Como já argumentei, um especulador no mercado de futuros não é obrigado a deter qualquer contacto directo com as mercadorias que está a manipular. Num contrato de futuros de petróleo comprometo-me, por exemplo, a comprar petróleo a 130 dólares em Julho. Como não quero ter petróleo no meu quintal, planeio vender o meu contrato a quem realmente precisa durante o mês de Junho. A minha aposta especulativa é que, até lá, o preço do petróleo irá ser superior aos 130 dólares. Se muita gente raciocinar da mesma forma, como parece estar a acontecer pelo gráfico abaixo, então o preço futuro do petróleo aumenta. Este aumento esperado, num mercado onde a informação é particularmente opaca e a procura é razoavelmente inelástica (as quantidades procuradas variam pouco em função do preço), deveria conduzir a maiores compras no presente da parte de quem «realmente» precisa de petróleo (como, por exemplo, a GALP). Os preços no presente aumentariam. O resultado esperado seria assim um aumento dos stocks de petróleo. Existem indícios nesse sentido. O uso de petroleiros para armazenar petróleo por parte do Irão parece estar a colocar alguns entraves nos canais de distribuição do «ouro negro». No entanto, segundo os dados disponíveis, esta não parece ser a tendência geral.
Os stocks globais de petróleo estão aparentemente a diminuir. Será isto um indício que afinal não há especulação alguma? Não. Do lado da procura, se as petrolíferas avaliarem os preços como especulativos, irão adiar as suas decisões de compra o máximo possível, esperando que, entretanto, a bolha especulativa rebente. Até lá, vão vivendo dos seus stocks. Mas, no caso do petróleo, não devemos olhar só para a sua procura, mas sobretudo para quem o vende e, sobretudo, o controla. Se a quase monopolista OPEP observa os preços futuros a aumentarem, é natural que não esteja disposta a vender a sua produção por preços muito mais baratos...
Nota: O aumento dos preços nunca poderá dever-se na sua totalidade à especulação. Mas esta pode ajudar e muito. Para a especulação existir, têm que existir elementos razoáveis que apoiem a aposta num aumento dos preços futuro. O aumento da procura mundial e a instabilidade dos países produtores parecem ser, neste caso, duas das razões «reais» para o aumento da procura.
sexta-feira, 30 de maio de 2008
Especulação I
Já aqui me tinha referido aos movimentos especulativos que dominam os mercados de matérias primas e como estes movimentos se devem sobretudo aos mercados financeiros e aos seus contratos de futuros. Entretanto, devido ao aumento dos preços dos combustíveis e à cada vez mais consensual avaliação que boa parte da subida dos preços do petróleo se deve a um movimento especulativo, a blogoesfera neoliberal veio em peso negar a evidência ou defender o papel dos especuladores. Difícil tarefa.
Luís Aguiar Conraria argumenta que a especulação ajuda à estabilidade de preços. Como? As bolhas especulativas são, por definição, aumentos de preços muito acima dos supostos «fundamentais» do mercado. Mais cedo do que tarde, as bolas explodem, conduzindo a quedas abruptas dos preços. No entanto, para LAC, o mercado funciona quase sempre de forma perfeita, tendencialmente em equilíbrio, com informação disponível para todos, com agentes mais ou menos omniscientes e sem qualquer relação de poder. Quem especula sabe bem que não é assim: expectativas precárias, incerteza, assimetria, volatilidade e reflexividade. Seja como for, o caso do mercado do petróleo, onde os agentes são poucos e actuam de forma concertada, é bem emblemático de como os mercados podem variar e furar as análises. Aliás, no seu quadro de referência, a especulação nem sequer existe. Para ser rigoroso, LAC devia, por isso, substituir «especulação» por «arbitragem».
Luís Aguiar Conraria argumenta que a especulação ajuda à estabilidade de preços. Como? As bolhas especulativas são, por definição, aumentos de preços muito acima dos supostos «fundamentais» do mercado. Mais cedo do que tarde, as bolas explodem, conduzindo a quedas abruptas dos preços. No entanto, para LAC, o mercado funciona quase sempre de forma perfeita, tendencialmente em equilíbrio, com informação disponível para todos, com agentes mais ou menos omniscientes e sem qualquer relação de poder. Quem especula sabe bem que não é assim: expectativas precárias, incerteza, assimetria, volatilidade e reflexividade. Seja como for, o caso do mercado do petróleo, onde os agentes são poucos e actuam de forma concertada, é bem emblemático de como os mercados podem variar e furar as análises. Aliás, no seu quadro de referência, a especulação nem sequer existe. Para ser rigoroso, LAC devia, por isso, substituir «especulação» por «arbitragem».
quinta-feira, 29 de maio de 2008
Uma boa questão
«Por que não nacionalizar» a Galp? A pergunta de Mário Crespo é pertinente. A privatização da Galp foi uma grande irresponsabilidade: desperdício de recursos públicos e enriquecimento de alguns grandes capitalistas. As virtudes da existência de um sector empresarial do Estado começam a ser reconhecidas. Pragmatismo. Sobre este tema ver o que já escrevemos aqui, aqui ou aqui.
Responsabilidade, exigência e esperança
«Os que nos juntamos neste apelo, vindos de sensibilidades e experiências diferentes, partilhamos os valores essenciais da esquerda em nome dessa exigência. É tempo de buscar os diálogos abertos e o sentido de responsabilidade democrática que têm de se impor contra o pensamento único, a injustiça e a desigualdade». Este apelo, subscrito por pessoas de diversos quadrantes da esquerda portuguesa - de Carlos Brito a Manuel Alegre, passando por Helena Roseta ou por Francisco Louçã -, tem de ser a base para um esforço político consistente para construir uma alternativa à neoliberalização gradual do país conduzida pelo bloco central. Exigência e responsabilidade são as palavras-chave. E, talvez, esperança.
quarta-feira, 28 de maio de 2008
O neoliberalismo não é um chavão e o seu estudo só agora começou
Este seminário é para todos os que se interessam por história das ideias e pelo seu impacto político. O norte-americano Philip Mirowski é um dos mais importantes historiadores e estudiosos da ciência económica da actualidade. E é um orador impressionante. Eu já assisti em Manchester à sua «performance» e garanto-vos uma sessão animada. Ninguém se aborrece. Autor de obras como More Heat than Light ou Machine Dreams: Economics becomes a Cyborg Science, Mirowski coordenou um trabalho colectivo de investigação sobre as origens (nos anos quarenta) do neoliberalismo, a sua crescente influência intelectual e política a partir dos anos setenta, o papel dos bem financiados «think-tanks», essa inovação na «tecnologia de persuasão», neste processo e as diferentes escolas - Chicago, Ordoliberalismo, Economia Austríaca ou Teoria da Escolha Pública - que integram este poderoso, flexível e plural «colectivo intelectual». O livro está para sair. Sem teorias da conspiração. Apenas um aturado trabalho de arquivo e de investigação e muito conhecimento da história das ideias e da história política e económica. Fica a perceber-se melhor o que é isso do neoliberalismo, por que é que os neoliberais rejeitam o rótulo, a sua imensa habilidade táctica e estratégica e até o que é que a esquerda tem a aprender com eles se quiser ganhar de novo a iniciativa na luta das ideias que definem as políticas. Não percam.
terça-feira, 27 de maio de 2008
Leia-se Sócrates onde está Blair...
Vitalino Canas, porta-voz das empresas de trabalho temporário, diz que «o PS está consciente das dificuldades do país e partilha da visão de Mário Soares» (Público). Alguém acredita nisto? Mário Soares afirmou no DN: «Depois de duas décadas de neoliberalismo, puro e duro - tão do agrado de tantos que se dizem socialistas, como desgraçadamente Blair - uma boa parte da Esquerda dita moderada e europeia parece não ter ainda compreendido que o neoliberalismo está esgotado». A mensagem tem destinatários claros: todos os que abandonaram, na condução da política económica, qualquer horizonte de reforma das estruturas económicas do capitalismo realmente existente; todos os que se renderam ao ar do tempo, ou seja, todos os que se renderam à política de promoção da concorrência mercantil num número crescente de esferas da vida social; todos os que acham que o «socialismo» até é compatível com o «liberalismo» económico (Vital Moreira sabe bem que é esse o sentido que o elástico termo liberalismo tem em França; de qualquer forma, a «modernização» do PS local ocorreu na prática há mais de duas décadas); todos os que vão gerindo o atrofiamento do Estado Social ou o alastramento do desemprego e da precariedade que generalizam a «ficção grosseira» do trabalho como mercadoria (esta última ideia é de Karl Polanyi, um autor cuja obra continua a conter muitas das ferramentas teóricas de que a esquerda socialista necessita hoje em dia); todos os que deixaram cair o combate à desigualdade; enfim, todos os que são parte activa da «neoliberalização» gradual do país que gerou uma imensa fractura social e um modelo económico que está hoje esgotado. Em suma, a direcção política do PS.
Um debate sobre o que importa
A Corrente de Opinião Socialista do PS no Porto vai organizar mais um debate sobre políticas públicas. É já no próximo sábado. No país mais desigual da Europa, o tema é mais do que oportuno.
Deixo aqui um excerto do artigo de André Freire, professor de ciência política no ISCTE, que saiu no Público de hoje. É sobre alternativas no campo da política económica com escala global: «Perante os sucessivos problemas do capitalismo desregulado, é urgente pensar nas alternativas. O jornalismo de referência tem aqui um papel fundamental, caso contrário estará a funcionar, voluntária ou involuntariamente, como um mero reprodutor das ideias dominantes. Mas os cientistas sociais que não se revêem no mainstream neoliberal têm também uma certa responsabilidade na fraca divulgação destas alternativas: mais empenhamento cívico precisa-se! As alternativas podem ser de difícil exequibilidade, sobretudo no curto e médio prazo, pois implicam uma alteração nas orientações políticas das grandes potências e das instituições internacionais (UE incluída), mas existem [o artigo escrutina algumas contribuições dadas por economistas heterodoxos]. Mais, ou reflectimos sobre elas e pensamos nas vias mais curtas e pragmáticas para a sua implementação, ou corremos o risco de, perante uma recessão mais cavada ao nível mundial, se entrar numa profunda deriva proteccionista e, quiçá, num novo conflito bélico mundial». Isto tem tudo a ver com o combate à desigualdade. Que é tarefa para toda a esquerda socialista e para todas as escalas.
