segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
Infraestrutura
As coisas são de tal forma sórdidas no capitalismo neoliberal luso que realmente o marxismo mais simples explica o essencial do que se passa. É por estas e por muitas outras que não se pode pensar e agir na superestrutura sem atentar nos que constroem e comandam a infraestrutura...
sábado, 28 de janeiro de 2023
Vantagens e capacidades
sexta-feira, 27 de janeiro de 2023
Da verdadeira liberdade
«A propaganda da direita afirma que o socialismo é o inimigo da liberdade individual. Mas a verdade está precisamente nos antípodas dessa ideia: os socialistas trabalham para criar as condições materiais sob as quais as pessoas possam ser verdadeiramente livres, sem as rígidas restrições que o capitalismo impõe às suas vidas. (...) A direita conseguiu, de facto, apropriar-se do conceito de liberdade e usá-lo como arma na luta de classes, contra os socialistas.
(…) A sujeição do indivíduo ao controle do Estado, imposto pelo socialismo ou comunismo, é algo, dizem eles, a ser evitado a todo custo. A minha resposta é a de que não devemos desistir da ideia de liberdade individual como parte de um projeto socialista emancipatório. A conquista das liberdades individuais é um objetivo central desse projeto. Mas essa conquista implica a construção coletiva de uma sociedade onde cada qual tem as possibilidades necessárias para realizar o seu potencial.
(…) Para mim, esta é uma das questões-chave do nosso tempo. Queremos ir além das liberdades limitadas que o mercado oferece, manobrando as nossas vidas com as leis da oferta e da procura, ou aceitamos, como disse Margaret Thatcher, que não há alternativa? (…) O projeto de uma sociedade socialista não é, de modo nenhum, regular tudo na sociedade. O projeto de uma sociedade socialista é o de garantir que todas as necessidades básicas são atendidas - de forma gratuita - para que as pessoas possam fazer o que quiserem e quando quiserem».
David Harvey, Socialists must be the champions of freedom
quinta-feira, 26 de janeiro de 2023
Equívocos básicos das autoproclamadas criptomoedas (3)
O Banco de Portugal postou no twitter um vídeo onde explica que "as moedas virtuais não são verdadeiras moedas".
Primeiro, não devia referir-se às autodenominadas criptomoedas como moedas virtuais. Moedas virtuais são todas, mesmo que eventualmente acabem por se apresentar sob um suporte físico. Como escreveu Mitchell Innes no início do século XX, "o olho nunca viu nem a mão alguma vez tocou num dólar".
Mas enfim, é meritório informar toda a gente que, de facto, as "criptomoedas" não são nem podem ser moedas e apenas as acha como tal quem tem uma visão completamente aberrante sobre a história e a natureza da moeda.
Como seria de esperar quando se coloca em causa qualquer seita, as reações ao tweet são inflamadas. Decidi então fazer uma pequena seleção representativa que acompanho com alguns pequenos comentários meus:
«Este tweet faz-me lembrar que devia comprar mais Bitcoin. Obrigado»Se estás com confiança, força. Afinal, o mercado está cheio de irracionalidades que às vezes permitem ganhar dinheiro. Isso não faz das "criptomoedas" moeda.
«É pena que estejam a lutar contra economias descentralizadas em vez de lutarem contra a verdadeira razão desta inflação, os EUA e o abuso na produção do dollar.»É claro que os entusiastas das "criptos" leram algumas coisas de economia. São sempre defensores acérrimos de que "a inflação é, sempre e em qualquer lado, um fenómeno monetário." É normal que assim pensem porque os equívocos de base são os mesmos, a fé anarcocapitalista é a mesma.
«O euro é virtual (baseado na fé dos políticos), #Bitcoin é digital baseado em matemática»A moeda é sempre baseada na confiança. Não é impossível a existência de uma moeda puramente privada, mas a história mostra que têm sempre uma circulação limitada. Apenas o soberano ou o Estado consegue impor essa confiança graças, em particular, ao seu poder coercivo (que lhe permite, por exemplo, cobrar impostos, forçando assim a procura pela moeda). Por outro lado, toda a moeda é baseada em matemática. Aliás, as duas coisas surgiram a par na antiga civilização Suméria.
«Como é que se chama a uma moeda que perde 98% do seu valor desde que foi criada?»Isto eu já expliquei aqui. É suposto uma moeda depreciar no longo prazo. Ninguém gasta uma moeda que aprecia logo esta deixa de circular. A apreciação significa deflação, significa entesouramento, significa falência do sistema monetário, desemprego, crise, depressão.
«Agora façam um sobre os riscos reais de ter euros parados no banco durante uma vida.»Os euros parados no banco durante uma vida são um investimento. Em condições normais oferecem uma taxa de juro ligeiramente acima da inflação. O retorno tende a ser baixo porque o risco também é mínimo, principalmente quando falamos de depósitos enquadrados na Garantia de Depósitos. Se alguém tem uma poupança e quer uma maior rentabilidade, deve investir noutra coisa e lida com o risco. Não é suposto o entesouramento dar lucro.
