quarta-feira, 31 de agosto de 2016
O fim do princípio da globalização?
Surpreendentemente, um membro do governo alemão foi portador de potenciais boas notícias: “As negociações com os EUA fracassaram, mesmo que ninguém o queira admitir”, afirmou Sigmar Gabriel, vice-chanceler e líder da cada vez menos relevante social-democracia alemã, a propósito das negociações em torno da famigerada Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP). A confirmar-se, será uma vitória para os povos dos dois lados do Atlântico.
Uma derrota que a Comissão Europeia (CE), dada a sua natureza tão pós-democrática quanto liberal, se recusa a aceitar, declarando que as negociações ainda estão em curso, sendo esta entidade que formalmente conduz estas matérias. Entretanto, o governo francês, também pressionado por uma opinião pública com amplos segmentos que não se deixam enganar pelas novas ficções do chamado comércio livre, um incómodo que a CE definitivamente não tem, até porque não existe um povo europeu, também já veio apelar ao fim das negociações no próximo ano eleitoral.
Apetece usar e baralhar para este propósito uma famosa citação de Churchill, um dos heróis dos que gostam de convocar uma certa “civilização ocidental”, e a unidade económico-política entre os dois lados do Atlântico, para ofuscar a realidade do imperialismo, de que o TTIP seria só uma peça recente: esta vitória dos povos não seria obviamente o fim da globalização, não seria sequer o princípio do fim, mas temos de o tornar o fim do princípio da globalização, isto é, o fim da ideia da integração económica crescente como destino político inevitável. Sim, desglobalizar é preciso.
A direita, o investimento e a construção
Contas Nacionais, INE, |
Questões:
1. Olhando para as linhas, acha mesmo que, como defendem os dirigentes do PSD e CDS, o investimento está em queda?
2. Ouvindo as declarações dos dirigentes da direita, acredita que eles estão mesmo preocupados com a evolução da construção? Eles que, de 2010 a 2014, denegriram a vocação da produção nacional em construção, defendendo a destruição da "má" economia, ou seja, aquela economia que não se dedicava à produção de bens transacionáveis (como a esmagadora maioria das pequenas e médias empresas)? Lembra-se?
Olhe-se para o gráfico seguinte. Ele compara a variação homóloga dos valores das variáveis (em volume), do investimento em construção e da formação bruta de capital fixo (FBCF), designação habitual para o "investimento". Parecem dois corações sintonizados. E caso se siga separadamente a evolução, por um lado, do investimento em bens de transporte e de equipamento, e, por outro, do investimento em construção, parece que este segue aquele. Veremos se será assim outra vez, dado que tudo se mantém numa situação de extrema fragilidade, após o governo de direita e a intervenção externa.
Recue-se uns anos. A construção afundou de 2010 a 2014 e foi responsável por parte significativa da explosão do desemprego e, consequentemente, afectou um sistema financeiro alavancado pela construção, por vários lados: 1) perdeu o crédito dado às construtoras; 2) perdeu parte do crédito à compra de habitação, com a subida do desemprego e o corte de rendimentos, sentindo a subida do crédito malparado. Se o sistema financeiro está frágil, incapaz de arriscar, muito disso se deve à política seguida pela direita durante a intervenção externa, quanto à construção. Prometeu-se em 2011 uma fénix na economia e tudo acabou como estava, apenas com mais desgraça e terra queimada, onde dificilmente o investimento pode despontar. Sobram, pois, os fundos comunitários para explicar o investimento...
Haja, pois, mais memória e humildade nas palavras que se usam.
Dito isto, muito mais se deveria fazer para relançar o investimento. Mas nada disso se conseguirá com o bafo da UE na nossa nuca.
terça-feira, 30 de agosto de 2016
O investimento em Portugal tem vindo a cair. Porquê?
A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), o indicador habitualmente utilizado para analisar o investimento, tem vindo a desacelerar todos os trimestres desde o início de 2015, tendo registado uma variação negativa no primeiro trimestre de 2016 (ver gráfico). Segundo a estimativa rápida do INE para as contas nacionais do 2º trimestre deste ano (cuja versão final será conhecida em breve), o investimento terá diminuído de forma "expressiva".
Como é habitual, não faltam leituras apressadas sobre as causas desta evolução e suas implicações ao nível das opções de política económica. No entanto, ainda é cedo para percebermos o que se passa exactamente com o investimento em Portugal.
O que sabemos é o seguinte:
1) a quebra homóloga da FBCF no 1º trimestre de 2016 está fortemente relacionada com a construção (o VAB do sector caiu 2,8% no trimestre; sem construção, a FBCF caiu apenas 0,1%); os indicadores de conjuntura sugerem que o sector da construção continuou anémico no 2º trimestre.
2) o bom desempenho da FBCF em 2015 está muito associado ao investimento público (de acordo com os dados da AMECO, o investimento público em Portugal cresceu 8,9% em termos reais em 2015, mais do dobro da média da UE - 4,0%); em 2015 o investimento privado em Portugal cresceu abaixo da média da UE (3,6% e 4,3%, respectivamente);
3) a análise combinada dos valores anuais do investimento privado e dos valores trimestrais da FBCF não-construção sugerem que houve uma recuperação temporária do investimento produtivo entre o 4º trimestre de 2013 e o 2º trimestre de 2015.
É possível encontrar explicações para as três tendências atrás referidas com base em dois factores fundamentalmente internos. Assim:
1) o bom desempenho do investimento privado entre finais de 2013 e inícios de 2015 pode estar associado ao efeito conjugado do encerramento do QREN (anterior pacote de fundos estruturais da UE), do regresso do crescimento económico após três anos de recessão (durante os quais houve adiamento de investimentos), da redução das taxas de juro e da maior disponibilidade de crédito por parte dos bancos domésticos;
2) o bom desempenho do investimento público em 2015 pode ter sido determinado pelo encerramento do QREN e pelo relaxamento da consolidação orçamental, típica de anos eleitorais.
A partir de final de 2015 há quatro factores que podem ter contribuído para a degradação do investimento:
1) o fim do efeito encerramento do QREN e o atraso na implementação do Portugal 2020 (quadro comunitário sucessor do QREN);
2) a desaceleração do investimento público motivado por razões eleitorais a partir do 3º trimestre de 2015 e por motivos de consolidação orçamental a partir do inícios de 2016);
3) o aumento da incerteza e a deterioração das perspectivas de crescimento económico internacional;
4) a incerteza interna associada à formação do novo governo (no final de 2015), às relações com as instituições europeias e à situação do sistema bancário nacional.
Finalmente, o desempenho do investimento até ao final de 2016 poderá beneficiar de dois factores principais:
1) a entrada em velocidade cruzeiro do Portugal 2020 (afectando positivamente o investimento privado e público);
2) a diminuição do factores de incerteza interna referidos acima.
Para aqueles que querem decidir desde já se a estratégia económica do governo está ou não a funcionar, deixo duas mensagens:
1º) não esperem milagres ao nível do investimento e do emprego de qualquer estratégia de política económica assente no cumprimento de metas orçamentais que são absurdas para países que continuam em crise;
2º) provavelmente, as contas nacionais no final de 2016 serão bastante distintas das que se conhecem para o 1º semestre.
Como é habitual, não faltam leituras apressadas sobre as causas desta evolução e suas implicações ao nível das opções de política económica. No entanto, ainda é cedo para percebermos o que se passa exactamente com o investimento em Portugal.
