias europeias, onde, só para dar um exemplo, a conversa sobre sustentabilidade da dívida jamais incluirá a sua reestruturação por iniciativa dos devedores. É mesmo como diz Ana Sá Lopes: “Programas eleitorais visados por Bruxelas. Assim é que era”. E até que já é.

3. Foi preciso vir Thomas Piketty de França para voltar a ouvir alguém falar em público, ai a tal cagufa, de reestruturação de dívida na sede do PS, em inglês, com sotaque francês e tudo: “A dívida de Portugal vai ser reestruturada. É tão simples quanto isso”. Se depender da elite política ainda dominante, a reestruturação será nos tempos, termos e interesses dos credores, com a sua condicionalidade. Não é então tão simples quanto isso, sendo que aposta europeísta e globalista de Piketty é ainda mais complicada (bater aqui fica para depois...).

4. Entretanto, vale a pena ler a revisão de literatura de Francisco Louçã, e antes esta análise, sobre o tal rinoceronte que seria o relatório do PS. Depois de algumas precipitações sobre viragens à esquerda, o documento e o que nele está efetivamente escrito tenderam a impor-se a uma opinião muito baseada no diz que disse. Centeno também ajudou, creio, a esclarecer. O ponto alto foi a sua resposta à pertinente interpelação crítica de José Reis no último Expresso da Meia Noite e foi mais ou menos assim: “o debate sobre o salário mínimo é sobre zero”.

5. Dito isto, não concordo com a ideia de muitos articulistas de que o PS estaria no mesmo sítio de sempre, o da “Europa connosco”. Uma banalidade: nunca se está no mesmo sítio. A questão talvez menos banal é que esta “Europa” não é a mesma e já não está connosco (se é que alguma esteve, mas essa é outra discussão): infelizmente, também o PS continua bom aluno, mas de mestres cada vez piores e numa sala de aula cada vez mais degradada, isto para adaptar e prolongar com liberdade uma metáfora do saudoso Medeiros Ferreira.

6. E não me canso de sublinhar dois pontos: (1) tendencialmente, os partidos social-democratas tornaram-se resolutamente europeístas na fase de vigorosa arrancada neoliberal da integração nos anos oitenta, existindo antes em muitos destes partidos inclinações eurocépticas na fase, até aos anos setenta, em que a integração neoliberal pelos mercados construídos era menos vigorosa; (2) a anulação da social-democracia é hoje tão intensa, sobretudo por cedência de instrumento de politica da escala onde está a democracia para a escala onde esta não está e não estará, que, mais um paradoxo, já muitos aí o deixaram de notar, até porque, na lógica das preferências políticas endógenas, demasiados socialistas aderiram aos termos das ideologias que moldaram as instituições europeias.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Debate em Coimbra: A Luta Contra as Propinas



Integrado no ciclo «Conversas sobre o Movimento Estudantil em Coimbra», realiza-se amanhã, 29 de Abril, a partir das 18h00 na República do Bota-Abaixo (Rua de São Salvador, n.º6), o debate «A Luta Contra as Propinas», que conta com a participação de Ana Drago (Socióloga e autora do livro O Movimento Estudantil Antipropinas), Nuno Fonseca e João Baía (estudantes em Coimbra e antigos repúblicos da Bota-Abaixo).

A discussão em torno do financiamento do ensino superior no início dos anos noventa, praticamente circunscrita à questão das propinas, constituiu uma espécie de laboratório, de experiência pioneira de um projecto político mais amplo e ambicioso, apostado no ataque e desvirtuação dos serviços públicos como etapa necessária a uma crescente mercadorização dos direitos sociais. Aliás, sabemos hoje muito bem o quanto o Memorando de Entendimento assinado com a troika, em 2011, viria a favorecer a prossecução desse mesmo plano, que de outro modo não conseguiria ser sufragado em eleições.

Não é difícil perceber a escolha do ensino superior para desencadear essa tentativa de ataque mais robusto ao Estado Social (quando comparada, por exemplo, com as taxas moderadoras na saúde), tanto em termos ideológicos como, sobretudo, financeiros. Tratava-se, de facto, de um domínio das políticas públicas que ainda era socialmente encarado como reservado a uma certa elite, o que à partida facilitaria uma introdução mais relevante, em termos orçamentais e simbólicos, do princípio do «utilizador-pagador». Aquilo com que o governo da altura, liderado por Cavaco Silva, certamente não contou, foi com a resposta organizada, esclarecida e determinada dos estudantes, que com a sua luta escreveriam um episódio incontornável na história dos movimentos sociais em Portugal.

Mas a questão das propinas, no âmbito do debate em torno do financiamento do ensino superior, torna-se ainda particularmente interessante por outro motivo: ela ilustra bem a eficácia do «gradualismo» como princípio operativo de uma direita que quer ser bem sucedida. Da defesa da introdução de propinas a partir da ideia de promoção da «justiça social» (atentem nas declarações de Cavaco Silva no excerto do vídeo que enquadra o debate de amanhã), de reforço da acção social e da melhoria da qualidade do ensino (as propinas, garantia-se então, jamais serviriam para financiar os custos de funcionamento corrente das instituições de ensino superior), chegou-se ao estado de coisas que hoje conhecemos.

A tragicomédia europeia vista por rappers holandeses



segunda-feira, 27 de abril de 2015

Observemos a Grécia


À medida que o impasse grego se prolonga e agrava (o tempo corre contra o bom-senso), é cada vez mais necessário afastar a cortina de fumo e a poeira e generalizar o acesso a informação de qualidade sobre o que se passa naquele país. Não vai ser menos necessário no futuro próximo, qualquer que seja o desfecho. Por isso, um grupo alargado de gente interessada atirou-se à tarefa de dar a conhecer mais sobre a Grécia, sobre o que lá se tem passado e continua a passar, sobre a sua história e a sua economia, sobre a sua cultura e as suas dificuldades. Tenho escrito muito sobre a Grécia aqui. Vou passar a escrever também ali. Aliás, já comecei.

Operação “Caldos de galinha”

Os dois presidentes partidários do PSD e do CDS juntaram-se diante das câmeras de televisão para assinar um acordo que não é um acordo. É antes uma promessa de discutir nas respectivas direcções partidárias a manutenção de uma coligação. Para isso, bastava um comunicado para as redacções, mas Passos Coelho e Paulo Portas transformaram tudo numa operação de propaganda contra o estudo dos "peritos do PS", já de si também um não-evento do programa económico a liberar em Junho.

"Caldos de galinha" foi a palavra de ordem da Maioria para assustar o povo português em prime-time e com a certeza da repetição garantida nas televisões ao longo dos dias, tal como já estava a acontecer com o estudo dos "peritos do PS".

Paulo Portas falou para a nossa população envelhecida: "Os nossos dois partidos têm uma História nas políticas sociais” (ver 5:00).

