quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O que está mesmo em causa nas legislativas

Eu e o João Rodrigues escrevemos um artigo e enviámo-lo para o jornal Público há três semanas. Foi hoje publicado. Ainda vai a tempo:

A campanha eleitoral está, aparentemente, a ser marcada por demasiada apatia, sobressaindo posições cujas linhas de demarcação parecem ser tão artificiais quanto de difícil escrutínio para os eleitores.

Depois de quatro anos de profundos cortes nos salários, pensões e serviços públicos, níveis de desemprego nunca vistos desde o 25 de Abril e uma nova onda de emigração em massa, o eleitorado dá sinais de desmobilização e de resignação. Parece paradoxal, mas não é: vivemos tempos em que a democracia parece ter sido esvaziada de opções políticas. Tudo já está decidido, tudo é inevitável, diz-nos a sabedoria convencional.

Bom exemplo disso é o artigo de Paulo Trigo Pereira (PTP) no PÚBLICO do dia 6 de Setembro, onde um dos actuais ideólogos do PS analisa os programas dos diferentes partidos. Em relação aos partidos da coligação de direita aponta o histórico da governação, sublinhando as propostas economicamente mais recessivas e socialmente mais regressivas no que toca a cortes. Um histórico que, acrescentamos nós, terá uma continuidade, mais ou menos radical, conforme o andamento da economia mundial, os apetites dos mercados financeiros e as decisões do BCE, os principais factores que influenciam as condições de pagamento de uma dívida, privada e pública, insustentável. Mais do mesmo, em menor ou maior dose, e com as graves consequências conhecidas.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Pode ser


Fernanda Câncio faz uma pergunta pertinente: “Campanha. Que é feito dos empresários faladores e interventivos de outrora?”Creio que o silêncio relativo das fracções mais poderosas deste capitalismo diz muito sobre o seu triunfo, num contexto, é certo e sabido, de um país mais pobre e dependente; diz muito sobre anos de reforçada transferência de recursos do trabalho para o capital, processo articulado com a transferência de recursos de dentro para fora do país; diz muito sobre a sua satisfação com a actual correlação de forças e com a tutela externa tão reforçada quanto por desafiar, que é, tudo somado, ainda seu melhor seguro político contra veleidades de recuperação democrática de instrumentos de política económica. Estes poderiam constituir freios e contrapesos ao seu poder.

Satisfação também pela possibilidade de uma alternância sem verdadeira alternativa a esta política. É claro que eles também não precisam de se maçar, até porque grande parte da comunicação social está cada vez mais domesticada e, de qualquer forma, os que mandam só falam fora dos corredores do poder, na praça pública, em situações excepcionais, de algum perigo. No entanto, pode ser que a sua aposta, até agora aparentemente acertada, no “aguenta, ai aguenta, aguenta” se venha a revelar mais frágil. Pode ser que, por exemplo, graças ao crescimento das forças de esquerda portadoras de uma verdadeira alternativa nas próximas eleições, eles ainda tenham de vir a terreiro. Pode ser que não tenham sempre o mesmo sucesso. Pode ser.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Melhor só mesmo o armamento?


Será que Isabel Vaz, agora da Luz Saúde (antiga Espírito Santo), tinha razão quando afirmou que melhor do que a saúde só mesmo a indústria do armamento? Ficámos a saber, numa notícia que dá voz à Associação de Hospitalização Privada, que, nestes últimos dez anos, a facturação dos hospitais privados mais do que duplicou. Não sei como foi no armamento, mas se calhar Vaz foi pessimista.

Numa década perdida de estagnação e crise económicas, a prosperidade do capitalismo da doença muito deveu à contracção da provisão pública, mas também à promoção pública directa, por via do financiamento público ao privado e das parcerias público-privadas, de uma lógica que faz mal à saúde pública e à saúde da vida pública, dando incentivos aos grupos privados para viverem à custa do controlo sobre a procura e da influência sobre políticos do bloco central dos interesses. Isto num contexto de provisão cada vez mais iníquo. Todo um modelo, toda uma política.

domingo, 27 de setembro de 2015

O conhecimento económico e o mundo real (amanhã, 2ª feira, 28 de Setembro, em Lisboa)


Este seminário visa apresentar e discutir as conclusões de um projecto de investigação sobre a discussão pública do Memorando de Entendimento em Portugal (coordenado pela Ana Costa, minha colega do Departamento de Economia Política do ISCTE-IUL). O cartaz está em inglês, mas o português também será língua de trabalho. A julgar pelo programa (disponível aqui), a coisa promete.

A coligação de direita tem um projecto claro e coerente para o país

A coligação de direita tem um projecto claro e coerente para o país. Assume que a economia portuguesa, tal como existe, não tem possibilidade de vingar no mundo globalizado. Como tal, defende que o país tem de ser profundamente transformado, de modo a torná-lo mais atractivo ao investimento. Para isso, é preciso tornar o investimento empresarial mais rentável, o que só se consegue no curto-prazo reduzindo os custos para as empresas.

Grande parte dos custos que as empresas enfrentam são receitas de outras empresas (por exemplo, a energia, os transportes, as comunicações) e nesses não se pode tocar, pois estar-se-ia a retirar lucros a uns para dar a outros. Há que reduzir os custos das empresas noutros lados, onde os investidores não saiam prejudicados. Onde? Nos salários, nos impostos e nas contribuições para a segurança social.

Os salários reduzem-se desregulamentando as relações laborais, destruindo a negociação colectiva, permitindo a generalização da precariedade, mantendo o desemprego elevado e reduzindo as condições de acesso ao subsídio de desemprego (para forçar os trabalhadores desempregados a aceitar salários mais baixos). Os impostos reduzem-se restringindo ao mínimo, e de forma duradoura, os compromissos do Estado com a educação, a saúde e a protecção social. As contribuições sociais das empresas reduzem-se diminuindo as pensões e outras prestações sociais financiadas pelo orçamento da segurança social, bem como exigindo aos trabalhadores que paguem do seu bolso uma parcela cada vez maior da protecção contra a doença, a invalidez, o desemprego e a velhice.

O resultado será um país com mais pobreza, mais desigualdade, onde a precarização da vida é a regra e onde todos os que podem procurarão construir o futuro noutras paragens. Vários exemplos históricos mostram que uma sociedade assim está condenada a prazo. Eu olho para este projecto e vejo Portugal a transformar-se numa reserva de mão-de-obra barata do continente europeu, onde a paz social dependerá cada vez mais do exercício de um poder autoritário e repressivo.

A coligação de direita diz que não, que é assim que se constrói o futuro. Foi isso que procurou fazer nos últimos quarto anos e é isso que continuará a fazer se ganhar as eleições. Quem acredita que é este o caminho faz bem em votar PàF.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Como é sempre possível ganhar eleições sem mudar de política

Partilho convosco um vídeo montado na perfeição em que Passos Coelho de 2011 debate com Passos Coelho de 2015. Mais do que a graça, é interessante notar como é possível pegar nos argumentos que serviram para vencer os insucessos da política de austeridade de 2011 (praticada por Sócrates, ainda que a contra-vontade) de modo a serem usados desta feita após 4,5 anos de coligação de direita partidária dos benefícios da austeridade.

O problema da austeridade é um benefício para os maus políticos e um malefício para a população: como a austeridade é ineficaz, é sempre possível dizer que não teve os resultados pretendidos, de modo a ser aplicada mais uma vez, para atingir os objectivos que se pretendia no início.

Algo importante, porque nos arriscamos a que se assista a este debate nos próximos anos.

PS: Tentem não ouvir a música de fundo que só distrai...


