domingo, 29 de janeiro de 2012
A reestruturação grega
As negociações entre os credores privados e o governo grego sobre o “perdão” da dívida grega parecem estar prestes a ser concluídas. Todavia, falta ainda saber o grau de adesão dos credores ao acordo, essencial para que seja bem sucedido.
De qualquer forma, os números avançados parecem relevantes. Um corte no valor nominal da dívida de 50%, que somado às novas maturidades e taxas de juro, se converte em 70% em valor presente líquido. Perante tais notícias, aparece logo quem ache que uma negociação deste género seria o desejável para Portugal (nem sequer precisávamos de um corte tão grande). Mas, como em tudo na vida, tudo se joga nos detalhes.
O primeiro ponto a ter em conta é que esta negociação é feita em moldes bem diferentes daqueles que podiam ter sido feitos há dois anos, quando a esmagadora maioria dos credores gregos eram privados (sobretudo banca europeia). Hoje, quase metade da dívida grega é detida por instituições públicas (FMI, ESEF e Banco Central Europeu), embora com diferenças entre elas. Da parte privada da dívida, metade desta é detida pelo sistema financeiro grego, que se substituiu à banca europeia com o desenrolar da crise, e à volta de um quarto parece pertencer a hedge funds que andam a fazer um jogo perigoso. Conclusão: os grandes credores da Grécia, banca europeia, deixaram de o ser e, portanto, têm perdas potenciais diminuídas.
O segundo ponto relaciona-se com os potenciais riscos de contágio. Houve sempre grande preocupação sobre o impacto de um incumprimento grego nos mercados de Credit Default Swaps (seguros sobre a dívida, onde o comprador do CDS se compromete a pagar as perdas em caso de incumprimento). Contudo, ao longo dos últimos dois anos este mercado praticamente desapareceu. As transferências líquidas no caso de um default seriam muito reduzidas (ver gráfico). O abrupto colapso deste mercado é, para mim, um mistério(1). Por outro lado, com as necessidades de financiamento da banca europeia cobertas pelos empréstimos a três anos concedidos pelo BCE, os riscos de pânico nos mercados de crédito, com consequente colapso de alguns bancos devido a um default grego, parecem estar cobertos.
O terceiro ponto diz respeito às condições impostas nesta negociação ao Estado grego, nascidas do seu claro enfraquecimento negocial decorrente dos pontos acima assinalados e de uma depressão económica com mais de três anos. O regime legal dos novos títulos é alterado, passando a reger-se pela lei britânica e não grega (os credores ficam mais protegidos) e o Estado grego vê-se obrigado a recapitalizar a sua banca através de um empréstimo da troika (na prática, os credores privados são substituídos por credores oficiais). Por isso se chega ao ridículo número de 120% do PIB de dívida para… 2020. Isto com pressupostos muito optimistas sobre a evolução macroeconómica do país e com novas doses de austeridade e de pilhagem de activos.
Em suma, este acordo não é mais do que um novo adiar do inevitável default grego. No entanto, com o passar do tempo a posição do país vai-se tornando mais frágil e os custos maiores. Como assinala Costas Lapavitsas, em artigo publicado no The Guardian na semana passada, é tempo de acabar com esta charada europeia e a Grécia declarar um default na dívida, soberano e democrático, não poupando os credores oficiais e conduzindo o processo de forma transparente através de uma auditoria cidadã.
E Portugal? Portugal tem tido a vantagem, pouco aproveitada, de ver o seu futuro numa bola de cristal chamada Grécia. Neste momento, temos as taxas de juro gregas de há nove meses. No entanto, entre as certezas do Governo e a desinformação dos media parece que estamos condenados a arrastarmo-nos na lama até o mesmo destino trágico.
(1) É compreensível que, de há dois anos a esta parte, se tenha deixado de emitir CDS. No entanto, é difícil entender que a esmagadora maioria destes títulos tenha vencido entretanto.
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