O que sabemos é o seguinte:
1) a quebra homóloga da FBCF no 1º trimestre de 2016 está fortemente relacionada com a construção (o VAB do sector caiu 2,8% no trimestre; sem construção, a FBCF caiu apenas 0,1%); os indicadores de conjuntura sugerem que o sector da construção continuou anémico no 2º trimestre.
2) o bom desempenho da FBCF em 2015 está muito associado ao investimento público (de acordo com os dados da AMECO, o investimento público em Portugal cresceu 8,9% em termos reais em 2015, mais do dobro da média da UE - 4,0%); em 2015 o investimento privado em Portugal cresceu abaixo da média da UE (3,6% e 4,3%, respectivamente);
3) a análise combinada dos valores anuais do investimento privado e dos valores trimestrais da FBCF não-construção sugerem que houve uma recuperação temporária do investimento produtivo entre o 4º trimestre de 2013 e o 2º trimestre de 2015.
É possível encontrar explicações para as três tendências atrás referidas com base em dois factores fundamentalmente internos. Assim:
1) o bom desempenho do investimento privado entre finais de 2013 e inícios de 2015 pode estar associado ao efeito conjugado do encerramento do QREN (anterior pacote de fundos estruturais da UE), do regresso do crescimento económico após três anos de recessão (durante os quais houve adiamento de investimentos), da redução das taxas de juro e da maior disponibilidade de crédito por parte dos bancos domésticos;
2) o bom desempenho do investimento público em 2015 pode ter sido determinado pelo encerramento do QREN e pelo relaxamento da consolidação orçamental, típica de anos eleitorais.
A partir de final de 2015 há quatro factores que podem ter contribuído para a degradação do investimento:
1) o fim do efeito encerramento do QREN e o atraso na implementação do Portugal 2020 (quadro comunitário sucessor do QREN);
2) a desaceleração do investimento público motivado por razões eleitorais a partir do 3º trimestre de 2015 e por motivos de consolidação orçamental a partir do inícios de 2016);
3) o aumento da incerteza e a deterioração das perspectivas de crescimento económico internacional;
4) a incerteza interna associada à formação do novo governo (no final de 2015), às relações com as instituições europeias e à situação do sistema bancário nacional.
Finalmente, o desempenho do investimento até ao final de 2016 poderá beneficiar de dois factores principais:
1) a entrada em velocidade cruzeiro do Portugal 2020 (afectando positivamente o investimento privado e público);
2) a diminuição do factores de incerteza interna referidos acima.
Para aqueles que querem decidir desde já se a estratégia económica do governo está ou não a funcionar, deixo duas mensagens:
1º) não esperem milagres ao nível do investimento e do emprego de qualquer estratégia de política económica assente no cumprimento de metas orçamentais que são absurdas para países que continuam em crise;
2º) provavelmente, as contas nacionais no final de 2016 serão bastante distintas das que se conhecem para o 1º semestre.
Como é que se diz «processo de ajustamento» em brasileiro?
«É por isto que veremos o Governo tentar votar até o fim do ano uma série de propostas que visam “fazer a economia voltar a crescer”, reduzindo o custo da mão de obra, e portanto a segurança e os salários, bem como os direitos e os benefícios, obtidos com investimentos sociais, da maioria da população. São reformas como a trabalhista, que entre as propostas há a de tornar direitos como férias e 13º salário negociáveis, e a previdenciária, que pretende elevar a idade mínima de aposentadoria para 70 anos; e a PEC 241, cujo limite de 20 anos sobre gastos sociais terá impacto devastador na saúde e na educação, o que sem dúvida será futuramente usado como argumento para a privatização dos dois setores. Trata-se, em suma, de transferir toda a conta do ajuste para as classes média e baixa, isentando os mais ricos dos “sacrifícios necessários”»
Rodrigo Nunes, A guerra de mentira está chegando ao fim
Um bom texto, a que cheguei através do Ivan Nunes, para compreender a crise política brasileira, o que está verdadeiramente em causa e as perspetivas de evolução que se desenham no horizonte. Apesar de todas as diferenças, não é difícil traçar um paralelismo entre a forma como, por cá, a austeridade e os «processos de ajustamento» serviram para viabilizar a agenda da direita neoliberal (cortes nos serviços públicos, privatizações, redução de rendimentos, desregulação do mercado de trabalho, criação de mercados «sociais», etc.), e o modo como todo o processo de «impeachment» permite enquadrar e legitimar a implementação dessa mesma agenda no Brasil.
Rodrigo Nunes, A guerra de mentira está chegando ao fim
Um bom texto, a que cheguei através do Ivan Nunes, para compreender a crise política brasileira, o que está verdadeiramente em causa e as perspetivas de evolução que se desenham no horizonte. Apesar de todas as diferenças, não é difícil traçar um paralelismo entre a forma como, por cá, a austeridade e os «processos de ajustamento» serviram para viabilizar a agenda da direita neoliberal (cortes nos serviços públicos, privatizações, redução de rendimentos, desregulação do mercado de trabalho, criação de mercados «sociais», etc.), e o modo como todo o processo de «impeachment» permite enquadrar e legitimar a implementação dessa mesma agenda no Brasil.
domingo, 28 de agosto de 2016
Como é que se diz continuem em inglês?
Quando votei pelo Brexit no dia 23 de Junho, fi-lo por três razões: porque a União Europeia é um projecto falhado; porque a Europa caminha numa direcção que dá mais peso às forças de mercado; e porque queria desafiar o status quo. Seria necessária uma recessão profunda e prolongada para me fazer lamentar tal decisão. Essa perspectiva parece hoje mais remota do que há oito semanas atrás.
Larry Elliot, editor de economia no europeísta The Guardian, é aí uma voz dissonante. O projecto medo, assente na ideia de catástrofe, não tem corrido lá muito bem, a avaliar pelos dados económicos entretanto conhecidos. Ainda é cedo e os dados são poucos, claro, mas o merecido descrédito da economia convencional, já revelado no Brexit, como argumentámos, pode ser aprofundado, sobretudo se a austeridade for superada para evitar males maiores. O Reino Unido tem os instrumentos de política económica de um Estado monetariamente soberano, o que de resto já tinha sido revelado pela evolução cambial e dos juros da dívida, e pode no futuro mobilizar muitos mais fora desta UE. A sua fracturada sociedade bem que precisa de um governo capaz de criar e de usar toda a margem de manobra democrática. É para isso que continuamos a contar com os trabalhistas liderados por Corbyn.
Larry Elliot, editor de economia no europeísta The Guardian, é aí uma voz dissonante. O projecto medo, assente na ideia de catástrofe, não tem corrido lá muito bem, a avaliar pelos dados económicos entretanto conhecidos. Ainda é cedo e os dados são poucos, claro, mas o merecido descrédito da economia convencional, já revelado no Brexit, como argumentámos, pode ser aprofundado, sobretudo se a austeridade for superada para evitar males maiores. O Reino Unido tem os instrumentos de política económica de um Estado monetariamente soberano, o que de resto já tinha sido revelado pela evolução cambial e dos juros da dívida, e pode no futuro mobilizar muitos mais fora desta UE. A sua fracturada sociedade bem que precisa de um governo capaz de criar e de usar toda a margem de manobra democrática. É para isso que continuamos a contar com os trabalhistas liderados por Corbyn.
sexta-feira, 26 de agosto de 2016
Dois pesos e duas medidas: o escrutínio do RSI e dos contratos de associação
1. Num relatório recente, a IGF alerta para o facto de o Estado ter atribuído 451 milhões de euros a escolas privadas em 2013 e 2014, «sem conhecer a eficácia de utilização destes dinheiros públicos», «sem confirmar a situação socioeconómica das famílias dos alunos» e dispensando o recurso a «um plano estratégico enquadrador» das «subvenções públicas aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo». Ou seja, numa completa ausência de accountability (esse conceito tão acarinhado pelos economistas liberais).
