terça-feira, 31 de janeiro de 2012
A extraordinária flacidez de um democrata
Via Shyznogud, a comparação (no Público) das reacções de Jean-Claude Juncker, Nicolas Sarkosy e Passos Coelho à proposta alemã de envio de um «comissário do orçamento» para a Grécia (que configura mais propriamente, sem eufemismos, a patente de um «governador colonial», como bem refere José Vítor Malheiros no seu artigo de hoje).
Esta demonstração da «fibra» que tece as convicções democratas de Passos Coelho corresponde razoavelmente (salvaguardadas as devidas diferenças e proporções), ao modo como a Igreja Católica continua a posicionar-se perante a questão da pena de morte: «o ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade de culpado, o recurso à pena de morte (...), [mas] se os meios incruentos bastarem (...) a autoridade deve limitar-se ao seu uso».
A derrocada da austeridade
Não é verdade que aprendemos imenso acerca da gestão da economia nos últimos 80 anos? Sim, aprendemos – mas, na Grã-Bretanha e noutros lados, a elite política decidiu atirar pela janela esse conhecimento duramente adquirido e, em vez disso, basear-se em ideológicos e convenientes desejos que tomaram por realidade.
…
A Grã-Bretanha em particular, era tida como um caso exemplar de “austeridade expansionista”, a noção de que em vez de se aumentar a despesa pública para lutar contra as recessões, devia-se cortar na despesa – e isso conduziria a um crescimento económico mais rápido. “Aqueles que argumentam que reduzir o nosso défice e promover o crescimento são de certo modo alternativas estão errados”, declarou David Cameron, o Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha. “Não podemos deixar de lado o primeiro para promover o segundo”.
…
E bem podemos estar a ser conduzidos para um mau caminho pela Europa Continental onde as políticas de austeridade estão a produzir o mesmo efeito que na Grã-Bretanha, com muitos sinais que apontam para uma recessão este ano.
O que causa mais fúria nesta tragédia é que ela era absolutamente desnecessária. Há meio século, qualquer economista – ou mesmo qualquer aluno de licenciatura que tivesse lido o manual de Paul Samuelson “Economia” – podia dizer que enfrentar uma depressão com austeridade é uma má ideia. Mas os decisores políticos, os formatadores de opinião e, lamento dizê-lo, muitos economistas decidiram esquecer, em larga medida por razões políticas, o que tinham aprendido. E milhões de trabalhadores estão a pagar o preço dessa amnésia deliberada.
Do artigo de Paul Krugman no New York Times
A crise europeia vista do Barreiro
Se a gripe não mo impedir, estarei amanhã no Barreiro para participar em mais uma iniciativa da Assembleia Popular Barreirense.
A cabeça do capitalismo transnacional
"Todos os dias, empresas internacionais como as nossas constatam a importância da moeda única no Mercado Único, que trouxe crescimento económico e criação de emprego à Europa." Perante este e outros dislates interesseiros no Público de ontem, dignos de Merkel e do europeísmo feliz, da autoria de Paulo Azevedo (Sonae) e Leif Johansson (Ericsson), que têm em comum o facto de se apresentarem como membros da influente European Round Table of Industrialists (ERT), João Pinto e Castro pergunta: “onde têm eles a cabeça?”
O livro de Bastiaan van Apeldoorn, de 2002, ajuda a explicar a cabeça da classe capitalista transnacional na Europa e o papel da ERT como uma das principais expressões organizadas da sua força ideológica e política, em especial em Bruxelas e em todos os outros espaços onde a democracia limitada ou inexistente só deixa lugar aos principais poderes capitais que apostaram tudo neste mercado único feito para favorecer todas as corridas para o fundo. Os destinos de uma integração europeia marcada pela incrustração do neoliberalismo, integrando e diluindo a social-democracia no seu projecto hegemónico, têm de ter em conta as estratégias de classes e suas facções, a ideologia como força material, na linha da economia política internacional crítica assente em Gramsci. A famigerada Agenda de Lisboa, com a sua retórica da competitividade centrada na oferta, não pode escapar ao escrutínio crítico.
Apesar de tudo, o artigo do Público ilustra simbolicamente como este grupo é internamente heterogéneo, o que só demonstra a necessidade de considerar o “nacional” quando se pensa no que está para lá dele: o capitalismo de supermercado da semiperiferia, em expansão para a periferia, e o capitalismo industrial e tecnológico do centro, expressões do tal desenvolvimento desigual.
De resto, na boa linha dos efeitos perversos da acção colectiva, esta hegemonia das facções mais extrovertidas do capital europeu pode bem significar, pela derrota que impôs às classes trabalhadoras europeias, que os interesses do capitalismo europeu são prejudicados a prazo. É que se o trabalho é um custo, também é uma fonte de procura; se a moeda forte serve bem a expansão internacional, a moeda sem Estado, pode bem destruir as bases políticas onde o capital tem sempre de assentar...
O livro de Bastiaan van Apeldoorn, de 2002, ajuda a explicar a cabeça da classe capitalista transnacional na Europa e o papel da ERT como uma das principais expressões organizadas da sua força ideológica e política, em especial em Bruxelas e em todos os outros espaços onde a democracia limitada ou inexistente só deixa lugar aos principais poderes capitais que apostaram tudo neste mercado único feito para favorecer todas as corridas para o fundo. Os destinos de uma integração europeia marcada pela incrustração do neoliberalismo, integrando e diluindo a social-democracia no seu projecto hegemónico, têm de ter em conta as estratégias de classes e suas facções, a ideologia como força material, na linha da economia política internacional crítica assente em Gramsci. A famigerada Agenda de Lisboa, com a sua retórica da competitividade centrada na oferta, não pode escapar ao escrutínio crítico.
Apesar de tudo, o artigo do Público ilustra simbolicamente como este grupo é internamente heterogéneo, o que só demonstra a necessidade de considerar o “nacional” quando se pensa no que está para lá dele: o capitalismo de supermercado da semiperiferia, em expansão para a periferia, e o capitalismo industrial e tecnológico do centro, expressões do tal desenvolvimento desigual.
De resto, na boa linha dos efeitos perversos da acção colectiva, esta hegemonia das facções mais extrovertidas do capital europeu pode bem significar, pela derrota que impôs às classes trabalhadoras europeias, que os interesses do capitalismo europeu são prejudicados a prazo. É que se o trabalho é um custo, também é uma fonte de procura; se a moeda forte serve bem a expansão internacional, a moeda sem Estado, pode bem destruir as bases políticas onde o capital tem sempre de assentar...
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Nós e eles
Do Público de hoje:
"A Grécia vai ser hoje colocada pelos países da União Europeia (UE) perante uma escolha difícil: ou aplica de uma vez por todas as reformas estruturais exigidas em troca de assistência financeira ou entra em incumprimento da dívida, podendo, em última análise, ter de sair do euro." (pag. 2)
"Deu uma entrevista como chefe de Estado, mas não pôde deixar de lado a pele de candidato e apresentou uma medida populista, a taxa Tobin." (pag. 15)
O editorial do jornal ataca Arménio Carlos por ter usado palavras como "vergonha", "ridículas" e "terrorismo social" para classificar as ideias deste governo. Ora, ridículo e vergonhoso é fazer um lead de uma notícia em que se diz que a taxa Tobin é populista, sem mais. E terrorismo social é falar da tragédia grega como se fosse uma questão de falta de vontade.
"A Grécia vai ser hoje colocada pelos países da União Europeia (UE) perante uma escolha difícil: ou aplica de uma vez por todas as reformas estruturais exigidas em troca de assistência financeira ou entra em incumprimento da dívida, podendo, em última análise, ter de sair do euro." (pag. 2)
"Deu uma entrevista como chefe de Estado, mas não pôde deixar de lado a pele de candidato e apresentou uma medida populista, a taxa Tobin." (pag. 15)
O editorial do jornal ataca Arménio Carlos por ter usado palavras como "vergonha", "ridículas" e "terrorismo social" para classificar as ideias deste governo. Ora, ridículo e vergonhoso é fazer um lead de uma notícia em que se diz que a taxa Tobin é populista, sem mais. E terrorismo social é falar da tragédia grega como se fosse uma questão de falta de vontade.
Fiem-se nas virgens e não cresçam
Até há bem pouco tempo, as orações iam todas, direitinhas, para a Nossa Senhora dos Mercados. Com uma austeridade rigorosa e abnegada - diziam-nos - eles comover-se-iam e recuperaríamos a sua confiança. Ainda recentemente, depois da assinatura do acordo de «consternação social», o ministro Álvaro renovava a sua fé nos poderes da penitência e o ministro Gaspar, em êxtase místico, garantia ter já encontrado o «Ponto V», de viragem. E até a pitonisa lusa do FMI, Estela Barbot, viu no dito acordo um sinal positivo aos mercados.
O problema, porém, é que não há meio de os mercados darem igual sinal de retorno. Desde o início da crise, como mostra o gráfico, a sua irritação não pára de aumentar. Nem mesmo depois (ou talvez também por isso) da promessa solene de Carlos Moedas, feita ainda antes das eleições: «com as reformas que o PSD vai implementar, eu digo-lhe que ainda vão subir o rating, não sei se nos próximos 6 meses, se nos próximos 12 meses, ainda não se sabe quando haverá um novo Governo». Se tinha dito «taxas de juro», em vez de rating, Moedas acertava em cheio.
Perante a ingratidão dos mercados, as preces do governo começaram a virar-se para Nossa Senhora Merkel. Portando-nos bem, cumprindo tudo direitinho, com sacrifícios a horas e suplícios a triplicar, para lá do que foi pedido, o reforço da ajuda não falhará, está garantido. Só é pena é que também esta santa já tenha começado a dar sinais de pouca fé, em Davos. Perante a proposta de reforço atempado da contribuição para o fundo de resgate, a chanceler tratou de lançar um aviso à navegação: «não queremos uma situação em que prometemos e no final não podemos cumprir».
domingo, 29 de janeiro de 2012
A reestruturação grega
As negociações entre os credores privados e o governo grego sobre o “perdão” da dívida grega parecem estar prestes a ser concluídas. Todavia, falta ainda saber o grau de adesão dos credores ao acordo, essencial para que seja bem sucedido.