Deixo aqui um excerto do artigo de André Freire, professor de ciência política no ISCTE, que saiu no Público de hoje. É sobre alternativas no campo da política económica com escala global: «Perante os sucessivos problemas do capitalismo desregulado, é urgente pensar nas alternativas. O jornalismo de referência tem aqui um papel fundamental, caso contrário estará a funcionar, voluntária ou involuntariamente, como um mero reprodutor das ideias dominantes. Mas os cientistas sociais que não se revêem no mainstream neoliberal têm também uma certa responsabilidade na fraca divulgação destas alternativas: mais empenhamento cívico precisa-se! As alternativas podem ser de difícil exequibilidade, sobretudo no curto e médio prazo, pois implicam uma alteração nas orientações políticas das grandes potências e das instituições internacionais (UE incluída), mas existem [o artigo escrutina algumas contribuições dadas por economistas heterodoxos]. Mais, ou reflectimos sobre elas e pensamos nas vias mais curtas e pragmáticas para a sua implementação, ou corremos o risco de, perante uma recessão mais cavada ao nível mundial, se entrar numa profunda deriva proteccionista e, quiçá, num novo conflito bélico mundial». Isto tem tudo a ver com o combate à desigualdade. Que é tarefa para toda a esquerda socialista e para todas as escalas.
segunda-feira, 26 de maio de 2008
Ciência versus mercado
Um dos campos onde a expansão do mercado é mais clara é o da produção intelectual. Os direitos de propriedade intelectual conheceram uma notável expansão nos últimos vinte anos. Hoje, as patentes e direitos de autor abarcam novos domínios, subvertendo o seu sentido original, e têm um horizonte temporal cada vez maior. Tudo em nome da criação de mercados onde os incentivos pecuniários sejam «eficientes». Esquecem-se assim todas as motivações íntrinsecas que comandam a criação intelectual. Um segundo movimento de «enclosures» está em curso.
Se bem que sejam os sectores da música e do cinema os mais debatidos, é, talvez, no campo da ciência que se jogam as implicações mais graves deste movimento. O recente caso do recurso aos tribunais por parte do gigante farmacêutico Pfizer (é a multinacional que produz o Viagra) contra a revista científica de medecina New England Journal of Medecine é paradigmático. A multinacional queria obrigar os editores da revista a tonarem público o nome dos revisores científicos de um artigo que apontava um conjunto de efeitos secundários de dois dos seus medicamentos. O objectivo era obviamente desacreditar os revisores, mas a implicação de tal acto seria a mudança das regras que ainda preservam a credibilidade da investigação científica: o anonimato dos autores em relação aos revisores e vice-versa.
Felizmente, a decisão dos tribunais foi contrária ao desiderato da multinacional. No entanto, esta guerra está longe de ser ganha por quem quer preservar o conhecimento científico dos míopes interesses da indústria.
Se bem que sejam os sectores da música e do cinema os mais debatidos, é, talvez, no campo da ciência que se jogam as implicações mais graves deste movimento. O recente caso do recurso aos tribunais por parte do gigante farmacêutico Pfizer (é a multinacional que produz o Viagra) contra a revista científica de medecina New England Journal of Medecine é paradigmático. A multinacional queria obrigar os editores da revista a tonarem público o nome dos revisores científicos de um artigo que apontava um conjunto de efeitos secundários de dois dos seus medicamentos. O objectivo era obviamente desacreditar os revisores, mas a implicação de tal acto seria a mudança das regras que ainda preservam a credibilidade da investigação científica: o anonimato dos autores em relação aos revisores e vice-versa.
Felizmente, a decisão dos tribunais foi contrária ao desiderato da multinacional. No entanto, esta guerra está longe de ser ganha por quem quer preservar o conhecimento científico dos míopes interesses da indústria.
Estado Social e Servidão
Carlos Abreu Amorim (CAA) do blasfémias é um dos neoliberais que acho que vale a pena ler com regularidade (atenção: neoliberal, como já aqui argumentei, não é um insulto ou um slogan). Vejam esta reflexão de carácter geral: «A maior parte dos insucessos históricos do liberalismo devem-se ao mesmo vício de raciocínio: no afã de aplicar uma fórmula beatificada pelas palavras dos seus evangelhos que tanto gostam de glosar, na ânsia pretensiosa de julgarem ver mais longe, esquecem-se daquilo que está defronte dos seus próprios olhos. E desdenham a resposta concreta para os problemas mais candentes do quotidiano da generalidade das pessoas».Pena é que antes tenha escrito esta posta mais concreta sobre o Estado Social asfixiante e ineficiente e a sua «servidão».
Acho que esta ideia não resiste a uma confrontação mínima com a realidade. Algumas notas: (1) o peso das despesas sociais em Portugal é inferior à média da UE27, o que reflecte a natureza recente e incompleta do nosso Estado Social; (2) o peso dos impostos também é inferior e a sua progressividade deixa muito a desejar e está sob pressão; (3) os países com menores desigualdades, que só Estados Sociais robustos garantem, tendem ter menos corrupção, a exibir maiores níveis de satisfação com a democracia, a ter menos repressão e violência social e até maior mobilidade social. O Estado Social é então um ingrediente fundamental para uma sociedade decente e tolerante. E isto até é favorável à competitividade económica e à inovação institucional em economias abertas. É altura dos neoliberais abandonarem a tese de F. Hayek sobre o Estado Social e a economia mista como plano inclinado para a servidão (Hayek usa e adapta Tocqueville e parece-me mais relevante para esta discussão): desde 1944 que a história mostra que aconteceu precisamente o contrário. Também em Portugal, a luta permanente pela criação, difusão e consolidação do Estado Social é inseparável da democracia e da expansão das liberdades. E da sua extensão ao mundo do trabalho assalariado, onde se decide muito do que a maioria dos indivíduos pode ser ou fazer nas outras esferas da vida.
Acho que esta ideia não resiste a uma confrontação mínima com a realidade. Algumas notas: (1) o peso das despesas sociais em Portugal é inferior à média da UE27, o que reflecte a natureza recente e incompleta do nosso Estado Social; (2) o peso dos impostos também é inferior e a sua progressividade deixa muito a desejar e está sob pressão; (3) os países com menores desigualdades, que só Estados Sociais robustos garantem, tendem ter menos corrupção, a exibir maiores níveis de satisfação com a democracia, a ter menos repressão e violência social e até maior mobilidade social. O Estado Social é então um ingrediente fundamental para uma sociedade decente e tolerante. E isto até é favorável à competitividade económica e à inovação institucional em economias abertas. É altura dos neoliberais abandonarem a tese de F. Hayek sobre o Estado Social e a economia mista como plano inclinado para a servidão (Hayek usa e adapta Tocqueville e parece-me mais relevante para esta discussão): desde 1944 que a história mostra que aconteceu precisamente o contrário. Também em Portugal, a luta permanente pela criação, difusão e consolidação do Estado Social é inseparável da democracia e da expansão das liberdades. E da sua extensão ao mundo do trabalho assalariado, onde se decide muito do que a maioria dos indivíduos pode ser ou fazer nas outras esferas da vida.
Combater as desigualdades salariais
Bruto da Costa identifica uma questão crucial na entrevista ao Público: uma das principais fontes de pobreza e de desigualdade em Portugal é a abismal polarização salarial. A polarização está associada ao peso dos salários de pobreza. Este estudo sobre o «multiplicador da igualdade» indica que os países com menor desigualdade salarial antes de impostos são também aqueles onde mais se aposta nas despesas sociais. Naturalmente, são os países que registam menores taxas de pobreza. Os autores chamam-lhe o «multiplicador da igualdade». Por exemplo, os países escandinavos têm um terço das desigualdades de rendimento dos EUA antes de impostos e gastam duas vezes mais em despesas sociais.
A maior igualdade salarial nestes países não é espontânea, mas sim o resultado de arranjos institucionais criados historicamente, em larga medida, por pressão do forte movimento sindical. Concertação social, negociação colectiva com algum nível de centralização e instituições de coordenação salarial asseguram uma evolução mais igualitária dos salários e das condições de trabalho nos diversos sectores. Sindicatos fortes, mais voz do trabalho organizado e políticas de pleno-emprego. É «só» isso que é necessário para alcançar este padrão. Curiosamente, Bruto da Costa é presidente do Conselho Económico e Social. Talvez isto explique o seu apelo a uma maior democracia nas empresas. Já defendemos isso várias vezes neste blogue.
Todas estas instituições, para além das virtudes de uma maior igualdade e de favorecerem soluções mais cooperativas que ajudam nos processos de mudança social, também favorecem a modernização económica e aumentos de produtividade. A ideia foi formulada por um influente economista sindical sueco - Rudolf Meidner: a política salarial solidária coloca maior pressão sobre as empresas menos produtivas e favorece as empresas mais produtivas. É como se os salários baixos fossem considerados um subsídio às primeiras que há que bloquear. A transição é facilitada por políticas de formação, treino e reconversão (vejam os níveis de investimento na formação, em percentagem do PIB, nos países escandinavos).
É claro que isto requer uma atenção a complementaridades institucionais várias. Isto só é possível com empresas mais ou menos blindadas e com núcleos accionistas estáveis. O contrário do míope e iníquo modelo anglosaxónico de capitalismo financeirizado centrado na bolsa, na aposta na liquidez e na chantagem permanente do capital. Temos de pensar em termos sistémicos. Para qual variedade queremos convergir?
A maior igualdade salarial nestes países não é espontânea, mas sim o resultado de arranjos institucionais criados historicamente, em larga medida, por pressão do forte movimento sindical. Concertação social, negociação colectiva com algum nível de centralização e instituições de coordenação salarial asseguram uma evolução mais igualitária dos salários e das condições de trabalho nos diversos sectores. Sindicatos fortes, mais voz do trabalho organizado e políticas de pleno-emprego. É «só» isso que é necessário para alcançar este padrão. Curiosamente, Bruto da Costa é presidente do Conselho Económico e Social. Talvez isto explique o seu apelo a uma maior democracia nas empresas. Já defendemos isso várias vezes neste blogue.
Todas estas instituições, para além das virtudes de uma maior igualdade e de favorecerem soluções mais cooperativas que ajudam nos processos de mudança social, também favorecem a modernização económica e aumentos de produtividade. A ideia foi formulada por um influente economista sindical sueco - Rudolf Meidner: a política salarial solidária coloca maior pressão sobre as empresas menos produtivas e favorece as empresas mais produtivas. É como se os salários baixos fossem considerados um subsídio às primeiras que há que bloquear. A transição é facilitada por políticas de formação, treino e reconversão (vejam os níveis de investimento na formação, em percentagem do PIB, nos países escandinavos).
É claro que isto requer uma atenção a complementaridades institucionais várias. Isto só é possível com empresas mais ou menos blindadas e com núcleos accionistas estáveis. O contrário do míope e iníquo modelo anglosaxónico de capitalismo financeirizado centrado na bolsa, na aposta na liquidez e na chantagem permanente do capital. Temos de pensar em termos sistémicos. Para qual variedade queremos convergir?
domingo, 25 de maio de 2008
Enviar o «Consenso de Washington» para o caixote do lixo da história
A comissão internacional para o crescimento e desenvolvimento, presidida por Michael Spence, Prémio Nobel da Economia em 2001, divulgou recentemente o seu relatório final. Ainda não li. O tempo não dá para tudo. Fica o interessante sumário do Financial Times de sexta-feira: «o ‘Consenso de Washington’ - estabilizar, privatizar, liberalizar - está morto. Longa vida ao novo pragmatismo». Esta parece ser, segundo o FT, a mensagem central do relatório. Não há grande novidade aqui. Nada que muitos economistas do desenvolvimento, partindo da experiência dos países que foram submetidos ao tal consenso e dos ingredientes do sucesso económico asiático, não tivessem identificado há algum tempo. No entanto, é sempre bom sublinhar, como parece fazer o relatório (ainda segundo o FT), alguns pontos básicos: (1) nenhum país registou taxas de crescimento elevadas sem investimentos públicos maciços em infra-estruturas, educação e saúde para todos; (2) não há crescimento sem um compromisso público com o combate às desigualdades extremas nos resultados alcançados e com a criação política de ampla igualdade de oportunidades (aqui está o principal bloqueio do nosso país na actualidade); (3) as questões ambientais devem de ser encaradas desde os primeiros estádios do processo de crescimento.
