sábado, 30 de abril de 2016

Memória, hegemonia e subversão


«Há vários critérios para apreciar o trabalho académico: ineditismo e inovação, relevância na especialidade, impacto público, criação de escola. Fernando Rosas distingue-se em todos. E, ainda por cima, teve a disponibilidade e o sentido cívico para se empenhar politicamente. Anoto isto com o à vontade de quem nunca pertenceu aos mesmos movimentos políticos. O resto que se diga em contra é conversola ou medíocre viés político.»

António Hespanha (facebook)

Fernando Rosas dedicou a primeira aula do resto da sua vida à memória. À memória como revisionismo, à memória como farsa e à desmemória. Às formas de manipulação pelo «apagamento de acontecimentos, de processos históricos e de valores que transportem do passado um potencial subversor da nova ordem que se pretende estabelecer», de modo a inculcar «a aceitação acrítica da lei do mais forte, da injustiça social, da destruição das forças produtivas».
O historiador que nos escancarou as portas do salazarismo e do Estado Novo exemplificou: «é mais fácil impor as 10 ou 12 horas de trabalho aos operários da indústria automóvel se se lhes apagar a memória dos rios de sangue que correram para que a classe operária europeia ou americana conquistassem a jornada de oito horas de trabalho». Palavras sobre o passado que ecoam certeiras neste início de século. Para lembrar que a memória também é futuro.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

O passado e o falso futuro nos táxis

Se há uma coisa que a direita faz muito bem é misturar debates e omitir o que não lhe convém. Nesta questão dos táxis e da Uber, os argumentos liberais têm sido os clássicos. E, então quanto aos táxis, até parecem ter toda a imagética do seu lado.
Senão veja-se: quem não prefere chamar um táxi através de um app num telemóvel táctil, receber uma mensagem por sms, a dizer quanto custa o trajecto e qual a duração prevista, esperar um carro bem lavado, de estofos macios, com um motorista engravatado e limpinho, que o trata como se fosse um chefe do FMI que desembarcou em Lisboa? Tudo isto tem um cheiro a modernidade. Mais: este novo mecanismo acaba por pôr em causa poderes fácticos, advindos de um mercado condicionado, que se traduz num negócio sujo de alvarás e corrupção dos poderes administrativos para obter um. Feios, porcos e maus. Ah! bendita Uber, que penetra tão fundo, sem capacidade de reacção.

Paulo Ferreira no Observador fala de tempos únicos que se vivem, em que o caso dos táxis é "um tratado sobre formas distintas de ver o mundo, de estar na vida e de ganhá-la através dos negócios". Helena Garrido - hoje na Antena1 - falava da impossibilidade de deter o progresso e a internet. Os taxistas se queriam concorrer só tinham de encontrar uma app semelhante. E não o disse, mas podia ter acrescentado que, já agora, era bom que se lavassem.

Ora, o problema essencial aqui é outro: há uma actividade que é regulada pelo Estado. Há condições de acesso para ser motorista de táxi. Há condições para obter um táxi. Há um pensamento: o Estado deve ser a entidade que regula o mercado, não passando mais licenças do que aquelas que o mercado comporta. Pode fazê-lo bem ou mal. Mas há uma ideia sobre como regular o mercado. Ora, o que se passa é que surge uma multinacional que acha que pode passar por cima das regras estabelecidas por um Estado soberano e limpar o mercado, contornando as regras. E ainda por cima com a chico-espertice de dizer que não é serviço de táxis, porque são pessoas que partilham o transporte... E por isso nem pagam impostos como tal. E sempre com o argumento de que criam "novas oportunidades para jovens motoristas". O que tem isto de moderno? Aliás, se tem alguma coisa é de bem passadista, quando as corporações dominavam Estados e impunham regras em continentes inteiros.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Um combate permanente contra as ideias feitas

«O contacto com a segunda intervenção do FMI em Portugal, nos anos 80, abriu-lhe os olhos. Tinha uns dez anos de idade na altura, e as dificuldades por que o país passava mostraram-lhe que "as injustiças pareciam estar muito associadas ao funcionamento da economia". Volvidos 30 anos, já economista de formação e ofício, Ricardo Paes Mamede, autor do livro "O Que Fazer com Este País", tornou-se conhecido por fazer parte de um grupo que não se revê na sacrossanta doutrina da austeridade imposta pelas instituições europeias e pelo governo anterior. Ironicamente, um dos três participantes do programa semanal da RTP3 "Números do Dinheiro", fez o doutoramento na Universidade Bocconi, em Milão, famosa por ter uma das escolas de economia mais conservadoras da Europa, e de onde, de resto, saiu a ideia de austeridade expansionista que nos atormenta. Hoje, o resultado do desalinhamento de Paes Mamede traduz-se também na sua participação, com outros economistas, no blogue Ladrões de Bicicletas, onde esgrime argumentos contra o establishment económico atual, que tem dado a Portugal – e aos países do sul da Europa – graves problemas sociais. Uma recolha desses posts que pedalam contra a maré deu este livro – "A Economia como Desporto de Combate", editado pela Relógio D’Água. Porque é o que esta ciência social é na realidade para quem não se conforma com o estado das coisas: um "combate permanente contra as ideias feitas".»

[da entrevista de Ricardo Nabais para o Jornal de Letras desta semana]

Socializar


No que à finança diz respeito a esquerda tem de ir para lá da exigência da taxação das transacções financeiras e colocar de novo na agenda a questão da propriedade pública e do controlo democrático desses centros nevrálgicos, em termos de informação e de poder no capitalismo, que são os bancos, como ponto de partida para uma redefinição da gestão e missão do novo sistema financeiro pós-liberal. Esta é a principal mensagem do artigo sobre a socialização dos bancos que o Nuno Teles escreveu para a Jacobin, talvez a publicação mais relevante, em inglês, dos que têm boas razões para não desistir.

Prémio Miguel Portas 2016 - Migrações

Instituído pela Associação Cultural Miguel Portas, o prémio pretende celebrar o seu legado material e imaterial, premiando iniciativas, atividades, obras ou projetos de âmbito cultural, social, artístico ou político. Tendo as migrações como tema de 2016, o prémio será atribuído no próximo sábado, 30 de Abril, no Auditório 3 da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a partir das 16h00. Intervém na sessão Augusto M. Seabra, José Manuel Rosendo e Miguel Vale de Almeida. Apareçam.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

A Economia é sempre uma Economia política


«Foi com base nesta "racionalidade económica" que Teodora Cardoso classificou a estratégia orçamental de Vitor Gaspar de "prudente, credível e fundada na melhor e mais sofisticada ciência económica". Todos sabemos o que se passou: Gaspar reconheceu o erro e demitiu-se; já Teodora nada disse e continua, munida da sua magnífica racionalidade económica mas ignorando a realidade, a dizer as coisas de sempre» (João Galamba)

«Teodora Cardoso é uma política que emite pareceres políticos assentes em convicções políticas, só que não é eleita e disfarça-se de técnica» (José Gusmão)

Irracionalidade?


Nós bem que avisámos, em 2011, quando PS e PSD tiveram a péssima ideia de criar o conselho das finanças públicas, assim com letras pequenas: para lá da ineficiente sobreposição com a sempre útil Unidade Técnica de Acompanhamento Orçamental junto da AR, criando empregos para economistas com mais do que duvidosa utilidade social, tal instituição serviria de púlpito para Teodora Cardoso repetir o consenso de Bruxelas.

Esta veio agora dizer duas coisas em sua defesa: “Sobre a ideologia há uma ideologia que tenho – o respeito pela racionalidade económica”, favorecendo “políticas da oferta” para lá das “políticas de procura”. Assim se demonstra que a sua ideologia é mesmo a irracionalidade económica (na realidade a racionalidade é outra, e de classe, mas finjamos que tal não importa). Vamos por partes.