De qualquer forma, os números avançados parecem relevantes. Um corte no valor nominal da dívida de 50%, que somado às novas maturidades e taxas de juro, se converte em 70% em valor presente líquido. Perante tais notícias, aparece logo quem ache que uma negociação deste género seria o desejável para Portugal (nem sequer precisávamos de um corte tão grande). Mas, como em tudo na vida, tudo se joga nos detalhes.
O primeiro ponto a ter em conta é que esta negociação é feita em moldes bem diferentes daqueles que podiam ter sido feitos há dois anos, quando a esmagadora maioria dos credores gregos eram privados (sobretudo banca europeia). Hoje, quase metade da dívida grega é detida por instituições públicas (FMI, ESEF e Banco Central Europeu), embora com diferenças entre elas. Da parte privada da dívida, metade desta é detida pelo sistema financeiro grego, que se substituiu à banca europeia com o desenrolar da crise, e à volta de um quarto parece pertencer a hedge funds que andam a fazer um jogo perigoso. Conclusão: os grandes credores da Grécia, banca europeia, deixaram de o ser e, portanto, têm perdas potenciais diminuídas.
O segundo ponto relaciona-se com os potenciais riscos de contágio. Houve sempre grande preocupação sobre o impacto de um incumprimento grego nos mercados de Credit Default Swaps (seguros sobre a dívida, onde o comprador do CDS se compromete a pagar as perdas em caso de incumprimento). Contudo, ao longo dos últimos dois anos este mercado praticamente desapareceu. As transferências líquidas no caso de um default seriam muito reduzidas (ver gráfico). O abrupto colapso deste mercado é, para mim, um mistério(1). Por outro lado, com as necessidades de financiamento da banca europeia cobertas pelos empréstimos a três anos concedidos pelo BCE, os riscos de pânico nos mercados de crédito, com consequente colapso de alguns bancos devido a um default grego, parecem estar cobertos.
O terceiro ponto diz respeito às condições impostas nesta negociação ao Estado grego, nascidas do seu claro enfraquecimento negocial decorrente dos pontos acima assinalados e de uma depressão económica com mais de três anos. O regime legal dos novos títulos é alterado, passando a reger-se pela lei britânica e não grega (os credores ficam mais protegidos) e o Estado grego vê-se obrigado a recapitalizar a sua banca através de um empréstimo da troika (na prática, os credores privados são substituídos por credores oficiais). Por isso se chega ao ridículo número de 120% do PIB de dívida para… 2020. Isto com pressupostos muito optimistas sobre a evolução macroeconómica do país e com novas doses de austeridade e de pilhagem de activos.
Em suma, este acordo não é mais do que um novo adiar do inevitável default grego. No entanto, com o passar do tempo a posição do país vai-se tornando mais frágil e os custos maiores. Como assinala Costas Lapavitsas, em artigo publicado no The Guardian na semana passada, é tempo de acabar com esta charada europeia e a Grécia declarar um default na dívida, soberano e democrático, não poupando os credores oficiais e conduzindo o processo de forma transparente através de uma auditoria cidadã.
E Portugal? Portugal tem tido a vantagem, pouco aproveitada, de ver o seu futuro numa bola de cristal chamada Grécia. Neste momento, temos as taxas de juro gregas de há nove meses. No entanto, entre as certezas do Governo e a desinformação dos media parece que estamos condenados a arrastarmo-nos na lama até o mesmo destino trágico.
(1) É compreensível que, de há dois anos a esta parte, se tenha deixado de emitir CDS. No entanto, é difícil entender que a esmagadora maioria destes títulos tenha vencido entretanto.
Como o tempo passa e a crise só se aprofunda
Recupero um texto com sugestões irrealistas, que escrevi em Julho de 2010, quando a crise era considerada nacional por Cavaco e por outros economistas dos poderes capitais:
O Banco Central Europeu declarou que há países "sem margem de manobra orçamental", onde se incluiria Portugal. As declarações do BCE são performativas, ou seja, ajudam a criar a desgraçada realidade que aparentemente se limitam a descrever. É que o BCE, apesar de não ter qualquer controlo democrático, tem poder monetário. Numa altura de crise, e enquanto o desemprego permanecer nestes níveis não há razão para usar outro termo, as políticas de austeridade à escala europeia, assentes no corte da despesa pública, já estão a causar os resultados previstos: aumentam os riscos de depressão, de crise no sistema financeiro e, de forma só aparentemente paradoxal, nas próprias finanças públicas. A reabilitação da crença na auto-regeneração dos mercados tem custos sociais elevados.
Neste contexto, o BCE, que já usou relutantemente o seu poder monetário ao intervir nos mercados secundários de dívida pública, deveria comportar-se como um verdadeiro banco central e financiar directamente os Estados em dificuldades, que assim teriam margem de manobra para levar a cabo uma política de investimento gerador de emprego. Em vez disso, o BCE compra dívida pública aos bancos, que assim têm o seu negócio garantido, impedindo que uma restruturação da dívida dos países periféricos, arma negocial importante, ameace o sistema financeiro do centro. O BCE está proibido pelos tratados europeus, que o bloco central irresponsavelmente assinou, de financiar as dívidas dos Estados. Esta separação por decreto das políticas orçamentais e monetárias, a pretexto do combate a uma inflação inexistente, pode ser fatal para o projecto de integração europeu num contexto deflacionário.
O problema da obsessão com regras liberais no campo da política económica é fazer tábua rasa das tendências destrutivas do capitalismo - que só podem ser contrariadas com o uso dos poderes públicos -, transformando essas tendências em oportunidades para destruir o Estado social e as regras laborais que garantem uma economia minimamente civilizada. Obviamente, estas questões nunca são mencionadas por Cavaco Silva, sempre ufano a mostrar as suas credenciais de economista, com argumentos de autoridade que empobrecem o debate democrático. Isto quando foram precisamente economistas como Cavaco, os que reduzem quem trabalha a um "factor" descartável, que criaram as regras europeias geradoras de declínio socioeconómico no país. É a política com "p" pequeno. A política com "p" grande vê para lá das estruturas existentes, questionando-as e inspirando a sua reforma para criar novas realidades, mas a partir de uma ideia de subordinação da economia ao poder político democrático que a deve orientar para fins decentes; é a política que introduz a questão europeia no debate político. Esta é hoje a questão nacional mais importante.
O Banco Central Europeu declarou que há países "sem margem de manobra orçamental", onde se incluiria Portugal. As declarações do BCE são performativas, ou seja, ajudam a criar a desgraçada realidade que aparentemente se limitam a descrever. É que o BCE, apesar de não ter qualquer controlo democrático, tem poder monetário. Numa altura de crise, e enquanto o desemprego permanecer nestes níveis não há razão para usar outro termo, as políticas de austeridade à escala europeia, assentes no corte da despesa pública, já estão a causar os resultados previstos: aumentam os riscos de depressão, de crise no sistema financeiro e, de forma só aparentemente paradoxal, nas próprias finanças públicas. A reabilitação da crença na auto-regeneração dos mercados tem custos sociais elevados.
Neste contexto, o BCE, que já usou relutantemente o seu poder monetário ao intervir nos mercados secundários de dívida pública, deveria comportar-se como um verdadeiro banco central e financiar directamente os Estados em dificuldades, que assim teriam margem de manobra para levar a cabo uma política de investimento gerador de emprego. Em vez disso, o BCE compra dívida pública aos bancos, que assim têm o seu negócio garantido, impedindo que uma restruturação da dívida dos países periféricos, arma negocial importante, ameace o sistema financeiro do centro. O BCE está proibido pelos tratados europeus, que o bloco central irresponsavelmente assinou, de financiar as dívidas dos Estados. Esta separação por decreto das políticas orçamentais e monetárias, a pretexto do combate a uma inflação inexistente, pode ser fatal para o projecto de integração europeu num contexto deflacionário.
O problema da obsessão com regras liberais no campo da política económica é fazer tábua rasa das tendências destrutivas do capitalismo - que só podem ser contrariadas com o uso dos poderes públicos -, transformando essas tendências em oportunidades para destruir o Estado social e as regras laborais que garantem uma economia minimamente civilizada. Obviamente, estas questões nunca são mencionadas por Cavaco Silva, sempre ufano a mostrar as suas credenciais de economista, com argumentos de autoridade que empobrecem o debate democrático. Isto quando foram precisamente economistas como Cavaco, os que reduzem quem trabalha a um "factor" descartável, que criaram as regras europeias geradoras de declínio socioeconómico no país. É a política com "p" pequeno. A política com "p" grande vê para lá das estruturas existentes, questionando-as e inspirando a sua reforma para criar novas realidades, mas a partir de uma ideia de subordinação da economia ao poder político democrático que a deve orientar para fins decentes; é a política que introduz a questão europeia no debate político. Esta é hoje a questão nacional mais importante.
sábado, 28 de janeiro de 2012
História(s) do imperialismo
Entre 1862 e 1873, o Egipto recorreu a oito empréstimos estrangeiros, totalizando 68,5 milhões de libras. No entanto, com amortizações e juros, o país ficou só com 11 milhões de libras para investir na economia.
Perante as dificuldades de financiamento, Khedive Ismail (Vice-rei) começou a vender activos do Estado egípcio (como o Canal do Suez, vendido por um quarto do que tinha custado). Entre 1876 e 1880, as finanças do Egipto foram dirigidas por técnicos britânicos, franceses, italianos, austríacos e russos, cujo interesse principal era a protecção dos credores. Cada plano apresentado era mais irrealista do que o anterior, com aumentos drásticos dos impostos. Em 1878, dois comissários europeus foram “convidados” a entrar no governo do vice-rei. Quando, em 1879, o vice rei Khedive Ismail tentou livrar-se dos dois comissionários, França e o Reino Unido pressionaram o Sultão Otomano a demitir o vice-rei. Khedive foi prontamente substituído pelo seu filho.
Retirado deste muito recomendável livro.
Retirado deste muito recomendável livro.