2. A IGF confirma portanto o que há muito se sabe: fruto da complacência e do laxismo, ou da vontade deliberada de sucessivos governos, tem-se assistido a um clamoroso défice de acompanhamento e escrutínio, por parte do Estado, dos contratos de associação. Isto é, dos contratos celebrados com colégios privados para suprir situações de escassez ou de ausência de oferta da rede estatal, mas aos quais não se exige, na prática, o inerente cumprimento dos princípios da escola pública.
3. O problema começa desde logo, como bem se sabe, na demissão do Estado quanto à verificação regular e sistemática da efetiva necessidade de celebração destes contratos (situação que apenas agora começou a mudar), e ramifica-se noutras questões: das práticas de seleção de alunos à recusa da matrícula de crianças com NEE; da inflação de notas à criação de turmas fictícias, da ausência de dados sobre o perfil dos alunos à aceitação de crianças e jovens que residem fora das áreas onde, de acordo com a lei, se justifica o contrato. É claro que nem todos os colégios incorrem nestas práticas. Mas também é claro que o Estado se tem dispensado de identificar (e regularizar) os casos de colégios que o fazem.
4. Difícilmente se encontra uma medida de política pública com falhas tão gritantes de acompanhamento, escrutínio e avaliação, como as que se verificam no caso dos contratos de associação. Um demissionismo complacente, gerador de múltiplas desigualdades e injustiças, que está nos antípodas do escrutínio sem limites - a raiar a pura perseguição - daquela que é a medida política, social e mediaticamente mais «vigiada» no nosso país: a da atribuição do Rendimento Social de Inserção a famílias e indivíduos em situação de pobreza.
5. Como se esta grosseira duplicidade de critérios não bastasse, ainda se constata que - nos últimos anos - ao mesmo tempo que a pobreza aumentava e o sistema público de ensino contraía, o numero de beneficiários de RSI era fortemente restringido e a rede de contratos de associação poupada a ajustamentos. Isto é, como ilustra o gráfico lá em cima, o RSI cada vez respondia menos ao aumento da pobreza, ao mesmo tempo que a oferta educativa dos contratos de associação se tornava cada vez mais redundante e, em termos de gastos públicos, desnecessária.
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
Banco tem de ser caixa
O caso CGD podia ter tido um desenlace pior? Pode ser sempre pior: uma caixa público-privada podia ter sido o desenlace e a acreditar na enganadora manchete do Negócios até foi. Enfim, se a CGD permanece 100% pública depois de mais um aumento de capital ainda com pormaiores por esclarecer, a verdade é que, graças à União Bancária e às regras do mercado interno europeu, a CGD não pode agir como um banco público, estando sujeita a critérios puramente mercantis de avaliação. Estes obrigarão a despedimentos e à redução da actividade, sendo acompanhados de salários alinhados com o desigual sector privado, visto como a referência, para os seus gestores. Podemos ter de suportar isto, dado o contexto estrutural, mas por favor não festejemos isto.
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
É isto
«Foi isto que o governo conseguiu e que se confirmou hoje: a injeção de capital pode ser feita sem ser considerada ajuda de Estado. Depois da vitória de António Costa nas sanções, a vitória de António Costa na Caixa. Ambas em Bruxelas. Ambas contra o fatalismo preconizado por Passos. Costa matou duas vezes Coelho com uma cajadada. E Marcelo Rebelo de Sousa, que anunciou o seu empenho na "questão da banca" desde o seu primeiro discurso, também. A vitória política é de ambos.
A situação calamitosa da Caixa Geral de Depósitos resulta do adiamento sucessivo do problema, que o anterior governo caucionou.»
Do artigo de opinião de Pedro Santos Guerreiro, sobre os resultados das negociações em Bruxelas em torno da recapitalização da CGD. Como se assinala na Geringonça, o título desta notícia seria muito provavelmente «Comissão Europeia confirma privatização parcial da Caixa», caso a PaF fosse governo. Por inconfessada vontade e como corolário da política de «varrer o lixo para debaixo do tapete» e do «empurrar com a barriga» em relação aos problemas do sistema bancário, em nome de uma suposta «saída limpa».
A DECO e as deduções de despesas de educação
A DECO tem feito um trabalho meritório de defesa dos contribuintes, tendo, em vários casos, informado muitos deles acerca dos seus direitos na sua relação com o Estado. Esse trabalho teve, no entanto, uma inovação recente. A DECO resolveu fazer uma incursão na definição da legislação fiscal através de um manifesto/petição pela dedução de todas as despesas de educação em sede de IRS, cujo texto pode ser lido aqui.
O argumento é simples e interessante: as despesas com material escolar são indispensáveis à frequência de qualquer grau de ensino e, portanto, deve incidir sobre as mesmas a dedução em sede de IRS que é reservada a outras despesas de educação.
Vou saltar por cima dos problemas técnicos de delimitação associados a esta proposta (uma caneta pode ser material escolar ou não) porque uma associação pode fazer propostas legislativas sem ter necessariamente que apresentar um articulado concreto da lei que as concretizaria. Direi apenas que essa delimitação levanta problemas complicados, eventualmente insolúveis.
Mas mais graves são os problemas de justiça fiscal que decorrem desta abordagem. E para os perceber, é preciso perceber como funcionam as deduções em sede de IRS. As deduções surgem depois de apurada a colecta de IRS e são essencialmente um abatimento (de 30%, no caso das despesas de educação) a essa colecta.
Daqui decorre um dado fundamental: para beneficiar das deduções à colecta é preciso ter colecta.
Este facto singelo significa que cerca de metade das famílias portuguesas, que não têm rendimentos suficientes para serem colectados em sede de IRS, não beneficiam absolutamente nada com estas deduções. Quer dizer ainda que as que têm colecta beneficiam tanto mais quanto maiores forem os seus rendimentos e, portanto, a sua colecta (até um limite de 800€, no caso da educação).
Assim, as deduções à colecta são um instrumento de profunda injustiça fiscal. Dirá o leitor que este argumento se aplica igualmente às deduções atualmente existentes. E é verdade. A despesa fiscal associada às deduções em sede de IRS está concentradas esmagadoramente nas famílias com rendimentos mais elevados. E, não por acaso, uma boa parte dessa despesa fiscal vai financiar colégios privados, clínicas privadas, etc.
Coloca-se então um problema: como conseguir que os apoios à educação cheguem às famílias que mais deles necessitam, e que têm, na sua maioria, rendimentos abaixo do limiar de colecta em IRS? A resposta é simples: não é através da política fiscal. Na realidade, o impacto na igualdade do acesso à educação de medidas como a gratuitidade dos manuais escolares ou a expansão da rede pública no pré-escolar é incomensuravelmente maior do que o das deduções.
Não existe, infelizmente, em Portugal uma maioria com condições políticas para eliminar as deduções à colecta e usar a despesa fiscal associada a essas deduções para financiar políticas públicas de educação e saúde. Mas essa seria uma escolha que garantiria de forma muito mais eficaz e eficiente, quer a igualdade de direitos no acesso à saúde e educação, quer o carácter justo e redistributivo do nosso sistema fiscal.