«Sabiam que o dinheiro que está no banco também não é dinheiro verdadeiro mas sim coisas que são impressas a bel prazer dos governos?»Há aí umas confusões entre o que é impresso por quem. Mas é exatamente isso que é dinheiro desde há pelo menos 5000 anos: dívida emitida e aceite pelos Estados.
«Poderiam fazer um vídeo explicativo de reserva fracionária!»A reserva fracionária consiste simplesmente em permitir aos Bancos privados a tal emissão de moeda sob a forma de depósitos à ordem, mantendo uma reserva de moeda de alta potência, ou seja, moeda emitida pelo Banco Central, que como tal, tem aceitação generalizada. É nesta moeda de alta potência que se garantem as transações entre diferentes bancos. Se estes fossem obrigados a manter uma reserva de 100% eram incapazes de financiar e fazer mover a economia. A incompreensão do que é um Banco é um dos pontos fortes dos entusiastas das "criptos".
«Sabia que todas as moedas são "virtuais"?»O BCE pode acrescentar dígitos numa base de dados. É esse o poder de emitir moeda. Qualquer Banco o pode fazer. Graças a isso, conseguem financiar projetos rentáveis que vão obter rendimentos que permitem pagar o empréstimo concedido fazendo girar aquilo que é uma Economia Monetária de Produção. Ninguém que proibir transações, mas deve ser uma frase vinda das mesmas fantasias libertárias anarcocapitalistas.
Sabia que o BCE sempre que lhe dá na mona acrescenta dígitos numa base de dados?
Sabia que quem fala em "proibição" de transações de valor entre seres humanos é tirano?»
«Euro e o dólar não são verdadeiras moedas desde que deixaram de ser “backed” por ouro.»Verdadeiras moedas não precisam de ser "backed" por coisa nenhuma que não a confiança. O ouro (entre outras coisas) pode ser e foi sempre apenas uma contragarantia em economias onde a confiança por vezes escasseava. Apesar disso, não era o ouro nem a promessa do ouro que constituíam a moeda. A moeda era sempre a unidade de valor virtual. Basta ver, por exemplo, que na idade média, uma moeda cunhada valia, sistematicamente mais do que o ouro ou prata de que era constituída. Quando calhava a valer menos, era fundida e o metal vendido a peso, normalmente para o estrangeiro.
«Então se n sao verdadeiras querem me explicar pk a vão taxar a 28%?»Posso explicar. Os lucros taxados a 28% são os lucros em moeda fiduciária, que é aquela cujo valor e estabilidade vocês são obrigados a usar para contabilizar os lucros e perdas das vossas carteiras de "criptos".
Sem alienações teríamos um parque habitacional público de 4,5%
Nestes termos, se considerarmos que o parque habitacional público era composto por cerca de 122 mil unidades em 1981, e que na década de oitenta (1982 a 1991) foram construídos cerca de 34 mil fogos pelo Estado, seria de esperar que a oferta pública atingisse, nos Censos de 1991, um total de 156 mil fogos. Ou seja, cerca de mais 21 mil alojamentos que os recenseados nesse ano (a rondar os 134 mil).
Aplicando a mesma estimativa às décadas seguintes, até se chegar a 2021, obtém-se uma perda total de alojamentos sociais, por alienação, próxima dos 61 mil fogos. Isto é, o resultado da diferença entre o número de alojamentos que deveriam existir (se o Estado tivesse preservado, e não vendido, todos os fogos que construiu desde 1981) e o universo de fogos sociais existente em 2021 (cerca de 123 mil, um valor muito próximo, aliás, do registado em 1981).
Esta perda de 61 mil fogos de habitação pública, por alienação, faz com que o Estado disponha hoje de apenas cerca de 2/3 dos alojamentos que promoveu desde 1981, ajudando a perceber por que razão - para lá do persistente défice de promoção, que apenas agora está a ser invertido - o peso do parque público no total de alojamentos seja somente de 2% (um dos mais baixos a nível europeu), e não de 4,5%, a percentagem que teríamos hoje sem processos de alienação de património habitacional do Estado.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2023
Coutada protegida
E se António Costa tivesse interferido nas decisões do Banco de Portugal sobre o BPI, como acusa o PSD, qual era o problema?
O primeiro-ministro foi democraticamente eleito, o governador foi escolhido pelo Governo. O PM pode e deve interferir na gestão do sector financeiro nacional, como sector económico fundamental para o bem-estar dos portugueses. O sector financeiro só é uma coutada protegida do poder político por causa de cânones (neo)liberais que - tal como a extrema-direita - considera todos os políticos (democraticamente eleitos) como estando sob suspeita, embora fechando os olhos à permeabilidade/promiscuidade entre o banco central e o sector financeiro.