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Digam-me que não é verdade por favor
O Financial Times de hoje diz ter tido acesso a um documento do governo alemão distribuído a ministros das finanças da eurozona em que se propõe, ou exige, que a Grécia ceda a soberania sobre questões orçamentais a um “comissário orçamental” nomeado pelos ministros das finanças da UE. Sem isto não haveria novo empréstimo da troica nem renegociação da dívida.
Pior ainda: Atenas seria forçada a adoptar uma lei obrigando o estado Grego, para todo o sempre, a dar prioridade ao serviço da dívida relativamente a todas as outras obrigações e necessidades.
Citação literal do dito documento: “Dado o cumprimento decepcionante até agora, a Grécia tem de aceitar deslocar a soberania orçamental para o nível europeu durante algum tempo”.
Digam-me que não é verdade. Que a Europa ainda não chegou a este ponto. Porque se chegou, é o fim da linha.
Pior ainda: Atenas seria forçada a adoptar uma lei obrigando o estado Grego, para todo o sempre, a dar prioridade ao serviço da dívida relativamente a todas as outras obrigações e necessidades.
Citação literal do dito documento: “Dado o cumprimento decepcionante até agora, a Grécia tem de aceitar deslocar a soberania orçamental para o nível europeu durante algum tempo”.
Digam-me que não é verdade. Que a Europa ainda não chegou a este ponto. Porque se chegou, é o fim da linha.
Isto não é especulação...
Na verdade, a suposta solução relega metade da zona euro para o estatuto de países do Terceiro Mundo, que passaram a estar fortemente endividados numa moeda estrangeira.
George Soros
George Soros
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
Ponto da situação
No jornal i:
Os indicadores mais recentes sobre a evolução da economia portuguesa em 2011, em particular sobre o consumo das famílias, mostram que entrámos em 2012 já com uma recessão grave. Tendo em conta a quebra das receitas fiscais, seguramente muito além do previsto no Orçamento deste ano, estão à vista novas medidas de empobrecimento e de desmantelamento do nosso frágil Estado-providência. À semelhança do que aconteceu à Grécia, tudo se conjuga para que a espiral deflacionista devaste o país deixando-o mais endividado, mais pobre e desesperado.
Com taxas de 14% para obrigações a dez anos no mercado secundário, é evidente que o acesso do estado português ao financiamento privado a partir de 2013 é uma impossibilidade. E sem procura interna não é a liberalização do mercado do trabalho que fará crescer a economia e gerar excedentes orçamentais. O efeito bola de neve está lançado, tornando o peso da dívida pública insustentável e insuportável. Um dia, confrontados os credores com a evidência de que não podemos pagar, impor-se-á um corte substancial na dívida pública. Afinal, se não se pode pagar… não se paga. Como na Grécia, será o fim da linha.
Na Itália, Mario Monti bem sabe o que pode esperar da austeridade para que foi mandatado. Por isso pede à Sr.a Merkel medidas para o conjunto da zona euro, mas tem dificuldade em ser ouvido. Sabendo-se que o ordoliberalismo alemão apenas conhece a punição como via para a redenção, cabe perguntar: os 360 mil milhões de euros de obrigações italianas que se vencem em 2012 serão refinanciados nos mercados? E a que taxa? Ou a Itália também vai ficar ligada à máquina de oxigénio do FEEF?
Por muito que as autoridades tentem disfarçar a ansiedade, o facto é que a política europeia falhou rotundamente. Diplomaticamente, o próprio FMI já começou a distanciar-se dos seus parceiros da troika. Porém, a força dos interesses da finança, legitimados pelo fanatismo ordoliberal que tomou conta da União Europeia, impede uma solução de curto prazo da presente crise. Bem pelo contrário, a Alemanha subiu a parada e exige a aprovação de um pacto que retira o poder orçamental aos estados-membros. Um corpo de tecnocratas embebidos no ordoliberalismo, sem qualquer legitimidade política, ditará a partir de Bruxelas o essencial do orçamento que cada estado-membro terá de aprovar. Depois da germanização do BCE, temos agora a tutela alemã dos orçamentos. Acho estranho que em Portugal ninguém exija um referendo. Talvez porque se espera que o euro acabe entretanto.
Anestesiados pelo mantra da inevitabilidade do empobrecimento, aliás muito bem orquestrado pelos canais de televisão no horário nobre, os portugueses estão a viver estoicamente o seu papel de cobaias de uma política económica comprovadamente errada, no essencial inspirada pela teoria económica dominante no período anterior à Grande Depressão do século passado. Governados por uma elite política comprada por interesses privados de diferente natureza, ou representados por uma oposição incapaz de produzir uma alternativa mobilizadora, os portugueses parecem cordeiros a caminho do matadouro. É enorme a responsabilidade daqueles que percebem o que está em causa.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
Não chega para as despesas
Na semana passada foi Daniel Bessa, esta semana é Nuno Fernandes Thomaz: não percebo esta mania do Negócios, muito pouco condizente com um jornal económico de referência, de fazer primeiras páginas com estas figuras da bancarrotocracia.
Enfim, leiamos o que o hilariante antigo Secretário de Estado dos Assuntos do Mar, que atracou como gestor na CGD, depois de passar pelo “venture capital”, nos diz: “Estou contra o modelo de remuneração dos gestores públicos. A percentagem de pessoas disponível para ganhar pouco é pequena. Depois, aparecem pessoas impreparadas...”.
A lata é proporcional ao autismo social, a um estreito modelo egoísta da acção humana que é muito perigoso para a confiança, para o crédito. Nada que preocupe esta gente. No quadro desse modelo de remuneração, um gestor de topo público pode esperar auferir, por mês, até uns mais do que confortáveis cinco mil e tal euros, mais dois mil e tal de despesas. O problema deste modelo é, quando muito, ser demasiado generoso e ficar circunscrito, de forma totalmente arbitrária, ao “sector público”, divisão que na banca ainda faz menos sentido.
Mas, lendo Thomaz, percebe-se melhor o queixume de Cavaco: o universo de referência desta gente desprezível está lá em cima, no peixe mais graúdo, nos que reconquistaram todo o poder capitalista sem freios, na classe capitalista transnacional com quem se encontram por aí e com quem se comparam de forma invejosa. É uma maçada um tão baixo rendimento. No fundo, são os representantes dos 99% no 1% do topo nacional. Não nos revoltemos, não...
Enfim, leiamos o que o hilariante antigo Secretário de Estado dos Assuntos do Mar, que atracou como gestor na CGD, depois de passar pelo “venture capital”, nos diz: “Estou contra o modelo de remuneração dos gestores públicos. A percentagem de pessoas disponível para ganhar pouco é pequena. Depois, aparecem pessoas impreparadas...”.
A lata é proporcional ao autismo social, a um estreito modelo egoísta da acção humana que é muito perigoso para a confiança, para o crédito. Nada que preocupe esta gente. No quadro desse modelo de remuneração, um gestor de topo público pode esperar auferir, por mês, até uns mais do que confortáveis cinco mil e tal euros, mais dois mil e tal de despesas. O problema deste modelo é, quando muito, ser demasiado generoso e ficar circunscrito, de forma totalmente arbitrária, ao “sector público”, divisão que na banca ainda faz menos sentido.
Mas, lendo Thomaz, percebe-se melhor o queixume de Cavaco: o universo de referência desta gente desprezível está lá em cima, no peixe mais graúdo, nos que reconquistaram todo o poder capitalista sem freios, na classe capitalista transnacional com quem se encontram por aí e com quem se comparam de forma invejosa. É uma maçada um tão baixo rendimento. No fundo, são os representantes dos 99% no 1% do topo nacional. Não nos revoltemos, não...
Confundir os sintomas com a doença
«Uma das coisas que me impressiona na questão da "crise" europeia é o modo como os sintomas se confundem com o verdadeiro problema: as disfunções do sistema macroeconómico que é a zona euro. Tomemos, por exemplo, a situação actual da Grécia: Desde ontem, os ministros das finanças da UE, a Comissão Europeia e o FMI uniram esforços para exigir que os credores assumam uma maior fatia no perdão da dívida grega. (...) A razão principal de tanto regateio decorre do facto de, cada vez que se olha para a Grécia, o estado da sua economia estar pior. A UE, portanto, está basicamente a pedir mais aos credores porque as suas próprias políticas não conseguiram recuperar a economia. E o que torna esta situação ainda mais interessante é o facto de a Europa ter desperdiçado dois anos e, literalmente, centenas de biliões de dólares a tentar evitar o incumprimento da Grécia, fazendo agora exigências que potencialmente empurram o país exactamente nessa direcção. (...) Como já disse anteriormente, a posição da Alemanha constitui uma faca de dois gumes porque, embora a sua economia esteja a crescer neste contexto, ele é negativo para o resto da Europa, dado que uma das principais causas desta crise reside nos desequilíbrios de competitividade entre os Estados membros, induzidos pela moeda única».
Do artigo, que vale a pena ler na íntegra, no blogue Macrobusiness (via João Galamba, facebook).
Do artigo, que vale a pena ler na íntegra, no blogue Macrobusiness (via João Galamba, facebook).
Imponderáveis?
Assim entendeu reagir o ministro Álvaro Santos Pereira ao artigo do Wall Street Journal, que sugere que Portugal venha a necessitar de um novo pacote de assistência financeira. Exactamente no dia em que o FMI reviu em baixa o crescimento da economia mundial, em risco de estagnar, identificando a Europa como o epicentro da crise e sublinhando a existência de «um perigo ainda maior», o de «a crise europeia se intensificar». E quando, após a reunião do Eurogrupo, o comissário Olli Rehn deu voz a mais um delirante exercício de fé, ao arrepio de todas as evidências: «o ano passado foi o ano da contenção da crise (sic), este ano tem de ser o ano de resolver a crise».