Memória (XIV)



«Não foram só os 3,9 mil milhões que Passos perdeu. Perdeu também um bom argumento: a principal vitória do governo era ter controlado o défice. Mas o défice de 2014 ficou exactamente igual ao de 2011. O défice está igual ao que estava há quatro anos. E fartámo-nos de cortar e de aumentar impostos. Mas Passos Coelho parece não estar preocupado com esta situação: "Trata-se portanto apenas de uma contabilização estatística, que não tem qualquer efeito".
Ou seja, quando é para cortar pensões: «Eh pá, desculpem lá mas tem que ser, por causa do défice... O défice é um número importantíssimo! Não posso aparecer na Alemanha com um défice destes... Só porque vocês querem receber salários, ou lá o que é...". Quando é para tapar buracos de bancos: "O défice? O défice? Isso é uma contabilização estatística... Quer dizer, é um número... Não vamos estar aqui a chatear-nos por causa de um número...".
Ainda por cima, esta situação - que à partida parece péssima - parece que tem vantagens [segundo o primeiro ministro]: "Se emprestámos dinheiro ao Fundo de Resolução, para criar o Novo Banco, o que se passa é que o Estado até hoje já recebeu mais de 120 milhões de euros de juros desse dinheiro que emprestou. O que significa que, quanto mais tarde esse dinheiro que emprestámos regressar aos cofres do Tesouro, regressar à esfera pública, mais dinheiro em juros o país acumulará". Juros? Alto, ai estamos a receber juros? Então quer dizer que não termos conseguido vender o Novo Banco é bom! Porque estamos a ganhar juros. Se tivéssemos mais três ou quatro bancos falidos, vivíamos todos dos rendimentos!»

Isso é tudo muito bonito, mas, «Novo Banco, Velho Défice» (A imperdível história de uma resolução, em dez actos, a ver na íntegra)

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Apenas dois gráficos para sublinhar o que escreveu aqui (no post anterior) o Ricardo Paes Mamede... 


Fonte: INE, Contas Nacionais


Antevisão da política económica pós-4 de Outubro

Há algum tempo que ando a dizer que os discursos optimistas sobre a economia portuguesa têm como prazo de validade o dia das eleições. As notícias recentes sobre as contas públicas e sobre as contas externas permitem perceber bem do que estou a falar.

Ontem ficámos a saber que o défice orçamental em Julho atingiu 4,7% do PIB. Hoje ficámos a saber que Portugal regressou aos défices externos no segundo trimestre de 2015. Nada disto é inesperado nem (na minha perspectiva) completamente negativo.

Em termos simples, a explicação para a evolução registada é esta: o governo resolveu aligeirar a austeridade no início deste ano (e nós sabemos porquê), o que se reflectiu num aumento do défice orçamental e do consumo privado. Por sua vez, o aumento do consumo fez com que as importações crescessem, deteriorando assim o saldo das contas externas.

O motivo pelo qual afirmo que esta evolução não é completamente negativa é que só será possível a economia portuguesa crescer o suficiente para criar emprego em condições nos próximos anos se a pocura interna crescer (é o que tento mostrar no cap. 4 de "O Que Fazer Com Este País"). Para que tal aconteça temos de estar dispostos a aceitar défices públicos e externos maiores do que o actualmente previsto.

Agora vêm as más notícias: mesmo que um aumento dos défices público e externo face ao que está previsto não seja um problema para a economia portuguesa (pelo contrário), são exactamente aquilo que as instituições europeias e o FMI não querem para Portugal. Ora, qualquer um dos partidos que se perfila para governar o país nos próximos tempos mostra muito pouca vontade para pôr em causa o que a tutela externa nos diz para fazer.

Em resumo: com grande probabilidade, a seguir às eleições teremos uma nova vaga de austeridade orçamental e de contenção dos salários, com consequências negativas para o crescimento da economia e do emprego.

Um vídeo curto sobre os refugiados sírios que vale pena ver (em inglês)



Um esquerdista, uma publicação radical

[P]orque é que o centro-esquerda, de modo geral, não beneficia das falhas dos seus adversários políticos? A principal razão reside na sua absorção das políticas do centro-direita, que remontam há quase três décadas: a aceitação de acordos de livre comércio, a desregulamentação de tudo e, na zona euro, das regras orçamentais vinculativas e da versão mais extrema de independência do banco central no mundo inteiro. Eles são completamente indistinguíveis dos seus adversários (...) Quando a zona euro foi construída foi com alicerces neoliberais. Lembro-me de um proeminente político social-democrata que tinha orgulho em saber de cor todas as regras do Tratado Europeu. Ninguém questionou se as regras faziam sentido (...) Será que os partidos de centro-esquerda teriam um melhor desempenho se se voltassem de novo para a esquerda? A eleição de Jeremy Corbyn como líder do Partido Trabalhista britânico pode anunciar essa mudança. Mas a Grã-Bretanha não está vinculada ao consenso da zona euro. Aí basta apenas uma mudança de governo para mudar a política, enquanto na zona euro seria necessária uma alteração do Tratado - ou, mais provavelmente, uma revolução. Está longe de ser evidente que os atuais partidos de centro-esquerda vão aparecer como agentes de mudança. Eu suspeito que não.

Wolfgang Munchau, editor associado na área de assuntos europeus, Financial Times (traduzido no DN).

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Uma Europa com Amos

Através de uma análise de economia política, esta comunicação procura contrastar a sabedoria convencional sobre os efeitos da integração europeia em Portugal, sobretudo desde a adoção do euro, com a realidade do declínio socioeconómico e do aumento da dependência política nacionais. Ao mesmo tempo, procura avaliar as alternativas, mais europeístas ou mais soberanistas, à integração neoliberal, refletindo neste processo sobre os resultados de outras experiências recentes que nos devem ser próximas, nomeadamente a experiência grega.

Este é o resumo da comunicação Uma Europa com Amos - Portugal perante a integração realmente existente que irei efectuar amanhã, dia 24 de Setembro, pelas 21h, no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Loulé. Trata-se de uma intervenção no quadro do ciclo de conferências “Horizontes com futuro”, organizado pela Câmara Municipal e que se deve sobretudo à iniciativa cívica e plural, que vem de longe, do seu Presidente, Vítor Aleixo, neto do poeta António Aleixo. A entrada é livre e o debate também. Já agora, também eu espero que não se lembrem da quadra de Aleixo: “Sem que o discurso eu pedisse/Ele falou e eu escutei./Gostei do que ele não disse/Do que disse não gostei”. Veremos se esta é melhor: “Mostra-lhe o saber moderno/Que levou a vida inteira/Preso àquela ratoeira /Que há entre o céu e o inferno”...

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Grandes ilusões?

O syriza combaterá a corrupção, dado que é gente com as mãos limpas, aplicará a austeridade com mais suavidade, dado que é gente com sensibilidade social, melhorando as coisas dentro do possível, dado que é gente obrigada a converter-se ao pragmatismo reformista que produz sempre resultados. Três grandes ilusões, que dizem bem da degradação da cultura política de uma certa esquerda, agora reduzida a sensibilidade e bom senso.

Dadas as experiências passadas de governos de esquerda sem rupturas com as políticas neoliberais, a probabilidade de acabarem corrompidos e integrados numa oligarquia, ainda que eventualmente recomposta, é muito maior do que a de combaterem a corrupção e a tal oligarquia, até porque essas só se combatem com um nível de mobilização popular que o governo pela apatia não permite: de resto, das privatizações às parcerias público-privadas, indissociáveis de planos como o de Juncker, as estruturas aí estão; o combate à corrupção não é obviamente questão de carácter que paire para lá delas.

Quanto à austeridade com sensibilidade social, trata-se de uma contradição nos termos para quem tem de fazer cortes severos e reformas favoráveis à concentração de poder no capital, para quem governa sob tutela dos credores, sob tutela do memorando, do tratado orçamental, do semestre europeu e da restante tralha eurocrática.

A conversão à arte do possível, o tal reformismo, é, por sua vez, a confissão da derrota, dado que o importante em política é quem fixa os limites do possível e nós sabemos onde está a soberania, a autoridade, na zona euro. Mas há mais e pior: a expressão reformista presta-se a todas as confusões, dado que, por ausência de instrumentos e falta de capacidade de os recuperar, não se trata sequer de alterar as regras para promover um capitalismo mais igualitário e com mais espaço para a democracia como noutras épocas. Não é esse o sentido das reformas hoje em dia e esta situação faz com qualquer reformista social-democrata sério pareça um utopista radical. Na zona euro, é um utopista radical: não, não é um elogio, dado que eu gosto muito de realismo...