Uma articulação de Estado e de mercados, com regras e fronteiras contestadas e em permanente evolução. As ideias da impureza económica e da economia mista parecem estar de volta. De forma discreta e gradual, mas também de forma segura. Ainda bem. Este é um terreno muito mais favorável para a teoria económica crítica e para políticas públicas progressistas. Aqui há muito trabalho a fazer em Portugal. No nosso país, o combate à desigualdade de rendimentos ainda é considerado «populista» ou questão de inveja (discute-se a suposta motivação de quem defende políticas igualitárias em vez da substância do argumento). Isto quando até o Banco Mundial, a partir de extenso trabalho empírico, reconhece finalmente que a desigualdade excessiva é um importante obstáculo ao desenvolvimento económico.
Uma articulação de Estado e de mercados, com regras e fronteiras contestadas e em permanente evolução. As ideias da impureza económica e da economia mista parecem estar de volta. De forma discreta e gradual, mas também de forma segura. Ainda bem. Este é um terreno muito mais favorável para a teoria económica crítica e para políticas públicas progressistas. Aqui há muito trabalho a fazer em Portugal. No nosso país, o combate à desigualdade de rendimentos ainda é considerado «populista» ou questão de inveja (discute-se a suposta motivação de quem defende políticas igualitárias em vez da substância do argumento). Isto quando até o Banco Mundial, a partir de extenso trabalho empírico, reconhece finalmente que a desigualdade excessiva é um importante obstáculo ao desenvolvimento económico.
sábado, 24 de maio de 2008
Dois anos a pedalar
Vão à fonte
Tenho uma sugestão a fazer aos leitores do DN. Em vez de lerem este trabalho de «opinião» e este editorial sobre a expansão do sector privado na área da saúde, vão directamente à fonte: Associação Portuguesa de Hospitalização Privada. Esses ao menos não fingem ser jornalistas. Assim se confirma que a linha editorial do DN está hoje entregue ao mais desbragado populismo neoliberal. A realidade não interessa. Só a ideologia da direita intransigente e o poder do dinheiro. De qualquer forma, tenho uma sugestão para o governo que tem apoiado esta expansão: acabem com convenções, PPP’s e benefícios fiscais às despesas privadas em saúde. A perniciosa expansão dos grupos privados rentistas seria imediatamente travada. Poupe-se dinheiro e invista-se na provisão pública através do SNS. Ainda não se inventou um método mais igualitário e eficiente para garantir níveis decentes de saúde. Para todos.
Desigualdade e corrosão dos sentimentos morais
A jornalista Barbara Ehrenreich identificou no seu livro Salário de Pobreza, um notável ensaio/reportagem sobre as trabalhadoras pobres nos EUA, «uma estranha propriedade óptica da nossa sociedade altamente polarizada e desigual». Esta «estranha propriedade» torna «os pobres quase invisíveis aos seus superiores económicos». E já se sabe que o desconhecimento alimenta todos os preconceitos de classe. De facto, investigação em economia política crítica tem sublinhado que «regras do jogo» que produzem resultados socioeconómicos desiguais tendem, por sua vez, a gerar normas sociais que legitimam este padrão e que fortalecem a ideologia do individualismo possessivo. Esta ideologia tende a ver a pobreza como o resultado de más escolhas individuais ou de simples falta de sorte na lotaria da vida. Surge assim um discurso que procura separar os pobres merecedores de caridade e de piedade dos pobres perigosos, moralmente deformados, e que devem por isso ser controlados e punidos. A hegemonia de ideias erradas e moralmente repugnantes sobre a questão social é então a expressão de um sistema socioeconómico crescentemente injusto e que tende a alimentar, num círculo vicioso, visões cada vez mais distorcidas do mundo e da vida. Segue-se a apresentação de alguma evidência empírica que suporta a ideia de que os problemas da pobreza e da desigualdade não são separáveis. O artigo completo pode ser lido no esquerda.
sexta-feira, 23 de maio de 2008
A pobreza e as desigualdades não são inevitáveis
Alfredo Bruto da Costa é um dos mais destacados investigadores dos problemas socioeconómicos em Portugal e está prestes a publicar um importante estudo sobre a pobreza. As conclusões não são brilhantes. A entrevista que deu a António Marujo do Público é de leitura obrigatória. Identifica de uma forma clara e certeira os principais problemas com que o país está confrontado e a melhor forma de os resolver. Na melhor tradição da economia política. Voltaremos a isto com mais tempo. Por agora ficam algumas citações:
«Se não há mudança social, não pode haver erradicação da pobreza. Se os programas não tocam no resto da sociedade, tentam resolver a pobreza dentro do universo da pobreza, mas não estão a resolver as causas».
«A outra parte - os pobres que estão empregados, por conta própria ou por conta de outrem - não se resolve com política social, é um problema económico».
«O que importa que o capital esteja disseminado quando quem continua a mandar são os grandes? A democratização do capital deve ser também a democratização da empresa».
«Num mercado economicamente liberal, temos que saber se é possível alguma vez termos pleno emprego. Eu tenho dúvidas».
«Por definição: se tenho um problema de repartição primária (o dos salários), ele resolve-se por via da política económica».
«Se não há mudança social, não pode haver erradicação da pobreza. Se os programas não tocam no resto da sociedade, tentam resolver a pobreza dentro do universo da pobreza, mas não estão a resolver as causas».
«A outra parte - os pobres que estão empregados, por conta própria ou por conta de outrem - não se resolve com política social, é um problema económico».
«O que importa que o capital esteja disseminado quando quem continua a mandar são os grandes? A democratização do capital deve ser também a democratização da empresa».
«Num mercado economicamente liberal, temos que saber se é possível alguma vez termos pleno emprego. Eu tenho dúvidas».
«Por definição: se tenho um problema de repartição primária (o dos salários), ele resolve-se por via da política económica».
Que fazer?
Acho que o governo não deve usar recursos públicos para tentar travar o aumento do preço dos combustíveis. As «conspirações contra o público» e o poder económico podem ser escrutinados e controlados. Isto não sai caro, embora seja díficil no actual contexto. O governo pode e deve atenuar os efeitos do aumento do preço dos combustíveis sobre os cidadãos mais pobres e/ou ecologicamente mais responsáveis: reforço das prestações sociais e bloqueio dos preços dos transportes públicos são as prioridades imediatas. Justiça social e sustentabilidade ambiental. Isto é uma oportunidade para mudar comportamentos. Aqui a política pública também é crucial: investir nos transportes colectivos, aproveitando e incentivando o previsível aumento da procura. Igualdade e ambiente juntos uma vez mais. A subida de preços deve também ser vista como uma oportunidade para, com investimento público bem dirigido, reforçar a aposta nas energias renováveis, área onde se diz que o país pode construir vantagens competitivas interessantes. O governo deu alguns sinais positivos. Quanto muito pecam pela timidez. Alguém tem mais ideias? Ideias que não passem por reduzir os impostos sobre os combustíveis, relaxar as regras que protegem o ambiente e os cidadãos, perpetuar uma perniciosa cultura do automóvel privado ou premiar comportamentos ambientalmente irresponsáveis. A política que interessa é uma luta contra «a tirania das pequenas decisões» que gera resultados globais desastrosos. A crise é sempre uma oportunidade. Para as boas e para as más ideias.
quinta-feira, 22 de maio de 2008
A desigualdade é o nosso constrangimento
«Portugal foi hoje apontado em Bruxelas como o Estado-membro com maior disparidade na repartição dos rendimentos, ultrapassando mesmo os Estados Unidos nos indicadores de desigualdade». Diz o Público que o relatório da Comissão «revela não haver qualquer correlação entre a igualdade de rendimento e o nível de resultados económicos». Muito bem. Parece que a coisa se inverteu. Já houve um tempo em que os neoliberais nos garantiam que o aumento das desigualdades era o preço a pagar pela riqueza das nações. Hoje estamos muito longe da ideia simplista de que existe um «trade-off» necessário entre equidade e eficiência. A equidade e a eficiência podem ter uma interacção virtuosa. Questão de políticas. E a desigualdade excessiva é um obstáculo ao desenvolvimento. Como afirmou Pranab Bardhan, um dos mais importantes economistas do desenvolvimento, «em sociedades desiguais é muito mais difícil construir o consenso e organizar a acção colectiva para adoptar reformas com efeitos de longo prazo e para esforços cooperativos para resolver problemas». Aliás, o Público nota que «se forem comparados os coeficientes de igualdade de rendimentos dos Estados-membros com o respectivo PIB (Produto Interno Bruto) por habitante constata-se que os países como um PIB mais elevado são, na sua generalidade, os mais igualitários». É por estas e por outras que o combate às desigualdades tem de ser a grande prioridade no nosso país. Mais e melhor Estado Social. Isto exige uma alteração profunda da correlação de forças nos campos intelectual, social e político. Questão de contra-movimento.
quarta-feira, 21 de maio de 2008
A irresponsável privatização da Galp
Vale a pena ler com atenção esta posta de António Dornelas: «Apesar dos inegáveis progressos realizados, Portugal continua a ter importantes necessidades sociais por satisfazer, entre as quais avulta, em minha opinião, a necessidade de aumentar os níveis de protecção social, o que, evidentemente, exige maiores receitas fiscais e melhor uso dos recursos disponíveis». Isto está relacionado com a Galp: o seu presidente afirmou que a única solução para baixar o preço dos combustíveis é baixar os impostos que sobre eles recaem. Dornelas desmonta esta ideia e concluí: «Como é que responsáveis empresariais (. . .) têm o despudor de continuar a sustentar que se devem reduzir os impostos e a considerar que os seus rendimentos e os das empresas ou organizações que dirigem são intocáveis?» Concordo inteiramente. Alguns comentários: (1) a actual situação vem dar razão a todos os que criticaram a irresponsável privatização da Galp - a má gestão dos «recursos disponíveis» e os custos da perda de uma alavanca estratégica, que bem jeito dava na actual conjuntura, são hoje evidentes; (2) as eventuais «conspirações contra o público» (Adam Smith) seriam bem mais fáceis de escrutinar (vejam o que aconteceu no sector financeiro e a importância da CGD); (3) pena que uma parte da esquerda tenha esquecido a importância da propriedade pública quando optou, contra a opinião de alguns economistas da sua área, por privatizar sectores cruciais para qualquer política de desenvolvimento; (4) a regulação é um fraco remendo, dadas as assimetrias entre regulador e regulados; (5) o dispendioso processo de reengenharia política neste sector, com o intuito de promover uma maior concorrência que, de qualquer forma, será sempre altamente imperfeita, pode ser contraproducente e levar à desestruturação de empresas integradas e com dimensão para competir nos mercados internacionais. Enfim, a Galp devia mesmo ter permanecido maioritariamente pública. Erros bem caros.