Em primeiro lugar, a sua ideologia é como se fosse a irracionalidade económica porque, com a sua defesa do aprofundamento da contraproducente austeridade, Teodora Cardoso faz tudo para esquecer algo que o antigo Presidente da República lembrou na sua única intervenção decente em dez anos: o défice é uma variável endógena, fundamentalmente dependente do andamento assim sempre medíocre da economia.

Em segundo lugar, Cardoso ignora o INE, quando este indica que os empresários continuam a não investir o suficiente em primeiríssimo lugar, é o que respondem nos inquéritos, por causa das expectativas pouco entusiasmantes de venda, ou seja, da tal procura que não arranca de forma significativa num contexto assim de estagnação na melhor das hipóteses. E relembro que o investimento, em percentagem do PIB, caiu quase para metade desde que temos o Euro.

Em terceiro lugar, as “políticas da oferta” de Cardoso, as tais reformas estruturais, na linha da desvalorização interna, destinam-se a reduzir o salário directo e indirecto, por via dos cortes no Estado social e da transferência de direitos de trabalhadores para patrões cada vez mais medíocres, aumentando a desigualdade, diminuindo a procura e aumentando as insolvências. A banca que não se queixe da degradação dos seus activos.

Em quarto lugar, o país não tem instrumentos de política – monetária, cambial, orçamental, de crédito, industrial – por culpa desta integração também tão saudada por Cardoso e pelo seu Banco (o tal que não é de Portugal). Os poderes públicos, condenados aos exercícios de ficção económica dos PEC, têm assim muita dificuldade em estimular a procura, interna e externa, dirigindo-a para os sectores produtivos nacionais que interessam e gerindo decentemente, e não através da destruição das capacidades produtivas, o único constrangimento que conta, o externo, o de balança de pagamentos. Não é aliás por acaso que estamos globalmente estagnados há duas décadas, sendo que a nossa procura interna foi entretanto das que menos cresceu, o que não nos impediu de acumular uma dívida externa brutal. Esta integração económica e monetária tem sido muito racional.

O paraíso fiscal Alemanha

Fala-se já dos offshores dentro da própria União Europeia. É corrente falar-se - embora sem qualquer tipo de revolta ou represália - das nossas principais empresas que têm as suas sedes de grupo no paraíso fiscal na Holanda. Mas há muitas outras facetas reveladoras de como os líderes da Europa funcionam contra os seus cidadãos.

Na Alemanha, o sistema financeiro nem pergunta de onde vem o dinheiro que lá é depositado. Pelo menos é o que é dito num já conhecido programa investigação no espectro televisivo alemão. Pena que o seu site não tenha as peças traduzidas em inglês. Mas apenas para vocês, e graças à ajuda de um amigo, posso transcrever a peça.
"Boa noite e bem-vindo ao Monitor. Wolfgang Schäuble tem-se apresentado há bastante tempo como um lutador sem medo contra a evasão fiscal e os paraísos fiscais. E ainda mais com a divulgação dos chamados Papéis do Panamá. Mas não olhe para o Panamá. Na Alemanha, prevalecem normas semelhantes às do Caribe, pelo menos no que toca ao controlo da lavagem de dinheiro. E também graças ao ministro das Finanças alemão. A praia não está num paraíso fiscal, não está nas Ilhas Virgens ou no Panamá. A praia do paraíso fiscal é a Alemanha. A Alemanha, um estável, rico e forte país europeu. A Alemanha está no topo da lista das piores jurisdições sigilosas. Mesmo à frente das Bahamas e do Panamá. A Alemanha  está no 8º lugar.
Markus Meinzer, Tax Justice Network: "A Alemanha desenrola um tapete vermelho aos criminosos, lavadores de dinheiro e cleptocratas de todo o mundo".

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Bom dia

Informo V. Ex.ª que ontem, dia 25 de Abril de 1974, vários funcionários faltaram ao serviço, invocando ter ocorrido uma revolução no País.
Esclareço que esta revolução não foi autorizada superiormente, não se vendo qualquer justificação para as faltas, tanto mais que o serviço se atrasou consideravelmente.
Como na legislação vigente não estão previstas faltas pela ocorrência de revoluções, submeto o assunto ao alto critério de V. Ex.ª, na certeza de que o mesmo merecerá a atenção devida.

Lisboa, 26 de Abril de 1974
A Bem da Nação
O Chefe da 3.ª Secção
Ambrósio Silva

domingo, 24 de abril de 2016

Diz-me com quem andas


A representante da Arrow Global na Assembleia da República, Maria Luís Albuquerque, e o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, foram convidados por Durão Barroso a participar no próximo encontro do Clube Bilderberg, uma dessas instâncias de articulação elitista para a reorganização supostamente pós-nacional e claramente pós-democrática do capitalismo a favor do tal 1%. Dada a companhia e dados os objectivos, seria um bom sinal se Fernando Medina declinasse o convite, assim contrastando com a pronta aceitação de Albuquerque. Neste último caso, já pode realmente aplicar-se o diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és politicamente, ou seja, o modelo de sociedade que defendes.

União Bancária?


Note-se a ironia de que as ajudas estatais são invocadas por Bruxelas para impor uma solução que resulta, ela própria, numa subsidiação a um grupo espanhol. A ajuda é boa quando está ao serviço de um processo de concentração à escala europeia, com grandes grupos monopolistas estrangeiros no controlo. Esta é, aliás, a economia política da União Europeia, em geral, e da União Bancária, em particular. O seu efeito é claro: aumentar a instabilidade, já que um sistema bancário controlado a partir do exterior está ainda mais exposto a movimentos bruscos de capitais, como a experiência dos países da Europa de Leste atesta. Note-se ainda, outra ironia, que muitos europeístas nacionais, que celebraram a transferência, em curso, de poderes regulatórios na esfera bancária para o centro europeu, queixando-se quanto muito da timidez do que é um reforço dos poderes do BCE, vêm agora defender a rápida resolução adoptada.

Partindo deste excerto, procurarei desenvolver, em mais um plural encontro do Instituto Europeu, dirigido por Eduardo Paz Ferreira, um conjunto de argumentos críticos em relação à União Bancária, tentando indicar como a defesa política de uma maior integração é, pelo menos desde Maastricht, uma receita para uma economia política da estagnação e do rebaixamento nacionais. Não se aprende nada? Enfim, precisamos claramente neste campo de desintegrar, de desconectar, de desfinanceirizar, ou seja, de fazer com que a finança e o seu controlo sejam estatais. De resto, precisamos, também nesta área, de um campo de estudos sobre a desintegração europeia, capaz de inspirar novas políticas.

Cidades no deserto


«Teve a capacidade de construir cidades no deserto. Na minha juventude usávamos uma frase do Gramsci com que se pretendia expressar a nossa forma de ver o mundo e as adversidades do dia-a-dia. Tínhamos "o pessimismo da razão e optimismo do coração". O Miguel foi abençoado com uma razão em que o coração e um imenso optimismo mandavam. Para ele era sempre possível tomar os céus de assalto e exigir o impossível, para me manter na linguagem de uma tribo diversa e particular de que ele era um dos expoentes. (...) A verdade é que, nas suas mãos, as coisas pareciam fáceis.»

Nuno Ramos de Almeida, O princípio da esperança

Nada como viver entre milhões de pobres

O que andará na cabeça das pessoas que sublinham, advogam, repetem, repetem que há uns milhões de malandros, mais de metade da população, que vivem à custa do Estado, que recebem pensões - subentende-se que não deviam receber porque são um encargo para todos, sobretudo para os mais jovens -, que recebem vencimentos como funcionários públicos - que não deviam receber porque são pesos mortos para a sociedade - que recebem subsídios de desemprego - subentende-se que só lhes faz mal porque deixam de ter incentivos para trabalhar, - que recebem apoios sociais - subentende-se que não deviam receber porque a pobreza é um estado de espírito até serem tocados pelo espírito divino do empreendedorismo?