Eis a História: A degradação da protecção social começou antes de 2011, mas acentuou-se depois disso. Nas pensões de velhice, o número de pensionistas por velhice tem subido a um ritmo regular. Mas apesar das carreiras contributivas serem cada vez maiores - e com elas, a pensão a receber por pensionista - a pensão média tem vindo a abrandar significativamente, sinal dos sucessivos cortes operados. Interessante a variação ocorrida de 2013.


O Complemento Solidário para Idosos - apoio dado a quem não tenha descontos suficientes para uma pensão nínima - começou a cair desde 2011. Tanto em número de beneficiários, como em verba orçamentada.


O mesmo aconteceu ao Rendimento Social de Inserção. O número de apoiados tem vindo a cair desde 2011.


No subsídio de desemprego, o número de desempregados sem apoio subiu e o subsídio médio de subsídio por desempregado começou a cair desde 2011.


Ao mesmo tempo que descem os apoios públicos à protecção social, sobem as verbas para a Acção Social, maioritariamente para a concessão de serviços por instituições particulares, pagos pelo Estado.


Mas Paulo Portas acertou na mouche num aspecto, que os "peritos do PS" lhe deram de bandeja.

Ao proporem uma redução da TSU dos trabalhadores - com o objectivo de lhes dar rendimento de imediato - aceitaram cortar igualmente de imediato receitas da Segurança Social, necessárias para pagar hoje as pensões. E deram um sinal de que a Segurança Social pode não ser um compromisso entre gerações. Ou seja, aceitaram precisamente o efeito que teria um plafonamento, transversal (limite de contribuições no curto prazo para reduzir pensões no longo prazo).

E Paulo Portas - esquecendo-se do efeito que teria o plafonamento que sempre defendeu e que está aliás no Programa de Governo, disse: "O que não faremos secretamente é provocar um colapso nas actuais contribuições dos trabalhadores porque isso financia e paga as pensões dos actuais reformados. Trabalharemos pela coesão entre gerações, não pela sua ruptura".

Que nome daríamos a tanta consistência e coerência?

domingo, 26 de abril de 2015

Porque a financeirização da economia tem faces desconhecidas

A economia viveu acima das possibilidades ou assistiu-se a uma penetração sem freios nem limites da actividade financeira nas diversas facetas da economia? Viveu-se acima das possibilidades ou o Estado vergou-se, por omissão ou cumplicidade, a uma estratégia que ia em tudo ao encontro dos interesses de actividade de um sector que se situa no centro do centro nervoso económico? Viveu-se acima das possibilidades ou alavancou-se uma estratégia de contaminação em diversos sectores essenciais como a provisão de água ao país ou à Segurança Social?

Temas essenciais para que, no futuro, se faça a descontaminação obrigatória.

Terça-feira, Fundação Calouste Gulbenkian, 17h30.

Debate: A censura mudou de cor?

Organizado pela Junta de Freguesia do Lumiar, realiza-se amanhã, 27 de Abril, a partir das 21h00, no Auditório da Biblioteca Orlando Ribeiro (Antigo Solar da Nora, Estrada de Telheiras, 146, em Lisboa), o debate: «A Censura mudou de cor?»

Tendo como mote o documentário «Lápis Azul», de Rafael Antunes (2013), que será exibido no início da sessão, discute-se a existência de novas formas de censura em democracia, não perdendo de vista o contexto actual, e os matizes, objectivos e subtilezas que essas novas formas de censura podem assumir.

Com moderação de José Manuel Mestre, participam no debate Ana Sá Lopes, Diana Andringa, Nuno Saraiva e Nuno Serra. A entrada é livre, apareçam.

Feiras, cagufas e décadas perdidas


Um excerto representativo da resposta de Porfírio Silva, agora do secretariado do PS, ao meu texto de crítica ao tal relatório: “Francamente, este ataque feroz à subsidiação pública faz lembrar Paulo Portas a clamar nas feiras contra a subsídio-dependência.” O resto não me parece melhor. Enfim, neste espírito, tem a palavra um globalmente “aliviado” Pedro Romano, que de resto já desempenhou funções de assessor económico do CDS:

“Sim, o PS propõe um crédito fiscal a trabalhadores que já custa dinheiro – 350 milhões de euros. Mas notem que num programa para a década deixa de haver referência à subida do Salário Mínimo. Desconfio que não seja por acaso: a ideia, provavelmente, é congelar o SMN (assumindo-se tacitamente que o SMN causa desemprego) e apoiar todos os que ganham emprego com essa alteração através de um subsídio salarial. Parece-me excelente, e o PS está muito bem acompanhado nesta proposta: Milton Friedman propôs algo nos mesmos moldes durante a década de 60.”

A direita neoliberal tem razões para estar globalmente satisfeita com este avanço ideológico: veja-se por todos António Lobo Xavier, um dos que vem de longe, do grupo de Ofir e dos grupos económicos, na quadratura sobre esta quadratura. É que nem referência à actualização do salário mínimo como instrumento de combate à pobreza laboral e ao capitalismo mais medíocre, nem propostas concretas para o reforço da enfraquecida contratação colectiva, instrumentos primaciais de reequilíbrio de relações laborais.

No relatório temos antes, e de forma intelectualmente coerente há que dizê-lo, facilitação dos despedimentos individuais, aventuras descaracterizadoras numa segurança social enfraquecida, com a reveladora assimetria entre as facilidades permanentes aos capitalistas e facilidades temporárias aos trabalhadores pagas no futuro pelos próprios, ou a tal subsidiação de práticas e relações laborais tão medíocres que não permitem que quem trabalha leve para casa um salário, repito um salário, decente.

Será que Porfírio Silva não vê a diferença? Por que é que o PS se conforma com a degradação das relações laborais em curso, onde, mais um exemplo, os falsos recibos verdes não são combatidos directamente? Eu tenho uma hipótese: Mário Centeno ou a última fase da colonização ideológica. E já nem notam.

Vão manter esta postura, até para não levarem com a porta na cara em Bruxelas? Talvez, já que suspeito não ser só a reestruturação da dívida que causa cagufa no secretariado, isto para usar de forma mais apropriada um elegante conceito político mobilizado por Porfírio Silva. Foi a cagufa que sobredeterminou toda a construção do cenário, na realidade, já que estes modelos servem para isso mesmo: para dar os resultados que politicamente são desejados.

Bom, com este documento, no secretariado do PS estão desgraçadamente bem mais perto politicamente de Portas e de Passos, até porque estão mais perto do FMI, do BCE, da Comissão Europeia e de Merkel. Creio que essa aproximação não será feita, credo, nas feiras. As feiras servem para encenar grandes clivagens: é a “verdade” a que o povo tem direito daqui até Outubro nesta democracia por enquanto impotente.

