Vou apenas debruçar-me sobre aspectos estranhos da fórmula de cálculo do valor patrimonial dos imóveis que deveriam merecer atenção dos legisladores, no sentido de reduzir as desigualdades sociais na tributação. E nem vou pegar nas isenções, como gostaria o Nuno Teles.
1) Área (A)
A fórmula está sobretudo assente na área do imóvel. Mas o problema é que é demasiado complexa na forma de quantificação dessa área. E nessa complexidade turvam-se os contornos. Basicamente a lei reduz-se: quanto mais área, menos se paga proporcionalmente.
Isto por diversas razões:
a) porque se estabeleceu ponderadores regressivos (os primeiros 100 metros quadrados contam na totalidade, entre 100m2 e 160m2 contam apenas 90%, entre 160m2 e 220m2 contam apenas 85% e mais de 220m2 contam apenas 80%). Quem tiver, por exemplo, uma habitação de 500m2, a fórmula apenas lhe conta 453m2 em vez dos 500;
b) porque se estabeleceu um ponderador reduzidíssimo para o valor dos terrenos circundantes à habitação. Diz a fórmula que a área é igual a:
a.
área bruta privativa (da forma que já vimos);
b.
area bruta dependente (só conta 30%);
c.
ao somatório destas duas é aplicado um
coeficiente (os tais coeficientes regressivos)
d.
e, ao valor encontrado, é somado a área do terreno em
volta. Como? Pois! Apenas 2,5% até ao dobro da área de implantação da habitação e 0,5% (!) acima do
dobro da área de implantação da residência. Ora, aquela casa de 500m2 com
um terreno de 1hectare à volta (10mil m2, um exagero!), teria efectivamente de área: 453m2 + 2,5%
x 1000m2 (500m2 x2) + 0,5% X 9.000m2 (10mil - 1.000) = 453m2 + 25m2 + 45m2 = 523m2!
Ou seja, quando se compara uma casa, por exemplo, de 100m2 e outra como aquela, a primeira pagaria IMI por 100m2 e a outra por 523m2. Porquê?!
2) Coeficientes de localização
A fórmula fixa dois parâmetros limites: um mínimo de 0,4 e um máximo de 3,5. Quando foi aprovada a reforma que criou o IMI, em 2003, esse valor máximo era para ser 4. Ou seja, haveria uma diferença maior entre as zonas más e as mais nobres. Mas ficou em 3 porque o Governo considerou que era capaz de ser excessivo, que era capaz de dar uma carga tributária agravada... Excessivo para quem?
Então
ficou-se por 3 e mais tarde foi aumentado para 3,5. Mas isto estabelece que há
apenas uma diferença de 8,75 vezes entre a zona mais pobre e a zona mais rica. Será
a amplitude adequada? Não se deveria aumentar o valor máximo para determinadas
zonas? Até se poderia escolhê-las.
3) Coeficientes de qualidade e conforto
Foi aqui que surgiu a recente barafunda. Na verdade, o subjectivismo de avaliação sempre houve e sempre se confiou no pessoal da administração fiscal. Não é de agora (mas o CDS tem destas coisas...).
3) Coeficientes de qualidade e conforto
Foi aqui que surgiu a recente barafunda. Na verdade, o subjectivismo de avaliação sempre houve e sempre se confiou no pessoal da administração fiscal. Não é de agora (mas o CDS tem destas coisas...).
Mas
para lá da exposição ao sol ou vistas de rio e mar - que são elementos efectivos de avaliação dos imóveis - há outros aspetos que se
poderia ter em conta de melhor forma.
Este coeficiente global varia entre um valor
mínimo de 0,5 e um máximo de 1,7. Ou seja, à partida a diferença entre uma casa
pobre e uma casa rica é de apenas 3 vezes. Isto sem contar com os elementos que agravam
e os que atenuam. Parece pouco, parece. Mas a lei estabelece elementos que agravam e outros que atenuam. Oproblema é que, mesmo contando com a totalidade dos agravamentos (mais
0,72) e das atenuantes (0,63), esse aspecto parece um pouco raro.
Como se vê, caso se some a totalidade dos elementos de agravamento, o resultado mostra que os elementos de agravamento contam pouco mais
do que os elementos atenuantes; por isso, a diferença entre a melhor casa –
moradia ou habitação de condomínio, com garagem individual, piscina individual,
campo de ténis, outros equipamentos, com qualidade construtiva, “localização
excepcional”, sistema de climatização e elevadores e, claro, "localização e operacionalidade relativas"; – e a pior casa – sem
cozinha, sem casa de banho, sem rede pública de água e esgotos, sem rede de electricidade, sem ruas pavimentadas e com áreas inferiores às regulamentadas – seria entre 2,42 e zero. Ou seja, a
melhor casa pode ver um pouco mais do que duplicado a área de referência por
conta deste critério, face a uma casa média. Já os pobres, os mais pobres de todos, os que vivam no pior dos mundos, poderiam ficar isentos de IMI. Faz sentido? Quem se está a poupar?
E depois poder-se-ia ir critério a critério e ver as diferenças entre eles: Ter um campo de ténis em casa é o mesmo que não ter ruas pavimentadas. Ter uma piscina individual é quase tanto como não ter rede pública de esgotos. E por aí adiante. Gritante, não é?