Esquecem que os pensionistas descontaram para a pensão e se não descontaram é porque estão a receber algo que evita que ficam abaixo de um limiar de sobrevivência. Esquecem que os desempregados não ficaram desempregados por vontade própria e que o desemprego é a o principal factor de desagregação social, de perda da integração social e de queda na pobreza. Esquecem que os funcionários públicos são aquelas pessoas que cumprem as diversas funções para que a sociedade não caia na selva. Esquecem que os apoios sociais são isso mesmo apoios. E omitem que o empreendedorismo é fácil com capital herdado que - defendem - nunca deve ser tributado na herança porque a igualdade de oportunidades começa na cabeça e não no capital...

E depois na sua ânsia de vender a sua tese de que há tantos malandros a viver à custa de todos, fazem mal as contas. Somam pensões e esquecem que pode haver pensionistas que ganham duas pensões ou mais, porque - repita-se - descontaram para elas ao longo da sua vida, na lógica de um seguro!

Fazem isto tudo, mas sobretudo nunca se lembram de pensar por que raio existem tantas pessoas pobres, tantos desempregados, tantos apoiados pelo RSI...

Ah, lembram-se sim. E culpam quem? Claro, o Estado. Se o Estado não os apoiasse, a sociedade seria muito mais equilibrada, haveria menos pobres e desempregados e éramos todos muito mais felizes...

A sério? (tradução da expressão desdenhosa Really?)

sábado, 23 de abril de 2016

Listas secretas de pagamentos

A rádio abriu o noticiário de hoje com a "revelação" do jornal Expresso, em mais um dossier Panama Papers, de que no saco azul do Espírito Santo havia políticos e jornalistas. Compra-se o jornal e cadê a lista de políticos e de jornalistas avençados do Espírito Santo?

O Expresso permite-se fazer uma peça na página 3, ou seja, uma página nobre, em que apenas faz um levantamento de background, nada adiantado sobre o que promete a 1ª página. Tudo isto suscita imensas questões sobre a falta de transparência deste Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.

Teve o Expresso real acesso à lista de políticos e jornalistas? Se não, o que está a impedir esse acesso? Se sim, qual a dificuldade em divulgar a referida lista? É porque a lista tem demasiados nomes e é impossível fazer o exercício de contraditório em tempo útil? Pode ser uma preocupação louvável, mas nesse caso, para quê divulgar que há essa lista? Se o exercício do contraditório é essencial para apurar o que é verdadeiro, nesse caso a lista pode ser falsa e então não valia de nada dizer que existe. Teve o Expresso receio de perder o exclusivo sobre essa "bomba" - tal como põe na 1ª página!! - porque, à medida que fizesse perguntas, a questão iria saber-se? Mas afinal estamos no reino do jornalismo de investigação ou da política comercial do Expresso? E quem me diz que quando, um dia, a lista for divulgada, essa era a lista completa?

E depois se a informação dos Panama Papers representa indícios de crime, por que não dá o Expresso acesso a esses elementos ao Ministério Público? E mesmo se a denúncia às autoridades pode criar urticária a alguns, fica a questão da falta de transparência: apenas os jornalistas do Consórcio podem saber? Que raio de função social do jornalismo é esta?

PS: Passados uns dias, parece que apenas o Ministério Público é que está na posse da lista e que vários jornalistas sabiam disso. Mas então para quê divulgar apenas isso, sem se saber do que se trata, a sua dimensão e, como ninguém a viu, sem saber se realmente existe? Para quê induzir em erro os leitores dando a entender que se trata de informação incluída nos Panama Papers?

Mulher não entra e comunista também não

Para lá da quase ausência de mulheres, ao assistir a um novo programa de debate político na RTP3, com três cidadãos respeitáveis, pude confirmar duas tendências adicionais no comentário político nacional que revelam os limites do pluralismo.

Em primeiro lugar, a opinião comunista está remetida para a clandestinidade televisiva fora dos espaços explicitamente dedicados aos partidos (digo explicitamente, porque os comentadores regulares têm, em geral, filiações partidárias conhecidas). O mesmo se passa ao nível do comentário regular nos jornais. No fundo, pode fazer-se, fica a sugestão, a versão comunista do excelente mulher não entra, sendo que o ladrões de bicicletas é realmente um mau exemplo no que diz respeito à igualdade de género.

Em segundo lugar, a opinião eurocéptica, que vai crescendo, não está propriamente remetida para a clandestinidade, mas encontra ainda pouco eco televisivo, por contraste com o muito mais amplo espaço dado a posições federalistas no comentário. Bem sei que a intelectualidade lusa ainda parece ser maioritária e deprimentemente euro qualquer coisa mais ou menos fantasiosa e perversamente (in)consequente, na linha da recente intervenção de Marcelo no Parlamento Europeu, mas convém não exagerar (já agora, a intervenção do Presidente foi bem descascada pelo eurodeputado João Ferreira).

Estas duas tendências tornam-se ainda mais salientes se tivermos em conta dois desenvolvimentos positivos. Por um lado, a incursão de bloquistas no debate e comentário político televisivos regulares fora do espaço explicitamente dedicado aos partidos (Marisa Matias, Francisco Louçã ou Fernando Rosas). Por outro lado, o crescimento, ainda que lento, demasiado lento, entre intelectualidade, da consciência que a integração europeia é hoje sinónimo dos principais bloqueios à democracia e ao desenvolvimento nacionais (afinal de contas, já lá vão quase duas décadas de estagnação económica e de rebaixamento político no Euro…).

Fica então a questão para debate: quais as causas destas duas tendências, incluindo as que estão relacionadas com a economia política da comunicação social (e como não nascemos ontem, não vale invocar o inacreditável argumento, com o qual já fui confrontado por gente do meio, de uma suposta avaliação mais ou menos imparcial de mérito intelectual)?

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Hoje: «Economia de Combate» no Porto e «Jantar de Abril» em Lisboa


Lançamento no Porto do último livro de Ricardo Paes Mamede, «A Economia como Desporto de Combate», na FNAC de Santa Catarina, a partir das 18h30. Apresentação da obra a cargo de José António Pinto e José Soeiro.


Em Lisboa, jantar comemorativo do 25 de Abril de 1974, «Em Abril Esperanças Mil», na Cantina Velha da Cidade Universitária a partir das 19h30. Intervenções de Jorge Reis Novais e Nuno Teles. Animação cultural a cargo de Carlos Alberto Moniz e Vítor Sarmento.

Exames e aferição: regressar à Europa, regressar ao futuro

A Maria João Pires tem razão: ainda persiste, no discurso da direita, a ideia de que o fim dos exames constitui uma regressão e um sinal de facilitismo. No momento em que a discussão esteve mais acesa, Paulo Rangel chegou mesmo a referir-se a um «grande desastre educativo», qualificando a eliminação dos exames do 4º e 6º ano como um regresso do «eduquês» e do «laxismo», que rompiam com a suposta cultura do «rigor» e «exigência» de Nuno Crato. O eurodeputado até sugeriu que, com a substituição de exames por provas de aferição, Portugal passava a ficar isolado face aos «países mais desenvolvidos», ao não permitir que as crianças portuguesas competissem com as suas congéneres, num «mundo global altamente competitivo».

Se tivesse reparado nas tendências europeias ao nível da avaliação nos primeiros seis anos de escolaridade, Rangel teria contudo percebido que já ninguém faz exames precoces na Europa. Ou seja, as tais crianças dos «países mais desenvolvidos», melhor preparadas para enfrentar os desafios do mundo global, «altamente competitivo», afinal não fazem exames mas sim... provas de aferição.