Adenda picuinhas - Porfírio Silva acusa: “A Agenda para a Década é despachada como ‘mais uma década perdida’”. Podia ter clicado em década perdida e lido o texto de crítica à tal agenda.

sábado, 25 de abril de 2015

Um Presidente da Maioria que está em minoria

Cá temos Cavaco Silva ao lado do Governo nas Comemorações do 25 de Abril:

1) a elogiar que a economia já cresce e cria empregos, entroncando no discurso do Governo, esquecendo as enormes fragilidades do mercado de trabalho, a forte emigração, uma taxa de desemprego lato acima de 20% e que uma parte significativa do emprego criado é subsidiado;

2) a esquecer que a política por si defendida de redução dos "custos do trabalho" leva à falta de autonomia da juventude, à dificuldade de conciliação trabalho/família, à migração que agora critica;

3) ao criticar as estratégias de "conflito" e ao apelar à união no combate ao desemprego e protecção dos idosos, quando tudo o que foi feito - e foi defendido por si como imprescindível e obrigatório - levou a esse fim;

4) ao criticar os "populismos" e a "demagogia", quando esse sublinhado entronca na ideia passada pelo Governo de que as propostas alternativas - nomeadamente a nova proposta do PS - visam apenas captar votos e mentir ao eleitorado;

5) ao apelar ao combate à corrupção, quando é uma chamada de atenção subliminar ao preso do estabelecimento prisional de Évora, omitindo que ele que nada fez quando era PM, que se demitiu em tabu rodeado e vencido por interesses em torno do Estado e, aliás, deixou larvar os seus amigos em situações ainda por julgar, que, aliás, lhe deram a ganhar uns dinheiros;

6) ao defender a reforma do Estado e criticando a forma como o debate sobre esse tema assumiu um "combate ideológico", quando ao colocar a questão nesses termos acaba por alinhar com a linha de argumentação de um dos lados;

7) ao defender a redução de apoios do Estado social como garantia da sua sustentabilidade;

8) ao traçar um desenho optimista e notável do que se conquistou em 41 anos, sem criticar os fortes recuos verificados nos últimos anos;

9) ao criticar a "crispação" política, os "ataques pessoais", a "violência verbal" no debate público, o que entronca como uma luva ao "escrutínio" da vida de Passos Coelho;

10) ao apelar a um compromisso político que nunca defendeu quando o PS era Governo;

11) ao apelar à esperança na comemoração do 25 de Abril, minorizando as críticas da oposição de que a situação actual está bem pior e entroncando na linha política oficial de que tudo está a melhorar e apenas se tem de consolidar o conseguido.

Não é de estranhar que a sua intervenção tenha sido interrompida diversas vezes pelos deputados da Maioria.

Evocação de Abril



«Entre uma ideia abstracta e as pessoas concretas, escolhia as pessoas. (...) Para o Miguel, tudo era uma extensão de tudo, a política uma extensão do instinto gregário, o convívio uma forma de juntar mais pessoas, de alargar o círculo. Mesmo em alturas em que o grupo a que pertencia teria, nos dias bons, umas dezenas de pessoas, a ambição dele era sempre "maioritária", como então se dizia. Não lhe interessava a seita.»

Ivan Nunes, Sem heroísmos

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Passados 41 anos, outra aliança necessária


 Mandaram-me esta imagem e acho muito bem, dado o conjunto de atropelos que estão na calha em relação à Segurança Social.

Fica o aviso:

Cuidado, não mexam na Segurança Social!

quinta-feira, 23 de abril de 2015

E se sair no Expresso, já é Ciência?

«Qual é a verdadeira taxa de desemprego?», perguntava o semanário Expresso no passado sábado, apresentando um gráfico com os «vários 'tipos' de desempregados» e uma caixa de texto que reza assim: «A poucos meses das eleições, os números do desemprego continuam a animar discussões. Um tema clássico é a chamada taxa 'real' de desemprego, que inclui mais casos do que os considerados pela taxa oficial do INE, que segue a metodologia europeia. O Expresso ilustra a questão somando aos desempregados oficiais outras categorias que podem ser incluídas numa versão alargada de desemprego, como os inactivos que querem trabalhar mas não procuraram ou não podem começar de imediato, as pessoas em part-time que querem trabalhar mais ou os estágios».

Contas feitas, o semanário de Pinto Balsemão estima que no passado mês de Fevereiro existisse um número de desempregados, em sentido amplo, a rondar os 1,3 milhões, e que contrasta portanto com a contabilidade oficial (739 mil). Ou seja, um valor que chega a ser superior ao apurado para o final de 2014 no recente estudo do Observatório sobre Crises e Alternativas, onde se estima um desemprego «real» na ordem dos 1,1 milhões de pessoas (excluindo, para permitir comparações, a parcela dos activos migrantes).

Atendendo a que esta estimativa de 1,3 milhões de desempregados não foi feita pelo Avante, pelo Esquerda.net e nem sequer pelo Acção Socialista, mas sim pelo insuspeito semanário Expresso, talvez fosse de perguntar a Maria de Fátima Bonifácio (que saiu em socorro de João Miguel Tavares), se também neste caso considera tratar-se de mais um exercício de «catequização ideológica», «desfiguração e «desconchavo», resultante da transformação da academia «num espaço de militância, subversão e destruição do ethos académico».

Aliás, o próprio INE, tal como o IEFP (e já agora o Expresso), que manuseiam conceitos como «inactivos desencorajados», «desempregados ocupados», «inactivos à procura de emprego mas não disponíveis» ou «inactivos disponíveis mas que não procuram emprego», mereciam integrar, por inerência, essa espécie de Index Scientia Prohibitorum que tanto Maria de Fátima Bonifácio como João Miguel Tavares parecem querer instaurar. E só é pena que, no seu afã persecutório - como bem assinalou o João Mineiro (e o José Neves, no facebook) - Fátima Bonifácio até se tenha esquecido de ler, na definição de «inactivo desencorajado», as palavras «pretende trabalhar» (o que complica um pouco mais a vida a quem acha que esses inactivos querem é passar as tardes na moinice, «a tomar chá com a Kiki Espírito Santo»).

No bom caminho


Dúvidas sobre as propostas dos peritos do PS


As propostas do PS devem ser discutidas com muito cuidado e com toda a atenção por especialistas, para que não se abram alçapões quando se estão a fechar portas. Entende-se a preocupação de quadratura do círculo, de prudência de quem vai governar, mas convém olhar a eficácia das medidas, para que possam ser credíveis.

