quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Um economista com (muita) fé



Na sua última crónica de 2011 no “Expresso”, em 30 de Dezembro, Daniel Bessa (DB) faz o balanço da execução do memorando imposto pela troika. Quanto à austeridade, admite que o Orçamento de 2012 terá de ser revisto. Uma quebra drástica nas receitas fiscais, muito além do orçamentado, levará o governo a tomar medidas adicionais. Por sua vez, estas medidas reduzirão a procura agregada interna, daí resultando uma receita fiscal que continuará aquém do necessário para alcançar o défice previsto. Como diz DB, “cabendo, sempre, esperar mais”. Pelos vistos, justifica-se esperar sempre mais desemprego, mais empobrecimento da classe média, mais entregas de casas hipotecadas e mais cidadãos com dificuldade em pagar os medicamentos, as deslocações às consultas e até as próprias consultas.

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3 comentários:

Rui Viana Pereira disse...

«Um economista com (muita) fé» seria um título magnífico e certeiro, não fora esse estranho artigo introdutório: «Um».
O problema é este: toda a Economia (enquanto disciplina e tal como a entendemos e praticamos hoje em dia) se baseia exclusivamente na fé – qualquer que seja a sua escola, tendência ou seita.
Toda a confusão entre Economia e ciência não passa precisamente disso: uma confusão.
A Economia (repito, enquanto disciplina ou mundividência) tornou-se a religião de maior êxito na história da humanidade; creio que será muito difícil encontrar um único lugar no mundo onde não se tenha tornado a religião oficial, pondo fim à separação entre Igreja e Estado. Pôr a Economia em causa é uma heresia; quem não foi tocado pela graça da Economia tem menos direito à palavra do que Galileu – mostrem-me crónicas onde ela seja diária e livremente posta em causa, e retirarei imediatamente este comentário.
A Economia, com seus templos e sacerdotes, sofre dos piores tiques da religião – entre os quais a pretensão ridícula de adivinhar o futuro, inclusive o futuro além da morte. A legitimação ideológica desta atitude assenta na fácil confusão entre futurologia e indução, entre fé, determinismo e análise científica.
A importância crucial que, desde a Antiguidade Clássica, o pensamento filosófico teve na construção da organização política foi progressivamente posta de lado, a partir dos anos 1960, para dar lugar à fé economicista. Façam-me o favor de contar os pensadores e filósofos presentes nas elites partidárias e nos governos antes e depois da década de 1960, e digam-me se estou errado. Nesse sentido, estamos a reviver uma espécie de Idade Média, essa época onde todos os aspectos da vida quotidiana (até o simples acto de descascar e comer uma maçã) envolviam uma simbologia religiosa. A própria jus (direito) passou a ser frequentemente baseada em princípios de fé (economicista), e já não em princípios filosóficos e éticos. O Estado de direito morreu; o Estado de fé economicista sobreviveu.
As últimas cinco décadas de economistas, nitidamente, nunca leram Albert Camus (ou se leram encontram-se impossibilitadas de o compreenderem). Daí não entenderem uma coisa absolutamente básica, claramente explicada por Camus: um acto iníquo ou injusto presente apenas pode produzir um futuro iníquo ou injusto, com exclusão de todos os outros possíveis – este princípio não só dispensa como se opõe a toda e qualquer tentativa de justificar o presente em nome do futuro (ou, por outras palavras, os meios em função dos fins).
Donde, propor qualquer espécie de solução económica actual (independentemente da sua liturgia ou roupagem política) que produza actualmente miséria, ou sofrimento, ou injustiça, apenas pode garantir, com absoluta certeza, miséria futura para toda a sociedade.
Para compreender isto não é preciso ter estudado uma única linha de Economia. Basta ser agnóstico e ter algum amor (filos, não eros) ao conhecimento.

João Carlos Graça disse...

É ler DB ao contrário. Dá BD, isto é, banda desenhada. Sempre é melhor...

Carlos Gomes disse...

Concordo. Mas a fé economicista não está sozinha. O Direito deslocado está lá para a justificar.