Aliás, o Banco de Portugal deveria estar sob tutela do Ministério das Finanças do Governo de Portugal e não ser uma surcursal de uma instituição não eleita, governada de forma opaca, com sede algures na Alemanha, e que decide em última instância como deve ser ou não o sistema financeiro nacional.
Talvez seja tempo de romper com estas falsas ideias de independência política e recuperar a verdadeira soberania.
A democracia a sério não é liberal
Num discurso sobre o combate à extrema-direita, e para lá de uma curiosa crítica à “lógica de descobrirmos roupa suja uns dos outros” no bloco central, Augusto Santos Silva, putativo candidato presidencial do extremo-centro, também saiu em defesa da chamada democracia liberal, como é hábito de alguém que vem da Terceira Via.
terça-feira, 24 de janeiro de 2023
Também na habitação, não pinga e não é doce
segunda-feira, 23 de janeiro de 2023
Crise de habitação e o mito do excesso de Estado e de regulação
Ora, o que a sondagem do Expresso mostra é que existe hoje em Portugal não só um amplo consenso quanto ao défice estrutural de investimento público direto no setor (85%), mas também de regulação (78%), apenas depois surgindo, no conjunto de causas estruturais da crise, a «falta de casas» (que importa, de resto, analisar cuidadosamente). Note-se, aliás, que apenas 38% dos inquiridos atribuem a este último fator um elevado impacto na situação atual, aquém, portanto, dos valores observados no caso do défice de investimento público (52%) e da falta de regulação (44%).
Por outro lado, é no aumento da oferta de Alojamento Local (apontado por 71% dos inquiridos), nos incentivos à compra de casas por cidadãos estrangeiros (64%) e no investimento dos fundos imobiliários (56%), que incidem, de acordo com os resultados da sondagem, as principais causas conjunturais da crise de habitação que o país atravessa.
Não surpreende, portanto, que entre as respostas tidas como necessárias para enfrentar a situação surja o aumento do investimento público (defendido por 91% dos inquiridos) e a adoção de medidas orientadas para uma maior regulação do mercado, incluindo a limitação dos valores das rendas (87%), a fixação de quotas de casas a preços acessíveis em novos empreendimentos (86%) ou a redução das licenças de Alojamento Local (68%). Ou seja, questões como a agilização dos licenciamentos, enquanto resposta prioritária para ultrapassar a crise, tão cara à direita, não têm a relevância que se quer fazer crer.
É bem sabido que, historicamente, a resolução da questão da habitação em Portugal foi deixada às mãos do mercado, ao contrário do que sucedeu com a saúde e a educação. Tal como é sabido que essa opção foi muitas vezes aditivada por subsidiação pública (como no caso dos apoios à aquisição de casa própria), sem que tal tenha sequer permitido reduzir preços e tornar a habitação mais acessível. E que, por fim, só muito recentemente se começou a apostar no reforço do parque habitacional público, um dos mais diminutos à escala europeia.
Por isso, o que os dados desta sondagem vêm demonstrar é que já se percebeu, finalmente, que há Estado a menos e mercado a mais na habitação em Portugal. E que importa por isso, no contexto atual - marcado por dinâmicas de investimento imobiliário especulativo (que atravessam aliás toda a Europa) - adotar mecanismos de regulação do mercado, para lá da indispensável constituição, gradual, de um verdadeiro parque público de habitação.
domingo, 22 de janeiro de 2023
O diagnóstico, a solução, a ignorância e a demogogia
Por que razão o recém-eleito dirigente da extrema-direita económica - ao clamar que "não se aguenta mais" - não tem a coragem de dizer o que quer fazer com o SNS, a saúde universal, a escola pública universal, a Segurança Social pública e universal, com o funcionalismo público? Ou como pensa acabar com duas décadas de estagnação económica? Qual é pois, e ao fim de tantos anos de militância liberal, o seu diagnóstico?
A resposta mais óbvia é: não sabe.
Duvida? Questionado pela RTP sobre o que ia fazer, o recém-eleito Rui Rocha, disse:
"Vou fazer um diagnóstico daquilo que é o país e vou dizer que a IL é a única alternativa hoje para ter uma país completamente diferente"...
Palavras para quê?
Rui Rocha apresenta-se já hoje como alternativa antes mesmo de saber a quê. Propõe um sabonete que lava mais branco, mas sem perceber qual a natureza das nódoas. São de óleo, azeite, leite, vinagre, vinho, gordura? Não sabe. Apenas sabe que são nódoas e que está contra as nódoas. Assim é fácil. Mas imaturo e demagógico.