Indo por partes:

1) A importância de diagnósticos. O documento refere que "para desenhar as soluções é necessário ter um bom diagnóstico das causas". E é verdade. Não vou discutir o diagnóstico que é feito para a actual situação de Portugal. Deixo isso aos macroeconomistas. Mas parece-me que há uma omissão de relevo em relação ao facto de estarmos integrados num contexto de moeda sobrevalorizada, com todos os instrumentos de controlo orçamental de pé. Mas aceite-se esse pressuposto de omissão;

2) Equidade laboral. O documento dos peritos aponta para o facto de haver um "excesso de contratos a prazo, baixa protecção, baixa taxa de conversão dos contratos a prazo em permanentes". É verdade e toda essa realidade deve ser atacada. Os contratos a prazo estão a ser usados como um subterfúgio legal, ao criar uma nova forma de contratação sem mexer nas regras de despedimento. E esse subterfúgio foi sendo aprofundado à medida que a legislação – com o PS – inclusive foi alargando os prazos de utilização dos contratos a prazo, sem o "risco" – veja-se o uso perverso das palavras – da contratação efectiva do trabalhador. O contrato a prazo sempre foi usado para fins que a própria lei nunca previu (carácter de excepção, ver artigo 140.º). E nunca foi devidamente atacado pelas autoridades. Por isso, creio que a solução prevista pelos peritos – limitando o seu uso à "substituição de trabalhadores" – ajudará, mas não resolverá o problema. Como se vai vigiar a correcta utilização do contrato a prazo? Qual o agravamento do "risco" de incorrecto uso do contrato a prazo? Vai apertar-se no número de renovações de contratos a prazo? Que reforço se dará à Autoridade para as Condições de Trabalho?

3) Despedimento. É interessante notar a ginástica que é feita para não referir a palavra "despedimento". O novo "regime conciliatório de cessação de contrato de trabalho" visa uniformizar as condições de despedimento colectivo – bastante célere – com as de despedimento individual (que obriga a um todo um processo e que - creio - não está dependente de condições externas à empresa, de mercado – Código do Trabalho, artigo 351º e seguintes). A "justa causa" não é alterada, mas - creio - alarga-se a possibilidade de despedimento individual à evolução do mercado, nunca devidamente vigiado pelas autoridades públicas;

4) Contestação ao despedimento. O documento é maldoso ao referir que "a empresa não fica com mais poder porque pode ser alvo de processo judicial se o despedimento for impugnável à luz da lei actual". Era só o que faltava que não o fosse. Mas esquece-se que a principal arma do patronato – concedida aliás pelo PS, salvo erro em 2008, na revisão do Código do Trabalho – foi introduzir a obrigatoriedade do trabalhador de entregar a indemnização por despedimento, caso queira impugnar o despedimento ilegal;

5) Aumento de indemnização por despedimento: O documento dos peritos agrava as indemnizações por despedimento individual - de 12 dias por cada ano de "casa", para 18 dias nos primeiros 3 anos de casa e para 15 dias nos seguintes. Dando um exemplo concreto de um trabalhador com mil euros mensais e dez anos de casa. Hoje receberia 4000 euros e 5300 euros no novo regime. É um considerável aumento (32,5%, mas corresponde a apenas a mais 1,3 meses de ordenado. É suficientemente dissuasor? Não creio. E ainda por cima apenas se aplica aos novos contratos. Ou seja, terá um efeito muito limitado, na realidade. É um sinal, frágil.

6) Responsabilização das empresas por despedimento:
a) O que parece estar na calha é uma autonomização das contribuições para a eventualidade de desemprego das restantes eventualidades (pensões, doença, etc.). Essa autonomização tem vantagens e inconvenientes. Vantagens: evita o contágio da protecção no desemprego aos recursos das outras protecções. Desvantagem: permitirá a prazo o seu expurgo da Segurança Social e a passagem para a gestão do Ministério da Economia. O documento denomina já essa protecção como "utilização do seguro de desemprego". Será um acaso? E depois, deverão as verbas de protecção do desemprego ser geridas para a promoção do emprego?
b) Penalização das empresas que mais despedem: não se entende em quanto será esse agravamento. A formulação é equívoca ainda: refere-se que a actual parcela da TSU que cobre o desemprego é de 3,42 pontos percentuais da TSU. E qual será a nova taxa? Apenas se diz que esse indicador é "calculado com uma média dos últimos 3 anos", mas apenas será agravada se a média do rácio CUSTOS DE DESEMPREGO DOS EX-TRABALHADORES/CONTRIBUIÇÕES DA EMPRESA ultrapassar a média do sector. A lógica é apenas combater a falsa rotação de trabalhadores que conduz à precariedade. Mas o rácio encontrado pode não ser a melhor medida. Tudo depende dos valores sectoriais. E se houver um sector com uma enorme falsa rotação de trabalhadores, nenhuma empresa verá a sua taxa agravada. Não parece eficaz. Mais: as empresas com poucos despedimentos veriam reduzida a sua taxa social para o desemprego. Mas em que medida? Não será isso uma tendência para a desaparição de uma lógica de redistribuição?

7) Complemento salarial anual. A medida visa conceder um complemento aos trabalhadores que, fruto da sua elevada rotação e outras formas de precariedade laboral, tenham rendimentos anuais significativamente inferiores ao salário mínimo. Pretende-se que seja uma medida de "promoção do emprego". Mas se assim é, o Estado – ou a Segurança Social?! – estará a subsidiar empregos pobres. Não será um incentivo ao emprego, mas ao mau emprego. E à elevada rotatividade de emprego. Porque não aumentar o SMN? As contas mostram que o impacto geral é diminuto. No fundo, parece ser um aumento do SMN, mas pago pelo Estado, aliás em parte como fez o actual Governo, com o acordo da UGT.