Dito isto, e usando a distinção entre legitimidades pelos procedimentos e pelos resultados, Tsipras terá baseado a sua vitória sobretudo na primeira: o seu triunfo deveu-se provavelmente à percepção mais generalizada de que o importante foi ter travado um combate e que isso até lhe permitirá polir alguns ângulos, sobretudo pelo combate à corrupção e ao desperdício, ou seja, ter resultados, sendo que as expectativas em relação a estes foram profundamente diminuídas (para quê votar, perguntam-se muitos, entretanto, sendo a abstenção provavelmente mais intensa entre as classes populares, as que tinham sido mais mobilizadas pelo oxi). As duas formas de legitimidade são inseparáveis, na realidade, restando então saber por quanto tempo a legitimidade dos procedimentos sobrevive à falta de resultados, mesmo num contexto de desesperança insuflada.

Pela minha parte, continuo a considerar que a melhor aposta política é a que acha que insistir na depressiva receita macro produzirá resultados socioeconómicos e, quem sabe, políticos, aparentados, mesmo que os cozinheiros sejam diferentes. Apesar da pesada derrota e dos erros, as razões que levaram à formação da unidade popular parecem continuar válidas. Porquê desistir neste caso?

Há uma maioria de esquerda. Ponto final

Fonte: Sondagens Marktest
Todos os pensamentos são possíveis. Pode pegar-se nos programas dos diversos partidos de esquerda em campanha, ler aquelas partes que os distingue e ver o quanto são incompatíveis (com fez David Dinis do Observador na TVI24, a noite passada, agitando o fantasma da Instabilidade).

Todos conhecemos os múltiplos e possíveis anticorpos existentes na política à esquerda. E muitas das coisas são verdades, aliás para grande gáudio da Direita em Portugal.

Mas o certo é que olhando friamente para o gráfico é que há uma maioria de portugueses que - desde Março de 2012 e independentemente dos partidos em que possam votar - não quer mais um governo de Direita e nunca aceitará um novo governo de Direita em Portugal.

E nada disso se passará, o que torna estranha ver a campanha eleitoral na estrada. Basta seguir o raciocínio seguinte:

O governo chumba-se a si próprio

À luz da sua própria avaliação, o governo PSD-CDS deixa um “triste legado” que “vai marcar inexoravelmente as nossas vidas e as dos nossos filhos”.

Em maio de 2011, a poucas semanas das últimas eleições legislativas, Álvaro Santos Pereira procedeu no blogue Desmitos a uma avaliação do desempenho do anterior governo PS à luz de oito critérios – oito indicadores económicos, analisados em sucessão a fim de proporcionar uma perspectiva abrangente da situação da economia portuguesa.

Santos Pereira concluiu essa análise ao legado do governo PS afirmando que estávamos perante, “de longe, os piores indicadores económicos desde 1892” e apelando a que os portugueses não esquecessem esses factos no dia das eleições. Poucas semanas depois, tomava posse um novo governo de coligação PSD-CDS, sustentado por uma maioria absoluta parlamentar. O Ministro da Economia desse governo era o próprio Álvaro Santos Pereira, certamente determinado a inverter a catastrófica situação que tão exaustivamente diagnosticara.

Quatro anos depois, é da mais elementar justiça que avaliemos os resultados alcançados por este governo à luz dos indicadores que o seu próprio Ministro da Economia original considerou mais apropriados para aferir o desempenho governativo. Quais eram os desequilíbrios então identificados? E qual o desempenho do governo PSD-CDS à luz desses mesmos critérios? Quando actualizamos os gráficos de Santos Pereira, trazendo-os até ao presente, verificamos que os resultados são esclarecedores.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Mistérios do plafonamento (Parte 2) e o bónus aos assalariados mais ricos

Pedro Passos Coelho disse ao Expresso que o "plafonamento" que quer vai aplicar-se apenas "a pensões que são muito elevadas". E explicou: "A pensão média estatutária anda, em Portugal, por valores que não são muito superiores a 900 euros. Estamos a falar de múltiplos disto, quer dizer, três vezes isto, quatro, cinco vezes isto. Não estamos a falar de uma coisa que deva preocupar a grande maioria daqueles que recebem".  O Expresso acrescentou que, fazendo as contas, só haverá "plafonamento" para pensões acima de 2700 euros, ou 3600 euros, ou 4500 euros...

Ora, nada disto faz sentido. O PM falou de "algo que deva preocupar a grande maioria daqueles que recebem"? Mas não era suposto o "plafonamento" ser uma coisa boa?

Depois, o "plafonamento" aplica-se a salários brutos e não a pensões. 

Mas fazendo fé que o PM sabe do que fala e que estaria a dizer que o tecto contributivo proposto aplicar-se-ia a salários que iriam corresponder a pensões de 2700 euros, ou 3600 euros, ou 4500... então estamos a falar de um universo mesmo elitista. Segundo a Conta da Segurança Social, em 2013 (contas mais recentes, veja-se lá!!), havia apenas 13.628 pensionistas com pensões superiores a 2500 euros e só 592 pensionistas com mais de mais de 5600 euros. Um número que pouco variou face a 2012.

Sobre isto, há que dizer:
1. Será que o PM se deu conta que já não fala do "plafonamento" só para os novos contratos?

domingo, 20 de setembro de 2015

Linhas vermelhas


Pesada derrota para as forças anti-memorando na Grécia, em particular para a unidade popular, que não terá ultrapassado o limiar dos 3%. Isto significa que os comunistas gregos serão a única força a contestar, no parlamento e pela esquerda, as privatizações e a austeridade, o que diz bem da tragédia grega, por agora com uma apatia mais generalizada. Hollande já enviou felicitações e tudo. Significa isto que os militantes que formaram a unidade popular em condições muito difíceis fizeram mal em romper com o syriza? Não creio. Mesmo em política há coisas que têm de ser feitas, linhas vermelhas que não se passam, independentemente das consequências no curto prazo. Não se desiste.

sábado, 19 de setembro de 2015

O que esteve e o que está em cima da mesa?

1. Numa entrevista recente, Vítor Constâncio confirmou o que aqui sempre defendemos: a expulsão da Grécia do euro nunca esteve seriamente em cima da mesa, expondo assim o bluff das finanças alemãs e do BCE de forma tão clara quanto é possível a um vice-presidente do pós-democrático banco dos bancos europeus. As alternativas nunca foram a expulsão ou a submissão, mas sim a submissão ou a libertação. A submissão, a capitulação, prevaleceu, graças, em última instância, às decisões tomadas pela maioria da elite dirigente do syriza. Temos muitos interessados em envolver isto numa nebulosa de confusão para facilitar o esquecimento de um dos mais reveladores marcos da história desta distopia monetária.

2. Através do infogrecia, fiquei a saber que Yanis Varoufakis apelou ao voto nas forças de esquerda anti-memorando, em particular na unidade popular. Fez muito bem, sendo que o lastro desmoralizador dos acontecimentos de Julho faz com que as perspectivas não sejam particularmente animadoras. Veremos amanhã. Zoe Konstantopoulou é candidata independente desta aliança. Não por acaso, os dois lideram um apelo internacional em torno do plano b que terá de ser o a; apesar de ter limitações, este apelo supera a linha da esquerda europeísta ainda apoiante do syriza. Esta última, claro, continuará a falhar, quer o syriza ganhe as eleições de amanhã, quer esta força agora favorável ao memorando as perca.

O misterioso custo do plafonamento de "cerca de 538 milhões de euros"

A 6 de Setembro passado, o ministro da Solidariedade Pedro Mota Soares afirmou algures que o "plafonamento" para os novos trabalhadores não era muito caro. Poderia "custar cerca de 538 milhões de euros". Diversos jornais publicaram-na. Mas a notícia já não pode ser encontrada porque foi retirada...

Faça-se uma busca com "Pedro Mota Soares" e "cerca de 538 milhões de euros" e obter-se-á vários resultados, todos remetendo para uma notícia com um título assustador para a Coligação: "CDS admite fazer derrapar o défice". E escrevia-se: "Luís Pedro Mota Soares disse que a proposta da coligação sobre o 'plafonamento' nas pensões poderá custar cerca de 538 milhões de euros/ano - ou seja, 0,3% do PIB". Mas quando se tenta ler cada uma das notícias, remete-se para o site do DN e o que se vê é isto: aqui ou aqui.

