Uma das exigências feita amiúde no contexto da crise do euro é a de uma maior solidariedade orçamental dos países europeus mais ricos para com os países mais pobres. Curioso observar como o que está a acontecer é exactamente o contrário.
O BCE anunciou na semana passada os seus lucros com a dívida pública dos países periféricos comprada no mercado secundário – no caso português o valor da dívida detida pelo BCE é de quase 23 mil milhões de euros. Em 2012, o Banco Central lucrou mil milhões de euros com os juros dos títulos gregos, portugueses, italianos, irlandeses e espanhóis. Não é muito. No entanto, segundo o Financial Times, se se tiver em conta o lucro não só do BCE, mas de todo o Eurosistema - que, no caso, diz sobretudo respeito aos bancos centrais dos países mais ricos -, o seu montante sobe para 14 mil milhões. Os juros pagos pelos países periféricos permitem lucros aos bancos centrais nacionais dos países mais ricos que, por sua vez, os transferirão para os seus orçamentos nacionais. Conclusão, através do negócio da dívida pública os estados periféricos subsidiam os estados do centro. Faz sentido.
Há uma excepção neste esquema, a Grécia. Neste caso, os lucros provenientes da dívida grega serão, em princípio, devolvidos a este país. “Bom aluno”, certo?
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
Mais ladrões
Tenho o prazer de vos anunciar que este blogue será muito em breve reforçado: a Sara Rocha, economista e activista da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida, e o João Galamba, economista e deputado, aceitaram o nosso convite para pedalar. Mais política, economia, economia política e política económica, sem separações artificiais, ancoradas numa esquerda que se quer tão plural quanto convergente no essencial, como diz a nossa apresentação.
Depois do 2 de Março: O país avalia a troika
«Quando a troika chega a Portugal para avaliar pela sétima vez o cumprimento do memorando de entendimento, o Congresso Democrático das Alternativas (CDA) promove uma outra avaliação.
Num contexto em que as previsões falham redondamente e nos ameaçam com mais cortes no Estado Social, é necessário um juízo crítico e rigoroso sobre as reais consequências para Portugal de dois anos de aplicação do memorando, nomeadamente no aumento da pobreza, das desigualdades e do desemprego, na fragilização das relações de trabalho, nos retrocessos na saúde e na educação, nas violações dos direitos sociais e constitucionais, na destruição da economia, no aumento da dívida, no estrangulamento orçamental, nos custos ambientais.
Recolhendo o contributo de especialistas e abrindo o debate à sociedade, o CDA convoca o sentido crítico e as alternativas para uma sessão pública aberta a todos e todas. É o momento de ser o País a avaliar a troika.»
Leituras
«Temos depois o caso do Terreiro do Paço onde só a continuada corrosão de carácter não paga imposto. Os factos não querem nada com Gaspar e o pior é que Gaspar também não quer nada com eles. Foi Gaspar que pretendeu impor uma mudança radical na TSU sem nunca provar a existência do tal "estudo" que alegadamente sustentava a medida. É o mesmo Gaspar que está confortável com um erro de 100% na sua previsão de recessão para 2013 e que, em cima desse surrealismo estratégico, desenhou um orçamento que agora se prepara para rever maquiavelicamente alegando que há compromissos (!) a cumprir (com quem?). (...) Este Executivo é um fracasso que governa para o falhanço dentro de ti ó falsidade.»
Do artigo de Sandro Mendonça no Diário Económico, «Fal-si-da-de»
«Depois de o Governo se ter rendido à realidade – o desastroso último trimestre de 2012 colocou o desemprego nos 17% - e admitido que precisa de mais tempo para o ajustamento, o País questiona-se sobre como foi possível chegar aqui. Há três hipóteses para explicá-lo. (...) Não é preciso concluir se Gaspar é um analista inexperiente, um jogador maquiavélico ou um estratega sádico para saber que, desde já, se impõem duas consequências: primeiro, que já não reúne condições para continuar como ministro das Finanças. Segundo, que, com o que sabemos hoje das economias portuguesa e europeia, o nosso ajustamento, precisa, para ser credível, não só de mais tempo, mas de ser qualitativamente diferente.»
Do artigo de Hugo Santos Mendes no Diário Económico, «Três hipóteses»
«Temos andado a viver claramente aquém das nossas possibilidades. A nossa política vive aquém das suas possibilidades políticas - ou seja, das possibilidades de nos dar novos possíveis. Quiseram convencer-nos de que o nosso grande problema foi termos andado vários anos a viver além - acima, para lá - das nossas possibilidades. É mentira, raios! Foi precisamente o contrário que aconteceu: andámos a viver aquém das nossas possibilidades enquanto portugueses, enquanto europeus e enquanto cidadãos. (...) A democracia, a inteligência e a vida dão-nos mais possibilidades do que isto. É preciso começar a viver de acordo com essas possibilidades.»
Do artigo de Rui Tavares no Público, «Aquém»
Do artigo de Sandro Mendonça no Diário Económico, «Fal-si-da-de»
«Depois de o Governo se ter rendido à realidade – o desastroso último trimestre de 2012 colocou o desemprego nos 17% - e admitido que precisa de mais tempo para o ajustamento, o País questiona-se sobre como foi possível chegar aqui. Há três hipóteses para explicá-lo. (...) Não é preciso concluir se Gaspar é um analista inexperiente, um jogador maquiavélico ou um estratega sádico para saber que, desde já, se impõem duas consequências: primeiro, que já não reúne condições para continuar como ministro das Finanças. Segundo, que, com o que sabemos hoje das economias portuguesa e europeia, o nosso ajustamento, precisa, para ser credível, não só de mais tempo, mas de ser qualitativamente diferente.»
Do artigo de Hugo Santos Mendes no Diário Económico, «Três hipóteses»
«Temos andado a viver claramente aquém das nossas possibilidades. A nossa política vive aquém das suas possibilidades políticas - ou seja, das possibilidades de nos dar novos possíveis. Quiseram convencer-nos de que o nosso grande problema foi termos andado vários anos a viver além - acima, para lá - das nossas possibilidades. É mentira, raios! Foi precisamente o contrário que aconteceu: andámos a viver aquém das nossas possibilidades enquanto portugueses, enquanto europeus e enquanto cidadãos. (...) A democracia, a inteligência e a vida dão-nos mais possibilidades do que isto. É preciso começar a viver de acordo com essas possibilidades.»
Do artigo de Rui Tavares no Público, «Aquém»
Conversas sobre o senso comum
Amanhã, 28 de Fevereiro:
Em Coimbra, Ana Cristina Santos (socióloga e investigadora do CES) e Sónia Araújo (psicóloga e formadora da APF) perguntam: «Em tempos de crise, os direitos sexuais são um luxo?». É na Sala Arte à Parte, Cafeteria Bar (Rua Fernandes Tomás, 29), a partir das 21h30.
Em Lisboa, Paulo Pedroso (ex-secretário de Estado do PS) e João Carlos Louçã (Antropólogo e co-autor do documentário «Desamarras») questionam: «O RSI estimula a preguiça?». É no Espaço MOB (Travessa da Queimada, 33), a partir das 21h30.
Dia 1 de Março, no Porto
Conversa-se sobre se «Os ciganos não se querem integrar?», com Maria José Casa-Nova (antropóloga) e Maria José Vicente (socióloga). É na Contagiarte (Rua Álvares Cabral, 372) a partir das 21h30.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Chegou a hora da verdade
Com o impasse político em Itália, a crise do euro está de volta, dizem os analistas. Na verdade, a crise nunca tinha ido embora porque o desemprego esteve sempre a subir na maior parte da Europa. As declarações de Mário Draghi no Verão de 2012, destinadas a apoiar o euro, a que se juntou a discussão de uma futura União Bancária, apenas travaram no curto prazo o colapso monetário e financeiro da zona euro, mas não travaram a marcha para o abismo das sociedades afectadas pela austeridade. Agora, mais de metade dos eleitores italianos quer mudar de rumo e, no mínimo, aceita um referendo sobre a saída da zona euro.
Por muito tentador que seja destacar a demagogia e o vazio programático do Movimento 5 Estrelas, o que mais importa é perceber as razões do seu fulgurante crescimento eleitoral. No essencial, as razões resumem-se em muito poucas palavras: desemprego e ausência de alternativa política. Hoje, tal como no período entre as duas grandes guerras do século passado, a política económica europeia está amarrada pelos dogmas do livre comércio e dos câmbios fixos (agora a moeda única, na altura o padrão-ouro). Na Alemanha, no inverno de 1932/33, após reduções dramáticas no subsídio de desemprego, quase metade das famílias de trabalhadores dependia de alguma forma de assistência pública.
Na prática, os sociais-liberais do PD italiano, partidários de uma austeridade suave dentro do euro, perderam as eleições. Os partidos à esquerda foram ignorados. A razão está à vista: não têm política económica alternativa. Ideologicamente vinculado ao europeísmo da moeda única e à globalização comercial e financeira, apenas resta a Pier Luigi Bersani esperar que estes resultados eleitorais convençam o triângulo Berlim-Bruxelas-Frankfurt a suspender a austeridade. Já agora, também na Grécia, na Irlanda, na Espanha e em Portugal. Perante o desespero que se instala, uma oposição centrista, com pose de respeitabilidade estudada, com retórica de “mais tempo para fazer o mesmo”, com programa que não explica como haverá investimento sem procura, tal oposição, não terá futuro nem dará futuro ao país.
No dia 2 de Março, o povo português está convocado para descer à rua e mostrar à troika e ao seu governo que não está disposto a deixar-se esmagar por um projecto político europeu feito à medida da finança e das elites beneficiárias da globalização desenfreada. Oxalá a manifestação seja exemplar. Ainda assim, não basta. Como bem explicou um respeitável analista político (Público, 25 Fev., p. 8), “gerir este “empobrecimento competitivo” de forma prolongada é o grande desafio da democracia. (…) mantendo o actual sistema partidário intacto, quererá dizer que “aguentaram””. Não podia ser mais claro.