8) Pensões e sustentabilidade do sistema de protecção social. O documento parece fazer um diagnóstico correcto ao sublinhar que o agravamento da sustentabilidade do sistema se deveu, sobretudo, à destruição maciça de emprego e subida exponencial do desemprego, se bem que a tendência de fundo de envelhecimento populacional - e apesar de todos os cortes - conduziu ainda assim a um aumento das despesas com pensões.E que é ainda necessário ajustar as medidas para o equilíbrio do sistema.
a) Factor de sustentabilidade: A solução defendida é uma redução a prazo das pensões, via "reavaliação do factor de sustentabilidade". O factor de sustentabilidade foi introduzido em 2006 e está dependente da esperança de vida. Na prática, é como fixar o montante que o pensionista receberá até ao final da sua vida – em função da esperança média de vida – como forma de determinação da pensão mensal. Ao "reavaliar" esse factor, não deverá ser para dar mais pensões, mas para as reduzir. Recorde-se que a situação é grave, já que a criação do factor de sustentabilidade levará a uma redução, segundo a OCDE, de 40% das pensões face à situação anterior à alteração.
b) "Outros instrumentos de financiamento". O documento estabelece – agora veja-se a formulação – "a possibilidade de considerar outros instrumentos de financiamento". Não sou jurista, mas creio que foi um advogado que sugeriu esta frase. Novas fontes de financiamento é algo que está em cima da mesa há décadas sem que alguma vez se tenha tomado uma decisão ou mesmo encarado "a possibilidade de considerar" alternativas. Não se trata de um assunto fácil. Mas escrever a "possibilidade de considerar" parece – no mínimo - pouco esforço face ao passado...
c) Propostas em concreto? No ponto 4.1.6 "Diversificação do financiamento da Segurança Social", cria-se um novo imposto sucessório e fixa-se a consignação da receita que se perderia com a descida da taxa de IRC de 21 para 20% em 2016 e da descida de 1,0pp da taxa por cada ano até 17% em 2019. Mas ao mesmo tempo prevê-se uma descida da TSU patronal de 1,5pp em 2016, mais 1,5pp em 2017 e de 1,0pp em 2018 sobre os salários dos trabalhadores permanentes, ficando assim caso "a avaliação da eficácia da medida na criação de emprego estável e de competitividade das empresas assim o recomendar". Dúvidas: 1) Compensará? 2) Para quê descer a TSU patronal?
i. Compensará? A estimativa da receita do imposto sucessório - 100 milhões de euros - não é clara. Mas é falível. A receita de IRC em 2014 foi cerca de 4500 milhões de euros a uma taxa de 23%. Em 2015, é de 21%. E em 2016 de 20%, 19% em 2017, 18% em 2018 e 17% em 2019. Ou seja, quanto vale 1pp de IRC em 2016, 2pp em 2017, 3pp em 2018, 4pp em 2019? Essa é a questão. Sabe-se que, no total de 13,6 mil milhões de euros de contribuições em 2014, a descida de 1,5pp da TSU patronal sobre contratos permanentes corresponde a 830 milhões de euros. Portanto, seria necessário impor uma cláusula de salvaguarda, dizendo que, caso a receita do imposto sucessório e de IRC não seja suficiente, a Segurança Social nunca sairá penalizada;
ii. Para quê descer a TSU patronal? Pois, não se percebe. Nem há qualquer estudo que leve a pensar que a descida da TSU ajuda ao emprego. Claro que uma elevada TSU em função do emprego não o facilita. Mas nem a taxa parece estar fora da média comunitária, como nesse caso seria melhor repensar o sistema em conjunto e o seu financiamento, caso contrário redunda numa transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas e numa descapitalização da Segurança Social. Aqui aparece - parece-me - mais como forma de compensar, sim, as empresas pelo agravamento do IRC, à custa da Segurança Social. Ou seja, uma nova e mais complexa descida da TSU, semelhante mas mais complexa do que a defendida pelo actual Governo e sempre tão criticada pela oposição, incluindo o PS.

Para já fico por aqui. Mas há ainda a outra metade do estudo.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Pontos no i

Já sabíamos que a social-democracia europeia era uma corrente política em coma profundo – ou que já morreu e ninguém nos avisou. Através do chamado “consenso europeu” tem acumulado derrotas sobre derrotas político-ideológicas. Ontem, foi a vez do PS português nos mostrar a sua versão particular desta derrota: inventou uma liberalização de despedimentos, recuperou a Taxa Social Única e decidiu dar um pontapé na sustentabilidade da Segurança Social para as gerações futuras.

Ana Sá Lopes, PS: o problema do socialismo não é a gaveta, é o caixão, i. Leia-se, também no i, o depoimento do Nuno Teles.

Vamos fazer o que ainda não foi feito?

Por caminhos de certo modo diferentes o Governo (Programa de Estabilidade) e o Partido Socialista (Uma Década de Estabilidade) chegam a um ponto semelhante: uma redução do défice e do rácio da dívida pública no PIB até 2019 que cumpre os requisitos dos tratados da União Europeia (e no caso do Governo, como é hábito, os promete ultrapassar, ver gráficos 1 e 2).

Gráfico 1

Gráfico 2

Isto é conseguido à custa de cenários que exibem em simultâneo saldos orçamentais primários (saldos orçamentais sem juros) e taxas de crescimento elevadas. Em ambos os casos o que nos é apresentado é uma aplicação da ideia de austeridade “inteligente”: austeridade porque envolve saldos orçamentais crescentes, “inteligente” porque supostamente compatível com o crescimento. Em ambos os casos esta combinação “virtuosa” de austeridade e crescimento parece fácil de conseguir e indolor. Mas será mesmo?

É certo que no contexto de incerteza que vivemos, o passado nos dá fracas indicações acerca do futuro, mas mesmo assim pode dizer-nos alguma coisa. Quantas vezes nos últimos 20 anos – em crescimento e recessão, com governos PSD/CDS e Governos PS – se obtiveram em Portugal combinações de crescimento e saldo primário iguais ou superiores às que são antecipadas pelo Governo e pelo PS para 2015 – 2019? Os gráficos 3 e 4, onde cada ponto representa a azul esse par de valores (saldo, crescimento) no período 1995 – 2014, e a vermelho os referidos pares, no período 2015 -2019, dá a resposta: nunca foi feito.

Gráfico 3

Gráfico 4

Será que podemos fazer o que ainda não foi feito? Certamente, mas não do modo que o Governo e o PS prometem. Não num país com uma das maiores dívidas externas do mundo e com uma dívida pública que consome ao orçamento 9 mil milhões de euros anuais.

Uma reestruturação, essa sim inteligente, da dívida permitiria aliviar a restrição orçamental não só para repor salários e pensões, mas para recuperar a administração pública da sangria de trabalhadores a que tem sido sujeita, estimular o investimento público e privado e criar emprego. A reestruturação permitiria respirar e crescer e até garantir um orçamento suficiente (isto é, não dependente do financiamento externo). Mas para isso era preciso um governo que não se limitasse a ir a Bruxelas, como o Governo tem feito e como o PS agora parece querer fazer, de braços caídos, conformado com o que parece ser uma armadilha de betão.

Debate: Segurança Social, fraude e precariedade

«A fraude afeta e enfraquece de forma significativa os recursos da Segurança Social, deteriora os níveis de proteção social dos cidadãos e põe em causa a futura manutenção e viabilidade do sistema. E surge muitas vezes associada à desregulação do Mercado de Trabalho e tem maior incidência nas situações de crise. Ao mesmo tempo é também evidente que existem milhares de contratados que são objetivamente trabalhadores por conta de outrem, mas obrigados a aceitar condições laborais precárias, disfarçadas num enquadramento de regime de trabalhador independente.»

No âmbito das Oficinas de Políticas Alternativas, o Observatório sobre Crises e Alternativas realiza amanhã, 23 de Abril, a partir das 18h00 no CES Lisboa (Picoas Plaza, Rua do Viriato, 13) um debate sobre a Segurança Social, as formas de combater a fraude e o enquadramento dos trabalhadores independentes.

Participam nesta sessão Manuel Pires e Rosa Coelho Fernandes (ex-dirigentes do Conselho Diretivo do Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade), que enquadram a discussão, seguindo-se comentários de Fernando Marques (Economista), Frederico Cantante (Sociólogo) e Tiago Gillot (Associação de Combate à Precariedade). A moderação do debate está a cargo de Luís Reis Ribeiro (Jornalista), cabendo o encerramento a Manuel Carvalho da Silva (Sociólogo). Apareçam.

terça-feira, 21 de abril de 2015

O irrealismo dos cenários macroeconómicos do governo e do PS

Nos últimos dias ficámos a conhecer os cenários macroeconómicos do governo e do PS para o período 2015-2019. Apesar de algumas diferenças, as previsões do governo e do PS não se afastam significativamente no que respeita às variáveis que determinam a estratégia orçamental do futuro executivo: o actual governo prevê um crescimento nominal do PIB de 3,5% e um saldo orçamental primário de 2,9%, na média do período; o PS prevê um pouco mais de crescimento e um pouco menos de austeridade (3,9% e 2,3%, respectivamente).

