segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A perversa construção do mercado na educação

Na semana passada, o ultraconservador Presidente da República lá promulgou o diploma que alarga a escolaridade obrigatória para o 12.o ano. No entanto, esta generosa aposta, apoiada por toda a esquerda, pode ser posta em causa pelo desvirtuamento e pela crise da escola pública, que continua a ser a instituição indispensável para assegurar a democratização do ensino em condições de igualdade. O ataque à dignidade, à autoridade e ao estatuto dos professores através, entre outros, de um modelo burocrático de avaliação calibrado para os desmotivar tem sido justamente destacado no debate público. O resto da minha crónica semanal no i pode ser lido aqui.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Perguntou a Rainha: “Como é que ninguém viu aproximar-se a crise?”


Em Novembro do ano passado, numa sessão solene realizada na London School of Economics, a Rainha Isabel II lançou a seguinte pergunta aos economistas aí reunidos: “Como é que ninguém viu aproximar-se a crise?”

Robert Skidelsky comentou há dias no Financial Times este episódio e reflectia sobre o estado do ensino da economia nas universidades britânicas. Na mesma onda, algumas semanas antes, um colunista do The Washington Post questionava:

“Um intrigante sub-enredo da crise económica é a incapacidade de a maioria dos economistas tê-la previsto. Eis-nos perante a mais espectacular crise económica e financeira em muitas décadas – provavelmente desde a Grande Depressão – e um grupo que passa a maior parte do tempo em que está acordado a analisar a economia na prática não deu por ela. Sim, alguns economistas podem reclamar com legitimidade alguma previsão. Mas são um pequeno punhado. A maioria ficou tão surpreendida quanto o resto da população.”

Além de identificar o limitado reconhecimento da retroacção entre a esfera financeira e a esfera real da economia nos modelos mais divulgados, o autor destaca a flagrante ausência da história na formação dos economistas:

“Regra geral os economistas pouco se interessam pela história. Os livros de introdução à economia gastam pouco tempo, se algum, a explorar os ciclos económicos do século XIX. Toda a atenção vai para os “princípios da economia” (título de grande parte dos manuais básicos), como se a maior parte fossem eternos. Dedicaram o seu esforço a construir modelos matemáticos elegantes. “Durante anos os economistas teóricos usufruíram de elevado estatuto”, escreveu o historiador da economia Barry Eichengreen da Universidade da Califórnia em Berkeley. “Eram os membros mais prestigiados da profissão.”

Como recorda Niall Ferguson de Harvard, “a história é complicada e feita de constante mudança. Flui com as instituições, tecnologias, leis, valores culturais e religiosos, governos, crenças populares e muito mais. A construção de modelos e a teorização por vezes conseguem fazer simplificações que permitem entender alguma coisa. No entanto, os pressupostos dos modelos tendem a afastar-se tão radicalmente da realidade que as suas conclusões se tornam inúteis.”

Com a honrosa excepção também aqui divulgada, o debate sobre o estado da disciplina em Portugal é pobre não sendo de admirar o silêncio sobre um texto recente em que 10 economistas britânicos deram um contributo adicional sobre a questão colocada por Sua Majestade. A dado passo afirmam: “Os modelos e técnicas são importantes. Mas dada a complexidade da economia global, torna-se necessário um leque alargado de modelos e técnicas governados por muito maior respeito pela realidade substantiva, e muito maior atenção aos factores históricos, institucionais, psicológicos, e outros altamente relevantes.”

Comentando este debate no Reino Unido, Tony Lawson de Cambridge escreveu recentemente um artigo que vale a pena ler (acesso restrito) onde, em linha com o que vem defendendo há muito, afirma que o problema da economia não é o da escolha dos modelos matemáticos mais adequados. O dedutivismo matemático praticado pelos economistas [enquanto profissão] é que é o problema. Diz Lawson: “O problema fundamental da moderna economia, tal como o vejo, é a insistência do pensamento dominante em que a modelização matemática é a única forma, útil e adequada, para praticar economia.”

Interrogo-me sobre quanto tempo (quantas crises) teremos de viver para que o pensamento dominante em Portugal tome consciência que a exigência de pluralismo científico e responsabilidade social interpelam seriamente os departamentos de economia, e muito em particular aqueles que atribuem grande valia a “working papers” sobre os quais Mark Blaug, com apropriada ironia, poderia dizer: “Por favor, realidade aqui não. Somos economistas.”