De facto, só quando convertermos a energia do protesto de massa num programa político com política económica alternativa, fundamentada, sem meias palavras, assumida por cidadãos livres, então ficará claro que não vamos mesmo aguentar. Chegou a hora da verdade.
Eu vou
Eu vou à manifestação de 2 de Março. E são muitas as razões para não ficar em casa a assistir, pela televisão, enquanto outros lutam por mim.
(crónica publicada à quarta-feira no jornal i)
1. Os portugueses enfrentam uma taxa de desemprego de 17% e os jovens, em particular, uma taxa de 40%. Nunca este país conheceu taxas de desemprego desta dimensão. É óbvio para quase todos que a política de austeridade é a principal responsável pelo estrangulamento da economia portuguesa e, consequentemente, pela destruição de empresas e emprego. É óbvio, mas o governo e a troika persistem no erro.
2. A austeridade tem de ser derrotada: a que está para lá da troika, mas também a que se fica pela troika. Em contexto de recessão, a austeridade é sempre perversa. Não existe uma versão virtuosa. Numa economia em contração, quando o Estado corta na despesa ou aumenta os impostos, o resto da economia cai mais.
3. O governo e a troika não aprenderam com o fracasso da sua receita. O alargamento do prazo de ajustamento, por mais um ano, pedido pelo governo, não é para evitar ou para reduzir a austeridade a impor no futuro, mas sim porque a austeridade praticada no passado tornou impossível atingir a meta previamente acordada.
4. Não podemos permitir que curtas flexibilizações das metas e tímidas reestruturações da dívida continuem a ser feitas em cima de milhares de empresas e de empregos destruídos. Precisamos de uma verdadeira e profunda renegociação do programa de ajustamento e de uma séria e responsável reestruturação da dívida, precisamente, para evitar essa destruição. Não depois do mal estar todo feito, mas a tempo de evitar mais estragos.
5. Se é da União Europeia que pode vir parte da solução para a crise que atravessamos, então vamos mostrar aos líderes europeus que o povo português não partilha a postura submissa de Passos Coelho e de Vítor Gaspar. Vamos fazer com que se ouça em Berlim, Paris e Bruxelas o “basta” dos portugueses à austeridade. Seremos parte de um coro europeu.
6. Sim, sou deputado. E nessa condição combato este governo e a política de austeridade onde posso. E sim, sou cidadão português. E nessa condição combato este governo e a política de austeridade onde posso. Por isso, dia 2 de Março vou estar na rua.
(crónica publicada à quarta-feira no jornal i)
Apertem os cintos
Cito de memória o diálogo de um filme dos anos oitenta, «Aeroplano» (de Jim Abrahams e Jerry e David Zucker). Quando o avião se começa a descontrolar, um dos assistentes sugere um conjunto de procedimentos ao impreparado e improvisado piloto, tendo em vista estabilizar o aparelho. Mas o piloto responde que não, que nem pensar, que «fazer isso seria uma loucura irresponsável». Para dizer, de seguida, o que decidira fazer, em alternativa ao que lhe era proposto: levar a cabo os procedimentos que lhe tinham acabado de recomendar.
Vem isto a propósito, evidentemente, das garantias ontem dadas por Passos Coelho, de que «Portugal não quer nem mais dinheiro nem mais tempo» da troika. De facto, ao ser confrontado com o descarrilamento total dos objectivos do Memorando de Entendimento, o que o primeiro-ministro vai fazer é apenas discutir a possibilidade de dilatar, em mais um ano, o prazo estabelecido para o cumprimento do défice, nos 3% fixados pela UE. Nada de mais tempos nem de mais dinheiros, nem pensar. Mas não será isto uma espécie de renegociação? Sim. Só que nada tem que ver com as propostas loucas e irresponsáveis que têm sido feitas, à esquerda, nesse sentido. «Estamos na direcção correcta. Não existe necessidade de alterar a trajectória», afiança Passos Coelho.
O que quer isto dizer? Que a crise está superada? Não. O desemprego que alastra, as falências em catadupa, o empobrecimento sem fim estão aí para o demonstrar: estamos hoje muito pior do que quando a maioria de direita tomou posse. Quer então dizer que a austeridade está finalmente a chegar ao fim, a tornar-se desnecessária? Não. O primeiro-ministro prepara-se para reforçar a dose, antecipando para 2013 o corte de mais 4 mil milhões na despesa pública e esboroando assim ainda mais o consumo interno, numa economia que já se encontra em farrapos.
O que isto quer dizer é, como assinalava o Nuno Teles no dia em que o governo celebrava a fraude do «regresso aos mercados», que estamos a entrar formalmente no segundo resgate. Isto é, o financiamento de mercado chegar-nos-á eventualmente graças às intervenções do BCE, enquanto garante de última instância das dívidas soberanas dos países da zona euro. E a austeridade, que se prolongará criminosamente, está agora inscrita nas «condicionantes» referidas por Mario Draghi para que o BCE possa exercer esse papel, quando a troika já não andar por cá. Novas, redobradas e sucessivas medidas de corte orçamental e aumento de impostos, numa espiral destrutiva que não terá fim. É a isto que Passos Coelho e Vítor Gaspar chamam o início do fim do Memorando de Entendimento.
No Brasil, o título do filme de Jim Abrahams e Jerry e David Zucker foi traduzido por «Apertem os cintos... O piloto sumiu!». Sim, apertem os cintos: é isso que nos vão continuar a pedir para fazer, enquanto o avião continua a despenhar-se. Sim, apertem os cintos: o piloto não sumiu, apenas entrou em modo automático. Sim, apertem os cintos: mesmo que isso, como até aqui, não nos vá valer de rigorosamente nada. Se não for detido, o avião prosseguirá a sua rota suicida, até ao impacto final.
Vem isto a propósito, evidentemente, das garantias ontem dadas por Passos Coelho, de que «Portugal não quer nem mais dinheiro nem mais tempo» da troika. De facto, ao ser confrontado com o descarrilamento total dos objectivos do Memorando de Entendimento, o que o primeiro-ministro vai fazer é apenas discutir a possibilidade de dilatar, em mais um ano, o prazo estabelecido para o cumprimento do défice, nos 3% fixados pela UE. Nada de mais tempos nem de mais dinheiros, nem pensar. Mas não será isto uma espécie de renegociação? Sim. Só que nada tem que ver com as propostas loucas e irresponsáveis que têm sido feitas, à esquerda, nesse sentido. «Estamos na direcção correcta. Não existe necessidade de alterar a trajectória», afiança Passos Coelho.
O que quer isto dizer? Que a crise está superada? Não. O desemprego que alastra, as falências em catadupa, o empobrecimento sem fim estão aí para o demonstrar: estamos hoje muito pior do que quando a maioria de direita tomou posse. Quer então dizer que a austeridade está finalmente a chegar ao fim, a tornar-se desnecessária? Não. O primeiro-ministro prepara-se para reforçar a dose, antecipando para 2013 o corte de mais 4 mil milhões na despesa pública e esboroando assim ainda mais o consumo interno, numa economia que já se encontra em farrapos.
O que isto quer dizer é, como assinalava o Nuno Teles no dia em que o governo celebrava a fraude do «regresso aos mercados», que estamos a entrar formalmente no segundo resgate. Isto é, o financiamento de mercado chegar-nos-á eventualmente graças às intervenções do BCE, enquanto garante de última instância das dívidas soberanas dos países da zona euro. E a austeridade, que se prolongará criminosamente, está agora inscrita nas «condicionantes» referidas por Mario Draghi para que o BCE possa exercer esse papel, quando a troika já não andar por cá. Novas, redobradas e sucessivas medidas de corte orçamental e aumento de impostos, numa espiral destrutiva que não terá fim. É a isto que Passos Coelho e Vítor Gaspar chamam o início do fim do Memorando de Entendimento.
No Brasil, o título do filme de Jim Abrahams e Jerry e David Zucker foi traduzido por «Apertem os cintos... O piloto sumiu!». Sim, apertem os cintos: é isso que nos vão continuar a pedir para fazer, enquanto o avião continua a despenhar-se. Sim, apertem os cintos: o piloto não sumiu, apenas entrou em modo automático. Sim, apertem os cintos: mesmo que isso, como até aqui, não nos vá valer de rigorosamente nada. Se não for detido, o avião prosseguirá a sua rota suicida, até ao impacto final.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
As nossas grilhetas
Temos insistido, desde há vários anos, que tentar desenhar políticas a pensar nos voláteis e especulativos “mercados” é um exercício votado ao fracasso. Pois bem, um estudo recente de Paul De Grauwe e Yuemei Ji indica como a severidade da austeridade periférica é precisamente a expressão desse exercício votado ao fracasso em Estados sem soberania monetária, presos numa moeda que não controlam. O resto também era previsível e foi previsto: quanto mais intensa é a austeridade, maior a quebra do PIB e maior o subsequente aumento do peso da dívida no PIB. No fundo, trata-se de um estudo sobre efeitos perversos de ideias perversas inscritas em arranjos institucionais perversos. Deixo-vos dois gráficos ilustrativos das duas relações acima indicadas e uma mensagem que tem de ser cada vez mais clara: “À medida que se torna óbvio que a austeridade produz sofrimento desnecessário, milhões poderão tentar libertar-se das ‘grilhetas do euro’”.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Leituras
«A resposta, por mais que vejam, consecutivamente, que a austeridade conduz ao colapso da economia, a resposta [dos políticos europeus] é sempre mais e mais austeridade. (...) Isto lembra-me a medicina medieval. É como num sangramento, em que se tira sangue de um paciente porque a teoria diz que ele tem tumores malignos. Acontece que, quando se sangra, o paciente fica pior. E a resposta é fazer novos sangramentos, até que o paciente quase morre. O que está a acontecer à Europa é um pacto de suicídio mútuo.»