Vale a pena relembrar que estes exercícios de previsão de médio prazo são exigidos pela UE, no quadro do Tratado Orçamental e regras associadas. Sem surpresas, tanto o documento do governo como o do maior partido da oposição mostram a intenção de basear a estratégia orçamental até ao fim da década nas prioridades definidas para Portugal pelas instituições europeias.

Tal como no ano passado, faço duas perguntas simples: quantas vezes na história algum país conseguiu atingir as metas orçamentais impostas pela UE num contexto marcado pelos ritmos de crescimento económico previstos para Portugal? E quantos dos países em causa se encontravam numa situação financeira idêntica à portuguesa?

Olhando para a experiência dos 28 países membros da UE entre 1996 e 2014, as respostas variam entre raramente e nunca. O cenário apresentado pelo governo registou-se em 2,9% dos casos. O cenário do PS, ligeiramente mais moderado, aconteceu 5,8% das vezes. Em nenhum dos casos o país em causa tinha uma dívida externa superior a 100% do PIB, como acontece com Portugal (que todos os anos tem, assim, de canalizar para o exterior uma parte importante dos seus recursos).

Em suma, governo e PS estão a alimentar uma fantasia: ou a austeridade terá de ser reforçada para que se cumpram as metas orçamentais, o que implica que o crescimento será inferior ao que nos prometem ou o próximo governo procurará evitar que a política orçamental constitua um entrave à recuperação da economia e do emprego, mas para isso terá de abdicar de cumprir o Tratado Orçamental.

Assim, seria bom que PSD, CDS e PS respondessem com clareza a uma questão: se após as eleições tiverem de escolher entre a criação de emprego e o cumprimento do Tratado Orçamental, como tudo indica que acontecerá, qual será a vossa escolha?

Passos de Costa

Parece que um dia perguntaram a Margaret Thatcher qual era a sua grande herança e ela respondeu o novo trabalhismo. Um dia podem perguntar o mesmo a Passos Coelho e ele poderá imodestamente responder o PS de António Costa e agora também de Mário Centeno, o autor da "visão de mercado" para as relações laborais. Na realidade, este PS é muito mais o produto do euro: da agenda para mais uma década perdida a um cenário sem perturbadoras reestruturações da dívida, com algumas hipotéticas melhorias marginais, mas que servem sobretudo para embrulhar medidas bem gravosas. A política social-liberal é cada vez mais a arte do enquadramento, de uma certa manipulação, termo menos neutro, mas provavelmente mais realista para caracterizar quem diz querer acabar com a austeridade neste contexto estrutural.

Em linha com a especialidade do PS desde a paradigmática reforma de 2007 - o corte de pensões futuras, promovendo os mercados financeiros -, a descida da TSU para os trabalhadores é paga pelos próprios, já que o PS propõe um alívio temporário compensado por cortes nas pensões futuras. De forma reveladora, o PS embrulha este aumento míope do rendimento na retórica da "liberdade de escolha", com impactos mais do que duvidosos na dinamização do mercado interno. A redução da TSU paga pelas empresas, por sua vez, é a grande vitória de Passos, já que o PS reconhece implicitamente as virtudes do incentivo da desvalorização interna. Entretanto, o PS diz estar preocupado com a "sustentabilidade" da segurança social. Reduzir as contribuições nunca ajuda. Ao mesmo tempo, dá para o sempre revelador peditório demográfico, acenando no fundo com formas ditas complementares, de mercado, para pensões cada vez mais inseguras.

A "visão de mercado" das relações laborais manifesta-se também na aposta numa concreta liberalização furtiva dos despedimentos individuais, do género despeça já e espere que o trabalhador proteste em tribunal muito depois, que hipocritamente garante não aumentar o poder patronal. Em troca, oferece vagos acenos com a limitação dos contratos a prazo rumo à distopia do contrato único. Sobre a negociação colectiva pouco ou nada, ou seja, o mesmo dos últimos anos. O diagnóstico para esta prescrição é retintamente neoliberal, colocando trabalhadores contra trabalhadores em nome de uma suposta segmentação que é o alfa e ómega da desigualdade neste campo para Mário Centeno e para o PS (e não a real e cada vez mais profunda assimetria entre trabalhadores e patrões).

É claro que há uma aposta na política de mínimos no campo de um Estado social cada vez mais para pobres e também por isso cada vez mais pobre no futuro. Prova disso é a perversa, mesmo que vaga, subsidiação pública dos baixos salários, uma proposta original de Milton Friedman, toda uma visão para colocar a comunidade a subsidiar patrões medíocres. Todo um incentivo, como estes neoclássicos de mercado gostam de dizer.

Que dizer disto tudo, e de algumas medidas positivas aqui e ali, caso do simbólico imposto sucessório, ideal para colocar na lapela em Abril? Tudo pesado, trata-se do mais longo e rigoroso relatório de abandono da social-democracia jamais escrito no país, em linha com a aposta num euro que estará associado, também se depender da vontade do PS, a duas décadas perdidas para o país, mas ganhas para as privatizações que o PS no fundo prosseguirá.

O que estava na agenda para uma década perdida está então aqui, mas com o "rigor" de cenários macroeconómicos pouco esmiuçados no documento e que, de qualquer forma, pouco dependem de um país que quase só tem instrumentos perversos ao seu dispor no contexto do euro. O campo do social-liberalismo está cada vez mais ocupado, mas o do socialismo está definitivamente cada vez mais vazio.

Discussões sérias

O PSD, pela voz do seu vice-presidente José Matos Correia, respondeu a um documento de 95 páginas com propostas e novas ideias do PS, logo no minuto seguinte à conferência de imprensa: "As propostas estão lá e não as conheço, não tive oportunidade de ler o documento, apenas posso apresentar uma apreciação geral do documento e essa apreciação geral é negativa". A ideia do PSD é que o PS - mais uma vez - aumenta despesas, corta receitas e fica à espera que o PIB cresça. "Não é uma forma séria de fazer política", "não brincamos com coisas sérias". Está tudo dito sobre a forma como o PSD lida com propostas concretas...

Bem, mas não está tudo dito sobre a proposta do grupo de trabalho convidado pelo PS. Mais tarde, lá voltaremos ao tema.

