Há 15 trimestres que a economia portuguesa não pára de crescer. Nos últimos três a variação homóloga do PIB (i.e., comparando com igual período do ano anterior) foi igual ou superior a 2%. O crescimento no 2º trimestre de 2017 (2,9%) foi o maior desde o início do século. Este deverá ser o primeiro ano em que a economia portuguesa cresce mais que a média da UE e da zona euro desde o ano 2000.
A melhoria das expectativas económicas de médio prazo é um dos factores apresentados como decisivos para a recente decisão da Standard & Poor’s de subir o
rating da dívida portuguesa. A questão que se coloca é: este bom desempenho vai-se manter nos próximos tempos? A resposta passa por perceber o que está na base do crescimento mais recente, em particular dos últimos três trimestres.
Um primeiro factor relevante tem a ver com um
efeito do período base: o fim de 2015 e o início de 2016 foram marcados pela desaceleração da economia internacional e em particular da portuguesa, afectada por inúmeros factores de incerteza e também pela queda acentuada do investimento público. Como o PIB não cresceu muito nessa altura, agora nota-se mais a diferença. Acresce que a economia portuguesa ainda não recuperou da profunda crise por que passou entre 2008 e 2013 (o PIB de 2017 ainda estará abaixo do de 2008). Ou seja, parte do que está a acontecer traduz apenas o quão fundo se desceu durante o “programa de ajustamento”.
Um segundo factor é a
atenuação no último ano de vários dos factores de incerteza atrás referidos. Alguns desses factores eram internos: a novidade da ‘Geringonça’ e os receios sobre a sua sustentabilidade e opções de governação (alimentados para lá do razoável por uma oposição e um Presidente da República contrariados com a realidade pós-eleitoral); ou as dúvidas sobre a situação da banca nacional e sobre a capacidade de resolver os problemas mais complicados da CGD, do BCP, do BPI, do Novo Banco, etc. Outros factores de incerteza eram externos: as dúvidas sobre a manutenção do
rating da agência DBRS (que determinaria o acesso aos fundos do BCE); a pressão e a ameaça de sanções sobre Portugal por parte da Comissão Europeia; a incógnita sobre o impacto internacional do referendo britânico e das eleições americanas e francesas; a ambiguidade sobre a continuação do programa de compra de activos do BCE; etc. No último ano diminuíram fortemente as incertezas e receios associados a estes vários factores internos e externos, criando assim condições mais favoráveis ao investimento.
Em terceiro lugar, a economia portuguesa beneficiou de um
crescimento sustentado do consumo privado, reflectindo um aumento da confiança dos consumidores, decorrente não só da redução dos factores de incerteza mencionados, mas também da estratégia de devolução de rendimentos e do crescimento do emprego (que é simultaneamente causa e consequência do crescimento da actividade económica). Nos últimos trimestres fez também diferença
alguma retoma do investimento público, que deverá crescer significativamente em 2017, embora ficando ainda a níveis historicamente baixos.
Finalmente, a economia nacional beneficiou do
crescimento dos principais parceiros comerciais (especialmente na zona euro), que se reflectiu no aumento das exportações de bens e, de forma notória, do turismo.
Irão estes factores – ou outros que os substituam – determinar a continuação do crescimento da economia portuguesa até ao final da década?
Alguns dos factores referidos ainda não esgotaram o seu potencial contributo para o andamento da actividade económica em Portugal. Em particular, o investimento (privado e público) ainda está a níveis muito inferiores aos do período pré-crise (mais de 30% no total, quase 10% se descontarmos a construção), havendo espaço para que cresça nas circunstâncias actuais. Na medida em que o aumento do investimento se verifique e se traduza no aumento do emprego, como é expectável, parte da dinâmica virtuosa poderá continuar a verificar-se nos tempos mais próximos.
Acresce que várias evoluções registadas em 2017 – o vigor da retoma da actividade económica e do emprego, a estabilidade da solução governativa, a saída do Procedimento por Défices Excessivos, a subida do
rating da República Portuguesa pela Standard & Poor’s, a descida das taxas de juro sobre a dívida nacional (que decorrem daquelas evoluções), bem como a continuação do bom desempenho da economia europeia – deverão contribuir para a manutenção de um nível razoável de crescimento económico nos próximos trimestres.
Por outro lado, há elementos que fazem prever que o crescimento do PIB possa desacelerar um pouco no próximo ano. Se o bom desempenho recente se deve em parte à mediocridade do período homólogo, da mesma forma o crescimento actual eleva a actividade económica para um nível em que é mais difícil crescer ritmos tão elevados (ou seja, desta vez o efeito do período base será negativo). Além disso, o consumo privado já se encontra em níveis próximos do período pré-crise (apesar do volume de emprego ser ainda bastante inferior), o que sugere que o contributo desta variável para o crescimento poderá desacelerar. Também é difícil imaginar que o turismo continue a crescer de forma significativa nos próximos anos, tendo em conta o fortíssimo aumento recente do número de visitantes e das receitas associadas.
Em suma, as perspectivas para os tempos mais próximos são moderadamente optimistas.
Isto não significa porém que os problemas estruturais que afectam a economia portuguesa estejam resolvidos. Mantém-se uma estrutura produtiva assente em actividades pouco intensivas em conhecimento e muitos exposta à concorrência internacional, um tecido empresarial com debilidades significativas nas capacidades de gestão estratégica, uma população activa pouco qualificada, uma estrutura demográfica desfavorável ao crescimento económico, custos elevados e/ou funcionamento ineficiente de serviços fundamentais para as actividades económicas (energia, financiamento, justiça), um elevado endividamento dos sectores privado e público (que é hoje muito superior ao que era há uma década). A isto acresce a participação numa zona monetária com lacunas fundamentais e que coloca as economias mais frágeis numa posição particularmente vulnerável a crises financeiras internacionais, e cujas regras orçamentais restringem fortemente a capacidade dos Estados para combater as recessões económicas com os poucos instrumentos que têm ao seu dispor.
Neste momento as condições externas são favoráveis, pelo que as fragilidades estruturais da economia portuguesa são pouco evidentes. Oxalá assim continue por mais uns tempos. Mas os problemas estão aí e não devem ser esquecidos. Oxalá não o sejam.