Mas isto nem sequer é original. Recordam-se da campanha eleitoral de 2002, abertas quando António Guterres se demitiu a 16/12/2001 na sequência das eleições autárquicas, e Durão Barroso apareceu à frente do PSD defendendo uma redução da despesa pública? Que ia realizar uma auditoria às contas públicas para que fosse possível cortar nas "gorduras do Estado". Que ia transformar o país. Mas mal foi eleito, a dita auditoria não foi realizada porque... era impossível realizá-la (como já se sabia!) e a estratégia económica liberal foi reduzir o défice público (cortando no investimento público e nos apoios sociais), aprovar um Código do Trabalho (elaborado em out-sourcing por um escritório de advogados e defendido pelo ministro próximo do CDS Bagão Félix) que veio provocar uma desvalorização salarial que está na causa da situação social dos trabalhadores que a IL tanto contesta. E pouco depois, foi convidado para presidente da Comissão Europeia.
Passos Coelho teve, na campanha eleitoral de 2011, um discurso muito semelhante ao da IL. Disse que não ia cortar em nada. Que não era preciso. Mas quando foi eleito e se combinou com o CDS para governar, realizou o plano mais liberal e mais duro até então realizado. Cortou vencimentos, pensões, desbastou o investimento público, desinvestiu nos serviços públicos, na escola e na saúde públicas, agravou impostos sobre os trabalhadores. E foram aprovadas novas mexidas na lei laboral que aprofundaram a desvalorização salarial, e abriram o mercado da habitação de tal forma que os jovens portugueses já não encontram habitação para os baixos salários que recebem. Tudo críticas que a IL tanto faz, que Rui Rocha fez no seu discurso na Convenção Nacional da IL, embora nada dizendo sobre o passado liberal destas medidas que não sabe ou, sabendo, escamoteia.
A extrema-direita é - sempre foi - um camaleão político que vai adoptando as cores dos estratos sociais mais descontentes e desesperados, como forma de os aliciar, mas sem ter um programa consistente de mudança política que não seja "partir tudo", para de novo o entregar à "elite" nacional que a financia.
A dúvida, portanto, é perceber: quem são os financiadores da IL?
Ficámos a saber
Esta semana ficámos a saber que “16 países europeus já têm controlo de rendas”.
Esta semana, ficámos a saber que o “poder de compra do trabalho [está] estagnado há 20 anos, [mas] Medina rejeita necessidade de novo reforço”.
Esta semana ficámos a saber que a alternativa ao proscrito controlo democrático de preços em sectores cruciais é o controlo autoritário de preços por parte das grandes empresas desses sectores.
Não há semana em que não fiquemos a saber que Portugal é um país causticado por iniciativas liberais. São décadas nisto, desde as “reformas da década” do cavaquismo, feitas de privatizações, liberalizações, reduções dos direitos laborais e preparação para a adesão a uma moeda forte.
No entanto, para cultivar a desmemória, não há semana em que não nos digam que o liberalismo económico nunca existiu em Portugal.
sábado, 21 de janeiro de 2023
A receita neoliberal para as pensões
A receita neoliberal para melhorar o sistema de pensões foi imposta aos franceses: aumento da idade da reforma, entre outras medidas. Claro que há outras formas de melhorar o sistema, mas isso obrigaria a pôr termo ao sistema económico neoliberal.
Implicaria executar uma política económica expansionista para criar emprego, acabar com a precariedade no trabalho, aumentar o investimento público na habitação e na rede de creches e infantários, etc. Investir em tudo o que hoje impede as famílias jovens de terem os filhos que desejam.
Mais contribuintes para a segurança social no imediato (pleno emprego) e a médio prazo (investimento público para apoio às famílias) e aumento da produtividade do trabalho com a reindustrialização do país (salários e contribuições maiores), são políticas que o Estado neoliberal rejeita porque põem em causa o "projecto europeu".
Só nos resta derrubar este regime neoliberal, na rua e nas eleições.
(Foto: manifestação em Paris, 5ª feira, 19 janeiro 2023)
sexta-feira, 20 de janeiro de 2023
Empresarialmente correto
Foi recentemente divulgado um estudo que confirma, de forma clara, o que já se sabia há alguns anos: a ExxonMobil, a gigante empresa norte-americana do capitalismo fóssil, dispunha, desde os anos 1970, de investigação científica interna com rigorosa capacidade preditiva e explicativa sobre as alterações climáticas e suas relações com a queima de combustíveis fósseis.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2023
Contributos para a Economia Política da Moeda
É mais um livro a somar a tantos que têm surgido nos últimos anos a relembrar o carácter eminentemente político da moeda. Costuma-se dizer que a Filosofia Política se pode resumir em 2 perguntas: «Quem fica com o quê?» e «Quem disse?». É inequívoco que a forma como as sociedades criam e gerem a sua moeda é central para as respostas que se dão a estas perguntas.