Joseph Stiglitz, em entrevista ao The Telegraph (via Câmara Corporativa)
«Quando a Europa deu asas à sua paixão pela austeridade, os seus altos funcionários não se preocuparam com o facto de a redução da despesa e o aumento de impostos em economias deprimidas aprofundar a depressão. Pelo contrário, eles insistiram em que essas políticas permitiriam relançar as economias, na medida em que inspiravam a confiança. Mas o conto de fadas da confiança não se realizou. Os países a que foram impostas medidas severas de austeridade entraram em profunda crise económica; quanto mais severa a austeridade, mais profunda a recessão. Na verdade, esse balanço tem sido tão forte que o próprio Fundo Monetário Internacional, num impressionante mea culpa, admitiu ter subestimado os danos que a austeridade iria infligir.»
Paul Krugman, «Austerity, Italian Style»
«Olli Rehn deixou tudo muito claro na passada sexta-feira. Perante as péssimas perspectivas de crescimento e emprego foi-lhe perguntado: "Encara alguma possibilidade de rever o programa grego?" (...) "A chave da recessão na Grécia não se explica principalmente pela austeridade, mas antes pela instabilidade política do país e pelos defeitos na implementação das reformas estruturais", respondeu o Comissário Europeu dos Assuntos Económicos. Mas a falha desta argumentação é que o abismo entre a realidade e os desejos de Bruxelas não afecta somente Atenas. (...) Os argumentos de Rehn não convencem a comunidade científica. A maioria dos dez economistas internacionais consultados pelo nosso jornal, acusa a Comissão por se ter empenhado em impor receitas que demonstraram estar erradas e de não ter mudado de rumo quando as suas políticas se estatelavam contra a realidade. (...) "A Comissão é a única a não ver o que se passava. São os responsáveis pela recessão, por terem empurrado todos os países ao mesmo tempo para uma cura de austeridade. Estamos numa recessão que foi auto-imposta. Não podiam ter sido mais estúpidos", dispara Paul de Grauwe, professor da London School of Economics.»
Da reportagem de Luís Doncel no El País, «Olli Rehn: veredicto, culpado»
Em dia de mais uma chegada da troika à Portela, é oportuno assinalar o fracasso da receita europeia e o aprofundar da crise. Mas é hora também de perguntar por Gaspar, o bom aluno siamês da linha económica com que se cose (e nos cose) Olli Rehn e a Comissão Europeia de Barroso. E de interpelar Portas e Passos, que se empenharam (e pretendem continuar empenhados) em «ir além da troika», exponenciando os efeitos criminosos da terapia austeritária. Tal como questionar Cavaco Silva, o candidato à presidência que acenava com a mais-valia, para o país, dos seus conhecimentos em Economia - mas que hoje apenas rompe o silêncio por causa das duas vogais com que se entretém. E perguntar pelas televisões, que mantém no ar, em horário nobre, os apóstolos cúmplices do desastre, os Camilos, os Bessas, os Catrogas, os Césares das Neves, os Medinas e restante comandita, poupando-os ao confronto com o fracasso dos seus mantras e demagogias.
Joseph Stiglitz, em entrevista ao The Telegraph (via Câmara Corporativa)
«Quando a Europa deu asas à sua paixão pela austeridade, os seus altos funcionários não se preocuparam com o facto de a redução da despesa e o aumento de impostos em economias deprimidas aprofundar a depressão. Pelo contrário, eles insistiram em que essas políticas permitiriam relançar as economias, na medida em que inspiravam a confiança. Mas o conto de fadas da confiança não se realizou. Os países a que foram impostas medidas severas de austeridade entraram em profunda crise económica; quanto mais severa a austeridade, mais profunda a recessão. Na verdade, esse balanço tem sido tão forte que o próprio Fundo Monetário Internacional, num impressionante mea culpa, admitiu ter subestimado os danos que a austeridade iria infligir.»
Paul Krugman, «Austerity, Italian Style»
«Olli Rehn deixou tudo muito claro na passada sexta-feira. Perante as péssimas perspectivas de crescimento e emprego foi-lhe perguntado: "Encara alguma possibilidade de rever o programa grego?" (...) "A chave da recessão na Grécia não se explica principalmente pela austeridade, mas antes pela instabilidade política do país e pelos defeitos na implementação das reformas estruturais", respondeu o Comissário Europeu dos Assuntos Económicos. Mas a falha desta argumentação é que o abismo entre a realidade e os desejos de Bruxelas não afecta somente Atenas. (...) Os argumentos de Rehn não convencem a comunidade científica. A maioria dos dez economistas internacionais consultados pelo nosso jornal, acusa a Comissão por se ter empenhado em impor receitas que demonstraram estar erradas e de não ter mudado de rumo quando as suas políticas se estatelavam contra a realidade. (...) "A Comissão é a única a não ver o que se passava. São os responsáveis pela recessão, por terem empurrado todos os países ao mesmo tempo para uma cura de austeridade. Estamos numa recessão que foi auto-imposta. Não podiam ter sido mais estúpidos", dispara Paul de Grauwe, professor da London School of Economics.»
Da reportagem de Luís Doncel no El País, «Olli Rehn: veredicto, culpado»
Em dia de mais uma chegada da troika à Portela, é oportuno assinalar o fracasso da receita europeia e o aprofundar da crise. Mas é hora também de perguntar por Gaspar, o bom aluno siamês da linha económica com que se cose (e nos cose) Olli Rehn e a Comissão Europeia de Barroso. E de interpelar Portas e Passos, que se empenharam (e pretendem continuar empenhados) em «ir além da troika», exponenciando os efeitos criminosos da terapia austeritária. Tal como questionar Cavaco Silva, o candidato à presidência que acenava com a mais-valia, para o país, dos seus conhecimentos em Economia - mas que hoje apenas rompe o silêncio por causa das duas vogais com que se entretém. E perguntar pelas televisões, que mantém no ar, em horário nobre, os apóstolos cúmplices do desastre, os Camilos, os Bessas, os Catrogas, os Césares das Neves, os Medinas e restante comandita, poupando-os ao confronto com o fracasso dos seus mantras e demagogias.
O que pode um país esperar?
O que pode um país esperar de uma combinação letal de incompetência, arrogância, ortodoxia económica e ligação a interesses que só prosperam quando a democracia é limitada? O que pode um país esperar de uma troika que insiste em aplicar com afinco uma receita, velha de décadas, que nunca funcionou e cujos estragos só foram minorados quando se dispôs de soberania monetária, de política cambial? O que pode um país esperar de quem disse que tudo no essencial ia bem, ao mesmo tempo que se evaporaram centenas de milhares de empregos, que se fragilizou a contratação colectiva e os direitos sociais, comprimindo ainda mais os rendimentos, a procura, ou seja, a principal razão, avançada pelos empresários, para a continuada quebra do investimento? O que pode um país esperar de quem procura disfarçar o que é inevitável e já está aliás em curso – uma reestruturação da dívida, mas nos tempos e nos interesses dos credores? É chegado então o momento de o país avaliar os avaliadores, denunciar o memorando e encetar um duro processo negocial, que reduza em profundidade o fardo da dívida e que permita recuperar instrumentos de política económica. Neste contexto, compreende-se que, nas ruas e não só, se insista em afirmar bem alto que “o povo é quem mais ordena”. Talvez no dia de 2 de Março tenha lugar a avaliação que mais conta.
Excertos no Público de hoje.
Excertos no Público de hoje.
domingo, 24 de fevereiro de 2013
2 de Março
Locais das manifestações agendadas no âmbito do «Movimento 2 de Março: o Povo é quem mais ordena» (via Aventar, em actualização): 10h00- Horta; 14h00- Tomar, Torres Novas; 14h30- Caldas da Rainha; 15h00- Braga, Coimbra, Covilhã, Londres, Marinha Grande, Paris (Consulado Geral de Portugal), Ponta Delgada, Santarém, Tomar, Viana do Castelo; 16h00- Aveiro, Beja, Castelo Branco, Chaves, Entroncamento, Faro, Funchal, Guarda, Leiria, Lisboa, Loulé, Portimão, Porto, Setúbal, Vila Real, Viseu; 16h30- Portalegre; 17h00- Barcelona; 18h00- Boston.
Pela n-ésima vez: a ‘produtividade do trabalho’ não é determinada pelo esforço dos trabalhadores
Volta não volta temos de voltar a isto. Um comentador económico aparece na televisão, põe um ar sério e ufano, e diz: “o problema da economia portuguesa é a baixa produtividade do trabalho”. E logo a seguir qualquer coisa do tipo “em Portugal trabalha-se pouco e mal” ou “os trabalhadores portugueses são preguiçosos” ou “é preciso liberalizar o mercado de trabalho para fazer as pessoas trabalhar mais”.
Este tipo raciocínio é tão absurdo que às vezes apetece-me responder ao mesmo nível, com algo do género:
QUEM DIZ QUE A BAIXA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO EM PORTUGAL SE DEVE À FALTA DE ESFORÇO DOS TRABALHADORES É IDIOTA OU DESONESTO – OU AMBOS.
Mas já percebi que esta é uma ideia feita que passa tão bem ou melhor que outros mitos do senso comum, pelo que vale a pena tentar, uma vez mais, desconstruir isto.
A produtividade é um conceito que remete para a relação entre factores produtivos e valor acrescentado pela produção. Ou seja, uma economia (ou um sector, uma empresa, etc.) é mais produtiva do que outra se consegue gerar mais valor acrescentado com os mesmos recursos, ou o mesmo valor acrescentado com menos recursos, ou uma mistura das duas. A produtividade, enquanto conceito, é importante porque existe uma forte associação entre o crescimento da produtividade e o crescimento económico – e, diria eu contra algumas sensibilidades, o aumento do bem-estar geral.