Dissidência económica na Zona Euro
A rede europeia do trabalho para a política económica publicou recentemente uma detalhada radiografia da situação da economia europeia (relatório disponível em www.elnep.org). Esta rede, que integra diversos centros de investigação ligados ao movimento sindical, constitui um excelente contributo para um debate que tem sido muito pouco plural.Tal situação é o reflexo da inscrição da ortodoxia económica de matriz neoliberal nos arranjos que definem a orientação da política económica da Zona Euro. O resto do artigo pode ser lido no Jornal de Negócios. É o início de uma colaboração mensal.
terça-feira, 20 de maio de 2008
Conferências do divã
Em torno do livro A globalização no divã, vão realizar-se «As conferências do divã» (21 e 27 de Maio e 3 de Junho, 18h, Livraria Pó dos Livros). A primeira é já amanhã, sobre «Ciência e sociedade num mundo globalizado». Fica aqui o convite:
«Nas sociedades contemporâneas, a ciência ganhou um novo relevo, tanto na detecção como na resolução de vários problemas globais. Questões como os riscos ambientais, as novas doenças e epidemias, a crise dos recursos energéticos, os dilemas éticos da tecnologia, o desenvolvimento sustentável e a reformulação das políticas públicas impuseram aos cientistas novos desafios.
Como é que os cientistas se têm organizado para responderem a estes desafios? Como é que têm incorporado as necessidades e as reivindicações da sociedade no seu trabalho? Como têm comunicado com o público e divulgado o seu conhecimento? E a sociedade, como é que tem acolhido o seu contributo? E como se adaptaram as políticas científicas à nova situação?
Estas são algumas das questões que propomos para debate, partindo dos seguintes capítulos do livro 'A globalização do divã: Do tubo de ensaio à Nature: a ciência e a globalização' (Ana Delicado); 'As novas formas de eugenismo: a genética entre o orgulho e o preconceito' (José Eduardo Gomes); e 'Não mais estaremos sozinhos: a globalização do controlo' (Catarina Fróis)».
Moderadora:
- Ana Delicado, socióloga, co-autora do livro A globalização no divã
Intervenientes:
- Maria Eduarda Gonçalves, docente e investigadora do DINAMIA/ISCTE
- Filipe Moura, docente no Instituto Politécnico de Leiria e investigador no Instituto de Telecomunicações, autor do blogue O avesso do avesso
- José Eduardo Gomes, biólogo, investigador de pós-doutoramento em França, co-autor do livro A globalização no divã e do blogue Peão
«Nas sociedades contemporâneas, a ciência ganhou um novo relevo, tanto na detecção como na resolução de vários problemas globais. Questões como os riscos ambientais, as novas doenças e epidemias, a crise dos recursos energéticos, os dilemas éticos da tecnologia, o desenvolvimento sustentável e a reformulação das políticas públicas impuseram aos cientistas novos desafios.
Como é que os cientistas se têm organizado para responderem a estes desafios? Como é que têm incorporado as necessidades e as reivindicações da sociedade no seu trabalho? Como têm comunicado com o público e divulgado o seu conhecimento? E a sociedade, como é que tem acolhido o seu contributo? E como se adaptaram as políticas científicas à nova situação?
Estas são algumas das questões que propomos para debate, partindo dos seguintes capítulos do livro 'A globalização do divã: Do tubo de ensaio à Nature: a ciência e a globalização' (Ana Delicado); 'As novas formas de eugenismo: a genética entre o orgulho e o preconceito' (José Eduardo Gomes); e 'Não mais estaremos sozinhos: a globalização do controlo' (Catarina Fróis)».
Moderadora:
- Ana Delicado, socióloga, co-autora do livro A globalização no divã
Intervenientes:
- Maria Eduarda Gonçalves, docente e investigadora do DINAMIA/ISCTE
- Filipe Moura, docente no Instituto Politécnico de Leiria e investigador no Instituto de Telecomunicações, autor do blogue O avesso do avesso
- José Eduardo Gomes, biólogo, investigador de pós-doutoramento em França, co-autor do livro A globalização no divã e do blogue Peão
O consenso que emerge: a desigualdade é o problema
87% na Alemanha, 80% na China, 78% nos EUA, 76% em Espanha. Maiorias esmagadoras afirmam: a desigualdade de rendimentos atingiu níveis excessivos. Sondagem internacional do Financial Times. O consenso é claro noutra área: a progressividade dos impostos deve aumentar. O FT sublinha os resultados para os EUA, país habitualmente mais tolerante em relação à desigualdade. Questão de preferências dizem os economistas ortodoxos. Ou de mitos. É o caso da suposta mobilidade social alimentada pelo sonho americano.
A opinião ainda pesa na condução dos assuntos humanos. E a opinião pública norte-americana parece estar a mudar. A realidade tem muita força. Um detalhado estudo do Economic Policy Institute acaba de revelar que o rendimento dos 20% mais pobres decaiu 2,5% desde o final dos anos noventa. Pauperização absoluta. O rendimento dos 20% mais ricos aumentou 9,1%. E isto está subestimado pelo facto de não terem sido contabilizados os ganhos de capital. O brutal aumento das desigualdades salariais dá um contributo de peso para este padrão. As instituições contam. Está tudo aqui. Com análises regionais detalhadas e propostas politicas sensatas de ruptura.
E em Portugal? Temos alguns bons estudos sobre pobreza e desigualdade. Mas precisamos de muitos mais. Estudos que analisem o papel da «neoliberalização» progressiva do país na consolidação e reforço de uma imensa fractura social. Estudos que mostrem como as desigualdades têm impacto em todas as dimensões que importam. Até na morte ou na dor. Estudos que mostrem como as desigualdades condicionam o desenvolvimento dos indivíduos desde muito cedo e como moldam as oportunidades que lhes estão abertas. Estudos que sejam acompanhados, em cada uma das áreas, por propostas políticas robustas. Um trabalho colectivo com fôlego. Não consigo imaginar tópico mais importante para a economia política como teoria social.
A opinião ainda pesa na condução dos assuntos humanos. E a opinião pública norte-americana parece estar a mudar. A realidade tem muita força. Um detalhado estudo do Economic Policy Institute acaba de revelar que o rendimento dos 20% mais pobres decaiu 2,5% desde o final dos anos noventa. Pauperização absoluta. O rendimento dos 20% mais ricos aumentou 9,1%. E isto está subestimado pelo facto de não terem sido contabilizados os ganhos de capital. O brutal aumento das desigualdades salariais dá um contributo de peso para este padrão. As instituições contam. Está tudo aqui. Com análises regionais detalhadas e propostas politicas sensatas de ruptura.
E em Portugal? Temos alguns bons estudos sobre pobreza e desigualdade. Mas precisamos de muitos mais. Estudos que analisem o papel da «neoliberalização» progressiva do país na consolidação e reforço de uma imensa fractura social. Estudos que mostrem como as desigualdades têm impacto em todas as dimensões que importam. Até na morte ou na dor. Estudos que mostrem como as desigualdades condicionam o desenvolvimento dos indivíduos desde muito cedo e como moldam as oportunidades que lhes estão abertas. Estudos que sejam acompanhados, em cada uma das áreas, por propostas políticas robustas. Um trabalho colectivo com fôlego. Não consigo imaginar tópico mais importante para a economia política como teoria social.
Forte com os fracos e fraco com os fortes?
No final de 2007: «O Partido Socialista vai apresentar um novo pacote para levantamento do sigilo bancário, já em Janeiro próximo, após a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2008». Em Maio de 2008: «Até agora, a lei prevê que nos casos de pedidos de abertura de contas bancárias ao fisco, o contribuinte possa recorrer aos tribunais. Nesta matéria, por lei, o juiz tem de decidir pela abertura de contas bancárias no prazo de 90 dias, uma imposição que satisfazia a máquina fiscal. Mas com a revisão da LGT [Lei Geral Tributária]], desaparece o prazo de 90 dias e, em substituição o prazo de decisão do juiz pode estender-se até dois anos, podendo os contribuintes recorrerem em caso de decisão desfavorável - o que actualmente não é possível - de acordo com o projecto governamental que está em curso». No Diário de Notícias. O fim total do sigilo bancário parece estar cada vez mais longe. Sinceramente não percebo. O que é que as contas bancárias têm de tão especial? Por que é que o fisco não há-de poder ter acesso a elas sem qualquer obstáculo? Com toda a transparência. Enfim, parece que a fuga vai continuar. Com a cumplicidade do governo do PS. Até quando?
segunda-feira, 19 de maio de 2008
Desemprego e precariedade ou um balanço do «socialismo moderno»
«Se analisarmos o período do governo de Sócrates - 1ºTrim2005 a 1ºTrim2008 - constata-se que mesmo o desemprego oficial aumentou, pois passou de 412,6 mil para 427 mil (. . .) Entre o 1º trimestre de 2005 e o 1º trimestre de 2008, o emprego a tempo parcial aumentou em 41,4 mil; os contratos a prazo em 154,8 mil; e os ‘trabalhadores por conta própria’ (os chamados ‘recibos verdes’) em 9,4 mil, o que somando dá mais 205,6 mil trabalhadores precários relativamente ao 1º trimestre 2005, data em que o governo de Sócrates tomou posse, enquanto o número de trabalhadores sem termo diminuiu em 22,6 mil». Dados de um estudo de Eugénio Rosa, economista da CGTP. O desemprego elevado e a precarização das relações laborais asseguram um dos objectivos da política económica neoliberal: a perda continuada do poder de compra dos salários e a quebra do seu peso no rendimento nacional. Numa pequena economia aberta e vulnerável, os salários, mais do que uma fonte de procura, são encarados sobretudo como um custo a conter. É claro que também aqui podem ocorrer efeitos perversos: a quebra continuada dos salários reais diminui os incentivos para a modernização da estrutura produtiva. Mas já sabemos que a maioria dos nossos pouco qualificados empresários não gosta de pressões laborais e de inovações e está habituada à mediocridade dos baixos salários. Até quando é que o governo está disposto a sustentar este vício? É que o resultado socioeconómico não é propriamente brilhante.