O atual sistema monetário não caiu do céu. É uma criação política com o auxílio precioso de uma certa Economia Política que o justifica. Eich conta a história de importantes controvérsias que puseram a descoberto o carácter político da moeda, desde Aristóteles, passando por Locke, Fichte, Marx, Keynes, até ao sistema atual, pós-Bretton Woods. A constante desta história é a tentativa de diferentes lados em tentar controlar o que é a moeda e quem deve gerir a sua criação e de acordo com que regras.
As diferentes soluções tiveram sempre importantes implicações distributivas, tanto de riqueza como de poder no seio das sociedades. Portanto, controlar a moeda foi sempre um aspeto central das lutas sociais que marcaram a história. Maiorias empobrecidas lutavam contra a escassez de dinheiro, contra os usurários, contra as rendas elevadas, contra os impostos. Soberanos tentavam expandir a quantidade de dinheiro para cumprir os seus objetivos de guerra, expansão ou luxo. Nobres, clero e outros detentores de capital financeiro, procuravam garantir a escassez de moeda e a estabilidade dos preços (ou até a deflação) para aumentar os seus rendimentos reais e importarem bens de luxo mais baratos.
É nestes contextos que, em cada momento, se esgrimiram argumentos teóricos sobre a origem, natureza funções e funcionamento da moeda, para servir a cada um dos interesses em questão. Em grande medida é sobre estes argumentos que se fundou a própria economia política.
A posição que tendeu a triunfar nos últimos séculos foi a da despolitização da moeda - a ideia de que a moeda é uma mercadoria e como tal, pertence ao domínio (natural) do económico, devendo ser deixada à liberdade do mercado. Esta ideia começou por se consubstanciar numa limitação ao poder do soberano medieval, até cristalizar no modelo mais rígido do Padrão-Ouro depois de Locke. Autores como von Mises ou Hayek tentaram levar esta teoria ainda mais longe com propostas de privatização total do sistema monetário.
A mensagem central do livro é, então, a de que é necessário resgatar a moeda para a democracia, tal como sujeitamos à democracia as restantes instituições políticas. Isto é, se a moeda é política, temos de a incluir nas perguntas sobre quem fica com o quê e quem disse.
Como afirma Eich (em tradução livre):
A fim de fortalecer a nossa capacidade de sujeitar o poder financeiro ao escrutínio democrático, precisamos primeiro de tornar esse poder visível e, em seguida, articular como atualmente fica aquém das suas próprias possibilidades democráticas. A fim de transformar uma crítica moralista defensiva da mercadorização da moeda num programa positivo de contestação democrática do poder de dinheiro, precisamos de atender aos momentos precisos em que o dinheiro se torna um meio de dominação e deixa de ser a "corrente" da política.
A política da moeda ficou evidente, no passado recente, quando as decisões do BCE tiveram fortes implicações para os países da periferia europeia, como Portugal, sujeitos a planos de ajustamento criminosos que aliviaram apenas quando o mesmo BCE decidiu finalmente agir como um Banco Central, financiando (mesmo que indiretamente) os Estados sujeitos à chantagem dos mercados financeiros. A sujeição dos Estados aos ditames dos mercados financeiros também não caiu do céu. As escolhas dos Estados são muito maiores a não ser quando se colocam a si próprios numa camisa de forças como essa. As possibilidades das respostas à pandemia são uma provas inequívocas disso.
Esta obra é, portanto, um ótimo antídoto contra as falácias da independência dos Bancos Centrais, teorias da neutralidade da moeda, teorias da liberalização do comércio internacional, criptomoedas supostamente independentes, a TINA, as medidas de austeridade, os ajustamentos salariais, entre tantas outras que infestam o pensamento atual e procuram sempre reduzir o horizonte das nossas possibilidades de escolha coletiva democrática.
Na situação atual, fica clara a necessidade de recuperar o trabalho de Keynes e as suas propostas de transformação dos sistemas monetários nacionais (recuperando o papel das políticas públicas) e internacionais (recuperando o papel da cooperação).
Eich, professor de Teoria Política, dá um precioso contributo nesse sentido. Faz falta um contributo equivalente do lado da Economia.
Tudo corre bem no melhor dos mundos
As coisas estão a correr mesmo bem aos que vão a Davos de jato. É o capitalismo realmente existente, sem medo de alternativas reais.
Para lá do financiamento do negacionismo climático, basta algum branqueamento ecológico, incluindo inócuos mercados de emissões, que é para isso que serve a economia convencional na melhor das hipóteses. Vai ficar tudo bem.
A banca privada mostra, de resto, como se trabalha voluntariamente: Bancos comprometidos com “emissões zero” emprestam milhões a combustíveis fósseis.
E é preciso não esquecer as maravilhas do chamado capital natural, passível de ser substituído e trocado, legitimando também as chamadas compensações por emissões, que agora se revela serem, vejam lá, uma fraude.