Se o conceito de produtividade é relativamente fácil de entender, é muitíssimo mais difícil de medir. O problema é que os factores produtivos são muitos e diversificados, e colocá-los sob a mesma unidade de medida é semelhante a querer comparar laranjas com maçãs.
Os factores de produção clássicos são a terra, o trabalho e o capital. Mas a terra não tem toda a mesma qualidade, existem infinitas formas de capital, e os tipos de trabalho utilizados na produção dos bens e serviços das sociedades modernas são tudo menos homogéneos – e, logo, dificilmente comparáveis. Para além disto poderíamos (e deveríamos) acrescentar factores de produção imateriais como o conhecimento científico e tecnológico, as formas de organização, etc. Medir isto tudo e colocar sob a mesma unidade de medida, para perceber se uma economia está a gerar mais ou menos valor com recursos produtivos equivalentes, é um bico-de-obra.
Esta é uma das razões pelas quais frequentemente se simplifica a análise usando um indicador que está facilmente disponível – um indicador que dá pelo maldito nome de “produtividade do trabalho”.
Em geral, quando os economistas falam em “produtividade do trabalho” referem-se a um rácio entre o valor acrescentado gerado numa economia e o número de trabalhadores (ou de horas trabalhadas) associados a essa produção num dado ano. Ou seja:
“Produtividade do trabalho”= “Valor acrescentado”/ “Nº de trabalhadores”
É só isto. Não há aqui nada a dizer se esta economia é muito ou pouco intensiva em capital (máquinas, equipamentos, redes de transportes e comunicações, etc.), nem a qualidade desse capital (já desgastado ou ainda novo, com grande incorporação de tecnologia avançada ou rudimentar), etc. Também não sabemos se esta economia recorre mais a trabalho altamente qualificado ou a mão-de-obra barata e desqualificada. Não sabemos se as empresas são bem ou mal geridas, como se posicionam nas cadeias de valor internacional, se assentam a sua competitividade nos baixos preços ou em factores avançados como o design de produto, a engenharia de produção ou a investigação e desenvolvimento.
O facto de o rácio acima apresentado ser mais elevado nuns países do que noutros é explicado por todos estes factores. Um país bem pode ter o povo mais esforçado do mundo que se não tiver máquinas e equipamentos modernos, boas infraestruturas e de transportes e comunicações, competências e conhecimentos avançados ou estratégias empresariais adequadas a cada contexto, terá sempre uma “produtividade do trabalho” modesta.
Por outras palavras, dizer que o nosso problema é a “baixa produtividade do trabalho” é o mesmo que dizer que chegámos ao que chegámos por culpa dos gambuzinos. Na verdade, é mais correcto atribuir a baixa produtividade da economia portuguesa aos gambuzinos do que dizer, com ar sério e ufano, que a culpa é da preguiça endémica que assola o nosso país.
Este post, escrito há mais de 5 anos, tentava avançar um pouco na discussão. Mas está visto que, volta não volta, temos de voltar ao tema.
Este tipo raciocínio é tão absurdo que às vezes apetece-me responder ao mesmo nível, com algo do género:
QUEM DIZ QUE A BAIXA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO EM PORTUGAL SE DEVE À FALTA DE ESFORÇO DOS TRABALHADORES É IDIOTA OU DESONESTO – OU AMBOS.
Mas já percebi que esta é uma ideia feita que passa tão bem ou melhor que outros mitos do senso comum, pelo que vale a pena tentar, uma vez mais, desconstruir isto.
A produtividade é um conceito que remete para a relação entre factores produtivos e valor acrescentado pela produção. Ou seja, uma economia (ou um sector, uma empresa, etc.) é mais produtiva do que outra se consegue gerar mais valor acrescentado com os mesmos recursos, ou o mesmo valor acrescentado com menos recursos, ou uma mistura das duas. A produtividade, enquanto conceito, é importante porque existe uma forte associação entre o crescimento da produtividade e o crescimento económico – e, diria eu contra algumas sensibilidades, o aumento do bem-estar geral.
Se o conceito de produtividade é relativamente fácil de entender, é muitíssimo mais difícil de medir. O problema é que os factores produtivos são muitos e diversificados, e colocá-los sob a mesma unidade de medida é semelhante a querer comparar laranjas com maçãs.
Os factores de produção clássicos são a terra, o trabalho e o capital. Mas a terra não tem toda a mesma qualidade, existem infinitas formas de capital, e os tipos de trabalho utilizados na produção dos bens e serviços das sociedades modernas são tudo menos homogéneos – e, logo, dificilmente comparáveis. Para além disto poderíamos (e deveríamos) acrescentar factores de produção imateriais como o conhecimento científico e tecnológico, as formas de organização, etc. Medir isto tudo e colocar sob a mesma unidade de medida, para perceber se uma economia está a gerar mais ou menos valor com recursos produtivos equivalentes, é um bico-de-obra.
Esta é uma das razões pelas quais frequentemente se simplifica a análise usando um indicador que está facilmente disponível – um indicador que dá pelo maldito nome de “produtividade do trabalho”.
Em geral, quando os economistas falam em “produtividade do trabalho” referem-se a um rácio entre o valor acrescentado gerado numa economia e o número de trabalhadores (ou de horas trabalhadas) associados a essa produção num dado ano. Ou seja:
“Produtividade do trabalho”= “Valor acrescentado”/ “Nº de trabalhadores”
É só isto. Não há aqui nada a dizer se esta economia é muito ou pouco intensiva em capital (máquinas, equipamentos, redes de transportes e comunicações, etc.), nem a qualidade desse capital (já desgastado ou ainda novo, com grande incorporação de tecnologia avançada ou rudimentar), etc. Também não sabemos se esta economia recorre mais a trabalho altamente qualificado ou a mão-de-obra barata e desqualificada. Não sabemos se as empresas são bem ou mal geridas, como se posicionam nas cadeias de valor internacional, se assentam a sua competitividade nos baixos preços ou em factores avançados como o design de produto, a engenharia de produção ou a investigação e desenvolvimento.
O facto de o rácio acima apresentado ser mais elevado nuns países do que noutros é explicado por todos estes factores. Um país bem pode ter o povo mais esforçado do mundo que se não tiver máquinas e equipamentos modernos, boas infraestruturas e de transportes e comunicações, competências e conhecimentos avançados ou estratégias empresariais adequadas a cada contexto, terá sempre uma “produtividade do trabalho” modesta.
Por outras palavras, dizer que o nosso problema é a “baixa produtividade do trabalho” é o mesmo que dizer que chegámos ao que chegámos por culpa dos gambuzinos. Na verdade, é mais correcto atribuir a baixa produtividade da economia portuguesa aos gambuzinos do que dizer, com ar sério e ufano, que a culpa é da preguiça endémica que assola o nosso país.
Este post, escrito há mais de 5 anos, tentava avançar um pouco na discussão. Mas está visto que, volta não volta, temos de voltar ao tema.
sábado, 23 de fevereiro de 2013
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
Surpresas
A Comissão Europeia, que rivaliza com o BCE para saber qual dos dois é o mais “sadomonetarista” à escala mundial, declarou-se “surpreendida”, é da mesma escola de Gaspar, com os efeitos das políticas que preconiza. A CE fala de “desenvolvimentos pobres do mercado de trabalho”, precisamente agora que os trabalhadores estão mais pobres e inseguros, menos protegidos pelo direito e pela acção colectiva. A CE prevê que a taxa de desemprego atinja 17,5%: centenas de milhares de empregos destruídos é uma obra em co-autoria com o resto da troika e com a sua correia de transmissão que dá pelo nome enganador de Governo de Portugal. 2014, segundo esta gente, é que ainda é, embora fique o alerta conveniente: “as perspectivas macroeconómicas estão claramente orientadas para a baixa”, devido à austeridade que preconizam para os outros e para nós. Perante isto e perante as regras do jogo que explicam isto, alguém ainda pode esperar alguma coisa da famosa solidariedade europeia? Será que há alguma alternativa à desobediência que começa à escala nacional, onde a democracia ainda pode contar? Isso sim, será uma verdadeira surpresa para quem manda.
Ladrões
O Pedro Nuno Santos estará daqui a pouco, com a Sara Rocha, em mais um debate da Cultra, no Porto. A conversa de Senso Comum de hoje faz-se em torno da pergunta: «Não há dinheiro?» É às 21h30, na Contagiarte (Rua Álvares Cabral, 372).
Mais logo, o Ricardo Paes Mamede estará no Expresso da Meia-Noite, na SIC Notícias.
Mais logo, o Ricardo Paes Mamede estará no Expresso da Meia-Noite, na SIC Notícias.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
Vencer o medo que nos paralisa
Chegou a hora de, finalmente, a sociedade portuguesa perceber que o Tratado Fiscal Europeu, ao travar a política que em escala adequada nos poderia salvar do desastre, fará de Portugal um país de emigrantes, envelhecido, pobre e definitivamente periférico. Não foi este o projecto europeu a que Portugal aderiu em 1986, mas não é uma alternativa responsável ficar à espera das eleições alemãs de Setembro, ou da quimera de uma Europa federal e democrática, para sabermos se o país pode ser salvo.