O jornalista, o economista e o status quo
«O rendimento dos executivos em Portugal é certamente mais elevado que o do resto dos outros trabalhadores, mas é um rendimento, apesar de tudo, inferior aos seus congéneres europeus. O problema que se põe é que a expansão económica internacional, nomeadamente a da China, aumentou a procura de bons gestores». A parte final da entrevista de Campos e Cunha ao DN é de antologia. Reparem bem no rigor e na objectividade das perguntas: «Quem ganha bem é quase um criminoso, não é?». E no rigor das respostas de um dos mais conhecidos economistas liberais. Um ex-ministro do PS que consegue ultrapassar Cavaco pela direita. Será que Campos e Cunha desconhece que os gestores portugueses auferem, em média, salários acima de muitos dos seus congéneres europeus mais desenvolvidos? Será que desconhece que Portugal tem dos maiores níveis de desigualdade salarial da Europa? Quantos «bons gestores» portugueses lideram empresas internacionais? A China e a expansão internacional são uma desculpa muito fraca. Admito que a criação de um maciço «exército industrial de reserva global» possa explicar parte da compressão continuada do crescimento dos salários em sectores económicos mais trabalho-intensivos, muito expostos à concorrência internacional. Mas mesmo estes efeitos são mediados por arranjos institucionais contestáveis. Agora, alguém acredita que isto possa explicar os sucessivos aumentos das remunerações dos gestores portugueses? Isto não é questão de procura. É questão de poder reforçado por más regras. De qualquer forma, quem quer defender um insustentável status quo tem de arranjar melhores argumentos. A denúncia e o debate não vão parar.
domingo, 18 de maio de 2008
Por vezes é preciso traçar linhas
«O domínio público da cidadania e do serviço deve ser salvaguardado das incursões do domínio do mercado, da compra e da venda (. . .) Os bens do domínio público - cuidados de saúde, prevenção do crime, educação - não devem ser tratados como se fossem mercadorias. A linguagem do vendedor e do comprador, do produtor e do cliente, não pertence ao domínio público; nem as relações que essa linguagem pressupõe. Os médicos e os enfermeiros não ‘vendem’ serviços médicos; os estudantes não são clientes dos seus professores; os polícias não ‘produzem’ ordem pública. As tentativas de criar uma moldura mercantil minam a ética do serviço, degradam as instituições que a suportam e roubam a noção de cidadania partilhada de parte do seu sentido». David Marquand, cientista político britânico. O socialismo ético uma vez mais. De facto, proteger o domínio público passa também por revitalizar a linguagem, a economia moral, que exprime certos valores e normas. Esta alimenta a contestação à expansão do mercado e ajuda a preservar processos de provisão em que as necessidades contam mais do que as preferências suportadas por dinheiro. As tarefas da esquerda socialista passam cada vez mais por aqui. Alguns, seduzidos por todas as engenharias mercantis, dirão que somos moralistas e conservadores. Deixá-los. Notemos apenas como «os silêncios morais» de um certo marxismo (a expressão é de E. P. Thompson) continuam a servir bem tantos ex-marxistas. Dizem que a história caminha inexoravelmente noutra direcção: a da extensão da concorrência mercantil a todas as esferas da vida social. Estão errados. Como sempre.
sexta-feira, 16 de maio de 2008
Crise Alimentar III - A PAC como solução.
A política agrícola comum (PAC) é justamente criticada por ínumeras razões como, por exemplo, os subsídios às exportações ou a captura dos apoios por parte de alguns países (França, Alemanha) e dos grande latifundiários. Contudo, não devemos esquecer os três grandes objectivos que conduziram à criação desta política europeia: (1) Modernização da actividade agrícola; (2) Criação de mecanismos de compensação e garantia que se traduzissem na estabilização de preços; (3) Posse de reservas estratégicas que façam face à volatilidade dos mercados agrícolas.
Devem ser estes os princípios para a criação de políticas de intervenção pública entre blocos regionais mais ou menos homógeneos que preservem a actividade agrícola e garantam a segurança alimentar. Contudo, a criação destes blocos tem que implicar uma forte regulação da posse e usos da terra. Como assinalava o Financial Times, em editorial, no dia 12 de Maio: «um governo soberano pode, se achar que o deve fazer, usar as tarifas e quotas de forma a prevenir que bens alimentares sejam exportados, não atendendo a quem é o dono da terra. Um governo soberano pode, se assim o escolher, insistir que os pequenos agricultores tenham acesso à terra».
Convém sublinhar que os países ricos têm uma forte responsabilidade na ajuda à criação destes blocos regionais. No entanto, a ajuda internacional para a modernização agrícola passou de 16% da ajuda total nos anos oitenta para menos de 4% actualmente.
Devem ser estes os princípios para a criação de políticas de intervenção pública entre blocos regionais mais ou menos homógeneos que preservem a actividade agrícola e garantam a segurança alimentar. Contudo, a criação destes blocos tem que implicar uma forte regulação da posse e usos da terra. Como assinalava o Financial Times, em editorial, no dia 12 de Maio: «um governo soberano pode, se achar que o deve fazer, usar as tarifas e quotas de forma a prevenir que bens alimentares sejam exportados, não atendendo a quem é o dono da terra. Um governo soberano pode, se assim o escolher, insistir que os pequenos agricultores tenham acesso à terra».
Convém sublinhar que os países ricos têm uma forte responsabilidade na ajuda à criação destes blocos regionais. No entanto, a ajuda internacional para a modernização agrícola passou de 16% da ajuda total nos anos oitenta para menos de 4% actualmente.
Crise Alimentar II - Especulação
A actual subida dos preços alimentares tem causas diversas. Contudo, só a especulação parece poder explicar o crescimento exponencial dos preços num tão curto espaço de tempo. Esqueçam, no entanto, a clássica ideia do especulador a guardar cereais num armazém à espera de uma subida dos preços. Graças à liberalização financeira, qualquer um de nós pode converter-se num especulador através do mercado de futuros.
Este mercado não é novo e os objectivos por detrás dos contratos de futuros são positivos. Estes contratos permitem, por exemplo, que um agricultor venda a sua produção futura a um determinado preço, resguardando-se assim das eventuais oscilações de preços nos mercados afectos à sua produção. No entanto, a liberalização e descompartimentação dos mercados financeiros permitiram que este tipo de contrato se tornasse num apetecível investimento para os especuladores financeiros. Apostando na subida dos preços, um especulador comprará «futuros» de um determinado bem, que venderá mais tarde a preços mais altos graças à esperada «actualização» dos preços, desfazendo-se do seu contrato antes deste vencer. Um especulador não precisa assim de distinguir a soja do trigo...
Se este tipo de acção individual se converter numa vasta acção colectiva, como parece estar a acontecer nos mercados financeiros, a procura acrescida deste tipo de contrato causará um aumento do preço «futuro» dos bens em causa (uma «self-fulfilling prophecy»). Ora, se o preço futuro esperado pelos mercados aumenta, é natural que tal fenómeno influencie as decisões de compra e venda do presente, reflectindo-se o aumento esperado nos preços actuais.
Uma das soluções para a actual crise é pois a regulação financeira, que se deverá traduzir na separação de mercados, restrições de acesso, taxação das transacções (Taxa Tobin) e cuidada supervisão.
Este mercado não é novo e os objectivos por detrás dos contratos de futuros são positivos. Estes contratos permitem, por exemplo, que um agricultor venda a sua produção futura a um determinado preço, resguardando-se assim das eventuais oscilações de preços nos mercados afectos à sua produção. No entanto, a liberalização e descompartimentação dos mercados financeiros permitiram que este tipo de contrato se tornasse num apetecível investimento para os especuladores financeiros. Apostando na subida dos preços, um especulador comprará «futuros» de um determinado bem, que venderá mais tarde a preços mais altos graças à esperada «actualização» dos preços, desfazendo-se do seu contrato antes deste vencer. Um especulador não precisa assim de distinguir a soja do trigo...
Se este tipo de acção individual se converter numa vasta acção colectiva, como parece estar a acontecer nos mercados financeiros, a procura acrescida deste tipo de contrato causará um aumento do preço «futuro» dos bens em causa (uma «self-fulfilling prophecy»). Ora, se o preço futuro esperado pelos mercados aumenta, é natural que tal fenómeno influencie as decisões de compra e venda do presente, reflectindo-se o aumento esperado nos preços actuais.
Uma das soluções para a actual crise é pois a regulação financeira, que se deverá traduzir na separação de mercados, restrições de acesso, taxação das transacções (Taxa Tobin) e cuidada supervisão.
Crise alimentar I - Lá como cá.
O Expresso de amanhã traz uma reportagem sobre o Bispo «Vermelho» D. Manuel Martins, bispo de Setúbal durante as décadas de oitenta e noventa. Um dos maiores activistas contra a pobreza e miséria que assolou (e assola) este distrito. A reportagem ganha actualidade com a actual subida dos preços de bens alimentares. Esta subida não afecta só os países mais pobres, onde os motins se multiplicam, mas sim todos os que estão em situação de carência. Em Portugal são pelo menos um quinto da população.
Segundo a famosa lei de Engel, são os mais pobres aqueles que gastam uma maior proporção do seu rendimento em bens de primeira necessidade. Ora, sendo estes os bens cujo preço mais tem aumentado, é natural que sejam os mais desfavorecidos os grandes atingidos pelo aumento dos preços. São por isso necessárias políticas de emergência que intervenham directamente junto das populações que vêem o seu escasso rendimento diminuir dia após dia em termos reais e que já não conseguem garantir um dos mais básicos direitos humanos, o direito à alimentação.
Segundo a famosa lei de Engel, são os mais pobres aqueles que gastam uma maior proporção do seu rendimento em bens de primeira necessidade. Ora, sendo estes os bens cujo preço mais tem aumentado, é natural que sejam os mais desfavorecidos os grandes atingidos pelo aumento dos preços. São por isso necessárias políticas de emergência que intervenham directamente junto das populações que vêem o seu escasso rendimento diminuir dia após dia em termos reais e que já não conseguem garantir um dos mais básicos direitos humanos, o direito à alimentação.
Obama-Edwards?
Daniel Oliveira tem toda a razão: «bonito, bonito seria Edwards para vice de Obama». Introduziria uma agenda socioeconómica mais ancorada à esquerda e ajudaria a reunificar a base social de apoio dos democratas. Num contexto de crise, e com o fundamentalismo de mercado desacreditado, esta dupla poderia introduzir mudanças. É o optimismo da vontade a falar.
quinta-feira, 15 de maio de 2008
Fazer de conta
Agora percebo a declaração de Teixeira dos Santos. Os ministros das finanças da UE afirmaram em uníssono que os salários dos gestores de topo são «escandalosos». Um «flagelo social». Sobretudo num contexto em que a generalidade dos trabalhadores assalariados conhece uma estagnação ou degradação das suas condições de vida e de trabalho. Segundo os ministros, este último padrão é para manter. A ortodoxia económica inscrita nos actuais arranjos da UE foi feita para isso mesmo. Como nos lembra o Público: «o salário de um gestor é actualmente de um para 60 ou 80, quando há vinte anos era de um para vinte». E pensar que em pouco mais de vinte anos o peso dos salários no rendimento da zona euro passou de 68% para 56%. É o que acontece quando a social-democracia esquece as virtudes da economia mista e adere à ideologia do «mercado livre». Segundo o Financial Times, os ministros «recomendaram» que sejam os accionistas a moderar os ímpetos dos gestores. Nada mais ilusório. Isto prova que a declaração só aparece para justificar a perpetuação da austeridade assimétrica. Entretanto, o presidente alemão, ex-dirigente do FMI, pôs o dedo na ferida da crise financeira ao culpar a orientação de «curto prazo» e as «alquimias» das instituições financeiras pela «destruição maciça de activos» e pelas ameaças à coesão social. A situação político-ideológica na Alemanha parece estar cada vez mais interessante.