De facto, era no início deste ano lectivo - antes da eliminação dos exames no final do primeiro e segundo ciclo do ensino básico - que Portugal se encontrava «orgulhosamente só» na Europa, apenas parcialmente acompanhado pela Bélgica francófona, que realiza exames e provas de aferição. E é ao diversificar as áreas disciplinares sobre as quais as provas de aferição incidem, para além de eliminar os exames, que Portugal regressa, num duplo sentido, à normalidade: no conjunto de países da OCDE em que é possível estabelecer comparações entre 2009 e 2015, aumenta não só o universo dos que recorrem à aferição, mas também o número e diversidade disciplinar de provas.


Tratou-se pois, ao contrário do discurso persistente da direita, de abandonar a ideia da avaliação como um fim em si mesmo e de regressar a um modelo que assume o seu valor pedagógico e a necessidade de identificar e corrigir atempadamente os problemas, de modo a melhorar as aprendizagens. É deste modo, recusando a obsessão precoce pelos exames, que uma sociedade se prepara verdadeiramente para os desafios do tal «mundo altamente competitivo» a que se referiu o eurodeputado Paulo Rangel.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

«A economia é demasiado importante para ficar entregue apenas aos economistas»


«Vivemos num mundo em que há poderes que procuram preservar as suas posições privilegiadas e que tiram partido de ideias, de uma hegemonia de discurso, de valores que procuram propagar como sendo valores universais, como ideias feitas, como verdades incontornáveis. O papel dos cientistas sociais em geral e dos economistas em particular também passa por pôr em causa algumas dessas ideias feitas, e portanto os meus adversários são precisamente aqueles que procuram convencer-nos que o mundo é como é e não pode ser de outra forma. (...) A economia política é uma forma de olhar para as economias enquanto objecto e enquanto realidade, fazendo-o numa perspectiva que é multidisciplinar, que tem em consideração as instituições, que tem em conta os processos políticos. A economia dominante tende a ignorar em larga medida estes aspectos históricos, políticos e institucionais. É uma economia de equações mais ou menos abstractas que ignora frequentemente o papel do poder. E este papel central do poder nas relações sociais é crucial para qualquer interpretação válida do mundo real. E a economia política procura fazer isso» (Ricardo Paes Mamede).

A propósito do seu novo livro, «A Economia como Desporto de Combate», o Ricardo Paes Mamede esteve na TSF à conversa com Carlos Vaz Marques, no «Pessoal... e Transmissível». Um diálogo fluído e cativante, como é timbre do programa, com a clareza de ideias e formulações a que o Ricardo já nos habituou. Uma conversa que percorre temas como a Economia enquanto ciência social, a política e a economia política, os desafios do combate à austeridade, o papel do Estado ou o quadro de constrangimentos que o país enfrenta. Vale a pena ouvir na íntegra.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Desblindar?


Segundo São José Almeida, terá ocorrido uma discussão no governo sobre o âmbito da chamada desblindagem dos estatutos das sociedades cotadas em mercado, tendo-se decidido circunscrever a mudança nas regras às instuições de crédito. Apesar de aparentemente ter prevalecido uma visão mais moderada e sensata, dados os termos da discussão, a verdade é que mesmo esta mudança facilita o controlo espanhol do BPI, parte de um processo mais vasto de aprofundamento do controlo estrangeiro da banca nacional imposto pelas instituições europeias.

Estranhamente, a notícia só dá voz a uma jurista com a visão convencional sobre as virtudes do “mercado concorrencial” no campo accionista e do controlo empresarial, em nome de uma pretensa democracia accionista que ofusca pelo menos duas coisas: um modelo mais puro de ditadura dos proprietários e o perigo de assim se facilitar ainda mais a transformação das grandes empresas em vacas leiteiras para extrair dividendos, encurtando os horizontes empresariais e de investimento, dificultando a formação a de núcleos accionistas estáveis e facilitando a especulação financeira e a imposição de uma só lógica, a de criar “valor” para o accionista mais volátil, sacrificando todas as outras partes e interesses (em especial os trabalhadores, que nunca são falados em termos de controlo e gestão e bem que este défice se sente no campo da banca, já que com mais participação dos trabalhadores teria aumentado, entre outras, a sua transparência). No processo, o controlo estrangeiro seria aprofundado.

É preciso muita fé para acreditar nos “mercados” depois do que aconteceu na banca, mas o que aconteceu só pode ter sido porque ainda não chegámos ao modelo concorrencial distópico de um certo tipo de manual de economia, o tal que se esquece que as instituições económicas começam por ser criações legais e que as regras definem quem se apropria do quê e porquê. Enfim, e como Vital Moreira também ilustra, uma parte dos juristas, em especial nas áreas económico-financeiras, pensa nos termos da ideologia económica estranhamente ainda dominante.

As estranhas correlações do SMN

A Comissão Europeia insiste numa ligação entre o aumento do salário mínimo nacional e a subida do desemprego de longa duração (ver pag.28).

É mais ou menos o que vem traçado no gráfico ao lado. Para lá de os valores do desemprego pós 2011 não serem comparáveis com os anteriores (quebra de série do INE), o gráfico até está subavaliado: não tem em conta os desempregados que emigraram, os desempregados desencorajados, os desempregados ocupados (que são considerados estatisticamente como empregados). O número de desempregados seria, pois, muito mais elevado. E o papel negativo do SMN seria ainda mais gravoso.

Isso é o que se concluirá olhando para as linhas do gráfico. E para explicar aquela mimetismo de tendências, arranja-se uma teoria que em nada justifica a realidade: a subida do SMN estaria a puxar para cima os salários, dificultando o emprego de novos empregados, o que se traduziria em desemprego prolongado. Na realidade, o peso do SMN no conjunto da massa salarial é bastante reduzido. Não é isso que faz desincentivar o emprego e fazer crescer o desemprego de longa duração. O desemprego sobe desde 2000 por causas que são bem mais profundas e que a Comissão Europeia não quer ver porque não lhe convém: o projecto do euro não está a funcionar e alarga os fossos entre as economias do centro e da periferia.

Mas se é a simetria das linhas que torna convincente a teoria oficial, parecendo estabelecer uma relação de causa-efeito, arranje-se uma outra, que nada tem - igualmente - a ver com a realidade:


E então não é que o SMN favorece a competitividade externa das nossas exportações? Mas como, se as exportações apenas dependem do mercado externo? Arranje-se então uma tese: os trabalhadores estão mais contentes com mais rendimento, tornam-se mais produtivos e conseguem produzir melhor e com maior eficiência. Produzem mais, o custo salarial por unidade desce, o que se traduz em preços mais baixos. Irrealista?

terça-feira, 19 de abril de 2016

Micro Restruturações I

Repatriamento dos juros pagos por Portugal ao BCE

Em 2009, no âmbito das medidas extraordinárias de política monetária, o Banco Central Europeu (BCE) começou a fazer compras em mercado secundário de obrigações hipotecárias [1]. Quando a crise do sector financeiro começou a ter impacto sobre a situação dos estados soberanos, viu-se igualmente na obrigação de alargar o programa de recompra de dívida em mercado secundário também à dívida soberana. Em Maio de 2010 lançou o programa de compras de títulos de dívida em mercado secundário, o Security Market Programme (SMP), que esteve vigente até Setembro de 2012, altura em que o sr. Draghi anunciou o programa de transações monetárias definitivas, o Outright Monetary Transactions (OMT), que visa recomprar dívida pública com prazos de 1 a 3 anos dos estados-membros que tenham solicitado assistência financeira ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF) e ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (EMS), os veículos criados pela Comissão Europeia e pelo BCE para o fornecimento desse crédito multilateral [2].

