A tradição dos oprimidos ensina-nos que o ‘estado de excepção’ em que vivemos é a regra. Temos de chegar a um conceito de história que corresponda a esta ideia. Só então se perfilará diante dos nossos olhos, como a nossa tarefa, a necessidade de provocar o verdadeiro estado de excepção; e assim a nossa posição na luta contra o fascismo melhorará.
Walter Benjamin, “Sobre o Conceito da História” [1940], in O Anjo da História, Assírio & Alvim, Lisboa, 2017, p. 13.
São onze horas de uma manhã luminosa de domingo e sento-me num banco, à sombra de uma magnólia, no Jardim Botânico, um dos mais bonitos jardins que conheço, talvez mesmo o mais bonito. Apesar do cuidado e de alguns melhoramentos, os efeitos do furacão Leslie, de 2019, ainda se veem aqui e ali, dada a austeridade perpétua.
Estou à sombra, às onzes horas, de calções e t-shirt. Durante a hora e meia que aqui estou, passam por mim turistas norte-americanos - “look at the magnolias”, gritaram, com aquele entusiasmo uniformizado -, franceses, italianos e espanhóis.
Não arrefeço, levanto-me simplesmente porque tenho fome. As alterações climáticas são reais, o capitaloceno é real.
Parece que estamos num eterno Portugal dos Pequenitos, cada vez dependente de uma especialização turística insustentável e que nos menoriza produtivamente, reduzidos ao estatuto de semicolónia, com uma elite compradora, sem qualquer préstimo.
Acabei de ler A Travessia de Benjamin, romance histórico, da autoria do norte-americano Jay Parini, sobre Walter Benjamin. Desde que li o ensaio “Sobre o conceito de história” que ando no rasto deste marxista, alemão e judeu. Li o ensaio com a ajuda de Michel Löwy e do seu método “talmúdico”.
O romance, entretanto, transporta-nos para o tempo sombrio que foi o de Benjamin e para os contextos macro e micro históricos que culminam na sua trágica morte na fronteira franco-espanhola, em 1940.
Infelizmente, o Benjamin de Parini parece ser, aqui e ali, inverosimilmente liberal ou estranhamente apolítico, como se estivesse nos EUA na década de 1990, em flagrante contraste com algumas das citações que marcam cada capítulo. Benjamim é aí visto na primeira pessoa e revisto por pessoas que com ele privaram, uma escolha que resulta para arquitetar imaginativamente alguém que, pelos vistos, era algo esquivo e muito indeciso.
Benjamin assumiu uma leitura original do “materialismo histórico”, fórmula que este crítico radical da civilização capitalista e das suas barbáries usa. Ele sabia que “nem os mortos estarão seguros se o inimigo vencer”. E o inimigo venceu, foi derrotado e venceu de novo, mas não de forma irremediável. Isso não existe, mesmo que os escombros se amontoem quando o anjo é arrastado e olha de frente, para trás, de costas voltadas para o futuro.
À tarde anotarei estas e outras “ocorrências”, como aconselha Miguel Esteves Cardoso, algumas mais científicas, espero; jantarei e conversarei com o meu filho; e, mais à noite, começarei a ler as Teses ao Congresso do Partido com que simpatizo e com que empatizo. Haja esperança, apesar de tudo. E luta, certamente.