Voluntarismo e coordenação contra um modelo falhado
A brutal quebra do crescimento económico no primeiro trimestre de 2008 obrigou o governo a rever a sua previsão para este ano: estamos reduzidos a 1,5%. Muito próximo da previsão do FMI: 1,3%. Por enquanto. Que as previsões económicas, em contexto de incerteza radical nos mercados financeiros internacionais, foram feitas para ser revistas. A crise do capitalismo financeirizado ainda não fez todos os seus estragos. No entanto, e como sublinha Helena Garrido, a diferença face ao crescimento do conjunto da zona euro no primeiro trimestre é impressionante. A divergência face à Europa reemerge. O governo anuncia uma redução residual do desemprego que provavelmente não ocorrerá. Face a este negro panorama, a preocupação imediata do «socialismo moderno» é sintomática: «resta saber qual o impacto sobre o programa de disciplina financeira e de redução do défice orçamental» (Vital Moreira). Austeridade permanente. A preocupação com a crise socioeconómica, que num país tão desigual e sobreendividado como Portugal não cessará de se agravar, fica para outros. Mais uma vez: o défice orçamental é o que menos importa nesta difícil conjuntura. Vai ser necessário aumentar o investimento público, ir à boleia de todos os países que estejam apostados em encetar medidas contra-cíclicas fortes, organizar a pressão junto do BCE para que este reduza as taxas de juro e trave a valorização do euro. Voluntarismo político e coordenação precisam-se em Portugal e na Europa.
quarta-feira, 14 de maio de 2008
A política que vale a pena é ‘barata e reles’
«Falar dos salários dos gestores é politiquice da mais barata e da mais reles» declara Fernando Ulrich ao Jornal de Negócios: «O presidente do BPI diz que os líderes das empresas cotadas são examinados todos os dias pelo mercado de capitais e pelos colaboradores e que a regulação do que se passa nas empresas ‘compete-nos a nós e aos colaboradores e o Governo não tem nada a ver com isso’». Se bem entendo a novilíngua destes gestores, os ‘colaboradores’ são os restantes trabalhadores assalariados. Ora aqui está uma boa sugestão: mudar as regras para que os trabalhadores possam ter uma palavra no que se passa dentro da empresa, incluindo na determinação dos salários dos gestores. As perniciosas desigualdades salariais, das maiores da Europa, tenderiam a diminuir. A empresa é uma instituição criada pela lei. Com elevado grau de plasticidade. Como já aqui e aqui argumentei o governo tem tudo a «ver com isso». As 'externalidades negativas' desta situação são elevadas. Mas Fernando Ulrich ainda deixa outra boa sugestão: «subir o IRS (para os escalões mais elevados)». Tudo isto porque o governo decidiu sair do seu torpor e, pela voz de Teixeira dos Santos, defendeu «a necessidade de limitar os salários dos gestores de forma concertada nos países da zona euro, num processo mais 'transparente' e tendo por base uma ‘avaliação de desempenho’ dos responsáveis das empresas» (Jornal de Negócios). Vago, mas melhor do que nada. Pelo menos reconhece que isto é um problema. Na Alemanha este assunto faz parte da agenda política. Até o SPD apresenta propostas. As normas e convenções salariais alemãs ainda não se renderam totalmente ao «relaxamento» anglo-saxónico. São as virtudes de décadas de co-gestão. Ainda bem. A política que vale a pena é a que entra nos lugares onde está escrito 'proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço'.
terça-feira, 13 de maio de 2008
Especulação, crise alimentar, motins da fome: um debate a não perder
«Só que, desta vez, as fronteiras que desapareceram foram as da decência mínima: se for preciso condenar milhões à fome para obter ganhos na bolsa, não há que hesitar. Sobretudo se esses ganhos forem suficientemente tentadores para o capital financeiro poder compensar as perdas do subprime». José Manuel Pureza em colaboração com o Arrastão. Boaventura de Sousa Santos na Visão da semana passada: «a fome do mundo é a nova grande fonte de lucros do grande capital financeiro e os lucros aumentam na mesma proporção que a fome». O Financial Times de ontem tem um artigo onde se defende que a especulação «terá tendência a ter um papel cada vez maior na subida dos preços. E, claro, mais pessoas nos países pobres passarão fome. É uma situação potencialmente desastrosa e os ricos do mundo devem agir por isso com muita cautela». Por outras palavras: os ricos do mundo deverão moderar os seus ímpetos especulativos. Moderação só se for como resultado de uma decidida intervenção pública que termine com estes excessos. E, no entanto, ainda há quem diga que todos estes processos de mercado são simplesmente naturais e totalmente amorais. Neste preocupante quadro, o debate que a edição portuguesa do Le Monde Diplomatique vai organizar esta semana é muito oportuno: Fernando Nobre (presidente da AMI) e Nuno Teles trocarão umas ideias sobre «especulação, crise alimentar, motins da fome» no Instituto Franco-Português (Av. Luís Bivar, n.º 91, em Lisboa - junto ao Saldanha), dia 14 de Maio, quarta-feira, a partir das 21h30. A não perder.
As experiências neoliberais não resultam
Só tive pena que Manuela Arcanjo, ex-ministra da saúde e economista do ISEG, não tivesse esclarecido os leitores do Jornal de Negócios sobre as misteriosas origens da «forte fundamentação na teoria microeconómica» das parcerias público-privadas (PPP) em termos de «ganhos de eficiência potenciais». De resto, Manuela Arcanjo revela-se bastante crítica do modelo adoptado e termina o seu recomendável artigo com um conjunto de questões e de respostas muito incómodas para o actual governo: «À luz da experiência internacional, a decisão pela exclusão dos serviços clínicos é correcta, mas deveria, em nome do tal interesse público, ter sido tomada no seu devido tempo e aplicada a todos os contratos em parceria. Se, afinal, o Estado é o melhor garante da prestação de cuidados clínicos, em termos de acesso e qualidade, o que explica que este processo se tenha prolongado por três anos? E, como explicar aos utentes dos quatro novos hospitais que a produção privada ficará aquém do desejado? Haverá alguma relação entre estes hospitais e igual número de grupos privados? Perguntas sem resposta. Será o Estado, por via dos sucessivos governos, capaz de garantir que a tomada de decisão, em todos os domínios, é sempre fundamentada e em defesa do interesse público. Podemos estar certos de que o Estado assegura, em matéria de PPP, a melhor partilha de riscos, uma avaliação de resultados e um adequado sistema de penalizações por incumprimento do parceiro privado? As respostas são, infelizmente, negativas para os utentes e contribuintes». O consenso em torno das irresponsáveis PPP esboroa-se. Como já aqui argumentei, agora até os economistas liberais sérios dão razão às críticas da esquerda socialista.
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Uma medida dos verdadeiros privilégios em tempos de «socialismo moderno»
Fazer com que os bancos paguem uma taxa de IRC idêntica a das restantes restantes empresas deve ser um dos objectivos de qualquer política fiscal de esquerda. Eu diria antes que deve ser um objectivo de qualquer política fiscal. Deve ser, mas não é. Estou certo que Miguel Abrantes da Câmara Corporativa concorda com isto. Pena é que os seus dados sobre a taxa efectiva de IRC paga pela banca terminem no ano de 2005. Aparentemente o fisco ainda não divulgou dados mais recentes. No entanto, existem outras fontes. Os dados da Associação Portuguesa de Bancos, divulgados pelo DN, parecem-me uma excelente alternativa. Já os mencionámos aqui. Para que não restem dúvidas deixo um excerto da notícia: «os impostos pagos sobre os lucros caíram 28,7%, tendo a banca pago no ano passado 388 milhões de euros, referentes apenas à tributação dos resultados. Face a estes números, a taxa de IRC efectivamente paga pela banca rondou os 13,63%, relacionando o valor dos impostos sobre os lucros (correntes e diferidos) com o resultado apurado antes de impostos. Em 2006, esta taxa tinha sido de 19,42%». Fica a correcção. Não foram uns vergonhosos 13%. Foram uns vergonhosos 13,63%. Aguardemos a confirmação do fisco e a actualização dos dados usados pela Câmara Corporativa.
Assim também eu...
Scarlett Johanson canta Tom Waits, com a colaboração de Dave Sitek (TV on The Radio), Nick Zinner (Yeah Yeah Yeahs) e David Bowie. Assim também eu fazia um grande disco.
Preços dos bens alimentares e crise
Os preços dos bens alimentares, e mais genericamente das matérias-primas, parecem bater recordes nos mercados mundiais, com aumentos de mais de 100% no último ano para bens como o arroz, o trigo ou os produtos lácteos. As consequências são devastadoras. A FAO (Food and Agricultural Organisation) contabilizou recentemente trinta e sete países com necessidade de ajuda alimentar urgente.
Segundo um estudo do Banco Mundial, da autoria de Maros Ivanic e Will Martin, a actual subida dos preços originará um acréscimo da pobreza (100 milhões de novos pobres). É certo que os efeitos redistributivos são muito assimétricos. Enquanto os produtores agrícolas (rurais) beneficiam de melhores rendimentos, as populações (urbanas) compradoras líquidas destes bens são as mais atingidas. E a reacção não se fez esperar: Maputo, dia 5 de Fevereiro; Abidjan, no dia 1 de Abril; Port-Au-Prince,no dia 8 de Abril; Cairo, Egipto, dia 9 de Abril. Todas estas cidades foram palco de algumas das revoltas populares, em protesto contra o aumento do preços dos bens alimentares básicos.
As causas apontadas para este fenómeno são múltiplas: aumento da procura por parte dos países em acelerado ritmo de industrialização (sobretudo a Índia e a China); aumento da procura devido aos novos usos dados à produção agrícola (biocombustíveis); aumento dos custos de produção, sobretudo do petróleo, importante input da produção agrícola; conjunto de más colheitas em algumas das principais regiões fornecedoras dos mercados mundiais (as alterações climáticas começam a fazer-se sentir); e, finalmente, aproveitando a subida constante de preços, a especulação - os mercados de bens alimentares serviram de refúgio aos especuladores que sofrem com a dura crise nos mercados financeiros. No entanto, o discurso neoliberal, muitas vezes com a cumplicidade de alguma esquerda, já encontrou a solução política para esta crise: acabar com a intervenção pública sobre os mercados agrícolas - seja através de subsídios nos países mais ricos, seja através das restrições às exportações nos países mais pobres. Se o mercado mundial funcionar livremente a concorrência conduzirá a uma natural descida dos preços. Estranho oxímoro. A prescrição liberal nos mercados agrícolas foi exactamente a solução apontada para o aumento dos preços dos bens alimentares quando a sua queda não parecia ter fim. Como bem assinala o economista Dan Rodrik, o Banco Mundial avaliava, em 2006, entre 2 e 20% o aumento dos preços resultante de uma total remoção das barreiras alfandegárias aos produtos agrícolas.
