Num inquérito divulgado ontem pelo Público, a esmagadora maioria dos cidadãos portugueses questionados revelou, para tristeza do politólogo liberal António Costa Pinto, ter uma noção que me parece saudavelmente exigente de democracia, indissociável de objectivos de bem-estar partilhados.
As actuais políticas de austeridade, a actual configuração da integração europeia e da globalização, são totalmente incompatíveis com um ideal democrático substantivo, assente na acção soberana guiada por fins socioeconómicos partilhados, o que pressupõe, por exemplo, estritos limites à acção dos mercados financeiros e o controlo democrático de instrumentos relevantes de política económica. Estes instrumentos foram perdidos para instituições consideradas virtuosas porque despolitizadas, como é o caso do BCE, mas que, na realidade, estão ao serviço, necessariamente político, de elites bem minoritárias.
É no esvaziamento da capacidade e dos poderes do Estado para estar ao serviço do bem-estar da maioria dos cidadãos que radica grande parte da crise da política democrática. Neste contexto, não é de estranhar que sejam cada vez mais os que se desabituam de um exercício participativo cada vez mais limitado, cada vez mais condicionado por despotismos económicos e que a falta de hábito mine a confiança e alimente o cinismo e o ódio a uma política vista como mero jogo fechado para beneficiários egoístas ou como imposição regressiva no processo da vida. O liberalismo económico alimenta estes sentimentos e alimenta-se deles para justificar novas rondas de esvaziamento daquilo que a política democrática é capaz de oferecer. As desigualdades elevadas só ajudam à festa liberal.
Como sempre, cultivar as liberdades democráticas substantivas, o poder que os cidadãos detêm para alcançar vidas decentes, exige um contramovimento de protecção da sociedade contra os efeitos nefastos das utopias liberais.
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