No âmbito do SMP, o BCE comprou, em mercado secundário, 212 mil milhões de euros de dívida pública de Portugal, Grécia, Itália, Espanha e Irlanda, mais uma vez ajudando a banca alemã e francesa a livrar-se da dívida problemática da periferia que pesava nos seus balanços e ameaçava a sua falência.

Programa de compras em mercado secundário (SMP)
Fonte: BCE e cálculos da autora

No caso de Portugal, o BCE comprou cerca de 26 mil milhões de euros de Obrigações do Tesouro (OT) com prazos de vencimento entre 2011 e 2021. Entre 2011 e 2015, Portugal já pagou em juros [3] ao BCE cerca de 4.5 mil milhões de euros, se incluirmos 2016 esse valor ultrapassa os 5 mil milhões de euros.

Dívida adquirida pelo BCE no âmbito do SMP e juros pagos por Portugal
Fonte: BCE, IGCP e cálculos da autora

De acordo com as regras vigentes, estes juros do SMP serão distribuídos sob a forma de lucros do BCE aos bancos centrais dos estados da zona euro de acordo com uma chave de repartição estabelecida a partir da quota de capital no BCE de cada um deles. Em consequência, os juros pagos por Portugal serão distribuídos de tal forma que, para o período 2011-2016 o nosso país será reembolsado em apenas 124 milhões de euros, enquanto, nomeadamente, a Alemanha obtém desses juros 1281 milhões de euros, a França 1009 milhões e Itália 876 milhões de euros. O próximo gráfico retrata bem a injustiça desta situação.

Juros pagos ao BCE no âmbito o SMP, 2011-2016
Fonte: BCE, IGCP e cálculos da autora

A 27 de Novembro de 2012, o Eurogrupo acordou, entre outras benesses [4], que a Grécia seria reembolsada do rendimento (juros e mais-valias) obtido pelo sistema de Bancos Centrais Nacionais, com excepção dos países sujeitos a assistência financeira, proveniente da dívida grega adquirida no âmbito do SMP a partir de 2013.

Ao contrário das decisões do Eurogrupo de Julho de 2011 e Março de 2013, que determinaram alargamento dos prazos de maturidade e a supressão das margens de intermediação do EFSF e do ESM, esta decisão não foi estendida a todos os países sujeitos a assistência financeira.

Em suma, considera-se inaceitável que o BCE não repatrie a Portugal os rendimentos (juros e mais-valias) das OT auferidos no âmbito do SMP. Para além de questões de solidariedade entre países com uma política monetária única que se viram obrigados a gerir individualmente a crise do sistema financeiro, pesam questões de coerência, já demonstrada nas decisões tomadas pelo Eurogrupo e Ecofin sobre o alargamento dos prazos e a supressão das margens de intermediação de 2011 e 2013.

O que foi decidido para a Grécia deve ser generalizado para todos os países da zona euro intervencionados. Os juros pagos por cada país (e as mais-valias que a aquisição dessa dívida proporcionou) não devem ser repartidos de forma desproporcional segundo a chave de capital do BCE, devendo antes ser solidariamente repatriados anualmente a cada um dos estados membros intervencionados. Numa altura em que é tão urgente estimular o crescimento económico e repor a sustentabilidade da dívida pública, Portugal poderia assim receber cerca de 5 mil milhões de euros que deveriam ser canalizados para investimento público e estímulo ao desenvolvimento económico. Lamenta-se que este não tenha sido um dos tópicos da conversa entre o Sr. Rebelo de Sousa e o Sr. Draghi


[1] Os covered bonds são títulos de dívida garantida emitidos pelos bancos em tudo idênticos à titularização de dívida, excepto pelo facto de por via dessa garantia os bancos serem obrigados a manterem uma parcela dessa dívida reflectida nos seus balanços.
[2] O SMP e o OMP diferenciam-se do actual programa EAPP (Expanded Asset Purchase Programme), composto pelo PSPP (Public Sector Purchase Programme), iniciado em Março de 2015, e pelos ABSPP (Asset-backed Securities Purchase Programme) e CBPP3 (o terceiro Covered Bonds Purchase Programme) iniciados no final de 2014, por não implicarem a injecção de liquidez característica da monetarização de dívida. Na verdade cada recompra de dívida em Mercado secundário foi totalmente esterilizada, isto é à injeção de liquidez correspondeu uma operação equivalente de absorção de liquidez.
[3] A estimativa de juros considera os valores de dívida amortizada que o BCE anuncia nas Weekly Financial Statements e uma estimativa que considera as regras anunciadas, especificamente que o BCE não iria comprar mais de 30% do montante vivo de cada linha, sendo que para o prazo mais longo, a OT 2021 se considerou uma recompra de apenas 25%.
[4] Outras das decisões acordadas para Grécia foi a concessão de um período de graça de 10 anos à linha de crédito que tem com o EFSF. Ainda que sujeita a uma agravação nas taxas de juro, esta medida permitiria reduzir, no imediato, a despesa orçamental em juros em cerca de €601.2 milhões/ano (assumindo uma taxa de juro de 2.2% aplicada sobre €27.3 mm).

A reforma social é crescer e criar emprego, mas não nos deixam...

Fonte: INE e IGFSS, citadas pelo BdP
Miguel Sousa Tavares disse ontem, no seu comentário na TVI, que o governo tem de começar a olhar de frente para a reformas de fundo que não foram feitas durante o mandato da troika e do governo PSD/CDS. E como exemplo, deu o da Segurança Social: "Toda a gente sabe que tem de ser feita".

Mas na minha opinião, a primeira reforma para melhorar a Segurança Social é criar emprego e crescer. A segunda é criar mais emprego e voltar a crescer mais. A terceira é criar ainda mais emprego e voltar a crescer.

Olhe-se para o gráfico (que tem um erro: os valores até 2010 não são comparáveis com os a seguir a 2011 porque houve uma quebra de série no inquérito ao emprego do INE): quando o emprego começa a descer, as contribuições estagnam ou caem mesmo (2012). E mesmo quando, a partir de 2014, o emprego subiu, as contribuições pouco aumentaram ainda, o que pode indiciar os baixos níveis de rendimento dos empregados.

Agora, olhe-se para este gráfico:
Fonte: IGFSS, citadas por Banco de Portugal
O saldo da Segurança Social está sempre ali num ténue equilíbrio, de forma a dar corpo ao sistema de repartição: o que entra de contribuições, sai para pagar prestações sociais. Ora, se o emprego se reduz, as contribuições caem. E para manter aquele ténue equilíbrio, o que se tem de fazer? Cortar despesa social! E corte de despesa social gera menos rendimento disponível, que gera menos consumo, que gera menos recursos para as empresas, que gera corte de emprego... e por aí fora.

Foi o que aconteceu de 2011 a 2013, até que a troika arrepiou caminho para não ficar mal da foto. Porque as despesas sociais com o desemprego dispararam, reduzindo o saldo da Segurança Social apesar de todos os cortes nas pensões.

Economista de combate


Dou as boas-vindas a Eugénia Pires, desejando-lhe boas pedaladas num blogue desta forma reforçado por uma economista de combate. Doutoranda em Economia na School of Oriental and African Studies da Universidade de Londres, sob a orientação de Costas Lapavitsas, Eugénia Pires trabalha em economia política das remessas de migrantes e em economia política da dívida no quadro da Zona Euro. Investigadora do Research on Money and Finance e activista da Iniciativa para a Auditoria Cidadã à Dívida, é coautora de dois trabalhos de referência: o livro Crisis in the Eurozone, com Costas Lapavitsas, Nuno Teles e outros, e o trabalho sobre a reestruturação da dívida portuguesa, com Francisco Louçã, Pedro Nuno Santos e Ricardo Cabral.