Uma alternativa viável e portadora de fundada esperança existe, embora a maioria da população ainda tenha medo dela. À direita e à esquerda, são muitos os que infundem o medo enunciando as calamidades que ocorreriam se deixássemos o euro. Uns dizem que não haveria dinheiro para salários e pensões na função pública – o que é falso, porque seria possível emitir moeda para cobrir o défice primário (défice
sem juros) sem qualquer risco de hiperinflação. Outros lembram que uma grande desvalorização corresponderia a uma perda equivalente no valor das poupanças – o que é falso, porque elas apenas seriam penalizadas por uma subida dos preços através dos produtos importados, portanto numa escala muito inferior. Outros ainda dizem que os bancos iriam à falência – o que é falso, porque o estado
deveria nacionalizá-los para garantir os depósitos e preservar o seu funcionamento, pelo menos enquanto gere a reestruturação da sua dívida externa. Os argumentos contra a saída do euro, muitos deles revelando ignorância e má-fé, têm livre curso na comunicação social, enquanto os argumentos a favor são quase um tabu. Para sairmos desta crise vamos ter de vencer o medo que nos paralisa.
Transparência
A economia política parece muito transparente nos seus mecanismos básicos: Lobo Xavier propõe “paraíso fiscal” para grupos empresariais, segundo manchete do Negócios. É como se, neste caso, bastasse começar por saber a resposta à pergunta que o Negócios fez há algum tempo atrás: “O que têm em comum a Sonae, a Mota-Engil, o fundo Vallis, a Riopele, a Fundação Serralves, a SIC Notícias, a Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, a ACEGE, a Associação Comercial do Porto, a Têxtil Manuel Gonçalves, a Jerónimo Martins e o CDS?” O resto é a natureza de um processo de integração feito para garantir externamente todas as vitórias internas desta gente.
Conversas sobre o Senso Comum, em Lisboa
Têm hoje início as sessões de Lisboa do Ciclo Conversas sobre o Senso Comum, promovido pela Cultra (Cooperativa Cultura, Trabalho e Socialismo). Ricardo Paes Mamede (Economista e larápio de bicicletas) e Sara Rocha (Economista e activista da IAC) dão o mote para a primeira conversa: «Sem Troika não há dinheiro para salários e pensões?». É no Espaço MOB, na Travessa da Queimada (Bairro Alto), a partir das 21h30.
A ideia de que o pedido de «ajuda financeira» (muitas aspas) à troika se revelou inevitável para assegurar o pagamento de salários e pensões é um dos pilares em que se sustentou, de forma mais decisiva, todo o processo de ajustamento e de intervenção externa (com o envelope ideológico que se lhes associa). E continua a ser um dos argumentos utilizados de forma recorrente pelo governo e pelos partidos da maioria que o suportam. Mas será que é mesmo assim? Havia alternativas? Onde é gasto o dinheiro relativo às tranches financeiras dessa «ajuda»? No pagamento de salários e pensões?
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Rever
O tempo passa e as previsões revêm-se: de uma contração prevista de 1% há uns meses atrás, Gaspar decidiu agora duplicar a parada e passar para uma contracção de 2%, sempre em 2013, superando em uma décima a última previsão dos seus amigos do Banco que não é de Portugal. O sentido do revisionismo em curso será sempre o mesmo, enquanto a ortodoxia económica se mantiver, e como ideólogo do BCE, ou seja, do euro, Gaspar está convicto da sua manutenção e por isso aproveitou para confirmar uma nova ronda de austeridade com cortes na despesa, ou seja, no rendimento, ao mesmo tempo que revê a taxa de desemprego em alta. É a realidade e os seus mecanismos keynesianos. Dado que o défice, e logo a seguir a dívida, é uma variável endógena, dependente do andamento da economia, como até redescobriu Cavaco recentemente, lá teremos mais um ano, como pedia Seguro há pouco tempo atrás. Nada mudará, claro. Nesta correlação de forças só teremos as condições gregas, que agora se pedem para a dívida detida apenas pelos credores oficiais, quando estes últimos nos virem gregos (nós já nos vemos gregos há muito...). Será uma reestruturação liderada pelos credores, nos seus tempos e nos seus interesses, que é de relações económicas internacionais que estamos a falar e neste campo parece demasiadas vezes que sem exercício de poder não há grande direito. Entretanto, podemos sempre apelar à solidariedade europeia. Aposto mesmo que alguns até chamarão solidariedade europeia ao triste futuro que se desenha à nossa frente.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Estruturas
A CEE, na situação actual, é a CEE do capital monopolista, é o mecanismo de consolidação da dominação do capitalismo americano-alemão na Europa.
Andreas Papandreou [fundador do PASOK], As estruturas da dependência, Le Monde Diplomatique, 1977, republicado em Fevereiro de 2013.
Os passados são mesmo muitos socialismos distantes. E o que é a UE na situação actual, dada a austeridade permanente ou a promoção do comércio dito totalmente livre, o tal proteccionismo das fracções fortes do capital? E o que dizem e fazem os socialistas? Fazem mais do que escrever cartas a constatar o óbvio, a sensibilizar e a apelar à obrigação moral de quem comanda a economia política actual? E quem denuncia e procura superar as estruturas da dependência?
Andreas Papandreou [fundador do PASOK], As estruturas da dependência, Le Monde Diplomatique, 1977, republicado em Fevereiro de 2013.
Os passados são mesmo muitos socialismos distantes. E o que é a UE na situação actual, dada a austeridade permanente ou a promoção do comércio dito totalmente livre, o tal proteccionismo das fracções fortes do capital? E o que dizem e fazem os socialistas? Fazem mais do que escrever cartas a constatar o óbvio, a sensibilizar e a apelar à obrigação moral de quem comanda a economia política actual? E quem denuncia e procura superar as estruturas da dependência?
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Destruição artificial...
Previsivelmente, Passos Coelho procurou, na semana passada, naturalizar a perversa destruição económica em curso, graças às políticas de austeridade, com uma menção à “selecção natural”. Como dizia o José Maria neste blogue, já há uns anos atrás, Darwin não tem culpa dos usos e abusos de Milton Friedman e dos escravos deste economista neoliberal…
sábado, 16 de fevereiro de 2013
Um país à deriva
O governo liderado por Passos Coelho e Paulo Portas está assim a colocar um número crescente de famílias e cidadãos no vazio, no limbo do total abandono. Mas não se pense que este é apenas o dano colateral do fracassado processo de ajustamento orçamental. Este é o mundo sinistro que Gaspar e Santos Pereira conceberam desde o início para «sair da crise»: quanto maior o desamparo, quanto mais desregulamentada a legislação laboral, quanto mais espicaçado o simples instinto de sobrevivência, tanto melhores as condições para competir através de baixos salários e assim reverter a balança comercial. O consumo interno, a economia doméstica, valem tanto como as pessoas que a constituem: nada. E é por isso imperioso continuar, com a mais distinta lata, a recitar o mantra do «risco moral associado a algumas prestações sociais», como referia recentemente o ministro Mota Soares, ao sugerir que é preciso «contrariar situações em que, (...) apesar de os beneficiários (...) terem capacidade e idade para o trabalho, possa ser preferível não o estarem a fazer por estarem a receber prestações sociais». Como se existisse um mar de empregos e oportunidades desaproveitados pela malandragem, numa economia que está hoje em estilhaços.
Tudo isto era mais que previsível e não faltou quem avisasse. A aposta exclusiva - e a qualquer preço social - nas exportações, mais do que perigosa, era um acidente à espera de acontecer. E por isso, só mesmo com a mais requintada desfaçatez pode o ministro Santos Pereira vir agora dizer que a culpa da quebra do PIB e do desemprego, superiores ao esperado, são uma surpresa e responsabilidade do desempenho da economia europeia, mergulhada na mesma receita em que a maioria tanto se tem empenhado (para lá do memorando). Como na anedota do agricultor que, apostado a ensinar um burro a passar fome, exclama a sua surpresa no dia em que o encontra morto: «que azar, logo agora que estava quase habituado a viver sem comer».
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013
Não há luz, só túnel
«As hipóteses de ignorância, fanatismo ideológico, convicção cega de que as finanças públicas são tudo, servilismo político ou comportamento aluado parecem frágeis para explicar a sequência fria, sistemática, encadeada, de deliberações sobre a economia portuguesa que a conduziram ao óbvio: à paralisia, à depressão, à miséria, ao abandono.
Mas os dados sobre uma realidade negra somam-se. O desemprego ontem, o produto interno bruto (PIB) hoje, o investimento amanhã. Enfim, a desconstrução da economia, da sociedade, das expectativas. Qual é a surpresa, se tudo se montou para que assim fosse? É preciso lembrar que em 2010, em Portugal, o crescimento foi 1,6%?
Já não é de crise que se trata. É de outra coisa. Crise, dizem os eruditos e lembramo-nos muitos de nós, é uma situação de passagem para outra fase, uma transição em que há mudança, mas não se desconstrói tudo, abrindo-se sempre um caminho. Aqui não há passagem para lado nenhum. É um estado em si mesmo: o empobrecimento pelo empobrecimento, a redução absurda do que somos, do que temos. Já nem a frase "desvalorização interna", que fez época, parece fazer sentido. É muito mais do que isso.
O assunto não é apenas português, bem se sabe. O centro da Europa afunda-se igualmente. A ideia deslumbrada de que só era preciso corrigir os nossos vícios, pois só nós fugíamos à regra, não tinha caminho para fazer. Nem cá, nem lá. O desígnio exportador como salvação era fruto desse moralismo sem base.
Alguém continuará a dizer-nos que isto é para preparar a retoma? Alguém ainda vem com a estafada metáfora da luz ao fundo do túnel? O que é claro é que é preciso destruir o túnel, porque ele não comporta luz, não tem saída. Como é que isso se faz? Com o inverso do que tem sido feito. Investimento público regenerador. Sanear os bancos para que deixem de se alimentar a si mesmos e financiem a economia. Regresso à economia real criadora de riqueza, emprego e bem-estar. Repartição justa do rendimento valorizando a procura interna que relance a economia.»
José Reis, no Público de hoje.
Mas os dados sobre uma realidade negra somam-se. O desemprego ontem, o produto interno bruto (PIB) hoje, o investimento amanhã. Enfim, a desconstrução da economia, da sociedade, das expectativas. Qual é a surpresa, se tudo se montou para que assim fosse? É preciso lembrar que em 2010, em Portugal, o crescimento foi 1,6%?