Talvez se possa ainda fazer muita coisa antes de cair na armadilha de agravar o IMI, aparentemente para todos. Mas talvez faça sentido ser a direita a protestar com as mexidas no IMI, porque - como se viu - haveria muito a fazer que tiraria do sério a senhora da criada malcriada.
5 comentários:
a alterações climáticas contam para o cálculo do IMI?
por exemplo, o número de noites tropicais.
Faro vai neste ano com 35 noites tropicais.
Em 2010 teve quase 70 noites tropicais no verão.
Uma noite tropical é uma noite em que a temperatura mínima não desce abaixo dos 20ºC e que torna difícil descansar-dormir.
Não temos descontos na compra de aparelhos de climatização e a conta a edp para climatizar a casa não é agradável.
A fórmula de cálculo agrava o IMI se o proprietário tiver climatização da casa.
João
Esta fórmula, e nomeadamente os coeficientes, decorre de alguns estudos estatisticos e econométricos. O único elemento 'politico' é o valor da construção por m2. Como a lei é de inspiração patrimonialista visa refletir os valores de mercadob 'estabilizados, ou alisados ao ciclo. O exemplo que dás, a área decorre do facto de o mercado não valorizar áreas totais mas áreas base e marginais. Por exemplo 150 m2 não é 1,5 vezes o preço de 100. E se nos 150 m2 houver 4 assoalhadas é mais caro que se houver duas. Estes preços refletem as preferências dos compradores, sujeitos a restrição monetária
Tudo certo com a análise mas passa ao lado dos dois factores mais relevantes na definição do valor patrimonial tributário (VPT).
A Autoridade Tributária desenvolveu uma plataforma de grande qualidade para o suporte à avaliação dos imóveis, algo que pode ser atestado por qualquer perito que tenha participado naquele processo. No entanto, observam-se duas “falhas” no sistema que operam em prejuízo dos cidadãos.
Temos em primeiro lugar o que se refere ao valor base dos prédios edificados – um preço por metro quadrado de referência a partir do qual incidem as fórmulas de cálculo do VPT. Esse valor encontra-se estagnado em 603 €/m2 de há alguns anos a esta parte. No entanto, no período que distou entre 2005 e 2009 esse valor foi superior.
Ora porque a alteração daquele valor não incide sobre todo o universo dos imóveis, todos os imóveis avaliados no período entre 2005 e 2009 mantêm-se afectos aos valores de referência da altura, ou seja, sobreavaliados em relação ao valor base actual.
Assim, todos aqueles que, por desinformação, não pedirem reavaliação do seu imóvel, continuarão a pagar mais do que poderiam pagar.
Outro aspecto ainda mais flagrante refere-se ao coeficiente de vetustez. É “surpreendente” que numa plataforma tão bem desenvolvida, o campo da antiguidade do imóvel não seja actualizado automaticamente. O perito, ao invés de introduzir o ano da construção, introduz a idade do imóvel. E esse valor mantém-se fixo, não se actualiza automaticamente todos os anos, logo não considerando a antiguidade crescente dos imóveis.
Se um imóvel tinha dez anos no ano da avaliação, ele mantém-se agora com dez anos para efeito do seu VPT e assim continuará. Só se e quando o proprietário pedir nova avaliação, é que este campo será actualizado.
Sendo o factor de vetustez um dos que mais conta para a redução do VPT, podemos imaginar como esta “falha” da plataforma informática funciona em prejuízo dos cidadãos.
Diga-se que a recente revisão aos coeficientes de localização, em geral agravados em todo o país, tem subjacente tornar indesejável aos proprietários o pedido de reavaliação dos seus imóveis – uma vez que a actualização da antiguidade ou do valor base será contrariada pelo agravamento deste factor, com grande peso no resultado final.
Habilidades da máquina fiscal.
Caro João,
Dou-lhe de barato que os ardis de meter a mão no bolso do cidadão tem suas especificidades e deveria haver até um código ético com respectiva comissão de acompanhamento e vigilância.
Ao pegar em coisas tão complexas como a área circundante as questões a considerar são inúmeras: a horta urbana, o bem estar animal, a protecção ambiental; o que se avista, o que se ouve, o que se cheira, porque sempre haveria que considerar a qualidade e hábitos da vizinhança, verdadeiramente o caso requereria a estadia in loco de agente qualificado da AT.
Alternativamente, a sanha tributária seria dirigida ao rendimento e ao consumo.
E se a desigualdade ofende assim tanto, tributem o m2 por locatário acima de um valor base, para benefício da paisagem, promoção da natalidade e benefício dos idosos a remeter para lares, com isenções para ajuntamentos e promiscuidades.
"benefício da paisagem, promoção da natalidade e benefício dos idosos a remeter para lares, com isenções para ajuntamentos e promiscuidades"
Isto é um discurso abjecto. Ultrapassa o posicionamento ideológico e assume-se como alguém ressabiado, com uma posição de classe de quen assume um darwinismo social insuportável.Também perante os nascituros, os idosos, os afectos e as condições sociais.
A sanha de quem defende a exploração do homem pelo homem esconde-se agora atrás da referida "sanha tributária".
Ao que parece a "desigualdade ofende tanto", para horror desvairado deste militante assumido da concentração do Capital e do direito do mais forte ao saque.
Enviar um comentário