Há alguma saída para esta estranha contradição? Sim. As intervenções públicas não devem ser entendidas como um todo, mas avaliadas caso a caso. Por exemplo, parece evidente que a subsidiação dos biocombustíveis, que, ao contrário da maioria das intervenções nestes mercados, não teve como objectivo inicial o desenvolvimento rural, pode ser responsabilizada em parte por esta crise. Segundo o Fundo Monetário Internacional, embora estes combustíveis sejam somente 1,5% do actual consumo, eles são responsáveis por quase metade do aumento da procura verificado nos dois últimos anos. No entanto, como defende Amartya Sen, prémio Nóbel da Economia, no seu livro "Pobreza e Fomes" (ed. Terramar) as fomes normalmente não são causadas por razões directamente relacionadas com a produção alimentar. Parece ser esse o caso actualmente. Para este autor tudo depende das "relações de concessão de direitos que governam a posse e o uso na sociedade". Num mundo que idolatra o funcionamento do mercado e a propriedade privada, as fomes podem ser assim o resultado de meras oscilações dos preços. Só uma abordagem, que identifique o problema da carência alimentar como uma falha da concessão dos direitos mais elementares e esteja disposta a intervir colectivamente em nome desses direitos, pode resolver este dramático problema.
Também publicado aqui.
Segundo um estudo do Banco Mundial, da autoria de Maros Ivanic e Will Martin, a actual subida dos preços originará um acréscimo da pobreza (100 milhões de novos pobres). É certo que os efeitos redistributivos são muito assimétricos. Enquanto os produtores agrícolas (rurais) beneficiam de melhores rendimentos, as populações (urbanas) compradoras líquidas destes bens são as mais atingidas. E a reacção não se fez esperar: Maputo, dia 5 de Fevereiro; Abidjan, no dia 1 de Abril; Port-Au-Prince,no dia 8 de Abril; Cairo, Egipto, dia 9 de Abril. Todas estas cidades foram palco de algumas das revoltas populares, em protesto contra o aumento do preços dos bens alimentares básicos.
As causas apontadas para este fenómeno são múltiplas: aumento da procura por parte dos países em acelerado ritmo de industrialização (sobretudo a Índia e a China); aumento da procura devido aos novos usos dados à produção agrícola (biocombustíveis); aumento dos custos de produção, sobretudo do petróleo, importante input da produção agrícola; conjunto de más colheitas em algumas das principais regiões fornecedoras dos mercados mundiais (as alterações climáticas começam a fazer-se sentir); e, finalmente, aproveitando a subida constante de preços, a especulação - os mercados de bens alimentares serviram de refúgio aos especuladores que sofrem com a dura crise nos mercados financeiros. No entanto, o discurso neoliberal, muitas vezes com a cumplicidade de alguma esquerda, já encontrou a solução política para esta crise: acabar com a intervenção pública sobre os mercados agrícolas - seja através de subsídios nos países mais ricos, seja através das restrições às exportações nos países mais pobres. Se o mercado mundial funcionar livremente a concorrência conduzirá a uma natural descida dos preços. Estranho oxímoro. A prescrição liberal nos mercados agrícolas foi exactamente a solução apontada para o aumento dos preços dos bens alimentares quando a sua queda não parecia ter fim. Como bem assinala o economista Dan Rodrik, o Banco Mundial avaliava, em 2006, entre 2 e 20% o aumento dos preços resultante de uma total remoção das barreiras alfandegárias aos produtos agrícolas.
Há alguma saída para esta estranha contradição? Sim. As intervenções públicas não devem ser entendidas como um todo, mas avaliadas caso a caso. Por exemplo, parece evidente que a subsidiação dos biocombustíveis, que, ao contrário da maioria das intervenções nestes mercados, não teve como objectivo inicial o desenvolvimento rural, pode ser responsabilizada em parte por esta crise. Segundo o Fundo Monetário Internacional, embora estes combustíveis sejam somente 1,5% do actual consumo, eles são responsáveis por quase metade do aumento da procura verificado nos dois últimos anos. No entanto, como defende Amartya Sen, prémio Nóbel da Economia, no seu livro "Pobreza e Fomes" (ed. Terramar) as fomes normalmente não são causadas por razões directamente relacionadas com a produção alimentar. Parece ser esse o caso actualmente. Para este autor tudo depende das "relações de concessão de direitos que governam a posse e o uso na sociedade". Num mundo que idolatra o funcionamento do mercado e a propriedade privada, as fomes podem ser assim o resultado de meras oscilações dos preços. Só uma abordagem, que identifique o problema da carência alimentar como uma falha da concessão dos direitos mais elementares e esteja disposta a intervir colectivamente em nome desses direitos, pode resolver este dramático problema.
Também publicado aqui.
O governo como emblema
«O governo acabará por ser visto como o emblema de um país desigual e incapaz de prover um mínimo de bem-estar social e de dignidade social a todos os seus cidadãos». Manuel Carvalho em editorial do Público. A crise socioeconómica prolongada amplia a pobreza e as desigualdades e revela a extensão da complacência governamental. Num contexto de desemprego elevado, salários cujo crescimento não assegura sequer a manutenção do poder de compra e prestações sociais insuficientes, a subida do preço dos alimentos, que afecta sobretudo os mais pobres, impõe escolhas trágicas a muitos. O Público de ontem tem um conjunto de trabalhos (I, II e III) que nos dão um retrato realista da pobreza e do que acontece quando o combate às desigualdades não faz parte da agenda das políticas públicas. Fez apenas falta o contraste com a opulência crescente de uma importante minoria. As duas coisas estão profundamente imbricadas. No curto prazo, a sugestão de João Ferreira do Amaral parece ser da mais elementar sensatez: «a entrega de subsídios à alimentação». É que a eufemística redução da procura, parte do suposto «reequilíbrio» dos mercados, significa apenas que muitos mais cidadãos ficarão privados dos bens essenciais à vida.
domingo, 11 de maio de 2008
Os sindicatos contam
O crooked timber é um excelente blogue de esquerda feito por académicos anglosaxónicos da área das ciências sociais. Por exemplo, é lá que podemos encontrar, numa posta sobre a Toyota, uma excelente defesa dos sindicatos, invocando argumentos de equidade e de eficiência. Citam-se estudos empíricos que suportam a ideia de que as empresas com trabalhadores sindicalizados tendem a ser mais produtivas e avançam-se razões para este padrão: (1) os salário tendem a ser mais elevados e por isso os gestores são pressionados a esforçarem-se mais para que a eficiência aumente; (2) a existência de sindicatos favorece a «voz» dos trabalhadores, reduzindo as saídas e os custos com uma excessiva rotação de pessoal; (3) as relações laborais tendem a ser mais cooperativas e os trabalhadores tendem a estar mais motivados; (4) a maior estabilidade reforça os incentivos para investimentos em formação e conhecimento em áreas relacionadas com as actividades especificas da empresa; (5) a existência de mecanismos de comunicação e uma gestão mais participada permitem que o conhecimento disperso pelos trabalhadores seja mobilizado e que a suas sugestões possam ser implementadas; (6) retomando um importante estudo empírico, concluí-se que as empresas com sindicatos importantes tendem a ter menos gestores, economizando nos custos de monitorização, e tendem a bloquear desigualdades salariais excessivas e contraproducentes.
Não é por acaso que as economias escandinavas, das mais competitivas do mundo, têm elevadíssimas taxas de sindicalização e desigualdades salariais baixas. Como se afirma neste estudo sobre «o multiplicador da igualdade» , elas têm um terço das desigualdades de rendimento dos EUA antes de impostos e gastam duas vezes mais em despesas sociais. Definitivamente, os sindicatos contam.
Não é por acaso que as economias escandinavas, das mais competitivas do mundo, têm elevadíssimas taxas de sindicalização e desigualdades salariais baixas. Como se afirma neste estudo sobre «o multiplicador da igualdade» , elas têm um terço das desigualdades de rendimento dos EUA antes de impostos e gastam duas vezes mais em despesas sociais. Definitivamente, os sindicatos contam.
sábado, 10 de maio de 2008
Ainda a terceira via II
De impostos já falámos bastante neste blogue. E raramente para os reduzir. A não ser quando o seu aumento foi manifestamente injusto (IVA). Mas quando Rui Pena Pires fala de impostos, no contexto da discussão sobre o financiamento do ensino superior, convém que não seja para fazer demagogia com o papão do seu aumento. Como se os impostos fossem todos iguais. Seria bom que o PS tivesse, para variar, uma agenda progressista nesta matéria. Imposto sobre as grandes fortunas, taxação efectiva das transacções financeiras, eliminação total do sigilo bancário (como parte do combate à fuga que o governo aparentemente se prepara para facilitar), fim da zona franca da Madeira, bancos a pagar IRC como as outras empresas (e não uns vergonhosos 13%). Já agora: há muito que aqui defendemos a eliminação de todas as deduções fiscais para as despesas privadas em educação e saúde. Tudo isto para evitar o outro truque de Rui Pena Pires contra a esquerda socialista: a acusação de «irresponsabilidade fiscal».
Ainda a terceira via
Em vez de discutir os argumentos que eu apresento contra o «seu» modelo propinas-empréstimos - exclusão pelo preço, perpetuação, com novos mecanismos, de um modelo desigual, metáforas deslocadas e enfeito de enquadramento - Rui Pena Pires prefere recorrer a um truque banal: acusar-me de «condenar ideologicamente» as suas posições. A ideologia como insulto. Apenas um comentário: anda muito mal quem ignora a ideologia, ou seja, as ideias que orientam a visão da sociedade que as políticas vão instituindo, por detrás das medidas que aparentemente defende. A ideia dos empréstimos universitários ganhou força com a escola de Chicago e a metáfora do capital humano. Atrevo-me a aconselhar a leitura do Capitalismo e Liberdade, escrito em 1962 por Milton Friedman, onde a proposta dos empréstimos é defendida. Um dos pioneiros na sua divulgação. Hoje, a OCDE, os think-tanks sociais-liberais ou economistas ortodoxos como Nicholas Barr limitam-se a servi-la à terceira via. A alternativa é clara: se o ensino superior é uma prioridade, então deve ser público e gratuito. Para barreiras já bastam as de classe.
sexta-feira, 9 de maio de 2008
O jornal de toda a esquerda
O número de Maio do Le Monde Diplomatique - edição portuguesa escrutina com a profundidade habitual alguns temas muito relevantes. Para além da espuma dos dias. Destacam-se os seguintes:
«De acordo com os dados oficiais, trinta e seis países enfrentam a trágica ameaça de uma crise alimentar. As instâncias internacionais já anunciaram ajudas financeiras, mas a gravidade da situação vai multiplicando o desespero entre as populações afectadas e os motins da fome já fizeram vários mortos em países do Sul. Os artigos ‘Como disparou o mercado mundial dos cereais’, de Dominique Baillard, ‘São raros os agricultores que cultivam trigo’,de Anne-Cécile Robert e ‘O Egipto dos ventres vazios’, de Joel Beinim, compõem o dossiê ‘Especulação, crise alimentar, motins da fome’.