As nacionalizações necessárias

Nas duas últimas décadas, a essência predadora do bloco central revelou-se progressivamente numa opção de política pública: privatização sem limites. Tudo começou de forma inocente nas cervejas e poderá acabar num bem vital como a água. A privatização de monopólios naturais e de outros sectores estratégicos – das infra-estruturas eléctricas e de transportes às empresas do sector energético – garante fontes de liquidez monetária, sob a forma de rendas, a grupos privados com músculo para capturar políticos e reguladores, para expropriar cidadãos-consumidores. O romance de mercado prometia e ainda promete preços baixos e serviços de qualidade. A evidência sobre os processos de privatização destes sectores mostra que tal raramente acontece. O resto da crónica semanal no i pode ser lido aqui.

O Nuno Teles tem escrito muito e bem sobre privatizações e nacionalizações: «Privatizações: O Insustentável Peso do Seu Ser» (em co-autoria com Gustavo Toshiaki) ou «Quando nacionalizar é a melhor alternativa». Vejam também as conclusões do projecto de investigação europeu sobre privatizações Presom. Michel Husson, economista marxista francês, que tem um sítio muito recomendável, escreveu recentemente: «Pode portanto enunciar-se uma espécie de teorema: o tempo necessário para sanear a finança será inversamente proporcional ao grau de nacionalização da banca e das instituições financeiras envolvidas». Os argumentos «clássicos» a favor de um robusto sector empresarial do Estado estão bem sistematizados neste estudo do indispensável Ha-Joon Chang.

sábado, 22 de agosto de 2009

O importante é ter acesso - Saúde

Não há nada mais divertido do que ver a direita a explicar o que deve ser a esquerda – obviamente, uma coisa igual à direita. Martim Avillez Figueiredo, director do i, tem-se proposto a esse exercício. O pretexto é o plano de cobertura universal de saúde de Obama nos EUA. Este plano prevê a criação de um seguro saúde, financiado pelo Estado, que garanta cobertura aos 40 milhões de norte-americanos sem acesso à saúde. Martim rapidamente dirige as suas baterias para o sector da educação. Lá iremos. Primeiro, importa olhar para o debate político dos EUA sobre saúde.

Obama vinca o facto deste plano deixar intacto a actual relação dos norte-americanos cobertos com as suas seguradoras privadas. No entanto, não é difícil perceber que tal discurso é feito à medida da forma como o debate político está enquadrado nos EUA. A mistificação levada a cabo pelos republicanos e pelo lobby das seguradoras de saúde atinge o nível de falta de sentido de qualquer sketch dos Monthy Pithon. Veja-se o vídeo abaixo (infelizmente sem legendas) onde Sarah Pallin tenta colar a eutanásia ao plano de Obama, que preveria burocráticos “painéis da morte”. Isto sem falar das recorrentes acusações de “socialismo” que certamente Martim não subscreve. Enfim, nada que surpreenda. O plano de Hillary Clinton de cobertura universal, de meados dos anos noventa, foi derrotado com o mesmo tipo de argumentos.

Para não existirem dúvidas sobre a verdadeira posição de Obama, veja-se este vídeo de 2003, onde o actual presidente defende um sistema público universal “à europeia”. Claro está que Obama diz hoje que este seria o melhor plano se se partisse do zero, o que obviamente não é o caso.


Mas Obama tem boas razões para preferir o sistema europeu, público, de provisão de cuidados de saúde. Este é, sem dúvida, o mais eficiente – um conceito tão caro a Martim – dos sistemas. Os Estados Unidos gastam mais, em percentagem do PNB, em saúde que qualquer outro país do mundo e, no entanto, deixam 20% da população sem qualquer cobertura. Como assinala Krugman, também no i, no Reino Unido gasta-se 40% per capita, num excelente serviço público, do que se gasta nos EUA. É fácil explicar porquê. Num sistema onde o estado se limita a pagar a factura, todo tipo de abuso será promovido. Quanto mais se gastar por paciente, mais lucros terão os prestadores privados de saúde. É certo que tudo isto pode ser regulado e é-o. Contudo, numa relação onde a informação é radicalmente assimétrica como é a relação entre paciente e médico, não é fácil controlar a necessidade ou não de certos tratamentos. Não é por acaso que, por exemplo, no nosso país são feitas muitas mais cesarianas (mais caras) no sector privado do que no sector público. A ruinosa gestão do Amadora-Sintra é outro bom exemplo. A única forma de garantir cuidados de saúde de qualidade realmente universais tem de passar pelo modelo público de provisão onde o lucro não seja uma motivação na relação entre paciente e médico.