Já não é de crise que se trata. É de outra coisa. Crise, dizem os eruditos e lembramo-nos muitos de nós, é uma situação de passagem para outra fase, uma transição em que há mudança, mas não se desconstrói tudo, abrindo-se sempre um caminho. Aqui não há passagem para lado nenhum. É um estado em si mesmo: o empobrecimento pelo empobrecimento, a redução absurda do que somos, do que temos. Já nem a frase "desvalorização interna", que fez época, parece fazer sentido. É muito mais do que isso.
O assunto não é apenas português, bem se sabe. O centro da Europa afunda-se igualmente. A ideia deslumbrada de que só era preciso corrigir os nossos vícios, pois só nós fugíamos à regra, não tinha caminho para fazer. Nem cá, nem lá. O desígnio exportador como salvação era fruto desse moralismo sem base.
Alguém continuará a dizer-nos que isto é para preparar a retoma? Alguém ainda vem com a estafada metáfora da luz ao fundo do túnel? O que é claro é que é preciso destruir o túnel, porque ele não comporta luz, não tem saída. Como é que isso se faz? Com o inverso do que tem sido feito. Investimento público regenerador. Sanear os bancos para que deixem de se alimentar a si mesmos e financiem a economia. Regresso à economia real criadora de riqueza, emprego e bem-estar. Repartição justa do rendimento valorizando a procura interna que relance a economia.»
José Reis, no Público de hoje.
Hoje, no Porto
A segunda sessão do ciclo de Conversas sobre o Senso Comum, organizadas pela Cultra. João Teixeira Lopes e Luís Fernandes perguntam: «O que faz falta é sermos empreendedores?». A partir das 21h30 na Contagiarte (Rua Álvares Cabral, 372).
Vergonha e desfaçatez no Expresso
O semanário de referência português, o Expresso, publicou ontem uma notícia em linha com o seguinte título: "Sindicatos franceses querem transferir a produção de Cacia". Lemos o título e lamentamos a miopia dos trabalhadores franceses face aos seus camaradas portugueses. A caixa de comentários enche-se de chorrilhos anti-franceses e anti-CGTP.
Entretanto, lemos a notícia e a coisa fica mais clara. A fonte da notícia não é qualquer sindicato francês (as chamadas para França devem estar muito caras), mas sim um director de comunicação da Renault em Portugal. E, na verdade, nada é dito sobre reivindicações dos sindicatos franceses. Simplesmente a notícia é a das negociações entre Renault e sindicatos não se percebendo qual a origem da proposta sobre transferência de produção. O título é, por isso, enganador.
Fui ao sítio de Internet da CGT-Renault em França e descobri este comunicado de dia 12 de Fevereiro sobre as negociações. Relativamente à deslocalização da produção de Cacia encontramos isto: "Para Cléon, a direcção anuncia o fabrico de 60 000 caixas de velocidade J suplementares até 2016, caixas estas fabricadas actualmente na fábrica de Cacia em Portugal. Comentário da CGT: A concorrência entre localizações nunca fez nada de positivo pelo projecto industrial".
Vergonha. Espero que a notícia seja retirada quanto antes e que os trabalhadores da Renault em Portugal não se deixem enganar.
Questionar
O presente documento procura suscitar o debate sobre as origens e as respostas à presente
crise da zona euro, os modelos alternativos de gestão macroeconómica da UE e da zona euro,
bem como as implicações dos diferentes modelos para as possibilidades de saída da crise em
Portugal.
O documento encontra‐se organizado em torno de seis questões:
O documento encontra‐se organizado em torno de seis questões:
- Quais os fatores que estão na origem do advento da crise da zona euro e, em particular, da crise portuguesa?
- As respostas que têm sido encontradas ao nível europeu permitem superar a crise da zona euro?
- Estarão hoje a UE e zona euro melhor preparadas para prevenir crises como a atual e para gerir crises no caso da sua ocorrência futura?
- A arquitetura da governação económica na UE é favorável ao desenvolvimento das economias e das sociedades europeias?
- Por que é que a decisão de aderir ao euro suscitou uma quase unanimidade entre os economistas?
- Existem alternativas para a governação económica da UE que assegurem promovam uma saída para atual crise assente num desenvolvimento económico e social mais equilibrado?
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
A ouvir
Comentário de Octávio Teixeira na Antena 1. Do desastre em que estamos metidos às alternativas e seus fóruns.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
Cambiar
Os editoriais do Público têm sido demasiadas vezes demasiado complacentes com a política de austeridade. O de ontem não foi assim, estando mais alinhado com as notícias de economia: “a causa do arrefecimento do comércio externo explica-se com uma orientação de política que, baseando-se na austeridade, está a promover uma espiral recessiva no continente”. Juntem-lhe uma valorização do euro face ao dólar de mais de 10% desde o Verão e também face ao iene. Na realidade, uma desvalorização do dólar e do iene parece ser uma perspectiva mais adequada, até porque por lá há quem use a política cambial, como sublinha o indispensável Jacques Sapir. Já por Frankfurt temos um Constâncio em pose de falcão, preocupado com uma inflação residual, enquanto a taxa de desemprego bate novos recordes históricos. Assim, não é de admirar que as exportações nacionais de bens tenham caído cerca de 3,2% no último mês de 2012 em termos homólogos. Depois de terem recuperado da queda abissal de 2009, fruto da crise internacional, as exportações têm vindo a crescer menos em cada ano, desde 2010. Em 2012, já só a desvalorização do euro, entretanto revertida desde o Verão nos terá provavelmente valido. Em 2013, as exportações já não devem crescer de todo. Austeridade nacional e europeia e moeda forte são uma combinação letal para uma economia portuguesa muito debilitada por anos a fio entre a estagnação e a recessão.
Irlanda
Publicado em stereo no sítio da Iniciativa para uma Auditoria cidadã.
A anunciada reestruturação da dívida irlandês tem sido objecto de enorme confusão nos media. É fácil perceber porquê. Aquilo é complicado. Mas há limites e esta semana Marcelo Rebelo de Sousa, no seu comentário semanal, afirmava, com a sua habitual confiança, que a Irlanda, num "sucesso espectacular", tinha emitido dívida a 40 anos no valor de 20 mil milhões de euros a 3%, como se Irlanda tivesse ido "aos mercados". Asneira. A coisa é complicada, mas vale a pena tentar perceber.
1-Devido à crise financeira, a Irlanda foi obrigada a nacionalizar dois grandes bancos que se encontravam insolventes e sem acesso a liquidez. O problema de liquidez foi resolvido através de empréstimos de emergência (ELA) do Banco Central Irlandês (BCI) - o famoso Emergency Liquidity Assistance. Com os depositantes a fugirem destes bancos, os empréstimos do BCI permitiram que os compromissos com os depositantes fossem assumidos.Entretanto, estes bancos foram fundidos num novo, o IBRC.
2-O recurso ao ELA está longe de ser um exclusivo irlandês. O mesmo se passou (passa?) em Portugal. No entanto, estes empréstimos necessitam de "colateral": activos que servem de garantia ao Banco Central nos seus empréstimos. A banca Irlandesa não tinha activos suficientes e a recapitalização pública era demasiado elevada para o Estado se conseguir financiar nos mercados.
3-A solução alternativa foi a emissão de notas promissórias de dívida do estado Irlandês ao novo banco reestruturado. O Estado comprometeu-se a um conjunto de pagamentos a este banco ao longo de vários anos. Este novo banco ficou assim com activos, que podia dar como garantia no seu financiamento junto do BCI, resolvendo assim o problema de liquidez.
4-Todavia, estes títulos de dívida tinham uma maturidade curta e juros elevadíssimos (indexados aos títulos de dívida pública irlandesa nos mercados). Depois de um período de carência de juros que terminava este ano, o esforço financeiro do estado irlandês nos próximos tempos seria brutal, obrigando a novas "ondas" de austeridade.
5-O que parlamento irlandês aprovou na passada semana, foi a liquidação do IBRC, com as notas promissórias a serem trocadas por títulos de dívida pública, com menos juros e maiores maturidades. Na prática, a dívida do estado Irlandês reduz-se com esta troca de dívida.
6-Dado o seu objectivo inicial (garantia nos empréstimos ao BCI), esta troca só foi possível com a aquiescência do BCE. O BCE permitiu na prática um redução da dívida irlandesa com custos para si mesmo (as garantias valem bem menos agora) e os cidadãos irlandeses não serão obrigados a fazer o esforço que estava anteriormente previsto. Uma reestruturação, no fundo.
Responsabilidades e cumplicidades
Em Setembro de 2011 decorria na Fundação Calouste Gulbenkian a Conferência «Economia Portuguesa: Uma economia com futuro». Foi o primeiro evento público de grande dimensão organizado pela Rede Economia com Futuro e as respectivas intervenções seriam coligidas numa publicação, que passou a estar disponível na página da rede.(*)
Em Dezembro de 2011, realizou-se no Auditório do Cinema São Jorge, em Lisboa, a Convenção que formalizaria a Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública (IAC), tendo em vista conhecer e «dar a conhecer a dívida pública portuguesa nas suas parcelas: quem as contraiu e quais os seus credores; os seus montantes, prazos e juros; a finalidade que as justificou; o seu destino preciso». Cerca de dois anos mais tarde, em Janeiro passado, a IAC promovia o seu «Primeiro Encontro Nacional», em que se apresentou e discutiu um importante relatório do trabalho efectuado.
Em Outubro de 2012 teve lugar, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, o Congresso Democrático das Alternativas, que juntou cerca de 1700 pessoas, no culminar de um processo participado por mais de 4 mil subscritores e assente em debates temáticos preparatórios. A Declaração do Congresso, «Resgatar Portugal para um Futuro Decente», encontra-se disponível na respectiva página e enquadra o trabalho desenvolvido (e a desenvolver) desde então.