Notem, de passagem, a regra da economia convencional: todas as esferas podem ser tratadas como se fossem capitais, da natural à social, desde que não se fale do capital que conta, da relação social fundamental do capitalismo. E para quê falar? A História terminou e é mais conveniente falar de economias de mercado.
E, sim, fazem de tudo para esconjurar o espectro do planeamento ecossocialista. Têm sido bem-sucedidos. Até agora, está tudo a correr bem no melhor dos mundos.
O que o ministro da Economia não disse sobre a inovação
O ministro da Economia foi esta semana ao parlamento falar de inovação. Infelizmente, ficou-se por alguns chavões com pouca substância, como a ideia de que "os Estados normalmente não são bons acionistas" ou a de que "são as tecnologias que transformam o mundo", sem grandes explicações. No entanto, a economia da inovação é um ótimo tema de conversa. Começando pelo início: as grandes inovações são, e sempre foram, promovidas fundamentalmente pelo Estado.
O que isto significa é que o Estado desempenha um papel central nos processos de inovação. Pode desenvolver e fomentar projetos de investigação e reforçar a legislação laboral para promover melhores relações de trabalho e garantir que haja uma distribuição mais justa dos ganhos. Ou então pode apostar em benefícios fiscais de duvidosa eficácia para as empresas. O governo português tem preferido apostar na isenção de IRC para receitas de patentes, que tem dado muito poucos resultados na Europa, enquanto restringe o investimento público na investigação, deixando o país na cauda da Europa neste indicador. É esse o debate que interessava fazer e ao qual o ministro fugiu.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023
"Podemos ter essa discussão"
Do filme "A organização internacional" |
Como é que o neoliberalismo "de esquerda" olha o debate que hoje se deu no Parlamento sobre a TAP?
A jornalista da Antena 1 perguntou à economista Susana Peralta, da Nova School of Business and Economics - o nome é mesmo em inglês - quais as dúvidas por esclarecer junto da presidente da TAP, hoje ouvida na comissão parlamentar de inquérito.
A economista adiantou que "se se quiser, podemos ter essa discussão" sobre os níveis salariais praticados, mas o que lhe parece mais relevante é: 1) Por que razão a presidente da TAP não comunicou ao supervisor do mercado (CMVM) informações correctas relativas ao afastamento da administradora? 2) Estava o ministro das Finanças efetivamente na ignorância, tal como o afirma o actual ministro Fernando Medina e o ex-ministro João Leão? Que comunicação houve com a tutela?; 3) E, depois, há o tipo de gestão da actual administração da TAP, ou seja, os sinais de gastos sumptuários (frota automóvel, contratações de amigos, mudança de instalações, etc.)
Assim, a olho nu, Susana Peralta parece ser mais uma economista neoliberal escandalizada, sim, com a mentira ao regulador do mercado e com e eventual cumplicidade da tutela nessa mentira, do que com todo o ambiente socio-empresarial-político que viabiliza uma escandalosa indemnização tanto milionária como ilegal, recebida pela administradora, ao arrepio do que está a acontecer aos trabalhadores da empresa.
Nas suas palavras, parece ser pouco relevante que uma empresa pública pratique níveis salariais tão díspares entre administradores e trabalhadores, a ponto de uma compensação por despedimento atingir valores de 1,5 milhões de euros para cerca de dois anos de trabalho ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que haja regras distintas de compensação por despedimento entre os trabalhadores, os trabalhadores alvo de reestruturação e os administradores que decidem sair da empresa por vontade própria ou empurrados para a rua ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que um plano de reestruturação de uma empresa pública, cujo conteúdo não é conhecido e cujos moldes danosos foram em parte impostos por instâncias europeias, preveja cortes salariais e despedimentos a grupos significativos dos seus trabalhadores, mas pouco tenha feito para criar uma justa repartição da massa salarial ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que a CEO da TAP, escolhida de modo forçado em concurso internacional, tenha afinal um estatuto remuneratório, incluindo prémio e bónus, que sejam desconhecidos e tornados clandestinos aos olhos dos portugueses ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que, à semelhança do que se passa nas grandes empresas privadas, esse grupo de administradores tenda a constituir-se numa espécie de casta social privilegiada intocável, num grupo fechado que vai rodando entre empresas independentemente do seu desempenho e mérito, desnate assim a empresa com benefícios remuneratórios pornográficos, mesmo que a empresas esteja a ter prejuízos, mesmo que haja despedimentos em massa, tudo em nome da competitividade externa das contratações, que permita a livre circulação de quadros superiores ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que essas instituições externas não eleitas que marcaram o conteúdo de uma plano de reestruturação - que ninguém conhece - tenham a
preocupação de impor soluções gravosas, sem
olhar aos seus efeitos sociais e humanos, na própria empresa ou mesmo à luz do próprio enquadramento legal, a ponto de mais tarde serem revertidos pelos tribunais ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que este tipo de planos seja imposto por opacas instituições não eleitas, externas ao país (Comissão Europeia), levadas a cabo por quadros do nível de um director-geral, que se sobrepõem ao poder soberano de um Estado e dos seus responsáveis, limitando-lhe o grau de acção e impondo decisões danosas de gestão numa empresa pública - de um Estado soberano! -, tudo em benefício dos seus concorrentes, respaldados em cardápios ideológicos mascarados de técnicos, erguidos sobre os alegados malefícios da intervenção pública e do papel dos políticos eleitos pela população ("podemos ter essa discussão").