É pena que a DECO, que conta com dezenas de profissionais qualificados na área da fiscalidade, não tenha em conta as implicações da sua proposta. Mas isso decorre, provavelmente, do próprio perfil sócio-económico dos seus associados. Uma boa razão para que grelha de análise para as políticas sociais e fiscais seja outra.
terça-feira, 23 de agosto de 2016
Bem observado
"Porque é que este não é sempre apresentado como 'o jornal de direita Observador' ou 'o jornal Observador, ligado aos meios da direita radical?'" O tratamento dispensado ao principal blogue da direita radical, convencionalmente conhecido por "jornal Observador", é, como bem observa José Vítor Malheiros, um indicador do estado a que isto chegou numa comunicação social que essencialmente reproduz a ideologia euro-liberal dominante – das suas versões supostamente conservadoras às suas versões social-liberais, supostamente todas modernaças.
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
Tanto barulho porquê?
Fundo de Garantia de Depósitos |
Fazendo fé ao relatório do Fundo de Garantia de Depósitos, relativo ao mais recente exercício - que é o de... 2014(!) - a intenção oficial de dar acesso à Administração Tributária aos saldos das contas bancárias acima de 50 mil euros, abrangerá apenas uma minoria dos depositantes. Veja-se a página 16 do relatório, cujos valores se reproduzem ao lado.
Rapidamente se depreende que a medida anunciada pelo Governo, na sua versão final, abrangerá apenas 3,5% dos titulares de depósitos bancários. Mas que essa minoria detém mais de metade dos montantes depositados (53,6%).
Em 2014, havia 162,7 mil milhões de euros de depósitos bancários detidos por 16,2 milhões de pessoas titulares. Mas com mais de 50 mil euros de depósitos, havia só 568 mil pessoas que tinham cerca de 87,2 mil milhões de euros depositados. E desses, os que tinham mais de 100 mil euros de depósitos, eram 194.772 pessoas, com 61,5 mil milhões de euros depositados. E era interessante ter estatísticas mais desagregadas...
Pessoalmente, sou a favor da quebra total de sigilo bancário. Mas admito que o Governo, ao rever a sua posição (fixando o limite de 50 mil euros), restringiu fortemente a possibilidade de crítica política. Ou seja, qualquer tentativa de criar a ideia de que aquela medida vai ainda tocar todos os portugueses, ou até a maior parte deles é completa e totalmente capciosa. E interesseira. Visa criar um mal-estar junto de quem não tem - obviamente - os mesmo interesses que os verdadeiramente visados. E ao criar essa ilusão, pretende defender na prática os interesses daqueles que a medida vai efectivamente atingir. A isto chama-se manipulação política.
Apesar da revisão da posição do Governo, a presidente da CNPD voltou à carga e disse: "O que é fundamental perceber é que a administração tributária deve demonstrar a necessidade de aceder a esta informação para cumprimento das suas atribuições. E é isso que falta. Não está demonstrada a necessidade de aceder a esta informação". Ou seja, as contas bancárias nunca poderão ser um indício de combate à fraude e evasão fiscais. "Em segundo lugar, não está minimamente equilibrado, proporcional, que relativamente a todos os cidadãos que tenham contas neste montante seja necessário aceder às contas, quando em 99 por cento dos casos, digo eu, as pessoas não andam a fugir ao fisco”. Como sabe ela?
Bem sei que a CNPD olha apenas para os valores em absoluto - ainda que mal sustentados do ponto de vista jurídico - mas conviria que, de ora em quando, tivesse uma visão do conjunto da sociedade e da forma de resolver as entorses reais de que padece. No passado, a CNPD já se manifestou contra o cruzamento de informação que poderia ajudar a combater a evasão e fraude fiscais, alegando-se ataques à privacidade de informação. Agora é esta medida. Se não alterar a sua atitude conservadora, a CNPD arrisca-se a ser apenas mais um organismo criado, financiado por todos, mas que acaba por contribuir para uma sociedade desigual.
E depois, ainda gostava de perceber porque não há dados mais recentes sobre os depósitos bancários!
domingo, 21 de agosto de 2016
"Duvivier" e o contencioso tributário
Na passada 6ª feira, o noticiário da RTP3 conduzido por Ana Lourenço convidou Pedro Vital Matos para comentar o diploma que permite o acesso da Autoridade Tributária aos saldos das contas bancárias dos contribuintes acima dos 50 mil euros.
O convidado foi apresentado como "fiscalista", mas de repente, ao ouvi-lo falar, pareceu-me estar a assistir à charla de Gregório Duvivier na "Porta dos Fundos" sobre o homem que não sabia mentir. Não só porque até são levemente parecidos, mas porque rapidamente nos apercebemos que estava a falar em nome dos seus clientes "apoquentados" pelo Fisco, e o discurso tornou-se de tal forma assumido que quase dava para ser mais um texto do sketch do programa humorístico...
É que Pedro Vital Matos é advogado associado de um maiores escritórios de advogados, o Cuatrecasas Gonçalves Pereira, dedicando-se sobretudo ao direito fiscal e "muito especialmente ao contencioso trbutário, tanto administrativo como judicial" abarcando "reclamações ou impugnações de actos de liquidação, mas também a defesa no âmbito das infracções tributárias ou de processos de execução fiscal". O escritório de advogado onde trabalha tem sede em Madrid, mas desenvolve actividade em Marrocos, México, Londres, Luanda Maputo, Nova Iorque, São Paulo e Xangai.
Dizia ele:
O convidado foi apresentado como "fiscalista", mas de repente, ao ouvi-lo falar, pareceu-me estar a assistir à charla de Gregório Duvivier na "Porta dos Fundos" sobre o homem que não sabia mentir. Não só porque até são levemente parecidos, mas porque rapidamente nos apercebemos que estava a falar em nome dos seus clientes "apoquentados" pelo Fisco, e o discurso tornou-se de tal forma assumido que quase dava para ser mais um texto do sketch do programa humorístico...
É que Pedro Vital Matos é advogado associado de um maiores escritórios de advogados, o Cuatrecasas Gonçalves Pereira, dedicando-se sobretudo ao direito fiscal e "muito especialmente ao contencioso trbutário, tanto administrativo como judicial" abarcando "reclamações ou impugnações de actos de liquidação, mas também a defesa no âmbito das infracções tributárias ou de processos de execução fiscal". O escritório de advogado onde trabalha tem sede em Madrid, mas desenvolve actividade em Marrocos, México, Londres, Luanda Maputo, Nova Iorque, São Paulo e Xangai.
Dizia ele:
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
A despudorada defesa da "intimidade" bancária
Eis que, mais uma vez, após décadas de debate, se volta a discutir a velha questão do sigilo bancário.
E – veja-se lá – sempre para parar a administração fiscal de exercer as suas competências de combate à fraude e evasão fiscal. Até o CDS já aparece quando pressente que a comunicação social sopra a favor daquilo que defende...
Diz-se: será uma quebra de privacidade e da intimidade dos contribuintes deixar o Fisco aceder a esses dados. Que a Constituição não o permite. Ainda agora a Comissão Nacional de Protecção de Dados o alegou.