A entrada de fundos de investimento detidos por Estados e bancos centrais no capital de multinacionais é um dos elementos perversos da grave crise económica que marca o mundo nos dias de hoje. Os Estados assumem, deste modo, o papel de «salvadores» da globalização selvagem que vai desordenando o mundo. Ibrahim Warde escreve sobre o tema em ‘Predadores, salvadores ou míopes?’.
Na Alemanha, um novo partido que reúne várias forças de esquerda está a agitar a tradicional bipolarização da política,como pode ler-se na reportagem de Peter Linden, ‘O novo partido que muda a paisagem política alemã’.
Após a guerra colonial e a guerra civil em Angola, que estratégias de desenvolvimento pode o país adoptar? A reportagem de Augusta Conchiglia, ‘Pós-guerra e ouro negro em Angola’, realça as contradições de uma paz em que os petrodólares e as novas infra-estruturas coexistem com uma pobreza galopante e injustiças sociais crescentes.
No início de Março, cerca de 100.000 professores responderam ao apelo dos sindicatos
e manifestaram-se em Lisboa contra as medidas do Ministério da Educação. Com a luta dos professores em pano de fundo, António Avelãs, no artigo ‘A força e a fraqueza do sindicalismo’, reflecte sobre o papel e as estratégias dos sindicatos».
«De acordo com os dados oficiais, trinta e seis países enfrentam a trágica ameaça de uma crise alimentar. As instâncias internacionais já anunciaram ajudas financeiras, mas a gravidade da situação vai multiplicando o desespero entre as populações afectadas e os motins da fome já fizeram vários mortos em países do Sul. Os artigos ‘Como disparou o mercado mundial dos cereais’, de Dominique Baillard, ‘São raros os agricultores que cultivam trigo’,de Anne-Cécile Robert e ‘O Egipto dos ventres vazios’, de Joel Beinim, compõem o dossiê ‘Especulação, crise alimentar, motins da fome’.
A entrada de fundos de investimento detidos por Estados e bancos centrais no capital de multinacionais é um dos elementos perversos da grave crise económica que marca o mundo nos dias de hoje. Os Estados assumem, deste modo, o papel de «salvadores» da globalização selvagem que vai desordenando o mundo. Ibrahim Warde escreve sobre o tema em ‘Predadores, salvadores ou míopes?’.
Na Alemanha, um novo partido que reúne várias forças de esquerda está a agitar a tradicional bipolarização da política,como pode ler-se na reportagem de Peter Linden, ‘O novo partido que muda a paisagem política alemã’.
Após a guerra colonial e a guerra civil em Angola, que estratégias de desenvolvimento pode o país adoptar? A reportagem de Augusta Conchiglia, ‘Pós-guerra e ouro negro em Angola’, realça as contradições de uma paz em que os petrodólares e as novas infra-estruturas coexistem com uma pobreza galopante e injustiças sociais crescentes.
No início de Março, cerca de 100.000 professores responderam ao apelo dos sindicatos
e manifestaram-se em Lisboa contra as medidas do Ministério da Educação. Com a luta dos professores em pano de fundo, António Avelãs, no artigo ‘A força e a fraqueza do sindicalismo’, reflecte sobre o papel e as estratégias dos sindicatos».
quinta-feira, 8 de maio de 2008
Construir onde se quer?
«O eco-turismo está na moda e hoje 6% dos turistas que visitam Portugal já têm como principal motivação o turismo de natureza. Prevê-se que o mercado europeu de turismo de natureza cresça dos actuais 22 milhões de viagens para 43,3 milhões, até 2015 (. . .) Sendo esta uma tendência crescente, como compatibilizá-la com os empreendimentos turísticos que sacrificam a qualidade ambiental e que, a pouco e pouco, vão ocupando os locais de eleição que ainda existem?». Pertinente pergunta do Expresso. Na semana em que se soube que Bruxelas abriu um processo contra Portugal devido às graves deficiências das avaliações de impacto ambiental de complexos turísticos no litoral alentejano. A miopia dos PIN’s só tem equivalente na miopia de muitos dos nossos empresários. Juntos vão destruir de forma irreversível um património único que deveria e poderia ser preservado. O bem comum também passa por aqui e não é incompatível com o mercado regulado e bem encaminhado. Que isto não seja muitas vezes compreendido também é consequência, só que em maior escala, da ideologia do «individualismo possessivo» tão do agrado dos «liberais». Os direitos de propriedade moldáveis são confundidos com um absurdo «direito a construir a casa que se quer». Nesta área, uma boa dose de planeamento faz mesmo falta. Só a acção pública pode garantir o ordenamento do território, preservar os «locais de eleição» e criar as condições para um desenvolvimento sustentável.
Cartas reais
Este artigo de Tariq Ali ajuda a compreender a trajectória da terceira via, movimento agora em crise terminal: «Espantados com Margaret Thatcher, Blair e Brown copiaram as suas medidas para dentro do seu próprio partido, espremendo para fora de si próprios, gota a gota, as velhas ideias social-democratas. Todos se tornaram fundamentalistas do mercado». A promoção política da entrada das forças de mercado no espaço dos serviços públicos é uma das mais perniciosas heranças da terceira via. Em Portugal, com um dos partidos socialistas mais à direita da Europa, a terceira via foi, e continua infelizmente a ser, parte do ar do tempo. Agora vejam esta notícia: no Reino Unido, e num dos serviços públicos mais cruciais e simbólicos, os correios, o processo de comercialização e de abertura aos privados não gerou quaisquer benefícios para os consumidores ou para as empresas e coloca em risco o serviço público. Conclusões de um relatório independente. Como diz Neal Lawson do Compass: «a comercialização dos serviços postais representa um triunfo do dogma do mercado livre sobre o senso comum». Recuperando as melhores tradições do socialismo britânico, que sempre se preocuparam com o tema das relações entre as instituições públicas e os valores prevalecentes, Lawson afirma: «Instituições sociais como o correios contam. São os locais onde os valores sociais podem florescer. O Royal Mail não é um bastião do socialismo. Mas trata-se aqui do universalismo, da igualdade, do acesso e do ethos público». Que têm ido erodidos no Reino Unido. Em Portugal vamos poder um dia contar uma história com algumas semelhanças. O ponto de partida é bem mais frágil. Aqui está um bom projecto de investigação.
quarta-feira, 7 de maio de 2008
Não entreguemos à direita o monopólio das tradições
Hoje ficámos a saber que em Portugal existe uma aceitação passiva de todas as directivas comunitárias sobre segurança alimentar, mesmo quando é possível impôr excepções visando salvaguardar os produtos tradicionais.
Na última edição do Le Monde Diplomatique (versão portuguesa), Nadir Bensmail escreve sobre a tendência de redução da diversidade na produção do vinho em Portugal (em termos de castas, estilos, métodos de produção, etc.), associada à tentativa de imitar as soluções que estão na moda nos 'mercados internacionais'. Esta tendência tem como consequências não apenas o risco de desaparecimento de saberes ancestrais (os quais tiram partido das características próprias de cada região) como constitui uma estratégia altamente arriscada em termos de desenvolvimento do sector no longo prazo (cada produtor procura seguir a moda para vender mais no imediato, o resultado global é a crescente incapacidade de diferenciação do vinho de origem portuguesa), com consequências indesejáveis para as formas de ocupação do território e do desenvolvimento regional.
Nadir Bensmail mostra como a produção 'moderna' para os mercados internacionais mantém no essencial as estruturas sociais existentes (o recurso ao trabalho assalariado desqualificado, a concentração da propriedade, etc.); inversamente, discute como a associação entre produtores e uma postura mais consciente dos consumidores pode conduzir não apenas à preservação da diversidade cultural, mas também a modelos de desenvolvimento do sector agrícola mais sustentáveis, em termos ambientais, sociais e económicos. Ou seja, paradoxalmente, a produção 'tradicional' pode revelar-se mais progressista do que a produção 'moderna', desde que enquadrada por uma atitude crítica por parte de produtores e consumidores. O mesmo tipo de lógica é facilmente extensível à generalidade dos produtos tradicionais.
A notícia de hoje e o artigo de Nadir Bensmail apontam no mesmo sentido: a falta de empenho dos responsáveis governamentais portugueses na prossecução de uma estratégia clara sobre as produções tradicionais. Seria bom que a esquerda portuguesa não oferececesse de bandeja o monopólio destas questões à direita populista, procurando enquadrá-las na discussão mais geral sobre os métodos e as relações sociais de produção desejáveis.
Na última edição do Le Monde Diplomatique (versão portuguesa), Nadir Bensmail escreve sobre a tendência de redução da diversidade na produção do vinho em Portugal (em termos de castas, estilos, métodos de produção, etc.), associada à tentativa de imitar as soluções que estão na moda nos 'mercados internacionais'. Esta tendência tem como consequências não apenas o risco de desaparecimento de saberes ancestrais (os quais tiram partido das características próprias de cada região) como constitui uma estratégia altamente arriscada em termos de desenvolvimento do sector no longo prazo (cada produtor procura seguir a moda para vender mais no imediato, o resultado global é a crescente incapacidade de diferenciação do vinho de origem portuguesa), com consequências indesejáveis para as formas de ocupação do território e do desenvolvimento regional.
Nadir Bensmail mostra como a produção 'moderna' para os mercados internacionais mantém no essencial as estruturas sociais existentes (o recurso ao trabalho assalariado desqualificado, a concentração da propriedade, etc.); inversamente, discute como a associação entre produtores e uma postura mais consciente dos consumidores pode conduzir não apenas à preservação da diversidade cultural, mas também a modelos de desenvolvimento do sector agrícola mais sustentáveis, em termos ambientais, sociais e económicos. Ou seja, paradoxalmente, a produção 'tradicional' pode revelar-se mais progressista do que a produção 'moderna', desde que enquadrada por uma atitude crítica por parte de produtores e consumidores. O mesmo tipo de lógica é facilmente extensível à generalidade dos produtos tradicionais.
A notícia de hoje e o artigo de Nadir Bensmail apontam no mesmo sentido: a falta de empenho dos responsáveis governamentais portugueses na prossecução de uma estratégia clara sobre as produções tradicionais. Seria bom que a esquerda portuguesa não oferececesse de bandeja o monopólio destas questões à direita populista, procurando enquadrá-las na discussão mais geral sobre os métodos e as relações sociais de produção desejáveis.
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