O que une estas iniciativas, entre tantas outras, que foram tendo lugar ao longo dos últimos tempos, marcados pela narrativa fraudulenta da «cura austeritária» e pela vigência do «Memorando de Entendimento»? Une-as, fundamentalmente, um sentido cívico de responsabilidade e de recusa da resignação. Uma procura séria de alternativas credíveis e consistentes ao desastre em que estamos mergulhados, como a realidade se tem encarregue de demonstrar.
Mas une-as, também, o «estripitoso silêncio» (para usar a certeira expressão do João Rodrigues) com que estas iniciativas têm sido brindadas pela comunicação social em geral. Em regra, estes eventos têm de facto sido tratados como meras notas de agenda, negligenciando-se desse modo (sobretudo no caso das televisões) a justificada análise, divulgação e discussão dos resultados e propostas a que tem sido possível chegar. O que contribui, obviamente, para legitimar o absurdo a que a solução austeritária nos continua a conduzir, ajudando assim à sobrevivência da tese da sua inevitabilidade, por mais que os sinais de fracasso e inviabilidade se vão acumulando.
O sentido de responsabilidade cívica de uns não tem tido, de facto (salvo honrosas excepções), correspondência no sentido de responsabilidade de outros. O silenciamento mediático nesta matéria, mesmo que inadvertido, é um silêncio cúmplice e cada vez mais incompreensível e irresponsável.
(*) No próximo sábado, 16 de Fevereiro, realiza-se uma nova conferência da Rede: «Economia Portuguesa: Propostas com Futuro». Tem lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, a entrada é livre e o respectivo Programa e textos de apoio podem ser consultados aqui.
Em Dezembro de 2011, realizou-se no Auditório do Cinema São Jorge, em Lisboa, a Convenção que formalizaria a Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública (IAC), tendo em vista conhecer e «dar a conhecer a dívida pública portuguesa nas suas parcelas: quem as contraiu e quais os seus credores; os seus montantes, prazos e juros; a finalidade que as justificou; o seu destino preciso». Cerca de dois anos mais tarde, em Janeiro passado, a IAC promovia o seu «Primeiro Encontro Nacional», em que se apresentou e discutiu um importante relatório do trabalho efectuado.
Em Outubro de 2012 teve lugar, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, o Congresso Democrático das Alternativas, que juntou cerca de 1700 pessoas, no culminar de um processo participado por mais de 4 mil subscritores e assente em debates temáticos preparatórios. A Declaração do Congresso, «Resgatar Portugal para um Futuro Decente», encontra-se disponível na respectiva página e enquadra o trabalho desenvolvido (e a desenvolver) desde então.
O que une estas iniciativas, entre tantas outras, que foram tendo lugar ao longo dos últimos tempos, marcados pela narrativa fraudulenta da «cura austeritária» e pela vigência do «Memorando de Entendimento»? Une-as, fundamentalmente, um sentido cívico de responsabilidade e de recusa da resignação. Uma procura séria de alternativas credíveis e consistentes ao desastre em que estamos mergulhados, como a realidade se tem encarregue de demonstrar.
Mas une-as, também, o «estripitoso silêncio» (para usar a certeira expressão do João Rodrigues) com que estas iniciativas têm sido brindadas pela comunicação social em geral. Em regra, estes eventos têm de facto sido tratados como meras notas de agenda, negligenciando-se desse modo (sobretudo no caso das televisões) a justificada análise, divulgação e discussão dos resultados e propostas a que tem sido possível chegar. O que contribui, obviamente, para legitimar o absurdo a que a solução austeritária nos continua a conduzir, ajudando assim à sobrevivência da tese da sua inevitabilidade, por mais que os sinais de fracasso e inviabilidade se vão acumulando.
O sentido de responsabilidade cívica de uns não tem tido, de facto (salvo honrosas excepções), correspondência no sentido de responsabilidade de outros. O silenciamento mediático nesta matéria, mesmo que inadvertido, é um silêncio cúmplice e cada vez mais incompreensível e irresponsável.
(*) No próximo sábado, 16 de Fevereiro, realiza-se uma nova conferência da Rede: «Economia Portuguesa: Propostas com Futuro». Tem lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, a entrada é livre e o respectivo Programa e textos de apoio podem ser consultados aqui.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
Aceitam a austeridade permanente?
O Parlamento está a aceitar prolongar por uma geração uma política de austeridade cega, que desdenha a avaliação nacional da realidade económica e das condições de vida da população, e aceita enfraquecer de forma decisiva a pouca soberania de política económica que lhe resta. Isto acontece num país com baixos níveis de educação e inovação, que se insere como um dos mais pobres num mercado único que não permite políticas fiscais e industriais que o favoreçam, e que já prescindiu das políticas monetária e cambial para entrar numa união monetária sem transferências orçamentais.
Rui Peres Jorge, Regra de ouro ou austeridade cega?, Negócios.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
O neoliberalismo por detrás da máscara
Quando apodamos de "neoliberais" políticas como as deste governo, volta e meia lá surge quem invoque a etimologia da coisa para argumentar que medidas como o aumento da carga fiscal ou as sui generis nacionalizações da banca em que o Estado rói o osso e deixa a carne têm pouco ou nada de liberais e muito de intervencionistas, pelo que o epíteto "neoliberal" seria automaticamente descabido. Entendamo-nos de uma vez, portanto: independentemente da etimologia, o laissez-faire económico é, quando muito, uma característica apenas secundária e amiúde dispensável do neoliberalismo. O que é absolutamente central é a predação do capital sobre o trabalho e a natureza, a expansão do privado à custa do comum, a prioridade ao lucro relativamente às necessidades humanas. O Estado e as suas possibilidades coercivas constituem, não um alvo a abater, mas um instrumento indispensável a mobilizar. Com extraordinário sucesso nas últimas décadas, acrescente-se.
Naturalmente, a resistência, o desespero e a indignação resultantes da engenharia social neoliberal são em si mesmos geradores de tensões anti-sistémicas, pelo que outra característica essencial do neoliberalismo, aliás já sugerida no parágrafo anterior, é a intensificação do biopoder: vigilância, encarceramento, subjugação e controlo são, não por coincidência, características das nossas sociedades que têm progredido a par e passo com a intensificação da desigualdade, da exploração e da predação dos recursos naturais. A figura em cima (retirada daqui) representa, lado a lado e para as últimas décadas, a evolução da percentagem do rendimento auferido pelo decil mais rico da população norte-americana e a da população "correccional" dos EUA (presos detidos e em liberdade condicional). Correlação não é causalidade, mas neste caso não é difícil identificar os nexos causais.
É certo que o caso norte-americano tem bastante de excepcional, incluindo uma "guerra contra a droga" concebida na década de 1970 para deflectir o potencial anti-sistémico do movimento dos direitos civis ou o facto de se tratar do país com a maior população "correccional", em termos tanto relativos como absolutos, em todo o mundo. Porém, o padrão é universal. Quando no espaço de poucas semanas ficamos a saber que o peso dos salários na economia portuguesa está a aproximar-se de mínimos históricos, que a população prisional do nosso país tem vindo a bater recordes e que as dívidas à Segurança Social superiores a 3.500€ passaram a ser puníveis com prisão até três anos, torna-se mais fácil ligar os pontos e vislumbrar, por detrás da máscara, a verdadeira face do neoliberalismo tardio - também na sua versão portuguesa.
Wallerstein em Portugal
Sociólogo de formação, proponente de uma ciência social pós-disciplinar, fundador da teoria dos sistemas-mundo, teórico controverso tanto dentro como fora dos marxismos, comentador regular da actualidade geopolítica e figura cimeira do movimento altermundialista, Immanuel Wallerstein estará em Portugal no final desta semana para diversas actividades, incluindo uma conferência pública na Fundação Calouste Gulbenkian (Auditório 2), sob o título “Crise e reconfigurações no âmbito do sistema-mundo”. Uma iniciativa do CIDAC, em articulação com a FCG, na próxima 5ª feira, 14/02, às 18h30. A não perder.
Agora Chipre
A propósito do "resgate" financeiro do Chipre a ser decidido hoje, escrevi este contributo para o sítio da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã.
domingo, 10 de fevereiro de 2013
Falemos do que importa
A arrogância do poder financeiro não existiria sem a segurança e a rédea solta que lhe dá o poder político. A sua solidez mostra o crescente fosso que separa a riqueza da pobreza. É o rosto do aprofundamento da tragédia das desigualdades. O inqualificável abuso da resiliência das vítimas da austeridade faz parte da mesma narrativa sacrificial que desde 2008 culpa os cidadãos pela crise do sistema financeiro. Mas estes têm em breve duas oportunidades para se unirem e recusar este estado de excepção que lhes rouba a vida: a 16 de Fevereiro, na manifestação convocada pela CGTP, e a 2 de Março, num uníssono que afirmará que o povo é quem mais ordena. Já no passado isto não agradou nada aos que concentram a riqueza.
Sandra Monteiro, Falemos da Riqueza.
Falemos também, no número de Fevereiro, do dossiê português sobre como cortar na dívida para crescer com o Estado social, com artigos de Eugénia Pires, Sara Rocha, Mário Jorge Neves, António Nabarrete e António Avelãs ou do dossiê sobre a Grécia, que conta, entre outros, com um artigo de Alexis Tsipras. Falemos de alternativas, então.
Sandra Monteiro, Falemos da Riqueza.
Falemos também, no número de Fevereiro, do dossiê português sobre como cortar na dívida para crescer com o Estado social, com artigos de Eugénia Pires, Sara Rocha, Mário Jorge Neves, António Nabarrete e António Avelãs ou do dossiê sobre a Grécia, que conta, entre outros, com um artigo de Alexis Tsipras. Falemos de alternativas, então.
sábado, 9 de fevereiro de 2013
Europa social?
