Os preços dos bens alimentares, e mais genericamente das matérias-primas, parecem bater recordes nos mercados mundiais, com aumentos de mais de 100% no último ano para bens como o arroz, o trigo ou os produtos lácteos. As consequências são devastadoras. A FAO (Food and Agricultural Organisation) contabilizou recentemente trinta e sete países com necessidade de ajuda alimentar urgente.
Segundo um estudo do Banco Mundial, da autoria de Maros Ivanic e Will Martin, a actual subida dos preços originará um acréscimo da pobreza (100 milhões de novos pobres). É certo que os efeitos redistributivos são muito assimétricos. Enquanto os produtores agrícolas (rurais) beneficiam de melhores rendimentos, as populações (urbanas) compradoras líquidas destes bens são as mais atingidas. E a reacção não se fez esperar: Maputo, dia 5 de Fevereiro; Abidjan, no dia 1 de Abril; Port-Au-Prince,no dia 8 de Abril; Cairo, Egipto, dia 9 de Abril. Todas estas cidades foram palco de algumas das revoltas populares, em protesto contra o aumento do preços dos bens alimentares básicos.
As causas apontadas para este fenómeno são múltiplas: aumento da procura por parte dos países em acelerado ritmo de industrialização (sobretudo a Índia e a China); aumento da procura devido aos novos usos dados à produção agrícola (biocombustíveis); aumento dos custos de produção, sobretudo do petróleo, importante input da produção agrícola; conjunto de más colheitas em algumas das principais regiões fornecedoras dos mercados mundiais (as alterações climáticas começam a fazer-se sentir); e, finalmente, aproveitando a subida constante de preços, a especulação - os mercados de bens alimentares serviram de refúgio aos especuladores que sofrem com a dura crise nos mercados financeiros. No entanto, o discurso neoliberal, muitas vezes com a cumplicidade de alguma esquerda, já encontrou a solução política para esta crise: acabar com a intervenção pública sobre os mercados agrícolas - seja através de subsídios nos países mais ricos, seja através das restrições às exportações nos países mais pobres. Se o mercado mundial funcionar livremente a concorrência conduzirá a uma natural descida dos preços. Estranho oxímoro. A prescrição liberal nos mercados agrícolas foi exactamente a solução apontada para o aumento dos preços dos bens alimentares quando a sua queda não parecia ter fim. Como bem assinala o economista Dan Rodrik, o Banco Mundial avaliava, em 2006, entre 2 e 20% o aumento dos preços resultante de uma total remoção das barreiras alfandegárias aos produtos agrícolas.
Há alguma saída para esta estranha contradição? Sim. As intervenções públicas não devem ser entendidas como um todo, mas avaliadas caso a caso. Por exemplo, parece evidente que a subsidiação dos biocombustíveis, que, ao contrário da maioria das intervenções nestes mercados, não teve como objectivo inicial o desenvolvimento rural, pode ser responsabilizada em parte por esta crise. Segundo o Fundo Monetário Internacional, embora estes combustíveis sejam somente 1,5% do actual consumo, eles são responsáveis por quase metade do aumento da procura verificado nos dois últimos anos. No entanto, como defende Amartya Sen, prémio Nóbel da Economia, no seu livro "Pobreza e Fomes" (ed. Terramar) as fomes normalmente não são causadas por razões directamente relacionadas com a produção alimentar. Parece ser esse o caso actualmente. Para este autor tudo depende das "relações de concessão de direitos que governam a posse e o uso na sociedade". Num mundo que idolatra o funcionamento do mercado e a propriedade privada, as fomes podem ser assim o resultado de meras oscilações dos preços. Só uma abordagem, que identifique o problema da carência alimentar como uma falha da concessão dos direitos mais elementares e esteja disposta a intervir colectivamente em nome desses direitos, pode resolver este dramático problema.
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1 comentário:
O senhor da foto tem uma oportunidade para vender a sua produção ao dobro do preço.
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