Parece, pois, que se há uma brutal desigualdade social no país e no mundo, gerado por um modelo dominante em colapso - a ponto de milionários pedirem para que sejam tributados antes que seja tarde demais -, isso também se deve ao tipo de comentadores que se vai promovendo nos meios de comunicação social.
Sete razões para os protestos dos professores
terça-feira, 17 de janeiro de 2023
Tristemente reveladora
segunda-feira, 16 de janeiro de 2023
A descida do IVA é a solução para baixar os preços?
A escalada da inflação ao longo do último ano, sem que os salários acompanhassem a subida dos preços, tornou a generalidade dos produtos mais caros para a maioria das pessoas. Ultimamente, há quem defenda que se deve reduzir a taxa de IVA aplicada a alguns bens, em especial aqueles que são considerados essenciais e onde a inflação se tem concentrado, como a energia ou os bens alimentares. A ideia é que, reduzindo o IVA, o Estado poderia ajudar a diminuir o custo destes produtos.
domingo, 15 de janeiro de 2023
Para lá do empresarialmente correcto
Uma notícia de economia política internacional que marcou esta semana: “projecções feitas nos anos 70 e 80 pelos cientistas da ExxonMobil previram o aquecimento global”. Esta multinacional norte-americana é um dos símbolos do capitalismo fóssil e tem precisamente financiado o negacionismo em relação às alterações climáticas. Hoje, trata-se também de bloquear o avanço do planeamento ecológico urgente, através de armadilhas como a responsabilidade social das empresas e outras formas de branqueamento socioecológico.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2023
quinta-feira, 12 de janeiro de 2023
James Crotty (1940-2023)
Faleceu esta semana um dos nomes maiores de um dos principais, e raros, departamentos de economia dominado por perspetivas críticas, na Universidade de Massachusetts Ahmrest (EUA). Desenvolvendo as convergências entre as tradições marxistas e keynesianas, Crotty cruzou a macroeconomia com a economia política e a política económica. São raros os cientistas sociais que escrevem o seu principal livro no final de uma carreira longa, de dezenas de anos, mas creio que foi isso que aconteceu com Crotty.
De facto, a sua escrupulosa escalpelização do pensamento de Keynes, da análise económica às prescrições de política, avança com uma interpretação que enfatiza a crítica ao capitalismo e a sua radical superação do liberalismo económico para salvar e aprofundar as liberdades políticas. Crotty como que transporta essa reflexão para o presente, ao mostrar a sua pertinência e isto sem cair no anacronismo. Keynes falou de “socialização do investimento” e de “eutanásia do rentista” na Teoria Geral e, pontualmente, declarou-se um “socialista liberal”.
Crotty não deixou nenhuma pedra por virar para argumentar que tais fórmulas implicaram ao longo de anos uma defesa de certas formas de coordenação política da economia, de planeamento. E que estas estão ao serviço do pleno emprego, da redução das desigualdades ou da desmercadorização e desfinanceirização de bens e serviços, num quadro de desglobalização pragmática. Têm por isso implicações portentosas. Independentemente de questões interpretativas, este é um livro fundamental para um debate económico informado, para uma história do pensamento económico enquanto conversa ao longo do tempo entre vivos e mortos.
Aos ombros de gigantes esteve um economista político exemplar. Sigamos o seu exemplo.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2023
Lembrete sobre a caixinha mágica
Uma pequena nota para relembrar que o Bloco de Esquerda, com uma representação política que já foi duas vezes superior à da IL, nunca mereceu que o seu debate interno tivesse honras de espaço televisivo ou radiofónico, em modelo frente a frente, como este último partido está agora a merecer. Para não nos esquecermos que há um campo político que vinga pela mão do sistema mediático e outro que vinga apesar dele.
Claro que a ERC, responsável por condenar um humorista que se recusou a convidar um fascista para o seu programa, não verá nenhum problema. Comunicação social destinada à reprodução social das ideias dominantes com regulação a fingir é mesmo assim. Longa vida aos elevados valores de igualdade no debate da nossa "democracia liberal".