Não se sabe o motivo dessa desaparição. Mas calcula-se... No mesmo dia, surgiria outra notícia a substituir a primeira, desta vez com um título bem mais simpático: "CDS garante que o plafonamento nunca fará derrapar o défice".  A ideia passa a ser de que, saindo-se dos procedimentos de défices excessivos, então poderão "utilizar-se até 0,5% do PIB (cerca de 890 milhões de euros) para o plafonamento através das normas de flexibilidade do Tratado Orçamental - normas implicam que essas verbas nunca poderão ser contabilizadas no défice. Nunca haverá derrapagem do défice, explicou a mesma fonte". Mas os "cerca de 538 milhões de euro" nunca mais apareceriam nos noticiários.

Vários factos interessantes a sublinhar:

1) No dia anterior, a 5/9/2015, o mesmo Pedro Mota Soares afirmou que a proposta do PS de reduzir a TSU faria o défice derrapar. Veja-se  aqui. Mota Soares disse: "Só a medida da redução da TSU que tem um impacto de 0,33% coloca o défice efectivamente nos 3%". Portanto, o "plafonamento" é possível, mas a medida do PS não é, apesar de ter o mesmo impacto...;

2) Coincidentemente, os "cerca de 538 milhões de euros" aproximam-se muito dos "cerca de 600 milhões de euros" que o Governo cortou na rubrica de pensões e que não esclarece como quer lá chegar. Mas como foi anunciado que se tratava de uma reforma a discutir e concertar com o PS, cola muito bem com aquela argumentação apresentada por Mota Soares (a de não contar para o défice);

3) A que corresponde na realidade os "cerca de 538 milhões de euros"? Essa é uma boa questão. Veja-se as contas a seguir.

Memória (XIII)



«A política sem escrutínio e a política sem responsabilidade pode-se tornar perigosa. Portugal tem passado bem por essa realidade nos últimos cinco anos. Temos hoje gente no poder, gente com responsabilidades que acha que não é escrutinável, que acha que não tem que prestar contas, que acha que não tem que ser responsabilizado. (...) O que Portugal e os portugueses exigem ao maior partido da oposição é que se prepare, que estude, que apresente propostas que levem a uma nova visão sobre a sociedade portuguesa. É esse trabalho que estamos a fazer. Quando as eleições se tiverem que verificar, quando se verificarem, o PSD será sempre solução e nunca problema. Estamos em condições, estamos preparados e temos um projecto. (...) Quem está a cortar no Estado Social é este governo. Porque aumenta os impostos, porque todos os dias tira direitos, porque não tem dinheiro, porque tem que pagar dívidas, porque tem um serviço da dívida altíssimo. Esses sim, esses é que são os adversários do Estado Social. (...) Estamos nos últimos anos a fazer um grande investimento em educação, gastámos milhões e milhões, a formar gerações de gente com qualidade, e depois não somos capazes de lhe criar as oportunidades de terem um emprego.»

Miguel Relvas (algures em 2010/2011)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

E a alternativa?


Os actuais debates entre líderes políticos confirmaram o que já sabíamos: o desplante com que a direita se dirige aos portugueses, como se não tivesse entusiasticamente assumido o programa da troika; as ambiguidades de um PS que condena a austeridade, mas pouco promete, sabendo que terá de aprovar os orçamentos em Bruxelas; a crítica da esquerda, demasiadas vezes enrodilhada na discussão das medidas mais gravosas, talvez para ocultar a lógica global da política, a da zona euro, que tem dificuldade em discutir abertamente. Assim sendo, é de esperar que até ao dia das eleições sejam os media a comandar o debate, não apenas pelas perguntas que marcam a agenda, mas sobretudo pela sua formulação a partir dos pressupostos do pensamento neoliberal.

O que abriria novos horizontes aos portugueses, a tal luz ao fundo do túnel, era ver candidatos de oposição apresentarem uma política económica alternativa, aquela que coloca o pleno emprego como o primeiro objectivo, ao qual todos os outros se subordinam. Nestes debates, quantas vezes a expressão “pleno emprego” foi pronunciada? E, no entanto, o que hoje separa com clareza a esquerda da direita é a defesa, ou não, deste objectivo central. Se o PS quer reduzir o desemprego, mas não pode comprometer-se com políticas de pleno emprego porque a moeda única é a prioridade, então estará a propor-se como partido de alternância, não como alternativa de esquerda. Se o BE fustiga o governo porque falhou nas metas do défice e da dívida, então ainda adopta o paradigma pré-keynesiano das finanças públicas, o da troika, pelo que não está em condições de apresentar uma alternativa de esquerda. Uma esquerda que não coloca à cabeça a questão da soberania monetária (“sairemos do euro se não houver outro remédio”) não entende que um programa de pleno emprego pode ser financiado pelo banco central e que, por se tratar de dívida do Estado a si próprio, não é um encargo para os contribuintes. Mas, admitindo-o, o BE teria de abandonar o internacionalismo que defende um “euro bom”, uma zona euro bem construída. Nisto, o PCP é muito mais sólido, embora precise de apurar algumas formulações e, sobretudo, de perder o pudor que ainda tolhe o seu discurso nos media.

Em relação directa com o debate sobre a evolução da taxa de desemprego, não se vê os candidatos da esquerda porem em causa o paradigma neoliberal do crescimento económico, tanto na sua relação com o emprego como nas suas implicações ambientais. Frequentemente, mostram as insuficiências do indicador do desemprego publicado pelo INE, o que, sendo certeiro, ainda assim é limitado, porque permite à direita a crítica fácil de que negam a existência comprovada de algum crescimento económico, aliás, devido à travagem na política de austeridade. A esquerda deve fazer a defesa do desenvolvimento, o que é muito mais complexo e envolve outras dimensões, incluindo estruturais, que a direita ignora ou até rejeita, porque exigem uma intervenção estratégica do Estado. Assim, uma alternativa de esquerda defende a criação de empregos socialmente úteis, em colaboração com as autarquias e agências de desenvolvimento local, com níveis de qualificação diversos, numa escala que se reduzirá à medida que a economia recupere a utilização da capacidade produtiva instalada. Em complemento, uma política fiscal fortemente progressiva, aliada ao reforço do poder negocial do trabalho, daria um contributo fundamental para a criação de emprego e a revitalização do Estado social. Claro que isto significa uma ruptura com o euro mas, na vida das pessoas como na das sociedades, há momentos em que apenas a ruptura é portadora de futuro. Sem alternativa global e consistente é que não teremos luz ao fundo do túnel.

Todos sabemos que o desemprego subiu fortemente depois da entrada de Portugal na UEM e que o pleno emprego já não é possível dentro da zona euro. Por isso, passado o dia em que irá votar sem entusiasmo, o povo continuará à espera de uma alternativa que lhe dê esperança em melhores dias. A esquerda deve-lhe isso, mas tem a obrigação de saber que tal não é possível dentro do paradigma dominante. A menos que não tenha aprendido nada com o fiasco do Syriza.

(O meu artigo no jornal i)

É melhor do que nada


Devemos aprender com este golpe de Estado financeiro. Este euro tornou-se o instrumento de dominação económica e política da oligarquia europeia, escondido atrás do Governo alemão e que se regozija por ver a Sra. Merkel fazer todo o ‘trabalho sujo’ que os outros governos não são capazes de fazer. Esta Europa só produz violência dentro e entre as nações: o desemprego em massa, dumping social feroz, insultos atribuídos aos líderes alemães contra a Europa do Sul e repetidas por todas as ‘elites’, incluindo as daqueles países. A União Europeia alimenta a ascensão da extrema-direita e tornou-se um meio de anular o controlo democrático sobre a produção e distribuição da riqueza em toda a Europa.

Jean-Luc Mélenchon, Stefano Fassina, Zoe Konstantopoulou, Oskar Lafontaine e Yanis Varoufakis

A proposta em termos de plano a e de plano b, recentemente defendida por gente politicamente muito respeitável da esquerda europeia, surge com vários anos de atraso e é ainda apresentada em termos pouco claros no que ao plano b diz respeito (a saída do euro é aventada entre outras...). No entanto, baseando-me na minha própria experiência de alinhamento com posições deste tipo há uns anos atrás, ainda que em termos mais simples de colocação do Estado à mesma escala da moeda, seja em termos supranacionais, seja nacionais, parece-me que tal tipo de proposta, necessariamente transitória, pode ter efeitos positivos, ajudando muitos europeístas de esquerda a abandonar o fetiche do euro. Isto pode ser assim porque é muito mais claro nestes tempos DG (Depois de Grécia) que o plano b, de preparação da ruptura com esta ordem monetária, tem de ser o plano a dos que não querem ter o triste fim do syriza.