Com as economias europeias em manifesta desaceleração e os respectivos governos proibidos de adoptar medidas de estímulo à economia, face ao dogma austeritário que o acordo intergovernamental irá acentuar, a «situação internacional» de que fala Álvaro Santos Pereira é feita de tudo menos de «imponderáveis». Imponderável, quando muito, seria a improvável mudança de rumo, a tempo de evitar o desastre que se desenha cada vez com maior clareza no horizonte.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
O ponto de viragem
Ministro da Economia não comenta segundo resgate mas admite que há "imponderáveis". Um dos imponderáveis para Álvaro e Gaspar deve ser a natureza permanentemente depressiva da austeridade: Zona Euro entra em recessão arrastada pela queda de Itália e Espanha.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Larguem o romance da austeridade
O Público tem um trabalho sobre como a crise nos obriga a “mudar de vida”. No fundo, a crise é vista como uma oportunidade para redescobrir os valores e as “coisas simples” ou lá o que é – “vamos” deixar de ter empregadas domésticas ou de ir de férias para o estrangeiro, de ser “consumistas” e tudo, “em 2012, vamos conhecer o vizinho, cuidar da horta e integrar uma associação”.
Não há mesmo pachorra para este romance da austeridade. Apontemos noutras direcções: vamos entrar em conflito com o vizinho, já que as disputas aumentam por falta de dinheiro nos condomínios, vamos ter de regressar à pluriactividade feita de todas as auto-explorações, vamos deixar de pagar quotas nas associações, vamos ter o tempo mais espartilhado e a vida mais condicionada pela subordinação crescente a patrões medíocres e pelos cada vez mais baixos salários, vamos entrar em insolvência, com o endividamento e o desemprego a aumentarem o stress e as depressões, o ensimesmamento e o rompimento dos laços sociais. Que tal assim?
Em 2012, a austeridade não é uma oportunidade para nada, mas sim um imenso desperdício de capacidades individuais e colectivas, um imenso golpe no processo da vida. É claro que todos os “vamos” dependem do lugar de classe e, já se sabe, num jornal português de referência a classe universal tende a ser demasiadas vezes uma parda média que serve para tudo, inclusive para dar voz aos preconceitos de Nilton ou para transformar a intensificação da exploração numa “disponibilidade para a mudança”. Mil vezes o realismo social com rostos e nomes e vidas concretas lá dentro de Ana Cristina Pereira, uma das melhores repórteres portuguesas. Escreve no Público e faz o que deve ser feito: dar voz aos que não têm voz, às trabalhadoras domésticas, aos que nunca vão para fora cá dentro.
Não há mesmo pachorra para este romance da austeridade. Apontemos noutras direcções: vamos entrar em conflito com o vizinho, já que as disputas aumentam por falta de dinheiro nos condomínios, vamos ter de regressar à pluriactividade feita de todas as auto-explorações, vamos deixar de pagar quotas nas associações, vamos ter o tempo mais espartilhado e a vida mais condicionada pela subordinação crescente a patrões medíocres e pelos cada vez mais baixos salários, vamos entrar em insolvência, com o endividamento e o desemprego a aumentarem o stress e as depressões, o ensimesmamento e o rompimento dos laços sociais. Que tal assim?
Em 2012, a austeridade não é uma oportunidade para nada, mas sim um imenso desperdício de capacidades individuais e colectivas, um imenso golpe no processo da vida. É claro que todos os “vamos” dependem do lugar de classe e, já se sabe, num jornal português de referência a classe universal tende a ser demasiadas vezes uma parda média que serve para tudo, inclusive para dar voz aos preconceitos de Nilton ou para transformar a intensificação da exploração numa “disponibilidade para a mudança”. Mil vezes o realismo social com rostos e nomes e vidas concretas lá dentro de Ana Cristina Pereira, uma das melhores repórteres portuguesas. Escreve no Público e faz o que deve ser feito: dar voz aos que não têm voz, às trabalhadoras domésticas, aos que nunca vão para fora cá dentro.
Viragem para o buraco
“Ponto de viragem”? Estaremos a falar do mesmo país? Será que Gaspar ignora os 13,4% de desempregados – a mais elevada taxa de sempre, em contínuo crescimento? Será que se esqueceu da previsão de contracção da actividade económica em 3% em 2012, que obviamente acabará por pecar, como habitualmente, por optimista? Será que não reparou que Espanha, principal destino das exportações portuguesas, importou menos em 2011 do que em 2008 – e vai agora iniciar um programa de compressão da procura semelhante ao português? Será que ignora que a taxa de juro das obrigações portuguesas continua a bater recordes?
E estou só a falar do desempenho macroeconómico. A par de tudo isso, e com ainda mais gravidade, os portugueses sentem na pele toda a violência de uma ofensiva de classe que se resume nalgumas palavras: corte de salários; aumento do tempo de trabalho; aumento dos preços e redução da oferta de transportes públicos; liberalização dos despedimentos; aumento das “taxas moderadoras”; congelamento do salário mínimo, em desrespeito do acordo assinado em 2007; redução do montante e duração do subsídio de desemprego; aumento do IVA, incluindo sobre bens essenciais como a electricidade e gás; TDT; SCUTs; restrição no acesso ao RSI; e por ai fora. E nem vou entrar por questões como o clientelismo desavergonhado, o tratamento da produção cultural, o reforço orçamental para a área da vigilância e repressão ou o favorecimento descarado da banca através da transferência do fundo de pensões ou do financiamento sem contrapartidas de controlo. Sem que nada disto, sem excepção, tenha sido sufragado nas urnas – o que revela, além do mais, um profundo desprezo pela democracia.
O essencial da política deste governo resume-se em garantir às medíocres elites nacionais uma fatia muito maior de um bolo mais pequeno. A viragem é mesmo para o buraco, até que sejamos nós a remeter a quadrilha em funções, o pior governo de sempre, para o caixote do lixo da história.
domingo, 22 de janeiro de 2012
Decrescimento
Até à próxima 3ª feira, estão abertas as inscrições para um conjunto de iniciativas, organizadas pelo CIDAC, subordinadas ao tema “Decrescimento: uma proposta polémica?”. Incluem três sessões de um círculo de leitura orientado por Fernando Florêncio, antropólogo da Universidade de Coimbra (4, 11 e 25 de Fevereiro, em Lisboa), seguidas por um seminário (9 e 10 de Março, também em Lisboa) com Serge Latouche, um dos mais conhecidos proponentes desta linha de pensamento e proposta política.
Os defensores do decrescimento chamam a atenção para as consequências e limites ecológicos à expansão da produção e desmontam muitas das falácias intrínsecas à ideologia produtivista que, de tão naturalizada, raramente é posta em causa (consideramos normal quea escala da actividade económica esteja em constante expansão – e inquietamo-nos quando assim não acontece). Perante o carácter socialmente iníquo e ecologicamente destrutivo da acumulação capitalista, a crítica ao produtivismo anárquico e predatório é, por isso, não só pertinente como sobretudo urgente.
Porém, esta crítica, sob pena de ter um carácter meramente utópico, deve assentar na compreensão de que o produtivismo predatório tem as suas raízes na própria lógica de funcionamento do modo de produção; deve fazer-se acompanhar pelo reconhecimento de que o desenvolvimento social e humano, particularmente no caso dos países ditos do “Sul”, requer o desenvolvimento das forças produtivas e a transformação das relações de produção; e não deve servir para legitimar a inacção face a situações de desemprego generalizado (que se caracterizam tipicamente pela estagnação ou “decrescimento”cíclicos), na medida em que estas, além de socialmente dramáticas em si mesmas, constituem também fases de recuo na relação de forças entre o trabalho e o capital. Em suma, trata-se de uma crítica e de uma proposta que, a meu ver (e no de autores como John Bellamy Foster), fazem todo o sentido e têm toda a pertinência... se e só se constituírem parte integrante de uma crítica mais ampla ao capitalismo e de uma proposta para a sua superação.
Em todo o caso, este é um debate que é necessário e urgente aprofundar - e esta louvável iniciativa é uma ocasião extraordinária para o fazer. Mais informações e inscrições aqui.
Realismo
Nas últimas duas décadas, as elites portuguesas foram influenciadas por um romance de mercado, globalista e pós-nacional, segundo o qual o controlo público de sectores estratégicos, os controlos de capitais e outros instrumentos para o desenvolvimento nacional seriam relíquias de um passado estatal e ineficiente, substituído pelos amanhãs europeus e globais que cantam, apesar da performance económica nunca ter voltado a ser a mesma.
Agora que uma empresa pública chinesa, que dá pelo transparente nome de State Grid, se prepara para passar a controlar a REN, no quadro do último fôlego de um irresponsável processo de privatizações que caberá reverter no futuro, isto se quisermos reconstruir um Estado estratega capaz depois da ruína causada pelo tal romance, podem ler o dossiê da The Economist sobre a projecção internacional do capitalismo de Estado.
Apesar do óbvio viés liberal, até esta revista reconhece alguns factos sobre o papel central do chamado Estado desenvolvimentista ao longo da história: “todas as potência emergentes necessitaram do Estado para desbloquear o crescimento ou para, pelo menos, proteger as indústrias mais frágeis”. Daqui até começarmos o processo de libertação das utopias globalistas, um processo realista de protecção socioeconómica, é só um passo que a The Economist ou estas elites políticas capturadas nunca terão incentivos para dar.
Agora que uma empresa pública chinesa, que dá pelo transparente nome de State Grid, se prepara para passar a controlar a REN, no quadro do último fôlego de um irresponsável processo de privatizações que caberá reverter no futuro, isto se quisermos reconstruir um Estado estratega capaz depois da ruína causada pelo tal romance, podem ler o dossiê da The Economist sobre a projecção internacional do capitalismo de Estado.
Apesar do óbvio viés liberal, até esta revista reconhece alguns factos sobre o papel central do chamado Estado desenvolvimentista ao longo da história: “todas as potência emergentes necessitaram do Estado para desbloquear o crescimento ou para, pelo menos, proteger as indústrias mais frágeis”. Daqui até começarmos o processo de libertação das utopias globalistas, um processo realista de protecção socioeconómica, é só um passo que a The Economist ou estas elites políticas capturadas nunca terão incentivos para dar.