Mare nostrum, mare mortis


«Como em 2013, a expressão "nunca mais" volta a ser repetida. Como em 2013, quando morreram mais de 360 pessoas ao largo de Lampedusa, espera-se que algo seja feito, depressa, para minimizar o drama quotidiano das mortes no Mediterrâneo, a fronteira em paz onde mais se morre no mundo. O problema é que o que foi feito em 2013, a missão de resgate e salvamento Mare Nostrum, só durou até Outubro de 2014, quando a Itália pôs ponto final a operações que envolviam gastos de 9 milhões de euros por mês e que os parceiros europeus recusavam partilhar. Depois deste domingo, dia em que perto de 700 emigrantes se terão afogado no "Nosso Mar", já terão sido ultrapassados os 1600 mortos em 2015. (...) Um dos motivos invocados para não apoiar a Mare Nostrum, nomeadamente pelo governo de Londres, é a ideia de que uma operação que salva vidas encoraja o aumento da imigração. Algo que só quem não vê para lá das suas próprias fronteiras pode defender.»

Sofia Lorena, O «nosso mar» é um cemitério (a ler na íntegra)

A indiferença continuada das instituições europeias perante a insuportável tragédia do Mediterrâneo não se distingue - na sua essência - da indiferença continuada perante o sofrimento induzido pela austeridade, nos países em que a mesma é imposta e aplicada. Como se a Europa fizesse questão de dizer, e reiterar a todo o momento, que as dívidas e as fronteiras estão sempre primeiro.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Teimoso e estúpido?

Pedro Passos Coelho tem uma malapata com a questão da TSU e já o devia saber.

Mas essa malapata advém da irresponsável leviandade e crassa impreparação com que a direita insiste, nos últimos quatro anos, em aprovar essa medida assassina para a Segurança Social.

O objectivo oficial da medida é dar maior competitividade externa à economia portuguesa, reduzindo os custos das empresas para que se reflitam numa descida dos seus preços finais. (ver minuto 10).

1) Olhando para as estatísticas nacionais, toda esta confusão estaria a ser feita por 4% dos custos de produção das empresas nacionais (números de 2012, os mais recentes). Ou seja, para que a medida tivesse efeito sensível, seria necessário acabar com quase todos os descontos das empresas para a Segurança Social, ficando apenas os trabalhadores a cuidar da sua protecção social. É este o objectivo não declarado? Por outro lado, os custos com serviços contratados pelas empresas representam 35% dos custos de produção! Mas aí nada de concreto se faz... Faz isto sentido à luz do objectivo declarado?

2) Olhando para os descontos sociais que as empresas poupariam, a medida facilitaria a vida aos grandes empregadores nacionais como as grandes cadeias de distribuição – Pingo Doce e Sonae, os CTT (foram privatizados, não foram?), multinacionais de trabalho temporário, etc. Uma empresa com um trabalhador pouparia 680 euros ao ano. Uma com 350 trabalhadores 350 mil euros (números de 2010). Com mil empregados, é só fazer as contas... Faz isto sentido quando a maioria das empresas são pequenas e médias? Ou quando os grandes empregadores não estão em concorrência internacional?

3) Se a ideia é compensar a Segurança Social com o acréscimo de descontos vindos do crescimento do emprego - como atabalhoadamente sugeriu agora Marco António Costa, o ex-secretário de Estado da Segurança Social e coordenador Permanente da Comissão Política Nacional e Porta-Voz do PSD - então por cada ponto percentual de descida da TSU, teriam de ser criados 165 mil postos de trabalho a ganhar o SMN. Ou seja, tudo indica que nem contas foram feitas: apenas se quis enganar os jornalistas e, consequentemente, o povo;

4) E depois como é possível garantir que a descida da TSU se traduza numa descida de preços internacionais? Algo improvável ou impossível, sobretudo quando todos os ganhos de margem deverão ser usados para pagar dívidas entretanto contraídas com os pacotes de medidas recessivas que este Governo aprovou em nome dos credores internacionais. Trata-se de um ponto importante, já que, como veio a referir em Julho de 2011 a equipa inter-ministerial, se isso não se verificar, isso "limitaria o impacto desta medida na competitividade externa da economia portuguesa" e "o custo para a sociedade seria elevado, uma vez que se está a transferir poder de compra dos consumidores para lucro dos produtores" de exportações e "constituiria um subsídio às empresas menos eficientes". Ou seja, transferência de rendimento;

5) Mas o que é certo é que por cada ponto percentual de descida da TSU, a Segurança Social perde 400 milhões de euros de contribuições. Faz isso sentido quando, como disse Pedro Passos Coelho na passada sexta-feira no Parlamento, "nós temos um problema estrutural de sustentabilidade das pensões"? Parecem doidos...

Mas que estudos de impacto foram feitos para se defender tamanha aventura? Que se conheça, apenas os realizados por aquela comissão técnica inter-ministerial e que, aliás, se mostrou bastante crítica. Todo o historial da medida em Portugal (contado num dos Cadernos do Observatório sobre Crises e Alternativas, ver a partir da página 10), é um catálogo de trafulhices, confusões, pés pelas mãos, mentiras descaradas, impreparações criminosas, cumplicidades políticas e ideológicas face a algo que mexe com a vida de milhões de portugueses.

A difamação é punida como crime. Mas quem aprova ou quer aprovar medidas sem estudos de impacto, que prejudicam milhões de pessoas, sai impune ou com um eventual castigo político em eleições.

Lembram-se que, quando Passos Coelho recuou em 2012, disse que a medida tinha sido mal precepcionada e que assim não valia a pena? Mas então por que se insiste mais uma vez? E de forma tão tosca? E aparentemente sem estar em concertação nem com o seu parceiro de coligação nem com a ministra das Finanças que, na primeira oportunidade, matou a ideia na apresentação do Programa de Estabilidade e Plano Nacional de Pensões? E em vésperas das eleições? E com o porta-voz do PSD - do PSD? - a sair a terreiro em defesa de Passos Coelho?!
Será que há alguma relação entre esta medida e as eleições? Será que a medida vai ao encontro de possíveis financiadores de campanha eleitoral?

Se não quiserem, não empatem

«O "gap" entre a lista Varoufakis e a receita tradicional dos credores oficiais é impossível de fundir. Ponto. Não é um problema "técnico" de mais detalhes e mensuração como publicamente se reclama.
Os gregos têm red lines; e onde podem politicamente recuar têm-no feito. E já anunciaram fazer mais algo (privatizações por exemplo, onde poderão ir mais longe do que politicamente «imaginavam» antes de chegar ao poder, tanto mais que o investimento direto estrangeiro de investidores estratégicos lhes interessa; excedente primário orçamental de compromisso; gestão gradualista das medidas laborais). Mas não poderão entrar no tradicional de mais "desvalorização interna" e excedentes primários "excessivos", e privatizações sem malha mais fina.
Resta de facto aos credores oficiais, se o "bom senso" imperar (e não continuarem à espera de um golpe palaciano de "remodelação da coligação"), "simplificar e emagrecer" o que querem (como disse o insuspeito Thomsen) e encontrarem um acordo político de última hora (apesar da Madame Lagarde dizer que não, não e não) entre os chefes das três "instituições" e mais o diretório das potências da zona euro (vai mais uma mesa redonda?), se querem a Grécia no euro e dentro da lógica geopolitica da Comissão Europeia e da Alemanha. Se não quiserem, não empatem - e, como disse ontem Mario Draghi, entremos em "mar incógnito", dantes nunca navegado.»