Tanque


Jaime Gama, a quem Mário Soares chamou um dia “peixe de águas profundas”, vai presidir à Fundação Pingo Doce, o tanque de Alexandre Soares dos Santos, substituindo Nuno Garoupa. Faz todo o sentido, dado que se trata de alimentar ideologicamente toda a economia política que fez o bloco central e Gama tem experiência nisso, pelo seu distinto percurso político, pelos seus discretos alinhamentos mais recentes com o PSD de Passos e até pela sua tardia e necessariamente curta passagem pela banca, na presidência do BES-Açores, em linha com Luís Amado, o seu principal discípulo político, no Banif.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Não chamem nomes aos "paraísos fiscais"...

Os paraísos fiscais não são ilhas no sistema financeiro. São uma parte essencial do sistema capitalista que permite aos rendimentos do capital escapar aos mecanismos sociais de repartição e redistribuição do rendimento. E, por isso, não vão acabar até que as populações forcem o seu fim.

Desde sempre, as lutas de classes de classes desencadearam-se por uma mais justa repartição do rendimento à escala nacional ou à escala internacional. Face à recusa do sistema em se reformar, essa luta ganhou uma maior intensidade desde o século XIX e desaguou no século XX com a força de revoluções em diversas partes do globo, com a tentativa de criação de um sistema concorrente do sistema capitalista - que atraiu e mobilizou milhões de pessoas em todo o mundo - e redundou nos processos violentos de descolonização dos velhos impérios, no fim dos regimes ditaturiais fascistas europeus e com atraso nas ditaduras da América Latina. Todas as guerras decisivas foram marcadas por essa guerra fria, essa outra forma que assumiu a luta de classes. A luta anticomunista em todo o planeta foi uma luta entre dois sistemas de ideias, baseados na intenção de haver duas formas distintas de repartição de rendimentos. O Estado bismarkiano, no século XIX e a social-democracia europeia no século XX nasceram da tentativa de esvaziar o espectro vermelho que assolou o mundo e a Europa. Os Estados sociais foram criados como forma de uma melhor repartição do rendimento entre o trabalho e o capital.
Por vicissitudes várias, essa luta foi ganha pelo sistema capitalista. E está a ser ganha sob diversas formas. E uma forma essencial foi conseguida, sobretudo desde o fim da primeira metade do século XX, com a criação dos verdadeiros buracos negros a que se chamaram folcloricamente de paraísos fiscais.

Cedências

O episódio [Banif] exibe, por um lado, o grau de cedência de soberania para Bruxelas e Frankfurt – a maior desde a perda do escudo – que resulta da união bancária. Sendo claros, BCE e a Comissão Europeia decidiram o futuro de um banco contra a vontade do Governo, entregando-a a capital espanhol, e fizeram-no usando dinheiro dos contribuintes portugueses, não prestando as devidas explicações no Parlamento. 

Excelente crónica de Rui Peres Jorge da semana passada lida nesta. Temos insistido em pontos convergentes por aqui e por outros lados. Enfim, coisas destas acontecem quando, influenciados pelas ficções europeístas de mais integração, cedemos soberania: pagar, entregar a banca ao estrangeiro, o que nos expõe a maior vulnerabilidade financeira, e calar. Quantos mais episódios insuportáveis (BPI, Novo Banco, CGD?) teremos de suportar antes de dizermos basta a cedências deste tipo?

domingo, 17 de abril de 2016

Lembrar


“Há quem diga que o resultado foi objectivamente a pior traição perpetrada por uma força política europeia contemporânea, certamente na Europa. No entanto, a ideia de traição é desadequada como explicação, dado que tem uma coloração moralista e psicologizante pouco útil na análise política, sugerindo que as coisas se desenrolaram de acordo com um plano, o que não foi neste caso verdade.
(…)
Podemos chamar-lhe ingenuidade, mas tal também não é útil e por algumas das mesmas razões. Em vez de ingenuidade, talvez seja melhor falar de um quadro mental vigente numa esquerda que já tinha aceitado a sua posição subalterna. Uma ilustração: quando, por insistência dos credores, Tsakalotos substituiu Varoufakis foi-lhe perguntado (...) o que o tinha surpreendido mais como Ministro. Tsakalotos respondeu que se tinha preparado muito bem para a sua primeira visita a Bruxelas, tendo apresentado uma análise escrita muito elaborada, mas que tinha ficado desapontado pelo baixo nível do debate – “os outros Ministros das Finanças só recitavam regras e procedimentos”. Ele estava a viver num mundo Habermasiano de fantasia, pressupondo a vontade partilhada de encontrar um denominador comum, uma solução em que todos saíssem a ganhar (...) Faltou-lhes não apenas a percepção do antagonismo de classe, mas também o mais elementar realismo de que uma figura política necessita para sobreviver.
(…)
O único sector social onde o Syriza praticamente não registou perdas foi na academia – um efeito da estatização, da decomposição ideológica e da eurofilia louca que é parte do estatuto simbólico do professor universitário grego.
(...)
O objectivo é uma Grécia de trabalho barato e sem direitos sociais, com ruinas e praias. Uma mistura de Bulgária e Tunísia, com o regime político do Kosovo. Este é o futuro que o Syriza está a preparar.
(…)
Tendo tomado decisões que os colocaram numa posição em que todo o seu quadro de valores tem de colapsar, acabam a fazer coisas que nenhum político burguês ou social-democrata de direita contemplaria (…) tornam-se niilistas (…) No contexto do niilismo político acontecem coisas extraordinárias (…) Schaüble exigiu cortes nas pensões e que os bancos ficassem com as casas, não exigiu subserviência a Netanyahu.
(…)
O paradoxo do caso grego é que, tendo terminado em desastre, por momentos deu-nos um vislumbre do que poderia ser uma alternativa. A sequência do referendo foi vital no relançamento de um projecto de radicalização popular. Mostrou-nos como combinar sucesso eleitoral e mobilização popular. Foi um acontecimento importante: a primeira vez em que um povo disse não de forma corajosa e significativa a um ultimato dos poderes europeus. Devemos permanecer fieis ao significado deste acontecimento e rejeitar a narrativa dominante, que nos quer convencer que isto nunca aconteceu.”

Excertos, por mim traduzidos, da longa entrevista que Stathis Kouvelakis, um dos grandes filósofos da desgraçada conjuntura, deu à New Left Review, uma publicação que assim permanece fiel à linha editorial reafirmada por Perry Anderson na viragem do milénio – “realismo sem compromissos; sem compromissos nos dois sentidos: recusa de qualquer acomodação com o sistema vigente e rejeição de qualquer ilusão ou eufemismo que subestime o seu poder”.

Eu bem sei que até seria preferível esquecer o desastre grego, até porque temos mais com que nos entreter na frente (inter)nacional, mas as ilusões europeístas e os seus eufemismos, misturados com desmemória, são ainda muito generalizados, garantindo assim novas derrotas.

Erdowie, Erdowon, Erdogan e a democracia ocidental

Acabei de "roubar" este video à crónica de Ricardo Cabral no Público, que é fundamental ler. A crónica é sobre a liberdade de expressão na Alemanha, a propósito da queixa que foi feita pelo governo turco sobre o enxovalho que levou do humorista Jan Böhmermann (o tal que já fizera aquele video sobre os alemães e Varoufakis) e do aval dado pelo governo de Merkel para que o humorista em questão fosse castigado.

Ou seja, sobre os limites da liberdade e como é frágil a nossa democracia ocidental - e que se reflecte noutras partes do mundo. Como é difícil encontrar os verdadeiros padrões democráticos ou como tudo redunda numa ténue e estranha gama de zonas cinzentas.