Debate
No âmbito do ciclo de debates vidas e vozes, organizado pelo CES, eu e José Manuel Pureza iremos dinamizar uma troca de ideias sobre Karl Polanyi e Johan Galtung, ou seja, sobre a violência estrutural das utopias liberais e sobre as formas de as superar. O debate terá lugar na próxima terça-feira, às 21h15m, na Galeria Santa Clara, que fica na margem certa do Mondego. Apareçam.
sábado, 21 de janeiro de 2012
Nunca chega
Cavaco aufere rendimentos anuais que o colocam no último percentil nacional (o tal 1% do topo de que agora se fala). Ao afirmar que estes rendimentos não chegam para as despesas, Cavaco exemplifica bem o autismo social da sua economia política e moral. Indica também como estas elites políticas reaccionárias parecem ter sempre os olhos postos no peixe capitalista bem graúdo com quem convivem, seja a nível nacional, seja a nível internacional, tomando como suas as expectativas, hábitos e também os interesses destes. Só assim se compreende...
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
21 de Janeiro - Marcha da indignação
Em defesa da democracia, dos serviços públicos, dos direitos dos trabalhadores e de uma sociedade decente. Saiamos à rua e juntemos a nossa voz. Sábado, 21 de Janeiro, 15h, do Marquês de Pombal a S. Bento.
Da soberania democrática
Num inquérito divulgado ontem pelo Público, a esmagadora maioria dos cidadãos portugueses questionados revelou, para tristeza do politólogo liberal António Costa Pinto, ter uma noção que me parece saudavelmente exigente de democracia, indissociável de objectivos de bem-estar partilhados.
As actuais políticas de austeridade, a actual configuração da integração europeia e da globalização, são totalmente incompatíveis com um ideal democrático substantivo, assente na acção soberana guiada por fins socioeconómicos partilhados, o que pressupõe, por exemplo, estritos limites à acção dos mercados financeiros e o controlo democrático de instrumentos relevantes de política económica. Estes instrumentos foram perdidos para instituições consideradas virtuosas porque despolitizadas, como é o caso do BCE, mas que, na realidade, estão ao serviço, necessariamente político, de elites bem minoritárias.
É no esvaziamento da capacidade e dos poderes do Estado para estar ao serviço do bem-estar da maioria dos cidadãos que radica grande parte da crise da política democrática. Neste contexto, não é de estranhar que sejam cada vez mais os que se desabituam de um exercício participativo cada vez mais limitado, cada vez mais condicionado por despotismos económicos e que a falta de hábito mine a confiança e alimente o cinismo e o ódio a uma política vista como mero jogo fechado para beneficiários egoístas ou como imposição regressiva no processo da vida. O liberalismo económico alimenta estes sentimentos e alimenta-se deles para justificar novas rondas de esvaziamento daquilo que a política democrática é capaz de oferecer. As desigualdades elevadas só ajudam à festa liberal.
Como sempre, cultivar as liberdades democráticas substantivas, o poder que os cidadãos detêm para alcançar vidas decentes, exige um contramovimento de protecção da sociedade contra os efeitos nefastos das utopias liberais.
As actuais políticas de austeridade, a actual configuração da integração europeia e da globalização, são totalmente incompatíveis com um ideal democrático substantivo, assente na acção soberana guiada por fins socioeconómicos partilhados, o que pressupõe, por exemplo, estritos limites à acção dos mercados financeiros e o controlo democrático de instrumentos relevantes de política económica. Estes instrumentos foram perdidos para instituições consideradas virtuosas porque despolitizadas, como é o caso do BCE, mas que, na realidade, estão ao serviço, necessariamente político, de elites bem minoritárias.
É no esvaziamento da capacidade e dos poderes do Estado para estar ao serviço do bem-estar da maioria dos cidadãos que radica grande parte da crise da política democrática. Neste contexto, não é de estranhar que sejam cada vez mais os que se desabituam de um exercício participativo cada vez mais limitado, cada vez mais condicionado por despotismos económicos e que a falta de hábito mine a confiança e alimente o cinismo e o ódio a uma política vista como mero jogo fechado para beneficiários egoístas ou como imposição regressiva no processo da vida. O liberalismo económico alimenta estes sentimentos e alimenta-se deles para justificar novas rondas de esvaziamento daquilo que a política democrática é capaz de oferecer. As desigualdades elevadas só ajudam à festa liberal.
Como sempre, cultivar as liberdades democráticas substantivas, o poder que os cidadãos detêm para alcançar vidas decentes, exige um contramovimento de protecção da sociedade contra os efeitos nefastos das utopias liberais.
Pensar em alemão
«A agência [Standard & Poor's] diz que a actual crise não resulta do descontrolo orçamental na periferia mas sim de desequilíbrios macroeconómicos entre países do euro. Lisboa, em vez de criticar, devia ter aplaudido este diagnóstico porque conforta a posição de Portugal ao demonstrar que a crise é sistémica e a responsabilidade é partilhada. Ou Vítor Gaspar já pensa em alemão ou o governo desistiu de pressionar Berlim e o resto da zona euro a procurar alternativas. O país esperava um reconhecimento do seu esforço mas a S&P - e bem - não se impressiona com cortes salariais. Querem resultados sustentáveis e Portugal cai para notação "lixo" porque estes não se vêem - antes pelo contrário. É tudo muito lógico mas, claro, o resultado é terrível: é mais um passo na senda da Grécia com os investidores sem argumentos para segurar títulos nacionais.»
Do artigo de Luís Rego (via Câmara Corporativa), a ler na íntegra aqui.
Do artigo de Luís Rego (via Câmara Corporativa), a ler na íntegra aqui.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Quatro notas sobre um acordo
Assinado entre o governo, o patronato e a UGT em sede de «consternação social» (para retomar a expressão de António Chora na TVI24) e que assume a fantasiosa designação de «Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego» (a novilíngua orwelliana no seu melhor):
1. Facilitação dos despedimentos e diminuição das indemnizações, redução dos montantes e da duração do subsídio de desemprego, diminuição do custo horário de trabalho, supressão de dias de férias e feriados. Supõe-se que um acordo seja o resultado de cedências mútuas entre interesses opostos, mas não se consegue encontrar um só exemplo que demonstre a cedência do patronato nesta negociação. Os trabalhadores perdem em toda a linha.
2. Não se cingindo a matérias de legislação laboral, estas são contudo as que revelam maior detalhe, prioridade e condições legais de implementação imediata. Os restantes domínios, das políticas económicas às políticas activas de emprego e formação profissional, correspondem em regra a propostas anteriormente anunciadas pelo governo e enunciadas aqui em formulações etéreas e imprecisas, cuja concretização remete para documentos futuros, a apresentar pelo governo até ao final de 2012. De crescimento este acordo nada tem. A competitividade é a de um beco visivelmente sem saída.
3. Para justificar a assinatura do acordo pela UGT, João Proença diz que não o fazer implicaria a adopção de «medidas muito mais gravosas para os trabalhadores», face às «ameaças claras da parte do governo, que iria provocar uma grande desregulação laboral». Com a anuência «meio» contrariada de João Proença, a UGT patrocina e legitima um dos mais rudes golpes no mundo do trabalho, desequilibrando as relações de força, robustecendo e dando fôlego a uma ofensiva que, de outro modo, poderia ser combatida com uma oposição social e política mais sólida.
4. Mas a posição da UGT significa igualmente a sua adesão, implícita, à tese segundo a qual o problema da competitividade da economia portuguesa reside no «factor trabalho». Com o seu aval a este acordo, a UGT passa a estar do lado da governação retrógrada e do capitalismo medíocre, na trincheira daqueles que consideram que a única forma de o país ser competitivo reside na estratégia dos baixos salários e do empobrecimento dos segmentos desfavorecidos de um país exemplarmente desigual. Isto é, o «modelo» demonstradamente falhado a que o João Rodrigues se refere no post anterior, responsável pelos principais bloqueios que tolhem a economia portuguesa.
1. Facilitação dos despedimentos e diminuição das indemnizações, redução dos montantes e da duração do subsídio de desemprego, diminuição do custo horário de trabalho, supressão de dias de férias e feriados. Supõe-se que um acordo seja o resultado de cedências mútuas entre interesses opostos, mas não se consegue encontrar um só exemplo que demonstre a cedência do patronato nesta negociação. Os trabalhadores perdem em toda a linha.
2. Não se cingindo a matérias de legislação laboral, estas são contudo as que revelam maior detalhe, prioridade e condições legais de implementação imediata. Os restantes domínios, das políticas económicas às políticas activas de emprego e formação profissional, correspondem em regra a propostas anteriormente anunciadas pelo governo e enunciadas aqui em formulações etéreas e imprecisas, cuja concretização remete para documentos futuros, a apresentar pelo governo até ao final de 2012. De crescimento este acordo nada tem. A competitividade é a de um beco visivelmente sem saída.
3. Para justificar a assinatura do acordo pela UGT, João Proença diz que não o fazer implicaria a adopção de «medidas muito mais gravosas para os trabalhadores», face às «ameaças claras da parte do governo, que iria provocar uma grande desregulação laboral». Com a anuência «meio» contrariada de João Proença, a UGT patrocina e legitima um dos mais rudes golpes no mundo do trabalho, desequilibrando as relações de força, robustecendo e dando fôlego a uma ofensiva que, de outro modo, poderia ser combatida com uma oposição social e política mais sólida.
4. Mas a posição da UGT significa igualmente a sua adesão, implícita, à tese segundo a qual o problema da competitividade da economia portuguesa reside no «factor trabalho». Com o seu aval a este acordo, a UGT passa a estar do lado da governação retrógrada e do capitalismo medíocre, na trincheira daqueles que consideram que a única forma de o país ser competitivo reside na estratégia dos baixos salários e do empobrecimento dos segmentos desfavorecidos de um país exemplarmente desigual. Isto é, o «modelo» demonstradamente falhado a que o João Rodrigues se refere no post anterior, responsável pelos principais bloqueios que tolhem a economia portuguesa.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Modelo
Referi ontem o modelo extensivo de acumulação, fórmula usada, por exemplo, no QREN para sintetizar os bloqueios da economia portuguesa. Um modelo que este governo procura perpetuar, com cada vez mais sacrifícios para os trabalhadores, mas que agora nem sequer tem a parte da acumulação, um detalhe importante qualquer que seja a variedade de capitalismo: investimento, como sublinha Pedro Romano, nem vê-lo, já que a procura é a austeridade que se sabe. Vamos mesmo rumo à depressão e com deprimentes conversas económicas de custo social acrescido a condizer.