Há muito tempo que não recomendamos a tradução de um livro. Em Portugal ainda há demasiada gente que gosta de inventar uma tradição progressista que teria tido uma real influência na condução da economia política da integração europeia. Esta breve, mas acutilante, história crítica da construção europeia, com um título esclarecedor – A Europa social não terá lugar – e que lhe dá estrutura, é um bom antídoto contra este hábito de pensamento, indicando como o neoliberalismo, que não surge nos anos setenta, ao contrário de algumas histórias apressadas, mas muito antes, é influente neste processo de construção institucional de mercados desde o início. Entre outros pontos, os autores indicam como a social-democracia europeia mais avançada foi até tarde céptica em relação ao que via como sendo a integração europeia realmente existente, a do grande capital, o mesmo não se podendo dizer das suas alas direitas nos países centrais à integração. Paradoxalmente, quase todos os social-democratas aderiram a este processo, muitos com a fé dos recém-convertidos, precisamente quando o neoliberalismo se intensificou a partir dos anos oitenta, tendo na integração europeia um dos seus principais veículos políticos. Os indivíduos fazem a história, mas em circunstâncias que não escolheram, que herdaram do passado, já dizia Marx. As circunstâncias herdadas, o neoliberalismo inscrustado nas instituições europeias, e a economia política de uma área cada vez mais heterogénea do ponto de vista socioeconómico, obstáculo, cada vez mais intransponível, a acordos com impactos redistributivos relevantes, indicam-nos que a “Europa social”, que certa esquerda parece destinada a invocar, infelizmente com impotência e irrelevância crescentes, não passa de uma miragem. Os resultados provisório das negociações para o residual quadro orçamental europeu plurianual aí estão: cortes que enterram a última ideia, na senda das agendas de Lisboa e quejandos, de compensar as austeridades nacionais com relançamentos europeus. Para encarar as coisas como elas são e pensar nas alternativas, é preciso encarar as coisas como elas foram sendo feitas. Este pequeno livro dá uma grande ajuda.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
Hoje, no Porto
Tem início o segundo ciclo de Conversas sobre o Senso Comum, organizadas pela Cultra (Cooperativa Cultura, Trabalho e Socialismo). Francisco Louçã pergunta: «Isto não vai lá com manifestações?». É a partir das 21h30 na Contagiarte (Rua Álvares Cabral, 372).
O federalismo, a democracia e as alternativas
O líder do Partido Socialista reivindicou esta semana “Uma Europa federal, onde cada Estado e cada pessoa estejam em pé de igualdade”. E especificou que precisamos de “um governo económico e político para que possa haver instrumentos eficazes para contrariar a crise que atravessamos”. Mas não há notícia de que tenha defendido um referendo sobre a escolha desse caminho. Nisso é fiel à história da “construção europeia”, a de evitar tanto quanto possível que o povo seja consultado e, quando o resultado não convém, repetir a consulta após pressões, negociações e pequenas cedências. Na lógica de Jean Monet, aproveita-se cada crise para avançar por “pequenos passos”. Acontece que o método está esgotado. Vejamos porquê.
A estratégia inicial de lançar processos de federalização política, económica e monetária em simultâneo, defendida em 1947 pelo economista Maurice Allais num congresso da União Europeia dos Federalistas, foi bem acolhida. Mas com o tempo foi substituída pela estratégia de unificação por etapas, que já era defendida em 1943 por um europeísta alemão que conspirou contra Hitler, Carl Friedrich Goerdeler: “Será imediatamente criada uma união económica europeia, com um conselho económico permanente. A unificação política não precederá, antes seguirá, a união económica.” Ao contrário do que habitualmente se pensa, desde o início que o caminho para o federalismo europeu foi determinado pela cultura alemã. Por isso o sonho de Delors de uma união orçamental com impostos federais e transferências entre estados, a par da união monetária, não era politicamente viável.
Chegados aqui, os europeus confrontam-se com escolhas decisivas sobre a concretização do sonho europeu. Uma das opções é a saída da crise através do federalismo: emissão de dívida supranacional; financiamento directo dos estados-membros pelo BCE; orçamento supranacional alimentado por impostos europeus, mas também responsável pelo pagamento de um conjunto de prestações sociais; um parlamento federal com duas câmaras, a dos deputados eleitos em sufrágio europeu e a dos representantes dos estados. Como sabemos, esta opção não encaixa na visão que os alemães têm de si próprios e do seu lugar no mundo. Mais ainda, a presente crise reduziu substancialmente o apoio eleitoral em vários países ricos a tudo o que signifique menos soberania nacional. Pior, o sonho federalista cria a expectativa de que a Alemanha ainda poderá aceitar, em tempo útil, uma solução supranacional para a crise. Por isso retira credibilidade e força negocial às forças políticas que nas periferias se opõem ao desastre social.
Aceitar o caminho imposto pela Alemanha também é uma opção. À política monetária única junta-se uma instância intergovernamental (governo económico) que exercerá a tutela dos orçamentos e das políticas económicas dos estados tendo em vista eliminar a respectiva política orçamental e vinculá-los ao modelo do ordoliberalismo germânico, se necessário com a ajuda do Tribunal de Justiça. Como está à vista, esta opção não só elimina a possibilidade de qualquer estado-membro adoptar políticas de promoção do crescimento económico pelo lado da procura, como lança na recessão a própria zona euro. Mais ainda, para se furtarem ao juízo democrático, os poderes supranacionais travam a realização de referendos (caso da Grécia) e exigem aos países em crise governos chefiados por políticos neoliberais, de preferência com currículo no mundo da finança. No mínimo, social-liberais respeitadores dos tratados. A evolução do desemprego, o clamor da rua e os resultados eleitorais acabarão por pôr em causa esta opção.
Resta uma terceira opção, a de romper com o actual quadro institucional. Será tomada por estados-membros em profunda crise e consistirá na recuperação da soberania sobre a moeda e o orçamento, e na revitalização da democracia. Logo que um dê este passo, o caminho fica aberto para os restantes. Começará então o longo, muito longo, processo da refundação do projecto europeu, baseado na cooperação política e não no jugo dos mercados, numa moeda comum para os que quiserem e não numa moeda única gerida por ideólogos disfarçados de tecnocratas, numa aceitação da diversidade cultural e política e não na germanização da Europa. Porque sem a emergência de um povo europeu não haverá estado federal europeu.
(O meu artigo de ontem no jornal i, versão integral em papel)
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
Medo
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
É a procura, estúpido!
Os economistas e os comentadores económicos que vêm defendendo a austeridade e a desvalorização interna como forma de sair da crise continuam a ignorar os avisos dos empresários. Não deixa de ser caricato que os maiores defensores da livre iniciativa e dos “empreendedores” não levem a sério estes apelos. Que achem que os trabalhadores e os desempregados tenham de aguentar as consequências da austeridade, à luz do que defendem, ainda se percebe.
No entanto, já é mais difícil entender que ignorem o que dizem os empresários. Em mais um inquérito semestral do INE a milhares de responsáveis empresariais ficámos a saber que, depois de uma quebra de 26,4% no investimento empresarial durante o ano de 2012, se perspectiva uma nova queda de 4,2%.
Quando é pedido às empresas que elenquem as principais razões da redução do seu investimento, 63% respondem com a deterioração das perspectivas de vendas, 12% com a incerteza sobre a rentabilidade dos investimentos e apenas 9% mencionam a dificuldade em obter crédito bancário. Assim, ao contrário do que apregoam o primeiro-ministro e todos os economistas e comentadores económicos ao serviço da estratégia da desgraça, a razão principal da queda do investimento privado é a redução da procura e não a dificuldade em obter financiamento bancário. Numa economia em que dois terços do que se produz é dirigido ao mercado interno, o dinamismo da procura interna é determinante para a viabilidade e a sobrevivência do nosso país.
O estrangulamento a que está a ser sujeita a nossa economia interna, através da austeridade e da desvalorização salarial, é estúpido e criminoso. Não é a destruição do mercado interno que vai aumentar as exportações portuguesas; apenas destrói empresas e emprego. E algumas dessas empresas, que ontem viviam do mercado interno, amanhã poderiam tornar-se exportadoras. Infelizmente, com esta estratégia, acabaram por morrer antes de poderem viver essa oportunidade.
(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)
No entanto, já é mais difícil entender que ignorem o que dizem os empresários. Em mais um inquérito semestral do INE a milhares de responsáveis empresariais ficámos a saber que, depois de uma quebra de 26,4% no investimento empresarial durante o ano de 2012, se perspectiva uma nova queda de 4,2%.
Quando é pedido às empresas que elenquem as principais razões da redução do seu investimento, 63% respondem com a deterioração das perspectivas de vendas, 12% com a incerteza sobre a rentabilidade dos investimentos e apenas 9% mencionam a dificuldade em obter crédito bancário. Assim, ao contrário do que apregoam o primeiro-ministro e todos os economistas e comentadores económicos ao serviço da estratégia da desgraça, a razão principal da queda do investimento privado é a redução da procura e não a dificuldade em obter financiamento bancário. Numa economia em que dois terços do que se produz é dirigido ao mercado interno, o dinamismo da procura interna é determinante para a viabilidade e a sobrevivência do nosso país.
O estrangulamento a que está a ser sujeita a nossa economia interna, através da austeridade e da desvalorização salarial, é estúpido e criminoso. Não é a destruição do mercado interno que vai aumentar as exportações portuguesas; apenas destrói empresas e emprego. E algumas dessas empresas, que ontem viviam do mercado interno, amanhã poderiam tornar-se exportadoras. Infelizmente, com esta estratégia, acabaram por morrer antes de poderem viver essa oportunidade.
(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)
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