Aliás e nem de propósito, há instantes a rádio Multicult.fm Weltkurturradio de Berlim informou que a ZDF já confirmou que o humorista Böhmermann anunciou que vai parar o seu programa humorístico por 4 semanas até 12 de Maio, o tal programa que questionou os limites da liberdade de expressão na Alemanha - ler a crónica do Ricardo Cabral. E o motivo do humorista é o melhor: Decidiu "fazer uma pausa" para permitir que "os cidadãos concentrem a sua atenção nos assuntos importantes, como a que a questão dos refugiados, videos de gatos ou a vida amorosa de Sophia podem concentrar". E diz que vai aproveitar este tempo para trabalhar, para ir à Coreia do Norte para estudar a liberdade da imprensa...

Termino com uma frase muito engraçada e lúcida do Mark Twain: "Se votar fizesse alguma diferença, eles não nos deixavam fazê-lo".

Provocatória? De imediato, lembrei-me do referendo anunciado pelo primeiro-ministro grego Papandreou em 2011, que levou à sua demissão, inspirada pelo G8. E lembrei-me de que Portugal nunca votou entrar para o euro, nunca votou o Tratado Orçamental, nunca votou o semestre europeu. E já nem falo de referendos, mas de programas eleitorais a defender expressamente essas opções. Nenhum dos partidos teve legitimidade para os votar ou decidir.

sábado, 16 de abril de 2016

Mais um ladrão de bicicletas


Damos as boas-vindas ao Hugo Mendes. Sociólogo de formação e investigador do CESNOVA, o Hugo tem desenvolvido profícuo trabalho em domínios muito diversos, do Estado Social ao estudo das desigualdades, da educação às políticas de saúde, da economia ao emprego, da ciência e inovação à comunicação. Na melhor linha da análise política e de economia política. E na melhor linha também dos necessários diálogos e convergências à esquerda, como exigem os tempos que correm. Boas pedaladas!

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Contradição entre o sector privado e a saúde das pessoas

Ainda a propósito do benefício que tem o sector privado na Saúde.

Nesta entrevista de 2013 (que só li agora) se o Prémio Nobel da Medicina Richard J. Roberts acha que o modelo de investigação norte-americano é melhor que o europeu, porque tem o sector privado a investir, por outro considera que há uma contradição de interesses entre o bem das pessoas e o bem do sector privado:

Mas se eles são rentáveis investigarão melhor
Se só pensar em lucros, deixa de se preocupar com servir os seres humanos.
Por exemplo…
Eu verifiquei a forma como, em alguns casos, os investigadores dependentes de fundos privados descobriram medicamentos muito eficazes que teriam acabado completamente com uma doença…
E por que pararam de investigar?
Porque as empresas Farmacêuticas muitas vezes não estão tão interessadas em curar as pessoas como em sacar-lhes dinheiro e, por isso, a investigação, de repente, é desviada para a descoberta de medicamentos que não curam totalmente, mas que tornam crónica a doença e fazem sentir uma melhoria que desaparece quando se deixa de tomar a medicação.
É uma acusação grave
Mas é habitual que as Farmacêuticas estejam interessadas em linhas de investigação não para curar, mas sim para tornar crónicas as doenças com medicamentos cronificadores muito mais rentáveis que os que curam de uma vez por todas. E não tem de fazer mais que seguir a análise financeira da indústria farmacêutica para comprovar o que eu digo.
Há dividendos que matam
É por isso que lhe dizia que a Saúde não pode ser um mercado nem pode ser vista apenas como um meio para ganhar dinheiro. E, por isso, acho que o modelo europeu misto de capitais públicos e privados dificulta esse tipo de abusos.
Um exemplo de tais abusos?
Deixou de se investigar antibióticos por serem demasiado eficazes e curarem completamente. Como não se têm desenvolvido novos antibióticos, os microorganismos infecciosos tornaram-se resistentes e hoje a tuberculose, que foi derrotada na minha infância, está a surgir novamente e, no ano passado, matou um milhão de pessoas.
Não fala sobre o Terceiro Mundo?
Esse é outro capítulo triste: quase não se investigam as doenças do Terceiro Mundo, porque os medicamentos que as combateriam não seriam rentáveis. Mas eu estou a falar sobre o nosso Primeiro Mundo: o medicamento que cura tudo não é rentável e, portanto, não é investigado.
Os políticos não intervêm?
Não tenho ilusões: no nosso sistema, os políticos são meros funcionários dos grandes capitais, que investem o que for preciso para que os seus boys sejam eleitos e, se não forem, compram os eleitos.

Entre a Alemanha e a corrupção

Enquanto o Parlamento autoriza o Presidente da República a ir à Alemanha de 23 a 25 de Maio - sabe-se lá fazer o quê... - também criou uma comissão para sugerir medidas sobre conflito de interesses dos detentores de cargos públicos, políticos e dirigentes da administração pública, administradores de entidades administrativas independentes e gestores públicos. Nomeadamente quanto a Regime de exercício de funções, condições de exercício de mandato, controlo público de riqueza, regime de incompatibilidades e impedimentos, registo de interesses e prevenção de conflito de interesses e regime de responsabilidade.

Veremos o que daqui sai, dentro de 6 meses. Estou muito curioso, mas se calhar convém não elevar muito as expectativas...

Jantar, dia 22: «Em Abril Esperanças Mil»

«É tempo de celebrar Abril. O Abril vivo, pulsante e transformador. O que nos escancarou a porta da liberdade e dos direitos humanos. O que lançou as bases para uma Constituição comprometida com o progresso e a justiça sociais. Abril não é uma data que se coloca na lapela nem uma flor para adornar discursos. Abril é o presente. É vivido no exercício das liberdades fundamentais de expressão e associação, mas também na escola e na saúde públicas, no direito ao salário mínimo e ao trabalho digno e com direitos.
Quem em Abril apenas vê o passado não nos trará o futuro. Durante os últimos quatro anos, a direita fez do legado constitucional o seu principal alvo. Foram anos duros, que exigiram de nós um esforço de resistência ímpar. Mas o governo caiu e nós estamos cá. A abertura do novo ciclo político devolveu-nos a esperança e o sonho. Apenas o seu sucesso nos garante a preservação dos valores constitucionais e o horizonte de um rumo progressista para Portugal.
Sabemos que o caminho não é fácil. Exige ponderação, diálogo e empenho sincero. Acima de tudo, exige uma fraternidade imensa. A fraternidade que Abril nos ensina e que temos de fazer vingar.»

Promovido pela respectiva Comissão Organizadora e pelo Congresso Democrático das Alternativas, realiza-se na próxima sexta-feira, 22 de Abril, a partir das 19h30, na Cantina Velha da Cidade Universitária (em Lisboa), o jantar comemorativo do 25 de Abril de 1974, «Em Abril Esperanças Mil». Num ano em que se celebra o quadragésimo aniversário da Constituição da República Portuguesa e em que um novo ciclo político desafia a cidadania activa da esquerda plural, os oradores convidados são o constitucionalista Jorge Reis Novais e o economista (e ladrão de bicicletas) Nuno Teles. A animação cultural está a cargo de Carlos Alberto Moniz e Vítor Sarmento.

As inscrições no jantar podem ser feitas aqui ou aqui.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

A intermitência dos impactos segundo Cristas

1. Assunção Cristas criticou recentemente o Governo por «aumentar a taxa sobre os combustíveis sem ter a preocupação de avaliar em concreto o seu impacto no quotidiano das empresas». Curiosamente, não me lembro de ter ouvido o clamor da presidente do CDS-PP quando a gasolina e o gasóleo estavam 16% mais caros (o famoso pico, em Julho de 2014, como mostra o gráfico do Nuno Oliveira, retirado deste post de leitura imprescindível), nem quando a coligação PÀF fez incidir, em 2015, o aumento do imposto em preços dos combustíveis acima dos valores actuais (+12,1% no caso do gasóleo e +2,2% no caso da gasolina). Ou seja, silenciando assim, também nesse momento, uma eventual preocupação com os tais «impactos no quotidiano das empresas».