Ajustamento estrutural em debate no Barreiro
Hoje à noite (21h), no Barreiro, por iniciativa da Assembleia Popular Barreirense, debate-se a experiência do ajustamento estrutural na América Latina à luz do ajustamento estrutural em curso na periferia da zona Euro. Ou, por outras palavras, discute-se a tragédia a partir do ponto de vista da farsa.
Ainda a desunião geral dos trabalhadores
Custa-me a aceitar que uma central sindical avalize um conjunto de medidas, todas elas viradas contra aqueles que representa.
Torres Couto
Torres Couto
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Um debate a não perder
A propósito do novo pacote laboral, esta "entrevista" de Mário Crespo a Arménio Carlos é obrigatória. O sindicalista desmonta, de forma consistente, os argumentos do jornalista (?) e explica por que foi a CGTP a única organização com uma posição decente nestas negociações.
Desunião geral dos trabalhadores
Daniel Bessa, um dos intelectuais orgânicos de um certo patronato, saúda a coragem de João Proença e considera que a meia hora era uma brincadeira de crianças ao pé do que foi conseguido. Bessa tem razão: trata-se de uma vitória para o patronato medíocre, o que é bem sucedido a usar a crise como pretexto para reforçar um modelo extensivo de acumulação assente em despedimentos mais fáceis e baratos, em cada vez menos férias ou em horas extraordinárias que se tornam ordinárias num contexto de horários cada vez mais baralhados. Tudo parte de uma engenharia de desvalorização interna que só vai aumentar o desemprego e transferir todos os custos do ajustamento para os trabalhadores, para os seus salários cada vez mais reduzidos, para as suas cada vez mais precárias condições de vida. Desgraçadamente, a UGT cumpre o papel que muitos lhe reservaram: servir para tentar legitimar todos os retrocessos laborais. Para isto não é preciso ter coragem; basta apenas ter disponibilidade para dizer que sim a tudo.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Da cegueira
Vale a pena ler na íntegra este post (e também este) do João Galamba no Jugular, sobre os fundamentos que levaram a Standard & Poors a descer o rating de diversos países europeus (incluíndo o da França e de Portugal) na sexta-feira passada. É curioso constatar que quem, como o ministro Vítor Gaspar, usava o argumento dos «riscos de contágio» para justificar as políticas de austeridade, venha hoje recusar a análise sistémica da S&P, que sublinha a natureza crítica do próprio euro, constatando acrescidamente o óbvio: «um processo de reforma unicamente assente no pilar da austeridade corre o risco de se tornar auto-destrutivo, à medida que a procura interna diminui, em linha com a quebra da confiança dos consumidores em relação ao emprego e ao rendimento disponível, erodindo a receita tributária».
O que é a cegueira? Não ver, não querer ver ou fingir que não se vê?
domingo, 15 de janeiro de 2012
Um jornal pode ser uma biblioteca
Depois de Portugal e a Europa em Crise – Para acabar com a Economia de Austeridade e de Precários em Portugal, o Le Monde diplomatique – edição portuguesa e as edições 70 editam o livro Desigualdades em Portugal - problemas e propostas, coordenado por Renato Carmo do observatório das desigualdades, e que, como sempre, reúne artigos publicados no jornal sobre o tema.
sábado, 14 de janeiro de 2012
A utopia de um banco que não é de Portugal
Lendo Rui Peres Jorge sobre a conversa das “reformas estruturais”, um ingrediente da economia política da austeridade que temos denunciado nos últimos anos e que tem no Banco de Portugal (BdP) defensores tão fanáticos quanto protegidos das consequências devastadoras do que prescrevem para os outros, só podemos concluir que o neoliberalismo é um exemplo de uma utopia falhada, mas que soube durar muito mais do que seria de esperar porque se especializou em encontrar mil e uma formas de torturar a realidade com os seus instrumentos ideológicos; instrumentos bem protegidos e aperfeiçoados para Portugal em instituições, por sinal públicas, que são um símbolo do esvaziamento da soberania democrática, como é o caso do BdP.
Reparem na pérola do relatório desta semana do BdP sobre a grande transformação de Gaspar, antigo quadro e um puro produto desta “cultura” económica: “A simples adopção de uma miríade de medidas de políticas avulsas, desfasadas e incongruentes cria grande incerteza sobre os seus impactos, e uma fadiga face ao processo de reformas que põe em causa a sua eficácia global.”
Reparem na pérola do relatório desta semana do BdP sobre a grande transformação de Gaspar, antigo quadro e um puro produto desta “cultura” económica: “A simples adopção de uma miríade de medidas de políticas avulsas, desfasadas e incongruentes cria grande incerteza sobre os seus impactos, e uma fadiga face ao processo de reformas que põe em causa a sua eficácia global.”
Trata-se então de começar desde já, ao mesmo tempo que se pede a aceleração do plano, a antecipar as razões para o enésimo fracasso de um ajustamento estrutural que só poderá gerar desigualdade, destruição da capacidade produtiva e desemprego: não se tentou com convicção e coerência suficientes, os sujeitos políticos que tiveram de fazer o salto da pureza do papel para a impureza da realidade acabaram por claudicar, traindo uma ideologia de tudo ou nada, os objectos da experiência cansaram-se, não revelaram resiliência e plasticidade suficientes, o material humano é sempre fraco, a impaciência deitou tudo a perder. Enfim, só mais um esforço, um pouco mais de afinco, de radicalismo, e tudo teria corrido bem, o desastre teria dado lugar ao melhor dos mundos.
AAA
O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, ataca «a cupidez sem limites, a procura de lucros cada vez maiores nos mercados de capitais com responsabilidades na crise bancária e económica, e depois na de países inteiros, com que estamos confrontados desde 2008». Isso porém não impede que Wolfgang Schauble entregue a essa tal «cupidez sem limites» meia dúzia de nações europeias arruinadas e exangues. «Seria fatal suprimir por completo os efeitos disciplinadores das taxas de juro que aumentam», explica-lhes aliás Jens Weidmann, presidente do Bundesbank, o banco central alemão. «Quando o crédito se torna mais caro para os Estados, a tentação de contraírem empréstimos diminui muito.» E se os países mais endividados não aprenderem a conter as suas «tentações», se a recessão os impedir de voltar ao equilíbrio financeiro, se os «lucros cada vez maiores» dos seus credores os estrangularem, a União Europa ajudá-los-á infligindo-lhes uma multa… Em contrapartida, os bancos privados continuarão a dispor de todos os créditos que reclamam, e isso por uma bagatela. Poderão assim fazer empréstimos aos Estados endividados, obtendo com isso um belo lucro. A fortuna favorece os culpados!
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Um último post sobre o BCE
Já aqui referi que o maior credor do Estado grego é o BCE. Também já referi que a instituição europeia exclui-se da negociação em curso entre a Grécia e os seus credores privados. À primeira vista, parece fazer sentido. O BCE, embora não pareça, é uma instituição pública e como tal não deveria ser tratada como a banca privada, mas sim como instituições internacionais, como o FMI, que têm direitos preferenciais sobre a dívida soberana. Todavia, a realidade é mais complicada. Ao contrário do FMI - financiador directo do Estado Grego - o BCE adquiriu os seus títulos de dívida no mercado secundário. Esses títulos foram assim originalmente emitidos a privados e, como tal, deveriam estar dentro do anunciado "corte de cabelo" de 50%. Não vai ser o caso. Sendo crucial para Grécia ver o seu principal credor a "perdoar" parte da dívida (comprada, aliás, a preço de saldo), o BCE faz valer a sua posição de poder (lucrando imenso com o teórico reembolso total da dívida). Isto não parece obsceno, isto É obsceno.
Para quem tenha interesse, este post do Financial Times explica os detalhes.
Para quem tenha interesse, este post do Financial Times explica os detalhes.
Finança Centrífuga
Um dos resultados mais interessantes saídos do último relatório do RMF está na actual dinâmica de centrifugação financeira nacional. Vários indicadores mostram como os sectores financeiros têm ficado cada vez mais próximos dos seus estados nação, como a acumulação de dívida soberana por parte dos bancos nacionais. No entanto, mais interessantes são os empréstimos feitos via Eurosistema (conjunto dos bancos centrais nacionais da zona euro). O banco central alemão empresta directamente aos bancos centrais dos países periféricos, empréstimos estes que servem depois para financiar a banca de cada país. Este crédito de “emergência”, que excede a capacidade de financiamento da banca nacional junto do BCE, está na prática a servir para cobrir os défices externos da periferia com os excedentes alemães (os volumes de financiamento coincidem com os desequilíbrios externos).
A liquidez fornecida pelo Banco de Portugal à banca nacional obedece a critérios próprios e, embora o BCE tenha a capacidade de impor o seu fim, essa não é actual política. Pelo contrário, segundo o anúncio do BCE no mês passado, os critérios para acesso a esta liquidez serão mais flexíveis e da responsabilidade de cada banco central nacional. Duas conclusões se podem tirar daqui. A primeira diz respeito à forma como o crédito privado da banca é cada vez mais responsabilidade pública de cada estado nacional da zona euro. A segunda está na forma obscura como estes empréstimos à banca estão a ser conduzidos. Ninguém sabe quais as condições impostas. Não seria de chamar o Governador do Banco Portugal ao Parlamento para explicar estas extraordinárias operações?
A liquidez fornecida pelo Banco de Portugal à banca nacional obedece a critérios próprios e, embora o BCE tenha a capacidade de impor o seu fim, essa não é actual política. Pelo contrário, segundo o anúncio do BCE no mês passado, os critérios para acesso a esta liquidez serão mais flexíveis e da responsabilidade de cada banco central nacional. Duas conclusões se podem tirar daqui. A primeira diz respeito à forma como o crédito privado da banca é cada vez mais responsabilidade pública de cada estado nacional da zona euro. A segunda está na forma obscura como estes empréstimos à banca estão a ser conduzidos. Ninguém sabe quais as condições impostas. Não seria de chamar o Governador do Banco Portugal ao Parlamento para explicar estas extraordinárias operações?