Aliás, por mais bem intencionada que seja o plano de Obama não lhe prevejo grande futuro. A cobertura universal será certamente um progresso civilizacional notável, mas a factura a médio e longo prazo tornar-se-á incomportável. Os actuais custos dos sistemas públicos de financiamento Medicaid (para os mais pobres) e Medicare (para os idosos) estão aí para o provar. Todavia, quando um novo debate sobre a sustentabilidade surgir, o enquadramento social da questão será diferente, já que a saúde será entendida como aquilo que é, um direito universal. Este direito tem sido melhor assegurado pelos sistemas de provisão pública. Isto tem sido defendido pela insuspeita OMS. No relatório sobre determinantes sociais de saúde, aqui sintetizado pelo João Rodrigues, baseado em extensa evidência empírica, conclui-se que «a comercialização de bens sociais vitais, como a educação e a saúde, produz iniquidade na área da saúde». É por isso que «a provisão destes bens sociais vitais deve ser da responsabilidade do sector público, em vez de ser deixada aos mercados». Funciona.

A "asfixia democrática" que não interessa ao PS e ao PSD

A democracia fica à porta das empresas.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

As explicações de Cavaco

Não, este não é um post sobre a mirabolante história das escutas em Belém. Algo mais grave devia preocupar Cavaco. O excelente relatório , elaborado pelo deputado do Bloco de Esquerda João Semedo sobre a Comissão de Inquérito ao BPN, formula as perguntas que ficaram por responder pelo Presidente da República no negócio das acções da SLN (detentora do BPN).

Cavaco Silva comprou, em 2001, acções da SLN (acções não transaccionadas em mercado aberto) pelo valor de 1 euro. Não se sabe a quem (à própria SLN?), nem o porquê da valorização a um euro de cada acção (valor facial de cada acção?). Dois anos depois, Cavaco e a filha vendem as mesmas acções a uma das sociedades da SLN, a SLN Valor, a 2,40 euros. Uma miraculosa valorização de 140%, que rendeu 360 mil euros à família Cavaco Silva.

Nada disto foi ilegal. No entanto, se o Presidente da Republica não explicar as origens e os porquês destas transacções e sabendo-se hoje a importância do tráfico de influências políticas no BPN, uma enorme dúvida pairará no ar. Terá Cavaco Silva, enquanto accionista bem remunerado da SLN, servido como chamariz de investidores da área política do PSD para um banco que funcionava num esquema quase piramidal, onde as entradas de capital eram uma necessidade constante? Sabendo o que sabemos hoje sobre a economia política e moral do cavaquismo, a resposta parece clara...

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A fraude como excepção?

A actual crise financeira parece ter posto a descoberto inúmeros casos de fraude financeira um pouco por todo o mundo. Se o caso de Bernard Madoff se apresentou como a maior fraude da história, Portugal foi também palco de vários esquemas similares. É certo que os bancos portugueses não embarcaram num esquema piramidal stricto sensu como o de Madoff, mas as fraudes e os crimes no, agora nacionalizado, Banco Português de Negócios (BPN), e as burlas aos clientes do Banco Privado Português (BPP) e do Banco Comercial Português (BCP) são variações de esquemas que prosperaram com a euforia dos mercados financeiros dos últimos anos e que agora caem como peças de dominó. Todos tiveram em comum a promessa feita aos seus clientes de rendimentos extraordinários para as suas poupanças e investimentos especulativos: os juros a prazo imbatíveis do BPN, os fundos de investimento supostamente garantidos do BPP, o crédito para compra de acções do próprio banco no caso do BCP, etc.

O resto pode ser lido aqui.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Engenheiros há muitos

Na semana passada ficámos a saber que um consórcio liderado pela Espírito Santo Saúde ganhou o concurso para a construção e gestão do hospital de Loures. Uma responsável do mesmo grupo já tinha afirmado à RTP, em 2007, que «melhor negócio do que a saúde só mesmo a indústria do armamento». Um grande e garantido negócio em parceria público-privada: os privados ficam com os lucros e o Estado com os riscos. A minha crónica semanal, publicada na passada segunda-feira no i, pode ser lida aqui. Agora entro de férias. Duas semanas sem crónicas.