Primeiro, na verdade a Constituição não refere qualquer sigilo bancário como fazendo parte da esfera de intimidade. Já José Luís Saldanha Sanches – Segredo bancário e tributação do lucro real – chamava a atenção para essa confusão. O artº 26, 1, apenas refere que “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Ora, dizia Saldanha Sanches: “O segredo bancário não pode constituir a expressão do imperativo constitucional da protecção da intimidade. Até porque o acesso a essa esfera está vedada aos próprios bancos”.
Segundo, é importante recuar à origem. Recorde-se que as primeiras regras do sigilo bancário foram criadas após a divulgação pelo jornal O Diário das dívidas bancárias de Francisco Sá Carneiro. As primeiras disposições, da autoria de António Sousa Franco (decreto-lei 2/78) impunham regras de sigilo aos administradores, gestores, directores e trabalhadores das instituições de crédito. O 1º parágrafo é elucidativo: "Ponderando que a reconstrução do País implica o estabelecimento de um clima de confiança na banca que permita a captação e recuperação do dinheiro entesourado, vem o Governo revelando preocupação pela tutela do segredo bancário". A partir de 1993, essas regras ficaram consagradas no Regime Geral das Instituições de Crédito. Tratava-se, pois, de uma violação do sigilo profissional, que nunca deveria ser "puxada pelas orelhas"como se tratasse de um elemento da esfera de intimidade dos cidadãos.
Dizia Saldanha Sanches: “A empresa que é cliente do banco tem o direito da esperar que o seu banqueiro defenda os seus segredos comerciais. Mas não tem o direito de esperar que a empresa bancária, subtraindo a sua contabilidade aos olhares do fisco, impeça este de detectar os seus incumprimentos”. Na verdade, a banca – incluindo o Banco de Portugal – nunca colaborou com o fisco na actividade de detecção e comunicação de ilícitos fiscais! E esse dever de solidariedade, apesar de previsto na lei, não estabeleceu nenhuma imposição de comunicação entre autoridades!!
Finalmente, resta saber se as empresas terão igualmente essa esfera de intimidade em risco de ser violentada pelo Estado, quando ainda por cima o seria por profissionais - como os do Fisco - que, eles também, estão sujeitos a sigilo profissional (sigilo fiscal)!
Mas mais.
E – veja-se lá – sempre para parar a administração fiscal de exercer as suas competências de combate à fraude e evasão fiscal. Até o CDS já aparece quando pressente que a comunicação social sopra a favor daquilo que defende...
Diz-se: será uma quebra de privacidade e da intimidade dos contribuintes deixar o Fisco aceder a esses dados. Que a Constituição não o permite. Ainda agora a Comissão Nacional de Protecção de Dados o alegou.
Primeiro, na verdade a Constituição não refere qualquer sigilo bancário como fazendo parte da esfera de intimidade. Já José Luís Saldanha Sanches – Segredo bancário e tributação do lucro real – chamava a atenção para essa confusão. O artº 26, 1, apenas refere que “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Ora, dizia Saldanha Sanches: “O segredo bancário não pode constituir a expressão do imperativo constitucional da protecção da intimidade. Até porque o acesso a essa esfera está vedada aos próprios bancos”.
Segundo, é importante recuar à origem. Recorde-se que as primeiras regras do sigilo bancário foram criadas após a divulgação pelo jornal O Diário das dívidas bancárias de Francisco Sá Carneiro. As primeiras disposições, da autoria de António Sousa Franco (decreto-lei 2/78) impunham regras de sigilo aos administradores, gestores, directores e trabalhadores das instituições de crédito. O 1º parágrafo é elucidativo: "Ponderando que a reconstrução do País implica o estabelecimento de um clima de confiança na banca que permita a captação e recuperação do dinheiro entesourado, vem o Governo revelando preocupação pela tutela do segredo bancário". A partir de 1993, essas regras ficaram consagradas no Regime Geral das Instituições de Crédito. Tratava-se, pois, de uma violação do sigilo profissional, que nunca deveria ser "puxada pelas orelhas"como se tratasse de um elemento da esfera de intimidade dos cidadãos.
Dizia Saldanha Sanches: “A empresa que é cliente do banco tem o direito da esperar que o seu banqueiro defenda os seus segredos comerciais. Mas não tem o direito de esperar que a empresa bancária, subtraindo a sua contabilidade aos olhares do fisco, impeça este de detectar os seus incumprimentos”. Na verdade, a banca – incluindo o Banco de Portugal – nunca colaborou com o fisco na actividade de detecção e comunicação de ilícitos fiscais! E esse dever de solidariedade, apesar de previsto na lei, não estabeleceu nenhuma imposição de comunicação entre autoridades!!
Finalmente, resta saber se as empresas terão igualmente essa esfera de intimidade em risco de ser violentada pelo Estado, quando ainda por cima o seria por profissionais - como os do Fisco - que, eles também, estão sujeitos a sigilo profissional (sigilo fiscal)!
Mas mais.
O socialismo também é um fórum
O fórum socialismo 2016 terá lugar, entre 26 e 28 de Agosto, em Santa Maria da Feira. Dinamizarei aí uma sessão sobre a financeirização do capitalismo em Portugal, título do livro que escrevi com Ana Cordeiro Santos e Nuno Teles.
Dedicarei especial atenção ao último capítulo sobre a desfinanceirização nesta semiperiferia, nesta semicolónia, ou seja, sobre a saída do euro, uma das condições para um processo que começa pela reestruturação da dívida e pelo controlo democrático da banca.
Em linha com o que fazemos no livro, apresentarei os argumentos para a recuperação de instrumentos de política necessários a um processo de controlo democrático da moeda-crédito, tentando antecipar alguns obstáculos, perigos e oportunidades. Não seria ainda o socialismo, que de resto também é um processo, mas sim, e para começar, um capitalismo mais democrático e logo mais prenhe de alternativas sistémicas.
sábado, 13 de agosto de 2016
Moeda
Numa passagem deste livro de Jean-Pierre Chevènement (minha tradução das pp. 45-6) está bem condensada uma definição não convencional da moeda, muito diferente do entendimento da teoria económica dominante. A falta de um conceito de moeda que assume a natureza histórica das instituições, tal como formulado pela Economia Política crítica e institucionalista – a moeda como instituição enraizada na cultura de uma sociedade –, explica porque tantos economistas admitiam a possibilidade de uma saída federal para a crise da UE. Como se a moeda fosse um instrumento técnico, cultural-social-politicamente neutro, mobilizável por uma qualquer engenharia.
“A “moeda única” oferece um bom exemplo do contrassenso cometido: negando a realidade – e a heterogeneidade – das nações, os seus mentores construíram uma “fábrica de gás” cujas consequências são agora visíveis: feita para unir os povos, mas recusando aceitar a realidade, ela atira uns contra os outros porque é da sua natureza polarizar a riqueza onde é produzida e fazer do subdesenvolvimento o outro polo, transformando a Europa do Sul num Mezzogiorno alargado.
Não é preciso ir mais longe para procurar as razões de uma construção puramente tecnocrática. Muito simplesmente colocou-se a charrua à frente dos bois. Pragmaticamente, podia ter-se criado uma moeda comum, mantendo as moedas nacionais e, portanto, os mecanismos de ajustamento. Em vez disso, cometeu-se um pecado ideológico ao esquecer que uma moeda é feita para um povo e na Europa há cerca de trinta.
A moeda única foi uma resposta ideológica, dada em 1989-1992, à reunificação alemã. A ideia que na altura avancei era a de que, tomando à Alemanha o seu marco [banco central e política monetária], se amarrava o gigante alemão reunificado. Foi o contrário que se produziu porque uma moeda corresponde a uma economia e uma cultura específicas. O antigo embaixador alemão em Paris, Reinhard Schäffers, dizia que, se para os franceses a moeda era um instrumento de política económica, para os alemães ela representava uma espécie de Graal, um valor sagrado. (...)