Um cheque-ensino à paisana?
Talvez por ser tão exótica e inesperada, esta notícia passou praticamente despercebida. O Ministério da Educação decidiu entregar 12 milhões de euros adicionais aos colégios privados, que se somam assim aos 253,7 milhões inscritos no Orçamento de Estado. Isto é, um acréscimo extemporâneo de quase 5% em relação à dotação inicialmente aprovada e que, em si mesma, já contrastava com o golpe colossal desferido na escola pública, expresso na redução orçamental de 18% face à execução de 2011.
Esta oferenda é particularmente bizarra por duas razões. Desde logo, porque se torna tanto mais incompreensível quanto se verificou uma diminuição do número de alunos do ensino privado apoiados em 2012 (a que acresce o facto de a subvenção estatal por turma ter passado, com este governo, de 80 para 85 mil euros). E, em segundo lugar, porque esta decisão contraria de modo reforçado o que foi explicitamente acordado com a troika, em Maio do ano passado, no memorando de entendimento. Isto é, a «redução e racionalização das transferências para escolas particulares com acordos de associação».
Aliás, a medida é de tal modo inusitada que apanhou de surpresa a própria Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (que se limita a «acreditar» que estes montantes visem financiar «os contratos de associação, patrocínio, cooperação e desenvolvimento e os alunos individualmente»). E suscita, como é óbvio, as maiores suspeitas quanto aos seus verdadeiros objectivos. De facto, é sabido que, em resultado das dificuldades económicas impostas pela austeridade, muitos pais decidiram não renovar as matriculas dos seus filhos nas escolas privadas ou retirá-los entretanto dos colégios que começaram por frequentar, no início do ano lectivo, com naturais impactos para as receitas destas instituições.
O que poderá estar a suceder é pois, no fundo, uma transferência de verbas susceptível de configurar os primeiros passos de um processo de implementação, «à paisana», do cheque-ensino. Isto é, com duas diferenças, irrelevantes, face ao modelo em que este convencionalmente assenta: os alunos não escolhem as escolas (mas apenas porque já as escolheram, o que vai dar no mesmo); e não são munidos com um voucher que entregam no estabelecimento de ensino que frequentam (bastando que as suas propinas sejam reduzidas ou não aumentem, em resultado da transferência de verbas directamente do Estado para as instituições, o que também vai dar no mesmo). E tudo isto contornando a discussão pública e o escrutínio parlamentar que a implementação explicita do «cheque-ensino» naturalmente exigiria.
Esta oferenda é particularmente bizarra por duas razões. Desde logo, porque se torna tanto mais incompreensível quanto se verificou uma diminuição do número de alunos do ensino privado apoiados em 2012 (a que acresce o facto de a subvenção estatal por turma ter passado, com este governo, de 80 para 85 mil euros). E, em segundo lugar, porque esta decisão contraria de modo reforçado o que foi explicitamente acordado com a troika, em Maio do ano passado, no memorando de entendimento. Isto é, a «redução e racionalização das transferências para escolas particulares com acordos de associação».
Aliás, a medida é de tal modo inusitada que apanhou de surpresa a própria Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (que se limita a «acreditar» que estes montantes visem financiar «os contratos de associação, patrocínio, cooperação e desenvolvimento e os alunos individualmente»). E suscita, como é óbvio, as maiores suspeitas quanto aos seus verdadeiros objectivos. De facto, é sabido que, em resultado das dificuldades económicas impostas pela austeridade, muitos pais decidiram não renovar as matriculas dos seus filhos nas escolas privadas ou retirá-los entretanto dos colégios que começaram por frequentar, no início do ano lectivo, com naturais impactos para as receitas destas instituições.
O que poderá estar a suceder é pois, no fundo, uma transferência de verbas susceptível de configurar os primeiros passos de um processo de implementação, «à paisana», do cheque-ensino. Isto é, com duas diferenças, irrelevantes, face ao modelo em que este convencionalmente assenta: os alunos não escolhem as escolas (mas apenas porque já as escolheram, o que vai dar no mesmo); e não são munidos com um voucher que entregam no estabelecimento de ensino que frequentam (bastando que as suas propinas sejam reduzidas ou não aumentem, em resultado da transferência de verbas directamente do Estado para as instituições, o que também vai dar no mesmo). E tudo isto contornando a discussão pública e o escrutínio parlamentar que a implementação explicita do «cheque-ensino» naturalmente exigiria.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
A linha Maginot do BCE
É sabido que durante toda esta crise financeira o BCE tem feito tudo para apoiar a banca europeia. As recentes injecções maciças de liquidez são o último exemplo. No entanto, há um lado bem obscuro nestas operações de salvamento. À imagem do que aconteceu em Dezembro, quando o BCE empresta a um banco, exige “colateral” (activos de garantia). No entanto, a exigência em relação a essas garantias tem vindo a tornar-se cada vez menor. No gráfico abaixo (via este post no Financial Times que vale a pena ler) vê-se o número de activos que foram adicionados à lista do que é aceite pelo BCE. Duas notas sobre o gráfico: 1- É incrível o número de instrumentos de dívida que os bancos usam (sendo que boa parte destes nem sequer é pública). A opacidade dos mercados financeiros fica bem ilustrada; 2- A esmagadora maioria dos novos instrumentos agora aceites vem de bancos franceses, mostrando, por um lado, a exposição destes à crise europeia e, por outro, o empenho do BCE na sua viabilidade financeira. Para Frankfurt a banca francesa e, em menor medida, a italiana parecem ser a linha Maginot. A linha original não foi muito bem sucedida.
Nem todos perdem com o euro
(via João Carlos Graça)
O gráfico acima é ilustrativo dos ganhos que a indústria alemã obteve nestes dez anos de euro. Com a moeda a valorizar, a indústria alemã beneficiou dos inputs baratos importados fora da zona euro e da impossibilidade de desvalorização monetária dos seus principais mercados de destino.
Mais complicada é a análise sobre a recente emissão de dívida alemã a taxas de juro negativas. É certo que este país tem beneficiado da fuga de capitais para o centro através da poupança nos encargos da dívida pública que juros mais baixos possibilitam. No entanto, este estranho resultado, em que o credor paga juro ao devedor, indica dois medos: a recessão em curso e consequente deflação devido à falta de procura causada pela austeridade; a possibilidade de uma iminente derrocada do euro. É preferível aos agentes financeiros colocar o seu capital junto do estado alemão. Em caso de desmembramento da zona euro, a sua moeda será comparativamente valorizada. A perda presente pode ser assim um ganho futuro. Duvido é que a Alemanha ganhe muito neste cenário.
O gráfico acima é ilustrativo dos ganhos que a indústria alemã obteve nestes dez anos de euro. Com a moeda a valorizar, a indústria alemã beneficiou dos inputs baratos importados fora da zona euro e da impossibilidade de desvalorização monetária dos seus principais mercados de destino.
Mais complicada é a análise sobre a recente emissão de dívida alemã a taxas de juro negativas. É certo que este país tem beneficiado da fuga de capitais para o centro através da poupança nos encargos da dívida pública que juros mais baixos possibilitam. No entanto, este estranho resultado, em que o credor paga juro ao devedor, indica dois medos: a recessão em curso e consequente deflação devido à falta de procura causada pela austeridade; a possibilidade de uma iminente derrocada do euro. É preferível aos agentes financeiros colocar o seu capital junto do estado alemão. Em caso de desmembramento da zona euro, a sua moeda será comparativamente valorizada. A perda presente pode ser assim um ganho futuro. Duvido é que a Alemanha ganhe muito neste cenário.
Precariedade é Recessão
Vão ser entregues 35.000 assinaturas por uma lei contra a precariedade. Este é um dos debates mais fundamentais do nosso tempo. Porque a precariedade (e a sua generalização) é uma componente central da estratégia de desvalorização salarial que está em curso em Portugal e num conjunto crescente de países na União Europeia. Aliás, como o Jorge Bateira refere aqui abaixo, quando pressionados sobre como é que a austeridade pode ser expansionista, os economistas do costume acabam sempre a balbuciar umas coisas sobre as reformas estruturais.
Uma delas é a precarização (ainda maior) das relações laborais. O argumento é mais ou menos assim: Se for mais fácil despedir, os empregadores terão menos receio em contratar, porque o risco de serem obrigados a ficar com trabalhadores excedentários num período de crise diminui. Logo, o desemprego diminuirá. Simples, não é? E é por esta razão que durante a última década as legislação laboral em Portugal não tem parado de ser flexibilizada. Curiosamente, o desemprego não parou de aumentar no mesmo período.
Porque insiste então a economia do mundo real em não fazer sentido? É que os problemas que se colocam à economia são diferentes dos que se colocam a uma empresa. Para além do que a protecção do trabalho representa de Direitos fundamentais, no plano social e político, há que considerar uma função fundamental que lhe está associada: A função da estabilização económica. A protecção contra o despedimento é um travão a processos recessivos, nomeadamente na medida em que impede ou abranda a espiral provocada pela recessão, perda de emprego, de rendimento, de procura, mais recessão, etc.
Assim, a protecção do trabalho, para além de todas as restantes considerações que podem ser feitas no quadro do próprio funcionamento das empresas e no plano dos direitos mais elementares, cumpre uma função de coordenação dos agentes económicos. É a debilidade dessa função na nossa legislação (por causa dos índices elevadíssimos de precariedade e a liberdade total ao nível dos despedimentos colectivos) que tem permitido uma evolução totalmente descontrolada do desemprego, que compromete não apenas qualquer esforço de retoma económica (se ele existisse), mas também, já agora, qualquer esforço de consolidação e sustentabilidade orçamental.
Uma delas é a precarização (ainda maior) das relações laborais. O argumento é mais ou menos assim: Se for mais fácil despedir, os empregadores terão menos receio em contratar, porque o risco de serem obrigados a ficar com trabalhadores excedentários num período de crise diminui. Logo, o desemprego diminuirá. Simples, não é? E é por esta razão que durante a última década as legislação laboral em Portugal não tem parado de ser flexibilizada. Curiosamente, o desemprego não parou de aumentar no mesmo período.