2. Não devemos, contudo, ficar surpreendidos. A mesma Assunção Cristas, hoje presidente do CDS/PP, foi ministra de um governo que prometeu «ética social na austeridade», ao mesmo tempo que procedia a cortes drásticos no Rendimento Social de Inserção (RSI) e no Complemento Solidário para Idosos (CSI), gerando um aumento sem precedentes dos níveis de pobreza e desigualdade em Portugal. Ou seja, ministra de um governo que fez cortes no Estado Social sem ter tido qualquer «preocupação de avaliar, no concreto», o impacto desses corte no «quotidiano das famílias», sobretudo as de classe baixa e média-baixa.

3. As famílias, ah... as famílias... e o «partido da família». O tal partido, agora com Cristas ao leme, que prometeu nas legislativas de 2011 a criação de um «Visto Familiar», uma espécie de selo de garantia para que todas as políticas do Governo em que Cristas foi ministra nunca pudessem ir contra os interesses das famílias. Um «Visto» que contudo nunca se chegou a ver, ou que nunca se quis mostrar, talvez para evitar a «avaliação de impacto» da austeridade no «quotidiano das pessoas e das famílias» de carne e osso, em resultado dos cortes em salários e pensões, da desregulação do mercado de trabalho e da degradação deliberada dos serviços públicos de educação e saúde.

Quem quiser saber se o CDS-PP está no governo (ou na oposição), não precisa consultar as estatísticas eleitorais. Basta estar atento à intermitência das suas preocupações com o quotidiano das empresas, das pessoas e das famílias. E se mesmo assim subsistirem dúvidas, espreitem o «pacote de políticas amigas das famílias» ontem anunciado pelo CDS-PP de Assunção Cristas.

Pensar o nosso futuro pós-Euro

António Costa e Alexis Tsipras assinaram uma declaração conjunta em Atenas em que declararam:
A Europa tem de mudar de trajectória. Em vez de apenas se ajustarem a medidas de competitividade e austeridade auto-destrutivas, os nossos dois países tomam a decisão de cooperar estreitamente a todos os níveis, nos planos bilateral e europeu, para promover um programa progressista para uma governação democrática da Zona Euro... Este programa deve arrancar sem mais demoras.
Até parece que não se aprendeu nada desde o Verão do ano passado. Que o Primeiro-Ministro grego está desesperado, já se tinha percebido. O FMI só aceita uma reestruturação da dívida se houver "reformas" a sério. Mas isso significa o fim deste governo grego. Pelos vistos, Tsipras vai dar tudo por tudo e voltar à confrontação aberta (ver aqui), o que contrasta fortemente com a linha política de António Costa que, pelo contrário, não quer confrontação, apenas diálogo.

Suspeito que nenhuma das estratégias mudará o que quer que seja nesta Zona Euro germanizada e até acho que ambos têm consciência disso. Se pensam que é desta que vão ter o apoio da França e da Itália, ou mesmo da social-democracia alemã, então é porque estão mesmo muito desesperados. Vêm aí tempos interessantes.

Mais tarde ou mais cedo, as tensões acumuladas por todo o lado (também em França) acabarão por fazer explodir o Euro. É sobre o fiasco da moeda única, a forma de a desmantelar e as políticas de que precisamos para recuperar o país e a Europa que falaremos na sexta-feira, na Conferência 'O PÓS-EURO na Europa e em Portugal'. Ainda há lugares.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Desporto de combate em Coimbra


Antes do lançamento, no mesmo espaço, pelas 16h, o Ricardo Paes Mamede debaterá, com o historiador João Paulo Avelãs Nunes, as “implicações sociopolíticas do poder dos mercados”.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Veículo?


Devido sobretudo às pressões europeias, o governo não tem andado bem na economia política bancária (Banif…) e promete continuar a não andar, dada a intenção, anunciada por António Costa, de criar um “veículo de resolução do crédito malparado” da nossa banca zumbi, a tal que mandou vir a troika para se salvar e para se afundar, obra da austeridade. Aparentemente, o modelo é o italiano, já que a economicamente moribunda Itália do bufão Renzi chegou em Janeiro a um acordo com a Comissão Europeia. Já se sabe, nada se faz sem autorização superior.

Se o neoliberalismo inscrito no Euro é a expressão político-ideológica do domínio dos interesses financeiros, então as soluções para os problemas criados pelos mercados só podem ser, neste contexto europeu, conformes aos interesses destes, ou seja, soluções criadoras de mais mercados. E, claro, de mais problemas.

Estaríamos basicamente perante uma garantia pública que contribuiria para a convergência do preço pelo qual os bancos desejam voluntariamente vender os activos indesejados no seu balanço (o tal crédito malparado) com o preço pelo qual os fundos especulativos, incluindo o que contratou Maria Luís Albuquerque, podem desejar comprá-los. A garantia pública, por sua vez, teria um preço eventualmente fixado pelos Credit Default Swaps (seguros de má memória) de títulos equivalentes. Se as coisas correrem bem, os agentes financeiros ganham e se as coisas correrem mal, o público paga. Os agentes financeiros fazem o que bem entenderem. Os mercados, convenientemente garantidos por engenharias políticas dentro do paradigma da financeirização, é que sabem.

É evidente que qualquer solução obriga a superar este tipo de políticas tóxicas: auditar a banca, obrigando-a a reconhecer que aquilo que não pode ser pago não será pago, capitalizando-a, assumindo o controlo público e assim sucessivamente até à recuperação do controlo político democrático do banco central. Pois é, não há soluções que não obriguem a enfrentar o elefante na nossa sala. A esquerda está condenada a esta economia política?

Como pensa um porta-voz da direita?

A última entrevista do presidente do Conselho Económico e Social, anteontem à Rádio Renascença, é um lastimável exercício de propaganda, sem destreza nem complexidade. Nomeado há meses pelo anterior Governo e estando a ser discutida a sua substituição, o que declarou nesta entrevista só prova que este não era o posto apropriado para ele.

Luís Filipe Pereira defendeu na entrevista todo o ideário requentado lançado por Draghi na reunião do Conselho de Estado como se nada tivesse sido aprendido desde 2011: não se deve reverter as reformas feitas (nomeadamente a laboral e fiscal, leia-se do IRC), deve fazer-se a reforma da Segurança Social, da Saúde, do sistema político.

“Acho que aquilo que foi feito na contratação colectiva foi aquilo que era necessário fazer” (39:00). Ou seja, acabar com ela. Em 2008, havia 1,89 milhões de trabalhadores cobertos pela negociação colectiva, no final de 2014 eram 246 mil. Em 2015, quase chegou ao meio milhão. Os níveis salariais baixaram e, apesar da subida em 2015 da cobertura das convenções, os salários pouco mexeram. Se era esta intenção, foi de facto um sucesso...

Mas o seu mais poderoso argumento nem foi sequer a favor da desvalorização salarial. Falou apenas de Portugal ser competitivo, sem elaborar mais. Como se as alterações na legislação laboral tivessem tido sucesso na competitividade. Desde o 2º semestre de 2013, quando se iniciou a retoma que se mantêm quase constantes os 1,6 milhões de pessoas entre desempregados, inactivos desencorajados, subempregados, desempregados ocupados ou activos emigrados. Um exército de reserva que rebaixa, sim, qualquer salário médio. Já não falando da enorme pressão que colocou na Segurança Social, triplamente afectada pela descida do emprego, a descida salarial e a subida do desemprego. Outro sucesso, diria Pereira.

O presidente do CES - mais que tudo - está contra a instabilidade legislativa que representa a reversão de medidas adoptadas nos anos da troika. Mas ele pertence a um grupo de pessoas que está constantemente a tentar subverter o que existe.