Jorge Nascimento Rodrigues (facebook)

Na passada quinta-feira, numa declaração à Reuters (que o José Gusmão fez o favor de traduzir), Alexis Tsipras sublinhava que, das intensas negociações entre as partes, subsistiam quatro pontos de desacordo e que os mesmos não resultavam de qualquer «fraqueza técnica» mas sim de um efectivo «desacordo político» (no campo «das relações laborais, do sistema de Segurança Social, do aumento do IVA e da lógica de desenvolvimento da propriedade pública»).
Eu ainda sou do tempo em que o presidente da Comissão, Durão Barroso jurava a pés juntos que os governos nacionais é que eram responsáveis pelas medidas de austeridade que aplicavam, e não a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu ou o Fundo Monetário Internacional, que apenas actuavam no quadro do mandato de que dispunham. Pelos vistos a farsa, que dissimula a chantagem, não se alterou.

sábado, 18 de abril de 2015

Mariano Gago


«Quando se escrever a história do Portugal Democrático, haverá uma página sobre a qual não haverá dúvidas: aquela onde se irá contar a revolução e a festa que tiveram lugar no nosso país no domínio da investigação e da cultura científica. Esta história tem muitos actores mas um só protagonista: José Mariano Gago, que concebeu, negociou e pôs em prática essa estratégia, trabalhando com todos os parceiros de boa vontade, em Portugal e no estrangeiro, ao longo de diferentes governos e de muitos anos, e que transformou um sistema científico quase inexistente numa rede moderna capaz de se renovar e crescer, ao serviço do desenvolvimento, da cultura e da democracia. Que desapareça num momento onde a sua herança está a ser meticulosamente desmantelada é uma ironia da história e uma chamada de atenção para todos nós.»

José Vítor Malheiros sobre Mariano Gago, no Público de hoje. O ex-ministro da ciência ficará porventura como a referência mais eloquente de um tempo em que se apostava, apesar de todas as limitações, ambiguidades e contradições, num processo de verdadeira modernização do país, assumindo-se a necessidade de superar o atraso histórico como condição para afirmar Portugal numa Europa e num mundo cada vez mais competitivos e exigentes. Um modelo de desenvolvimento que procurava, apesar de tudo, estimular potencialidades e recursos, qualificar e capacitar, e no quadro do qual as instituições de ensino superior e os centros de investigação responderam de forma consequente e muito promissora aos desafios lançados por Mariano Gago. Uma estratégia de desenvolvimento que contrasta, de forma trágica, com o projecto de desistência e regressão, de desigualdade e obscurantismo, de nivelamento por baixo, em que o actual governo está empenhado. Que a morte de Mariano Gago tenha ocorrido neste contexto é de facto, como diz o José Vítor Malheiros, uma ironia da história e uma pungente chamada de atenção para todos nós.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Uma sexta-feira, à hora do telejornal da noite


Com a saída da Grécia da zona euro à vista, o debate sobre quem será o seguinte é inevitável. Mais tarde ou mais cedo, a nossa saída acabará por ocorrer. Para que tal aconteça, o povo português e algumas elites políticas da esquerda ainda têm de fazer a aprendizagem que a liderança do Syriza fez nos últimos dois meses: perder a ilusão de que a UE pode ser resgatada ao ordoliberalismo germânico.

Só com um governo apoiado maioritariamente no parlamento, e eleito com um programa que explicitamente considere a saída do euro como o caminho para a saída da crise, Portugal tem condições para tomar em mãos o seu destino. Sendo impraticável um referendo - criaria o caos no sistema financeiro através da fuga dos depósitos, como está à vista na Grécia - , uma das primeiras medidas do novo governo seria a introdução de um forte controlo dos movimentos de capitais, com supervisão apertada de um Banco de Portugal (BdP) com nova direcção. Para tanto, deverá obter previamente algum apoio técnico na Islândia, Chipre ou outro país com experiência prática nesse domínio. Quanto à execução das novas notas e moedas, a capacidade técnica para fazer a reconversão do fabrico de euros para novos escudos está disponível e deverá iniciar-se de imediato.

Assim, após algumas semanas de negociação dos detalhes em Bruxelas, numa sexta-feira, à hora do telejornal da noite, invocando o estado de emergência em que o país se encontra, o primeiro-ministro falará à nação para dizer aos portugueses que chegou a hora de recuperarmos a dignidade e a soberania. Avisará que a saída do euro implica custos transitórios, suportáveis, que terão de ser pagos sobretudo pelos que mais têm. A saída deve ser apresentada como condição necessária, mas não suficiente, para que o país tenha futuro. Nesse discurso, o primeiro-ministro mobilizará os cidadãos para uma estratégia de desenvolvimento, acompanhada de transformações institucionais que revitalizem a democracia portuguesa e concretizem os valores do preâmbulo da Constituição da República.

Mais ainda, informará o país de que nessa noite será aprovada e promulgada a legislação que institui o "novo escudo". Por isso, os contratos realizados sob legislação nacional passam automaticamente à nova moeda, o que inclui salários e pensões, depósitos, créditos bancários e a dívida pública e privada detida por não residentes que cumpra essa condição. A dívida pública às entidades da troika, contraída ao abrigo de legislação estrangeira, manter-se-á em euros e será renegociada criteriosamente. O país será informado de que estão garantidos empréstimos externos que cobrem as necessidades imediatas de divisas, mas será prevenido para a necessidade de um racionamento na importação de bens e serviços supérfluos. Anunciar-se-ão também dois dias de encerramento dos bancos para que procedam aos acertos informáticos exigidos pela mudança de moeda. Os que, neste processo, ficarem insolventes serão nacionalizados, pelo menos até que se proceda a uma grande reestruturação do sistema financeiro para o colocar ao serviço da economia.

O principal custo a suportar nos primeiros dois anos será a inflação. Para um conteúdo médio de 25% de importações no consumo das famílias, uma desvalorização de cerca de 30% da nova moeda poderá gerar uma inflação à volta dos 10%, numa estimativa grosseira. O governo anunciará a reposição nos salários públicos e pensões dos níveis anteriores à crise, a financiar pelo BdP, e promoverá acordos de concertação social sobre rendimentos e preços no sector privado.

Finalmente, o primeiro-ministro anunciará um plano de criação de empregos socialmente úteis, com salários previamente fixados, a financiar por crédito do BdP e pela redução de despesas com subsídios de desemprego. As autarquias, em cooperação com instituições privadas, serão envolvidas no levantamento das necessidades a satisfazer. O governo assumirá um compromisso com o objectivo do pleno emprego para o país.

Caro leitor, se não gosta deste cenário, pode começar a imaginar um outro em que Portugal aceita tornar-se uma província pobre de uma Europa que a Alemanha, após duas derrotas trágicas, acabou por conquistar sem disparar um tiro.

(O meu artigo no jornal i)