Porque insiste então a economia do mundo real em não fazer sentido? É que os problemas que se colocam à economia são diferentes dos que se colocam a uma empresa. Para além do que a protecção do trabalho representa de Direitos fundamentais, no plano social e político, há que considerar uma função fundamental que lhe está associada: A função da estabilização económica. A protecção contra o despedimento é um travão a processos recessivos, nomeadamente na medida em que impede ou abranda a espiral provocada pela recessão, perda de emprego, de rendimento, de procura, mais recessão, etc.
Assim, a protecção do trabalho, para além de todas as restantes considerações que podem ser feitas no quadro do próprio funcionamento das empresas e no plano dos direitos mais elementares, cumpre uma função de coordenação dos agentes económicos. É a debilidade dessa função na nossa legislação (por causa dos índices elevadíssimos de precariedade e a liberdade total ao nível dos despedimentos colectivos) que tem permitido uma evolução totalmente descontrolada do desemprego, que compromete não apenas qualquer esforço de retoma económica (se ele existisse), mas também, já agora, qualquer esforço de consolidação e sustentabilidade orçamental.
Um economista com (muita) fé
Na sua última crónica de 2011 no “Expresso”, em 30 de Dezembro, Daniel Bessa (DB) faz o balanço da execução do memorando imposto pela troika. Quanto à austeridade, admite que o Orçamento de 2012 terá de ser revisto. Uma quebra drástica nas receitas fiscais, muito além do orçamentado, levará o governo a tomar medidas adicionais. Por sua vez, estas medidas reduzirão a procura agregada interna, daí resultando uma receita fiscal que continuará aquém do necessário para alcançar o défice previsto. Como diz DB, “cabendo, sempre, esperar mais”. Pelos vistos, justifica-se esperar sempre mais desemprego, mais empobrecimento da classe média, mais entregas de casas hipotecadas e mais cidadãos com dificuldade em pagar os medicamentos, as deslocações às consultas e até as próprias consultas.
Ver o resto do artigo no jornal i.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Um défice estrutural de esclarecimentos
As cúpulas desta plutocraciapós-democrática em que tem vindo a transformar-se a União Europeia anunciaram há dias que a assinatura do novo tratado que irá consagrar uma mais apertada “convergência orçamental” terá lugar em Março. O que está em causa é a imposição de restrições mais apertadas à política orçamental, acompanhadas por sanções maispesadas aos países que não as cumpram. De acordo com o que tem sido anunciado, o limite que irá ser consagrado no tratado consiste num défice orçamental estrutural de 0,5% do PIB. O problema é que ninguém explica – aliás, muito pouca gente pergunta – o que vem a ser isso do défice estrutural. Quero pensar, eventualmente na minha ingenuidade, que o adjectivo não está lá por acaso e que “saldo estrutural” quer dizer aquilo que habitualmente quer dizer: o saldo orçamental corrigido do efeito (sobre a receita e sobre a despesa) das contrações na actividade económica – as quais, como o gráfico em cima ilustra, explicam a maior parte do aumento do défice orçamental português nopassado recente. É que se assim não for, se quiser dizer apenas o saldo orçamental tal como o conceito é habitualmente utilizado, então este tratado significará simplesmente o fim da política macroeconómica à escala nacional: depois de retiradas as políticas monetária e cambial, eliminar-se-ia agora a política orçamental. Em plena distopia austríaca, portanto. Bom, sempre se poupará alguma coisa com as cadeiras a retirar dos cursos de economia.
Mas admitamos que não, que (ainda) não estamos no reino da loucura completa. Se realmente o que está em causa é o saldo orçamental estrutural no sentido acima indicado, há duas coisas que precisam de ser explicadas. A primeira é onde é que entra nesta história o serviço da dívida. De 2001 para cá, no caso português, o montante dos jurospagos anualmente por dívida anteriormente contraída nunca foi inferior a 2,4% do PIB – e nos últimos anos têm andado pelos 3%. Uma vez que, como temos sobejamente assinalado, nem o rácio dívida/PIB nem as taxas de juro associadas a novos empréstimos tenderão a diminuir nos próximos tempos – muito menos pela via da austeridade –, quer isto dizer que na prática nos vamos obrigar a um superávite estrutural de 2,5%-3% ou ainda mais?
Mas assumindo que estamos a falar do saldo orçamental estrutural primário (daqui a pouco preciso de uma linha inteira para tanto qualificativo), falta ainda explicar como é que é suposto este ser calculado. Separar as componentes estrutural e conjuntural do saldo orçamental implica calcular qual seria o saldo orçamental se, com tudo o resto constante, a economia estivesse no pleno emprego. E esse exercício, que implica estimar o output gap (diferença entre o produto real e o produto potencial) e as elasticidades da despesa e receita públicas, pode ser feito de diferentes maneiras, com base em diferentes hipóteses… e com resultados bastante diferentes (tal como exemplificado para o caso da Suíça neste paper, p. 86). Pelo que lanço uma modesta sugestão: e que tal se os partidos políticos e os jornalistaseconómicos começassem a fazer perguntas acerca da metodologia de cálculo autilizar para calcular este saldo estrutural que nos querem impôr e, já agora, aplicassem retrospetivamente – aos últimos vinte anos, vá – a fórmula de cálculo que vier a ser indicada? Só para que se perceba exatamente com que corda nos querem atar ainda mais as mãos...
Lucrar com a tragédia grega
A reestruturação "voluntária" de 50% da dívida grega está, aparentemente, em maus lençóis. Por um lado, temos o FMI a dizer que não é suficiente. Pois não. Com esta reestruturação prevê-se uma redução da dívida para 120% do PIB em... 2020, com pressupostos macroeconómicos demasiado optimistas. Por outro lado, os credores privados parecem estar a mudar, com a banca europeia a ser lentamente substituída pelos arriscados "hedge funds". Estes opacos especuladores financeiros estão a fazer um jogo perigoso. Segundo o New York Times, compraram dívida grega a preço de saldo (40 cêntimos por cada euro nominal) e recusam-se a entrar neste esquema voluntário de troca de títulos. A aposta está na compra agora de dívida que vence em Março, na recusa do corte agora em negociação e na previsão de chegada da nova tranche de financiamento aos cofres gregos. Tal combinação iria reembolsar a estes "hedge funds" a totalidade do valor nominal da dívida. O problema desta pescadinha está na imposição, por parte da UE, da conclusão das negociações com os credores privados como condição do refinanciamento. De qualquer forma, este será só mais um episódio de uma novela que se prolongará, já que o grosso da dívida grega não é hoje detido por privados. O BCE é o maior detentor de dívida grega e recusa-se a entrar neste esquema de troca de títulos. Isso ficará para outro "post".
Processo de empobrecimento em curso
Manuela Ferreira Leite, nas suas obscenas declarações, tem razão numa coisa. Sem crescimento económico não há Estado Social sustentável (onde foi buscar os números de 5% de crescimento é outra conversa). Sem crescimento económico não há sociedades viáveis. O declínio do nosso país nos últimos dez anos é disso prova.
No entanto, há um problema na lógica de Ferreira Leite e, já agora, de toda a direita medina-carreirista que grita aos quatro ventos a falência do Estado Social. A solução sempre apresentada é a da privatização, parcial ou total, dos serviços públicos. Quem pode, deve pagar directamente o preço. O Estado pouparia, podendo dedicar os seus recursos a quem não tem meios para pagar directamente o custo de um dado serviço.
Mas qual é a diferença, no que toca à lógica financeira do país como um todo, se parte da população pagar pelos serviços directamente a um prestador privado ou pagar indirectamente através de impostos progressivos ao prestador público? Nenhuma. Os recursos mobilizados do ponto de vista nacional para cobrir um dado custo são os mesmos, sendo que na primeira há ainda uma margem de lucro a pagar. Ou seja, a deslocação de um serviço do sector público para o sector privado não tem qualquer impacto na capacidade do país como um todo para financiar um determinado nível de provisão de bens e serviços.
Na verdade, o que Ferreira Leite pretende é um crescente racionamento de um conjunto de bens (saúde, educação, segurança social) com base num só critério, o preço. Como acesso é restringido gasta-se menos recursos e adaptamo-nos às nossas “possibilidades”. Impactos negativos sobre qualificações, esperança média de vida ou nas parcas garantias de uma vida fora da miséria serão custos que teremos de pagar para viver “dentro das nossas possibilidades”. Custos que, obviamente, não são para todos. “Tem direito, quem paga” disse ontem Ferreira Leite.
No entanto, há um problema na lógica de Ferreira Leite e, já agora, de toda a direita medina-carreirista que grita aos quatro ventos a falência do Estado Social. A solução sempre apresentada é a da privatização, parcial ou total, dos serviços públicos. Quem pode, deve pagar directamente o preço. O Estado pouparia, podendo dedicar os seus recursos a quem não tem meios para pagar directamente o custo de um dado serviço.
Mas qual é a diferença, no que toca à lógica financeira do país como um todo, se parte da população pagar pelos serviços directamente a um prestador privado ou pagar indirectamente através de impostos progressivos ao prestador público? Nenhuma. Os recursos mobilizados do ponto de vista nacional para cobrir um dado custo são os mesmos, sendo que na primeira há ainda uma margem de lucro a pagar. Ou seja, a deslocação de um serviço do sector público para o sector privado não tem qualquer impacto na capacidade do país como um todo para financiar um determinado nível de provisão de bens e serviços.
Na verdade, o que Ferreira Leite pretende é um crescente racionamento de um conjunto de bens (saúde, educação, segurança social) com base num só critério, o preço. Como acesso é restringido gasta-se menos recursos e adaptamo-nos às nossas “possibilidades”. Impactos negativos sobre qualificações, esperança média de vida ou nas parcas garantias de uma vida fora da miséria serão custos que teremos de pagar para viver “dentro das nossas possibilidades”. Custos que, obviamente, não são para todos. “Tem direito, quem paga” disse ontem Ferreira Leite.
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