Dada a lógica do desenvolvimento desigual e o necessário desalinhamento dos ciclos eleitorais, as rupturas ocorrerão à escala nacional, ainda que se possa apostar em efeitos de contágio dos bons exemplos e no internacionalismo que acompanha a aposta nacional, o tal “nacionalismo internacionalista”. O mau exemplo dos que esperam por amanhãs europeus que cantam, enquanto privatizam e cortam, é perigosamente contagioso. É possível formular planos coordenados para um sistema cambial europeu depois do euro, que combine estabilidade com flexibilidade, requerendo também controlos nacionais de capitais, com ajustamentos cambiais em função das posições da balança corrente dos diferentes países, mas a transição dificilmente começará pela escala supranacional. Bom, o que é importante é que os que subscreveram esta proposta claramente querem evitar a repetição da tragédia grega. Aprender e convergir sempre, ainda que lentamente, é melhor do que nada.

José Afonso: Utopia



cidade..|..sem muros nem ameias..|..gente igual por dentro..|..gente igual por fora
onde a folha da palma..|..afaga a cantaria..|..cidade do homem..|..não do lobo..|..mas irmão

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Opacidade fiscal

Passos Coelho declarou no 2º debate de Passos/Costa que o "enorme aumento de impostos" de 2013 foi feito para aumentar a progressividade do imposto. Ou seja, pôr quem mais tem a pagar proporcionalmente mais imposto. Mas foi mesmo assim? A Autoridade Tributária já devia ter divulgado as estatisticas de IRS de 2013 em Março passado. E não o fez...

Diz Passos Coelho: "A revisão dos escalões foi feita de modo a criar progressividade, mais progressividade no imposto. Sabe que 7% dos contribuintes pagam aproximadamente 70% da receita fiscal e isso acontece justamente porque nós fizemos a revisão desses escalões. Por um lado e por outro lado porque há muitos portugueses que têm baixos rendimentos...

Dito desta forma até parece que o Governo está a fazer um assalto aos ricos. Mas a que correspondem esses 7% de contribuintes? Em 2012, correspondia aos contribuintes com rendimentos acima de 40 mil euros anuais (3,3 mil euros mensais brutos). E nessa altura pagavam 64% do IRS liquidado.

Olhe-se para este gráfico de 2012 sobre o rendimento declarado e a sua distribuição por grupos de rendimento.



Leituras


«Perguntava Pedro Passos Coelho: "Por que é que o Estado há de garantir pensões de quatro mil e quinhentos, cinco mil, seis mil, sete mil euros por mês?" (...) Para quem assim fala, a ameaça para o sistema está nas pensões altas. E quantas são essas pensões altas hoje em dia? (...) Facilmente se vê [gráfico]. Havia, em dezembro de 2013, 560 pensões de velhice e invalidez acima dos 5594,34 euros/mês. 560 pensões num total de 1,9 milhões de pensões. Repito, quinhentas e sessenta pensões em um vírgula nove milhões. Ou seja, 0,03%. Encontram-se três pensões acima dos 5594,34 euros por cada dez mil. Três em cada dez mil. (...) Com o plafonamento, (...) abre-se uma caixa de Pandora e isso virá a ser um péssimo negócio para a Segurança Social pública. Já para os fundos de pensões e para as instituições financeiras que os gerem, há uma oportunidade dourada no horizonte.»

Vítor Junqueira, Pensões elevadas?

«Há um partido que propôs que as portagens servissem para financiar a Segurança Social. Há um partido que propôs que uma parte dos descontos obrigatórios para a Segurança Social passasse para uma conta individual nas mãos de fundos privados. Há um partido que propôs usar o valor do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (...), mais a emissão de dívida pública (...), para financiar a passagem para o novo sistema e compensar a perda de receitas. Total do custo da operação, acima dos 20 mil milhões de euros, contas do partido proponente. (...) Isto era o PSD. Mas era no tempo em que fazia propostas e apresentava as contas. Agora, junto com o CDS (que se absteve nesta proposta em 2007), retoma a mesma ideia, sob a forma do plafonamento, mas esconde a conta atrás das costas. Em vez de fazer com que todos descontem para os fundos privados, faz com que o desconto só comece depois de um certo nível salarial. Qual, é mistério. Quanto se perde em receitas da segurança social, é sempre muito mas é mistério. Como se paga esse buraco, é mistério.»

Francisco Louçã, No tempo da tripa forra: as portagens e a dívida para pagar o buraco na Segurança Social

«Durante quatro anos, a coligação PSD-CDS tudo fez para pôr em causa a sustentabilidade do sistema público de pensões. Quatro anos depois, criada uma crise de curto prazo por causa da perda de receita, fruto da destruição de emprego e da queda dos salários, quem criou o problema vem propor uma solução de privatização parcial das pensões, o chamado plafonamento. Degradar para privatizar. É assim na saúde, é assim na educação, é assim nos transportes e é assim nas pensões. É esta a reforma do Estado proposta pela coligação. (...) Dizem que a proposta é moderada e não envolve grande perda de receita, porque é só para quem começa agora a descontar, mas esquecem-se de dizer que a perda de receita aumenta com o tempo e que a despesa só se reduz daqui a quarenta anos, o que implica financiar um défice durante todo esse período.»

João Galamba, O que está em causa nas pensões

«A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida. Neste momento, comparo o fácies da ministra das Finanças a anunciar estes agravamentos e as lágrimas incontidas da ministra dos Assuntos Sociais do Governo Monti em Itália quando se viu forçada a anunciar cortes sociais. A política, mesmo que dolorosa, também precisa de ter uma perspectiva afectiva para os atingidos. Já agora onde pára o ministro das pensões? (...) P.S. Uma nota de ironia simbólica (admito que demagógica): no Governo há “assessores de aviário”, jovens promissores de 20 e poucos anos a vencer 3.000€ mensais. Expliquem-nos a razão por que um pensionista paga CES e IRS e estes jovens só pagam IRS! Ética social da austeridade?»

Bagão Félix, Falácias e mentiras sobre pensões

Hoje, em Lisboa: Aniversário da «Outro Modo»


Para comemorar os seus primeiros nove anos de existência, a Cooperativa Outro Modo convida todos os interessados a participar na festa que hoje, 17 de Setembro, se realiza na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa.
O evento tem início às 19h00 e inclui a pintura de um mural, exposição sobre os 61 anos do Le Monde Diplomatique e a Cooperativa Outro Modo, Feira do Livro, Leilão, música e um Debate (21h00), sobre «Jornalismo Sem Rasteiras», em : Ana Luísa Rodrigues; Filipa Subtil; José Manuel Rosendo e José Nuno Matos (com moderação de Carla Baptista). Apareçam.

Apresentação em Évora: «O que fazer com este país»


O Ricardo Paes Mamede vai estar esta quinta-feira, 17 de Setembro, a apresentar o seu livro em Évora. É na Livraria Fonte das Letras (Rua 5 de Outubro, 51), a partir das 18h00. Estão todos convidados. Apareçam.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

É tempo de rolarem cabeças...

... de quem está à frente da direcção de campanha da coligação de direita PAF.


Tudo isto tem um ar de plano. A coligação de direita entra na campanha demarcando-se da troika. Hoje estamos a crescer e a criar empregos porque nos opusemos ao que a troika queria. Para culminar esta argumentação, Passos Coelho vai ao debate principal da campanha e repete - várias vezes! - que foi o Governo Sócrates quem chamou a troika. "A austeridade foi trazida pela crise que trouxe também a troika" (1:50). O objectivo foi "recuperar a autonomia financeira e política também" (3:20). Passos agita a cabeça, ar desagradado, quando Costa ataca Passos por julgar que a economia cresceria cortando no rendimento (12:25). Que é "uma mistificação que o Governo acha a austeridade que é virtuosa"(17:00), como se houvesse um "entendimento perverso" de que Passos gosta de "aplicar ao país austeridade, medidas difíceis, redução de rendimento [porque] são virtuosas". Ou que o PSD nunca negociou com a troika o Memorando de Entendimento (21:40). Portas acompanha.