A moeda única foi concebida como um meio de provocar o parto, a ferros, de uma nação europeia, o pressuposto de qualquer construção federal. Ora, para este projecto ter algum sentido, teria de ser realizado no tempo longo da História e pela vontade dos povos. Infelizmente, conduziu a um resultado contrário ao inicialmente pretendido. Quanto tempo será preciso agora esperar para se perceber isso e, sobretudo, para encontrar uma saída colectiva para o impasse em que a Europa se extraviou?”
sexta-feira, 12 de agosto de 2016
Culturas políticas, economias sempre políticas
Agora que António Costa considerou o caso Galp encerrado, talvez valha a pena reabri-lo de outra forma, regressando ao tema dos múltiplos canais através dos quais o poder económico tenta comprar poder político, usando para este propósito um texto de Miguel Poiares Maduro no principal blogue das direitas. Maduro está convencido, vejam bem, que fez “parte de um Governo que, seguramente com erros e omissões, foi talvez aquele que mais procurou combater” uma cultura política de promiscuidade entre o poder político e o económico.
Em primeiro lugar, não é possível deixar de referir o topete óbvio de quem partilhou o conselho de ministros com Passos Coelho, Paulo Portas, Miguel Macedo, Miguel Relvas ou a actual representante da Arrow Global na AR, Maria Luís Albuquerque. Em segundo lugar, sublinhemos, em linha com a investigação de Os Donos de Portugal, que o PSD sempre foi partido com as mais densas ligações aos interesses capitalistas, embora a parte sem s do PS tenha feito um esforço para tecer uma rede e tenha sido bem sucedida. A novidade talvez seja a importância cada vez maior do capital estrangeiro nestas redes. A cultura política de que fala Maduro de forma etérea está materialmente vinculada a uma economia política construída por três décadas de neoliberalização.
Despachados estes dois pontos, concentremo-nos na ficção intelectual implícita, segundo a qual a suposta retirada do Estado da economia, por via de privatizações e liberalizações, diminuiria as condições para o poder do dinheiro sem fronteiras institucionais, ou seja, para a corrupção. Defendo a hipótese contrária: o Estado nunca se retira, dado que privatizar e liberalizar dão um trabalhão político, sendo antes reconfigurado de um modo que pode facilitar a sua captura por um poder económico que, mesmo em condições de concorrência acrescida, ou até por causa delas, tem mais incentivos para tentar moldar as regras políticas do jogo económico que sempre estruturam os mercados realmente existentes.
Uma palavra: GALP. Uma das privatizações ruinosas para o erário público criou uma concentração de poder privado com impactos públicos, uma das empresas que está no centro do actual debate sobre a tentativa de compra de influência. Há muitas mais em mercados liberalizados. O capital sem freios e contrapesos políticos e sociais que o desafiem e disciplinem politicamente tem sempre a tendência para influenciar o inevitável Estado no capitalismo, que desta forma se torna mais capitalista.
Entretanto, outras tecnologias neoliberais, como as parcerias público-privadas ou o chamado Estado-garantia, proposto pelo PSD e pelo CDS, o que financia sectores sociais, mas não os provisiona necessariamente, criam o caldo de cultura acrescido para a promiscuidade. Juntem-lhe as desigualdades económicas e a menor confiança institucional que lhes está associada e têm de novo um tempo em que parece que tudo se compra e que tudo se vende, de forma directa ou indirecta. E isto quando sabemos há muito tempo que para haver esferas em que há preços, e estes podem e devem ser formados de múltiplas formas, têm de existir esferas onde os preços são recusados: economia mista.
Como já aqui defendi há uns anos, as políticas socialistas de afirmação de uma ética de serviço público, de combate às desigualdades, de controlo público directo de sectores estratégicos, de combate à fraude e evasão fiscais, também por via do controlo de capitais, podem desenhar linhas mais fortes entre o que pode ser comprado e vendido e o que é de todos e deve estar ao serviço de toda a nação. Uma nova cultura política assente numa outra economia política.
quinta-feira, 11 de agosto de 2016
Coisas boas e coisas más
Deve ser das férias. Mas não consegui apanhar um único comentário de pessoas da Direita aos mais recentes valores do emprego e desemprego. É pena. É pena porque devia-se ser capaz de deixar a guerra de curto prazo e centrarem-se nas tendências de médio e longo prazo.
Como foi sobejamente divulgado pelo INE, a taxa de desemprego atingiu no 2º trimestre de 2016 um valor de 10,8%, menos 1,6 pontos percentuais do que o do trimestre anterior e menos 1,1 pontos percentuais do que no trimestre homólogo de 2015. A população desempregada estimou-se em 559 mil pessoas, ou seja, menos 12,6% (81 mil pessoas) do que o trimestre anterior e menos 9,8% (menos 61 mil pessoas) do que no trimestre homólogo de 2015. A população empregada subiu 2% face ao trimestre anterior (mais 89 mil pessoas) e mais 0,5% do que no trimestre homólogo (mais 22 mil pessoas).
O INE alertou, contudo, que estes valores não estavam corrigidos de sazonalidade. Era escusado. Mais valia ter o INE divulgado os valores corrigidos, para evitar essa pequena quebra de confiança nos números. Devem ter lá essa série já pronta.
Na verdade, mesmo quando corrigidos de sazonalidade, os valores mantêm essa tendência. Veja-se o gráfico.
Veja-se o gráfico seguinte.
Como foi sobejamente divulgado pelo INE, a taxa de desemprego atingiu no 2º trimestre de 2016 um valor de 10,8%, menos 1,6 pontos percentuais do que o do trimestre anterior e menos 1,1 pontos percentuais do que no trimestre homólogo de 2015. A população desempregada estimou-se em 559 mil pessoas, ou seja, menos 12,6% (81 mil pessoas) do que o trimestre anterior e menos 9,8% (menos 61 mil pessoas) do que no trimestre homólogo de 2015. A população empregada subiu 2% face ao trimestre anterior (mais 89 mil pessoas) e mais 0,5% do que no trimestre homólogo (mais 22 mil pessoas).
O INE alertou, contudo, que estes valores não estavam corrigidos de sazonalidade. Era escusado. Mais valia ter o INE divulgado os valores corrigidos, para evitar essa pequena quebra de confiança nos números. Devem ter lá essa série já pronta.
Na verdade, mesmo quando corrigidos de sazonalidade, os valores mantêm essa tendência. Veja-se o gráfico.
Veja-se o gráfico seguinte.
terça-feira, 9 de agosto de 2016
As bandeiras são um sinal?
O PS foi e programaticamente continua de forma aparente a ser o mais europeísta dos partidos portugueses. Digo de forma aparente porque há muito que as direitas portuguesas se converteram a um vínculo externo que favorece estruturalmente as suas políticas, ultrapassando o PS no seu entusiasmo. Qualquer social-democrata informado olha para o europeísmo realmente existente e tem o dever de saber que aí radica a fonte principal da sua impotência política.