Claro que haveria inúmeras provas a mostrar que Passos Coelho mente:

Fonte: INE - reporte de défices excessivos

1) Sobre o carácter expansionista da austeridade: Basta ler o programa do Governo. Era a tese da poda ("Há que desbastar"), das dietas ("Há que cortar nas gorduras"). O pedido de ajuda externa, e os termos em que foi concedido pelas instituições internacionais referidas, constitui o ponto de partida fundamental para a reformulação das nossas finanças públicas. Assim, o Governo garante o cumprimento atento e rigoroso do Memorando de Entendimento."

Hoje, às 17h30, no Auditório do Montepio (em Lisboa)


«Estamos a construir uma sociedade cada vez mais desigual, com tudo o que de negativo isso implica: aumento da tensão social à diminuição do crescimento económico. A crise agravou as desigualdades numa dimensão que escapa ao olhar distraído. Mas os números recolhidos pelo economista Eugénio Rosa são claros. O autor compilou e analisou, em várias áreas, mais de meio século de dados. E deu relevo aos anos da Troika - período em que a diferença entre ricos e pobres mais se extremou. As conclusões são chocantes. Ao analisar a riqueza sob diferentes ângulos, o autor descobre desigualdades escondidas. Se observarmos à lupa a mais-valia criada pelos trabalhadores, a propriedade financeira ou patrimonial, ou ainda quem paga ou não impostos, começamos a perceber melhor a real dimensão da desigualdade. Eugénio Rosa apresenta todos os números e analisa-os à luz do pensamento de economistas como Carlos Farinha, Joseph Stiglitz, Mark Blyth ou Thomas Piketty. E conclui que a desigualdade na distribuição de riqueza e rendimentos é um dos maiores travões ao nosso crescimento económico.»

O rigor e profundidade, a que as análises de Eugénio Rosa nos habituaram, estão nos antípodas da superficialidade, da desinformação, da manipulação estatística e das narrativas fraudulentas que ajudaram a almofadar e legitimar, junto da opinião pública, a opção pelas políticas de austeridade como solução (única e inevitável) para os problemas do país. É também por estas razões, para lá da manifesta relevância intrínseca da obra, que «Os números da Desigualdade em Portugal», que será hoje apresentado em Lisboa (Auditório do Montepio Geral), a partir das 17h30, por Manuel Carvalho da Silva se reveste do maior interesse. Apareçam.

A memória é um país distante (I)

Refugiados húngaros em 1956

«Há 59 anos tivemos a primeira grande crise de refugiados europeia depois da II Guerra Mundial, foi a crise húngara de 1956. Nessa altura, 200 mil húngaros foram para a Áustria (180 mil) e Jugoslávia. Na altura não havia (o acordo de livre circulação de) Schengen. Mas as fronteiras foram abertas, e da Áustria foi possível lançar um programa de relocalização, tendo 140 mil húngaros sido levados para outros países europeus e o realojamento teve lugar em menos de três meses. Na altura, a integração europeia estava a começar, não havia União Europeia, mas pelo menos essa parte da União que podia estar unida esteve unida, para proteger os húngaros vítimas da opressão e ditadura. Hoje, infelizmente, há uma União Europeia, mas a Europa já não está unida, está dividida

António Guterres, Alto Comissário da ONU para os Refugiados (ACNUR), ontem, no Parlamento Europeu.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Uma unidade entre nus


Só hoje vi o debate entre Catarina Martins e António Costa na TVI24. Aconselho a quem não viu, que o veja. Mesmo para quem não seja um partidário de alguma das duas barricadas.

Foi um debate profundo a abordar assuntos complexos, dentro do que é possível em poucas dezenas de minutos de televisão. Foi diferente dos restantes. Foi um debate em que ficaram a nu as fragilidades nos programas de ambos os lados, que na realidade são mais as fragilidades de um pequeno país integrado numa Europa de poderosos, no seio de uma moeda única cristalizada. E em que essa mútua nudez pode ser útil para a consciência entre nus conscientes desse facto.

Primeiro, essa mútua nudez pareceu tornar possível dialogar. Havia muitos terrenos comuns. Uma linguagem comum. Também, estranho seria se não houvesse, ao fim de 4,5 anos de coligação de direita. Mas é sempre bom enfatizar o que une e não o que separa porque já é muito.

Hoje, às 15h00, em Cascais


segunda-feira, 14 de setembro de 2015

FMI? Eu? Eu nem sei o que isso é...

Touch of Evil, de Orson Welles (1958)
A campanha eleitoral está a atingir níveis caricaturalmente graves. E estúpidos.

É patético ver o primeiro-ministro basear a sua campanha na mentira de que o PSD nunca quis a vinda da troika. Ou de que recessão económica - que fez 1,4 milhões de pessoas ficar no desemprego, levando parte à emigração - não foi causada pela austeridade imposta pelo Memorando de Entendimento, mas pela "crise". A "crise" em geral. Ou vê-lo - coitado - a esgrimir na TV quem "chamou" formalmente a troika, quando o tema era quem defendeu politicamente a sua vinda. Ou ver Eduardo Catroga dar-se ao trabalho de escrever uma carta aberta a António Costa, de duas páginas, a desmentir que... e não se percebe bem o que ele quer desmentir. Catroga é um triste personagem que - começou como negociador do PSD junto da troika, foi corrido por Passos Coelho por ser desbocado, andou nos bastidores a influenciar Álvaro Santos Pereira para não aplicar a contribuição sobre o sector eléctrico (ver o livro "Segredos de Estado" de Luís Reis Pires e Nuno Martins) e acabou num dos órgãos sociais da EDP privatizada... Veja-se o que Catroga disse uns dias depois de ser conhecido o Memorando, quando havia a ideia - até na comunicação social - de que o Memorando era o programa de Governo que Portugal nunca tivera em décadas! Não se lembram? Era um plano óptimo, com prazos, metas, calendários, custos e números...

O Memorando foi, na verdade, o corolário de medidas que o PSD de Passos Coelho sempre defendeu. Veja-se a cronologia dos factos e procure-se as seguintes datas:
15/3/2011, Passos declara que Portugal precisa de ajuda externa ("estamos com as calças na mão").
19/3/2011: Sócrates declara-se indisponível para governar com o FMI.
25/3/2011: (já após o chumbo do PEC4) Sócrates recusa-se a pedir ajuda externa.
26/3/2011 Passos Coelho declara que não se pode diabolizar o FMI: "Tem-se diabolizado a questão do FMI porque o primeiro-ministro a tornou uma questão de honra do Estado". "Portugal faz parte do FMI" e o organismo "existe para ajudar os países a superar crises de financiamento". "Isso já aconteceu anteriormente", sublinha.
2/4/2011: Passos garante em campanha eleitoral que, se for primeiro-ministro, não hesitará "um segundo" em pedir ajuda externa.“Não se deixa um país a correr riscos que são desnecessários”, as dificuldades financeiras serão ultrapassadas sem austeridade, garantiu.
3/5/2011:Eduardo Catroga afirma que o Memorando de Entendimento prova que o PEC4 era insuficiente e que as medidas que aparecem eram "melhores para os portugueses, no sentido de se obter um programa de austeridade, sim (...)" mas apenas para cortar gorduras. E que a "negociação foi essencialmente influenciada pelo principal partido da oposição".

Foi de facto há muito tempo. Mas passaram só 4,5 anos. Por isso, é importante relembrar esses tempos em que a Direita pensou que ia revolucionar Portugal e que ia colocar o país entre os mais modernos da Europa... E veja-se onde ficámos.

Dois lançamentos, hoje em Lisboa


«Os autores, através de um rigoroso trabalho de pesquisa, respondem às dúvidas que todos os portugueses colocam sobre a viabilidade do Estado Social e o futuro de todos nós. Os autores desmistificam, de forma inequívoca, os mitos que dominam as nossas preocupações. Tudo o que importa saber está sintetizado nestas afirmações em forma de mitos: 1. Portugal tem um Estado Social acima das suas possibilidades; 2. Os políticos usam a despesa social para ganhar eleições; 3. O Estado Social está falido; 4. A prioridade do Estado Social é ajudar os mais pobres; 5. O sistema de pensões é gerador de injustiças, de que são exemplo as pensões milionárias; 6. Não fora o Terceiro Sector e a sociedade portuguesa não teria respostas sociais; 7. Os beneficiários de pensões muito baixas são todos pobres; 8. A cultura de dependência e as fraudes minam o Estado Social.»

Cuidar do Futuro - Os mitos do Estado Social português, de Pedro Adão e Silva e Mariana Trigo Pereira.

«Um ensaio político-filosófico que desmistifica a austeridade e clarifica as alternativas que estão ao nosso alcance. Desde o 25 de Abril que não se registava um aumento da dívida do Estado português tão elevado como nos anos da austeridade. Se o objetivo desta política era desendividar o país e restabelecer a sua soberania, falhou redondamente. É tempo de mudar o jogo, de devolver competências ao país, devolvendo oportunidades aos seus cidadãos: Economicamente, pondo termo à austeridade e promovendo a criação de oportunidades genuínas, acessíveis à população; Socialmente, repudiando o elogio e a prática da precariedade como condição produtiva dos cidadãos; Politicamente, resgatando a força da cidadania e de uma resposta democrática inclusiva e participada. Este é um livro de encorajamento. As saídas dependem das nossas escolhas políticas. Está em causa restaurar a convicção de que o futuro coletivo está nas nossas mãos.»

O Futuro nas Mãos - De regresso à política do bem comum, de André Barata e Renato Miguel do Carmo.

Quis o acaso, ou talvez não, que dois livros sobre o futuro de Portugal e da sociedade portuguesa tenham chegado às livrarias. Serão ambos lançados hoje, em Lisboa. O livro de Pedro Adão e Silva e Mariana Trigo Pereira será apresentado por Manuela Ferreira Leite e Mário Centeno (às 18h30, no El Corte Inglês). O livro de André Barata e Renato Miguel do Carmo será apresentado por Isabel do Carmo e Miguel Real (às 18h30, na FNAC Chiado).

domingo, 13 de setembro de 2015

Prova de mérito


Foi há mais de uma semana, mas vale a pena regressar às declarações de António Costa sobre os refugiados e a limpeza das matas. É que além de Costa ter estado realmente mal nesta ocasião, independentemente das provas dadas que possui em matéria de humanismo e acolhimento de imigrantes, há alguns aspectos desta questão que ainda não foram referidos.

António Costa esteve mal, para começar, porque há um subtexto que perpassa das suas palavras e que Costa não pode ignorar. Mesmo que pretendesse apenas exemplificar algumas das áreas em que existe necessidade de mão-de-obra em Portugal, como foi posteriormente alegado, as suas declarações não deixam de reforçar a visão utilitária do problema. Ora, o critério utilitário, a ideia de que os refugiados podem ser úteis para Portugal e para os portugueses, não é um argumento legítimo, ou pelo menos não deveria sê-lo. O acolhimento de refugiados deve ser motivado, acima de tudo, por questões de solidariedade e salvaguarda dos direitos humanos. Secundariamente, deve sê-lo por considerações de reciprocidade e respeito pelas convenções internacionais de que Portugal é signatário, incluindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas não deve sê-lo por critérios utilitários, pois isso reforça a ideia, ética e politicamente condenável, de que se porventura essa utilidade imediata não existir, se por acaso não existirem “coisas para eles fazerem”, desaparecem as razões para que os devamos acolher.

Mas há um segundo motivo, mais subtil, para que esta intervenção seja tão infeliz. De forma consciente ou inconsciente, a intervenção de António Costa inscreve-se numa tradição discursiva em que a limpeza da mata constitui o arquétipo da contrapartida que deve ser prestada por quem queira merecer apoios do Estado. Repare-se como os últimos governos – tanto do PSD/CDS como do PS – têm obrigado desempregados e beneficiários do RSI a dedicarem-se também eles à limpeza das florestas sob pena de perderem os respectivos apoios sociais. Na lei e no discurso político, a limpeza da mata, trabalho físico duro e consequentemente apropriado à expiação da “culpa” de se receber um apoio social, tem vindo a tornar-se uma espécie de prova de mérito dos “bons pobres” – se quisermos, uma condição de recursos do merecimento.

Esta visão desvaloriza o trabalho, subverte os direitos e reforça a ideologia punitiva que vira remediados contra pobres. Alinhar com esta linha discursiva é algo que esperamos da direita, mas não de quem se considere socialista.

(publicado no caderno de economia do Expresso de 12/09/2015)

Memória (XII)


16 Março 2011: «Inviabilizar o PEC IV "é empurrar o país para a ajuda externa e acho que devemos responsabilizar aqueles que inviabilizarem o PEC porque esse será o resultado inevitável, seremos empurrados para a ajuda externa", diz Teixeira dos Santos aos jornalistas na Assembleia da República.»

23 Março 2011: «O Parlamento rejeita o PEC IV. O documento não é sujeito a votação, mas a oposição em bloco aprova uma moção de rejeição ao PEC. Depois deste chumbo, o Governo português colapsa e José Sócrates pede a demissão. Portugal vai para eleições antecipadas e José Sócrates é novamente candidato.»

31 Março 2011: «Quando Sócrates ainda rejeitava o pedido de empréstimo, Passos Coelho assinou uma carta oficial do PSD, que escreveu com Miguel Macedo, e foi entregue pelos serviços de protocolo, defendendo o pedido de "resgate". Destinatários: Sócrates e Cavaco Silva.»

1 Abril 2011: «Os mesmos destinatários [Sócrates e Cavaco Silva] receberam outra carta de teor idêntico, desta vez subscrita pelo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.»

2 Abril 2011: «Paulo Portas, líder do CDS, declarou à agência Lusa o seu apoio à ideia [pedido de resgate]: "Não faço parte dos que diabolizam o FMI."»

4 Abril 2011: «Os principais banqueiros portugueses à época (Ricardo Salgado, Carlos Santos Ferreira, Faria de Oliveira, Fernando Ulrich e Nuno Amado) reuniram-se com Carlos Costa, na sede do regulador, e, de seguida, dirigiram-se para o Ministério das Finanças, onde fizeram o mesmo pedido ao ministro Teixeira dos Santos. Nos dias seguintes todos dirão, publicamente e em entrevistas coordenadas na TVI, que o resgate é necessário.»

5 e 6 Abril 2011: «Os banqueiros reúnem-se com Passos Coelho. A 6 é a vez de Cavaco Silva os ouvir, em Belém. Em São Bento, Mário Soares, que tinha falado na véspera com Carlos Costa, também pediu a Sócrates que chamasse a troika. "Eu queria que ele pedisse o apoio e ele não queria. Discutimos brutalmente", revelou o ex-Presidente. É nessa tarde, às 18h02, que o Jornal de Negócios publica declarações de Teixeira dos Santos que garantiam ser inevitável a vinda da troika. É só então, sentindo-se traído pelo seu ministro, com quem corta relações numa azeda conversa telefónica, que Sócrates anuncia ao país, às 20h38, que Portugal decidiu recorrer ao auxílio financeiro internacional.»

11 Abril 2011: «Passos reafirmou a sua concordância [recorrer ao "auxílio" financeiro internacional] na RTP: "O PSD já disse que apoiava o pedido de ajuda."»

*****

16 Maio 2013: «António Lobo Xavier disse na noite desta quinta feira que a entrada da troika em Portugal resultou da pressão exercida pelo PSD e pelo CDS-PP. A chanceler Angela Merkel "não queria uma intervenção concertada, regulada, com um memorando. Este aparato formal de memorando com regras, promessas e compromissos, tudo medido à lupa", sublinhou. Foi durante o programa "Quadratura do Círculo", exibido semanalmente na Sic Notícias, que o histórico do CDS-PP teceu estes comentários, acrescentando mesmo que a entrada em Portugal das três instituições que compõem a troika foi liderada por um "aprendiz de feiticeiro", referindo-se a Passos Coelho. "O aprendiz de feiticeiro é o primeiro-ministro", clarificou.»

sábado, 12 de setembro de 2015

Um trabalhista


Nestes tempos cada vez mais sombrios, uma excelente, excelente, notícia: Jeremy Corbyn foi eleito líder dos trabalhistas britânicos com cerca de 60% dos votos, beneficiando de uma extraordinária mobilização cidadã, mais de meio milhão de participantes, contra a austeridade, a fazer lembrar o tipo de mobilização a partir de baixo que, por exemplo, levou o Partido Nacionalista Escocês à posição hegemónica nessa nação.