E o que é que esta conversa tem que ver com este cartaz espalhado pelo país? Não sei, talvez tudo. A Europa já não está connosco, dado que Portugal tem de ser aí explicitamente defendido, reparem no princípio de realismo: o interesse nacional não se dilui no europeísmo. Há uma diferença, que ainda não tem tradução programática social-democrata organizada, mas até já tem tradução na política externa, a que, aqui e ali, contrasta com o do anterior governo. Isto teria reflexos na simbologia, onde a prática muitas vezes se inscreve mais rapidamente: reparem no tamanho e na posição das duas bandeiras.
Estou a ver mal? Admito outra interpretação do cartaz e do resto, claro, mas se esta tiver pernas para andar, e os dilemas impossíveis de que fala o João Ramos de Almeida aí estão para a testar, é um sinal de todo um programa para o futuro, em linha com o que muitos têm dito e escrito. Para o elaborar ideologicamente basta ir buscar inspiração num patriotismo republicano, num nacionalismo de esquerda (sim, nacionalismos há muitos, ao contrário do que diz a ignorante sabedoria convencional), que, esse sim, pôde e pode, ao contrário do europeísmo realmente existente, ter declinações social-democratas consequentes.
segunda-feira, 8 de agosto de 2016
Mensagens inesperadas
Eu sei que nunca devemos desejar o mal de ninguém. Nem é essa a minha intenção. Mas apenas o aspecto simbólico que me veio à cabeça - de forma literal e pobre, devo assumir - ao ver esta cena numa reposição recente.
Há pilotos redundantes. Há conduções dirigidas por controlo remoto, sem aparente solução à vista. Há sempre aquela tentação de saltar borda fora, fugir. Mas há sempre formas de recuperar o comando da condução. Há formas de reconversão daquilo que parecia perdido, mas temos de nos livrar dos pilotos inúteis e antiquados. Há inesperados e improváveis destinos para as infraestruturas industriais deixadas ao abandono. E, finalmente, os gatos safam-se sempre.
Aprende-se tanto nos filmes do James Bond.
Há pilotos redundantes. Há conduções dirigidas por controlo remoto, sem aparente solução à vista. Há sempre aquela tentação de saltar borda fora, fugir. Mas há sempre formas de recuperar o comando da condução. Há formas de reconversão daquilo que parecia perdido, mas temos de nos livrar dos pilotos inúteis e antiquados. Há inesperados e improváveis destinos para as infraestruturas industriais deixadas ao abandono. E, finalmente, os gatos safam-se sempre.
Aprende-se tanto nos filmes do James Bond.
domingo, 7 de agosto de 2016
Ainda as batalhas educativas
O vírus liberal, que está longe de ser contido, está também na base do parasitário capitalismo educativo. Este naturalmente luta por todos os meios contra a política democrática. Pode ser útil, neste contexto, disponibilizar na íntegra o artigo que escrevi para o Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Junho: batalhas educativas
sábado, 6 de agosto de 2016
O dever de ver
Portugal está a ser submetido, há vários anos, a uma experiência de engenharia social (...) Os poderes que protagonizam esta experiência não são necessariamente loucos (por muito que se vislumbre neles laivos de sociopatia) nem incompetentes (por muito que a incerteza associada a qualquer experiência possa ser fraca desculpa). E o fanatismo com que insistem na aplicação dos seus modelos pode ser sobretudo sinal de um poder absoluto que não é politicamente partilhado nem intelectual ou socialmente contestado – pelo menos não com a força que seria necessária. A cegueira que lhes é atribuída ao observar as consequências das suas experiências parte do princípio de que dominantes e dominados, vítimas e carrascos da austeridade, partilham os mesmos objectivos e lutam pelos mesmos interesses. Nada podia ser mais falso. E é justamente porque estamos perante profundas assimetrias de poder e interesses altamente divergentes que é tempo de percebermos que a cegueira que nos parece insensata tem atrás de si promotores altamente racionais e que é o nosso próprio direito à cegueira perante isto que deve ter limites.
Sandra Monteiro, Sanções, FMI e Cegueira, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Agosto.
sexta-feira, 5 de agosto de 2016
Na era do «pós-facto»
(Vídeo da Geringonça)
«O caso do "sol e das vistas" que passariam, "agora", a ser taxados no IMI é só mais um num rol de "factos" sem qualquer consubstanciação propalados pelos media - os tradicionais e os ditos sociais - e por um não acabar de cabeças falantes. É falso? Não faz mal: dá manchetes com muitos cliques e para escrever "crónicas" superdivertidas. Já explicar a verdade - que o critério de avaliação em causa, certo ou errado, existe há anos e os partidos (PSD e CDS) que ora rasgam as vestes o aprovaram - é chato e não faz rir (é triste, até). (...) Como é que chegámos aqui, e ainda mais quando é fácil, em muitos casos, verificar por nós próprios (googlando) se algo é falso ou verdadeiro? Pomerantsev fala de uma "escola de pensamento" na qual se perverteu a máxima de Nietzsche "não há factos, só interpretações" de modo a significar que "as mentiras podem ser desculpadas como "um ponto de vista" ou "uma opinião" porque "tudo é relativo" e "toda a gente tem a sua verdade". (...) Ai o cronista escreve mentiras? Não interessa, "é a opinião dele" - e "as pessoas gostam". Ai o título não coincide com o que está na notícia? Eh pá, se pusermos a verdade no título ninguém lê. Acusámos a pessoa e nem a ouvimos? Ela que nos ponha em tribunal - se tiver dinheiro para isso e se atrever a ser vista como inimiga da liberdade de expressão.»
Fernanda Câncio, Sol, vistas e manias
O caso do IMI é de facto apenas mais um, ainda que particularmente eloquente. Mas o que não falta é matéria para análise nas mais diversas áreas, do jornalismo à comunicação social, da sociologia à economia e ciência política. Não só para compreender como se chegou até aqui, mas também (e sobretudo) para perceber como se supera este tempo de volatilidade e desinformação, de défice de debate e de pluralismo, de superficialidade, cortinas de fumo e formas diversas de manipulação.
quinta-feira, 4 de agosto de 2016
Elementos de desigualdade no IMI
Não vou analisar o recente decreto-lei que alterou alguns parâmetros da fórmula de avaliação dos imóveis que serve de base de cálculo do IMI. E nem sequer vou parar para comentar as trapalhadas dos dirigentes do CDS que tão facilmente cavalgam o populismo – no sentido pejorativo do termo - porque são incapazes de discutir seriamente os assuntos, ou de olhar para o que fizeram nem há uns meses...
Vou apenas debruçar-me sobre aspectos estranhos da fórmula de cálculo do valor patrimonial dos imóveis que deveriam merecer atenção dos legisladores, no sentido de reduzir as desigualdades sociais na tributação. E nem vou pegar nas isenções, como gostaria o Nuno Teles.
1) Área (A)
A fórmula está sobretudo assente na área do imóvel. Mas o problema é que é demasiado complexa na forma de quantificação dessa área. E nessa complexidade turvam-se os contornos. Basicamente a lei reduz-se: quanto mais área, menos se paga proporcionalmente.
Isto por diversas razões:
a) porque se estabeleceu ponderadores regressivos (os primeiros 100 metros quadrados contam na totalidade, entre 100m2 e 160m2 contam apenas 90%, entre 160m2 e 220m2 contam apenas 85% e mais de 220m2 contam apenas 80%). Quem tiver, por exemplo, uma habitação de 500m2, a fórmula apenas lhe conta 453m2 em vez dos 500;
b) porque se estabeleceu um ponderador reduzidíssimo para o valor dos terrenos circundantes à habitação. Diz a fórmula que a área é igual a:
Ou seja, quando se compara uma casa, por exemplo, de 100m2 e outra como aquela, a primeira pagaria IMI por 100m2 e a outra por 523m2. Porquê?!
Vou apenas debruçar-me sobre aspectos estranhos da fórmula de cálculo do valor patrimonial dos imóveis que deveriam merecer atenção dos legisladores, no sentido de reduzir as desigualdades sociais na tributação. E nem vou pegar nas isenções, como gostaria o Nuno Teles.
1) Área (A)
A fórmula está sobretudo assente na área do imóvel. Mas o problema é que é demasiado complexa na forma de quantificação dessa área. E nessa complexidade turvam-se os contornos. Basicamente a lei reduz-se: quanto mais área, menos se paga proporcionalmente.
Isto por diversas razões:
a) porque se estabeleceu ponderadores regressivos (os primeiros 100 metros quadrados contam na totalidade, entre 100m2 e 160m2 contam apenas 90%, entre 160m2 e 220m2 contam apenas 85% e mais de 220m2 contam apenas 80%). Quem tiver, por exemplo, uma habitação de 500m2, a fórmula apenas lhe conta 453m2 em vez dos 500;
b) porque se estabeleceu um ponderador reduzidíssimo para o valor dos terrenos circundantes à habitação. Diz a fórmula que a área é igual a:
a.
área bruta privativa (da forma que já vimos);
b.
area bruta dependente (só conta 30%);
c.
ao somatório destas duas é aplicado um
coeficiente (os tais coeficientes regressivos)
d.
e, ao valor encontrado, é somado a área do terreno em
volta. Como? Pois! Apenas 2,5% até ao dobro da área de implantação da habitação e 0,5% (!) acima do
dobro da área de implantação da residência. Ora, aquela casa de 500m2 com
um terreno de 1hectare à volta (10mil m2, um exagero!), teria efectivamente de área: 453m2 + 2,5%
x 1000m2 (500m2 x2) + 0,5% X 9.000m2 (10mil - 1.000) = 453m2 + 25m2 + 45m2 = 523m2!
Ou seja, quando se compara uma casa, por exemplo, de 100m2 e outra como aquela, a primeira pagaria IMI por 100m2 e a outra por 523m2. Porquê?!
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
O sol quando brilha, não brilha para todos nós
O IMI é, infelizmente, dos poucos impostos patrimoniais que temos em Portugal. Num sistema fiscal dirigido aos rendimentos do trabalho e ao consumo, é muito positivo que haja um imposto que incida sobre uma das maiores fontes de desigualdade contemporânea: o património. Um imposto, aliás, na linha do sugerido por Thomas Piketty no seu livro sobre o capital.
A taxa a que são tributados os imóveis depende de um conjunto de critérios que procura introduzir maior progressividade no imposto. Quanto mais alta a avaliação do imóvel, maior o imposto a ser pago. A exposição solar é claramente um dos critérios que influencia o valor de um imóvel. Por isso, esta polémica em torno da chamada taxação do sol, além de aparentemente falsa, já que tal critério estava contemplado na avaliação dos imóveis, vem mostrar uma de duas coisas: ignorância sobre avaliação imobiliária (numa sociedade de proprietários, como a nossa, não parece ser o caso), ou uma ofensiva contra um imposto progressivo que incide sobre uma das vacas sagradas da chamada classe média portuguesa, a habitação própria.
A aplicação do IMI está cheia de problemas, mas a inclusão de critérios razoáveis de avaliação imobiliária, como a exposição solar ou as vistas para o Tejo, não é um deles. Mais interessante seria a discussão sobre as isenções ao IMI, nomeadamente a que é inusitadamente aplicada a quem tem propriedade em centros históricos.
Não é surpreendente
1. Não é surpreendente que a representante da Arrow Global na Assembleia da República, Maria Luís Albuquerque, tenha ficado perto de perder o mandato, devido a três faltas injustificadas: continuar a trabalhar, embora agora na oposição, para interesses estrangeiros exige muito trabalho político no estrangeiro, de Manchester a Bruxelas, passando pelo Clube de Bilderberg.
2. Não é surpreendente que a Comissão presidida por Pedro Pita Barros tenha sugerido a gestão por uma operadora de seguros privada de uma ADSE protoprivatizada: depois de ter ajudado à expansão do capitalismo da saúde, dar-se-ia agora uma ajuda ao associado capitalismo financeiro, que também faz mal à saúde.
3. Não é surpreendente que um juiz ultraconservador, que até já se dispôs a ir a tribunal para defender o privilégio dos filhos em matéria de frequência de colégios com contratos de associação, tenha decidido a favor do parasitário capitalismo educativo.
4. Não é surpreendente que o BCE tenha avaliado o seu trabalho de classe em Portugal e concluído que é agora bem mais fácil despedir e reduzir salários. Dado que a contratação depende da procura, que também é salarial, não será surpreendente se a mediocridade económica se continuar a aprofundar neste contexto estrutural.
terça-feira, 2 de agosto de 2016
Leituras: Revista Crítica - Económica e Social (n.º 8)
Além de textos sobre as Sanções e sobre o Brexit (Francisco Louçã, João Ramos de Almeida, José Soeiro, Mariana Mortágua, Nuno Serra, Pedro Adão e Silva, Pedro Lains e Ricardo Cabral), o número 8 da Revista Crítica - Económica e Social inclui análises sobre os transportes na AML (Carlos Gaivoto), a ADSE (Eugénio Rosa) e a definição do conceito e medida dos serviços (Mário Bairrada), e ainda três estudos: A «Europa alemã» (Viriato Soromenho Marques); a «relação entre ecologia e economia» (Sinan Eden) e a «exploração de petróleo em Portugal» (João Camargo).
Tal como as edições anteriores, o oitavo número da revista Crítica está aqui disponível, para download gratuito. Boas férias e boas leituras.
segunda-feira, 1 de agosto de 2016
Na cela de Maximiliano Kolbe
Há uma imagem particularmente forte na visita do Papa a Auschwitz. É a imagem do silêncio e do recolhimento de Francisco na penumbra da cela onde morreu Maximiliano Kolbe, o padre que se ofereceu para substituir Franciszek Gajownickek (resistente judaico na Polónia, com mulher e filhos), um dos dez escolhidos para morrer à fome, como represália pela fuga de um prisioneiro do campo de concentração.
Pensa-se na decisão do Papa em visitar Auschwitz e no gesto do padre Kolbe, sendo impossível não pensar na Europa dos nossos dias e nas famílias de refugiados, com os seus homens, mulheres e crianças. E irrompe então de novo aquela que é talvez a mais política, subversiva e perturbadora de todas as perguntas bíblicas: «Onde está o teu irmão?». A pergunta que nos interpela a todos e que deveria inquietar sem descanso as instituições europeias e os governos da Europa. Uma pergunta que obriga a pensar na raiz do problema, para lá do vírus «radicalizado» e dos «vivas à guerra», como o João Ramos de Almeida tem incansavelmente sublinhado neste blogue.
Nesta matéria, aliás, faça-se justiça a Angela Merkel. Não só as autoridades alemãs resistiram à tentação mediática para rotular precipitadamente, como atos do Daesh, os episódios de violência das últimas semanas, como a chanceler fez questão de ser muito clara: «A Alemanha vai continuar a oferecer um refúgio seguro para os refugiados, (...) não vai deixar os atacantes semear o ódio ou o medo, ou afetar a disposição do país para acolher pessoas em necessidade».
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