A Terceira Via, essa odiosa combinação de aceitação da financeirização do capitalismo, relaxamento em relação às desigualdades e crimes contra a humanidade, o melhor sintoma do triunfo de Thatcher, foi hoje enterrada. Os herdeiros de Tony Benn, os que nunca desistiram, estão vivos e são jovens. Os herdeiros de Blair podem ganhar muito dinheiro, como o próprio, mas, até por isso, estão isolados socialmente.

Dada a influência político-ideológica britânica, o “poder suave” de que se fala, trata-se de um acontecimento com relevância mais vasta. Bem sei que todos os anti-socialistas dos Partidos Socialistas, responsáveis intelectuais pelo seu esvaziamento, já falaram de “radicalismo”, mas como sublinharam recentemente vários economistas políticos numa carta, radical é mesmo o contexto austeritário, tanto mais que a Grã-Bretanha ainda dispõe de relativa autonomia no campo da política económica. Corbyn é só alguém que leva a sério a palavra trabalhista: “sociedade decente, igualitária, para todos”, o tal “espírito de 1945”, que continua ser necessário reinventar em 2015.

É claro que, como sublinha com realismo Owen Jones, o do “lexit”, o mais fácil foi feito. Verdade, mas foi uma facilidade reconhecidamente extraordinária.

Hoje


«Num momento de crise humanitária, apenas comparável aos êxodos provocados pelo terror nazi durante a II Guerra Mundial, todos os membros desta grande sociedade europeia são chamados a apoiar tantos quantos fogem da agonia, do pavor, da tortura e da morte.» (European Day of Action for Refugees)

Lisboa, Praça Marquês de Pombal, 15h......Porto, Avenida dos Aliados, 15h......Coimbra, Praça 8 de Maio, 15h......Faro, Largo da Sé, 15h......Felgueiras, Praça da República, 15h

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Cinco mil refugiados quantos são?

Entre as reacções mais ou menos difusas de rejeição do acolhimento de refugiados em Portugal, que assentam genericamente na xenofobia militante, no preconceito infundado ou no simples sentimento de medo que a desinformação alimenta, encontra-se a questão da suposta incapacidade e inoportunidade para que o nosso país acolha um número digno (isto é, à altura da catástrofe humanitária a que estamos a assistir) de famílias e de pessoas que fogem da guerra, da perseguição e da morte. Talvez valha por isso a pena nesta matéria - e sem perder de vista o plano mais importante, dos princípios elementares de dever moral e humanista em acolher refugiados - lembrar a nossa história recente e fazer algumas contas simples.


1. Em apenas dois anos (1974 e 1975) chegaram ao nosso país entre 500 a 600 mil pessoas (gerando um aumento da população residente, entre 1973 e 1976, na ordem dos 8%). Num curto espaço de tempo, uma sociedade saída de uma ditadura e exaurida pela guerra, pelo subdesenvolvimento e pela pobreza consegue integrar, sem convulsões relevantes, meio milhão de pessoas. Perante estes valores e esse contexto, os cerca de cinco mil refugiados que se espera cheguem a Portugal nos próximos tempos não chegam a representar 1% das entradas registadas nos anos da transição para a democracia.

2. Em cinco anos, entre 2010 e 2014 - e em resultado das políticas de austeridade e de uma emigração massiva - Portugal perdeu 172 mil habitantes (cerca de -2%). Isto é, um valor que contrasta com o aumento de população verificado nos cinco anos anteriores, de 2006 a 2010, na ordem dos 51 mil residentes. E que inverte a tendência para o aumento regular da população, a partir do início dos anos noventa. Perante estes valores, os refugiados que se espera sejam acolhidos no nosso país não chegam sequer para compensar 3% da sangria demográfica causada pela austeridade e pelo empobrecimento.

3. Projeções europeias para 2080 apontam para que Portugal tenha menos de dez milhões de habitantes até 2030, menos de nove milhões até 2050 e que perca um quarto da sua relevância na população europeia até 2060. Estima-se que existam mais de cinco milhões de portugueses espalhados pelo mundo, o que faz com que Portugal apresente actualmente a «taxa de população emigrada mais elevada da União Europeia (UE28)» e seja o sexto país em termos de número de emigrantes. Os refugiados que se preparam para entrar no nosso país representam cerca de 0,02% face aos cinco milhões de portugueses da diáspora.

E porque a questão constitui fundamentalmente um desafio para a Europa, deve sublinhar-se também que a estimativa de 400 mil refugiados (correspondente ao número de pedidos de asilo registado em todos os países da UE nos primeiros seis meses de 2015), representa cerca de 0,08% da população europeia. Ou seja, como bem lembra o Alexandre Abreu, estamos a falar de «um refugiado por cada 1250 habitantes».

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O mercado de trabalho quatro anos depois

O especial interesse dos dados do emprego e do desemprego relativos a Junho de 2015 decorre do facto de esta informação estatística permitir avaliar, com precisão temporal, o impacto no mercado de trabalho das políticas de austeridade prosseguidas pela maioria de direita nos últimos quatro anos. Olhando para os grandes números, há três elementos essenciais a reter: entre 2011 e 2015 a população activa diminuiu em cerca de 260 mil pessoas (-4,7%); a destruição de emprego situa-se em cerca de 220 mil postos de trabalho (-4,5%); e o número de desempregados - nos estritos termos dos critérios oficiais - diminuiu em cerca de 38 mil (-5,9%, o único indicador de variação comparativa com significado aparentemente positivo). O que significa que, na legislatura que agora termina, por cada activo que deixou de estar desempregado, sete activos perderam o seu emprego.


Os números do desemprego obrigam contudo, como bem sabemos, a uma análise devidamente cuidada do fenómeno, que tenha em conta realidades que - não sendo consideradas pelos valores oficiais - configuram situações de desemprego (tanto em 2011 como em 2015). Isto é, trata-se fundamentalmente de saber como evoluiu o desemprego que não é reconhecido pelas estatísticas e que peso assume hoje numa aproximação mais realista ao problema. Neste sentido, verificou-se um aumento, entre 2011 e 2015: do número de desempregados ocupados em cerca de 130 mil (+500%); do número de activos desencorajados em cerca de 90 mil (+51%); e do volume de subemprego em cerca de 36 mil (+17%). Ao que se soma o êxodo de activos, decorrente do aumento exponencial do saldo migratório negativo acumulado, que se elevou até um valor de 384 mil, em 2015 (+1300%). Ou seja, considerando este conjunto de realidades, passamos a registar um aumento de desempregados na ordem das 537 mil pessoas entre 2011 e 2015 (e não o decréscimo de 38 mil registado, no mesmo período, pelas estatísticas oficiais).


Uma das implicações desta linha de análise aponta, necessariamente, para que não sejam consideradas, como emprego, algumas das situações anteriormente referidas. Isto é, se apurarmos a variação do emprego, entre 2011 e 2015, sem contabilizar os desempregados ocupados e as situações de subemprego, constatamos que a destruição do mercado de trabalho traduz a perda de 385 mil empregos e não, como indicam os números oficiais, de 219 mil. Isto é, a contracção do emprego nos últimos quatro anos foi de 8,4% e não, como as estatísticas sugerem, de 4,5%.


Quer isto dizer que o desemprego não diminuiu e que não foi criado emprego, a partir de 2013? Não. Como assinalou recentemente Pedro Lains, «a economia portuguesa está naturalmente a recuperar, depois de uma forte contracção de perto de 10%, desde o início da crise financeira». A questão essencial é que essa recuperação resulta «da ténue recuperação europeia e (...) do facto de o Governo não ter implementado medidas de austeridade adicionais, desde há um ano ou algo mais», graças ao Tribunal Constitucional e às inversões ilusórias necessárias, para «que [não] se lixem as eleições».

Ou seja, a ténue recuperação da economia e do emprego não traduz - ao contrário do que o governo finge acreditar (pretendendo que nós acreditemos também) - uma suposta transformação estrutural da economia portuguesa, decorrente das políticas de empobrecimento e de subdesenvolvimento seguidas nos últimos anos. Aliás, basta deixar passar as próximas semanas, e aguardar que a nuvem cor-de-rosa artificial se dissipe, para vermos - caso a maioria ganhe as próximas eleições - o regresso rápido e em força às políticas de austeridade, essa ferramenta política indispensável para que a direita concretize, até onde puder, a sua agenda ideológica.