Três notas de nojo
1. Amílcar Correia – “Rita Marques e um mês e meio de nojo” – distancia-se da vulgata neoliberal típica dos editoriais do Público escritos por Manuel Carvalho. Valoriza uma noção de serviço público nos antípodas do individualismo possessivo promovido pela lógica do mercado sem fim que vem do cavaquismo (e daí as sanções fracas para uma corrosão de carácter cada vez mais forte).
2. Infelizmente, como as declarações de Luís de Sousa ilustram, quem se dedica à “transparência” continua a dar para o peditório das “regras de mercado concorrencial”, sem se aperceber que a corrupção institucionalizada que denuncia é o produto do alastramento dessas mesmas regras, na medida em que as empresas têm cada vez mais incentivos para lançar mão de todos os expedientes. É assim que podem ganhar vantagem num contexto de concorrência generalizada, de luta de todos contra todos.
3. O PS bem que pode distanciar-se de Rita “somos um país muito sexy, apetitoso para estrangeiros” Marques, mas esta antiga Secretária de Estado do Turismo encarna o deslumbramento governamental com um sector estruturalmente pouco produtivo e com patrões que querem ir sempre para lá da troika na promoção da selvajaria laboral. Um P sem S que só pensa em seduzir estrangeiros ricos, favorecendo um ambiente institucional tão insalubre quanto desigual, propenso a toda a corrosão dos valores republicanos que estavam na base da sua matriz política.
terça-feira, 10 de janeiro de 2023
Quanto custa um gestor?
segunda-feira, 9 de janeiro de 2023
O Santo Graal do crescimento português não existe
O resto do texto pode ser lido no Público, onde a partir de hoje passo a escrever quinzenalmente, às segundas-feiras.
Iniciativas liberais até dizer chega
domingo, 8 de janeiro de 2023
Zandinga da esquerda
Sou cético sobre modelos de previsão em ciências sociais. Mas sei onde estará a esquerda daqui a cerca de 10 anos. Depois de um governo das direitas, a ser convencida de que tem de votar PS, porque a nova liderança é mesmo muito de esquerda e desta vez vai ser diferente.
É isso, dirão, ou aceitar que a extrema-direita continue no poder. Sempre a mesma ilusão, sempre a mesma chantagem. Sempre aquela certeza fundada de que não são necessárias ideias nem valores: apenas paciência para o poder cair no colo por horror relativo à baixeza moral da alternativa.
No entretanto, já germinou mais uma geração de pobres criancinhas que aprendeu a dizer "socialismo em liberdade", "socialismo para o século XXI", "valores da solidariedade europeia", "Estado social". Assim dos que tratam connceitos como bolas de sabão, que não querem dizer mesmo nada além do ato performativo de atrair a base social que adiante irão defraudar. Quando crescem, metem um fato. Aprendem uns conetores de texto "todavia, contudo, porquanto" e polvilham a miscelânea discursiva com palavras graves como "cosmopolitismo, resiliência, ambição, responsabilidade, futuro". Está feito o quadro socialista que nos trará a mediocridade que o seu percurso não esconde.
Mas só são iludidos os que se deixam iludir: não há esquerda na Europa neoliberal do Euro forte, do banco central independente, da livre circulação de capitais, das leis de livre concorrência europeia, das regras orçamentais europeias. Dentro deste colete de forças institucional (a que o centro-esquerda aderiu alegre convencido da sua modernidade, entre loas a Delors) só há neoliberalismo.
E na Europa neoliberal, os farrapos da social-democracia só têm duas coisas a oferecer ao que resta da sua base social de apoio: desapontamento e traição.
sábado, 7 de janeiro de 2023
Os super-ricos são um dos alvos deste jornal
Sandra Monteiro, O país pobre dos super-ricos, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Janeiro de 2023.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
A incompetência que nutre os chacais
A Carris Metropolitana foi lançada na margem norte da AML. Novos números de linha, novos horários. Mas o site está inoperacional. A pesquisa por linhas não funciona. Não há sequer possibilidade de descarregar os horários em PDF. Ninguém, mesmo tendo o melhor conhecimento na consulta informática, elemento que nem sequer é garantido para uma boa parte dos utentes, consegue neste momento saber os horários em vigor.
Tudo isto poderia ter sido acautelado com um poder local presente. Que tivesse exigido informação às populações. Que tivesse exigido a disponibilização atempada de horários físicos, pelo menos junto da população idosa. Afinal, os municípios são contribuintes líquidos do sistema e devem poder ter uma palavra a dizer.
Nada foi feito. Nem poder central, nem poder local. Um projeto meritório de integração dos sistemas de transporte da AML é assim votado ao descrédito pelas populações por falhas grosseiras de planeamento. Não sei como é possível o autoboicote da causa pública chegar tão longe.
Quantas vezes será preciso lembrar ao Partido Socialista: não basta bater com a mão no peito e declarar-se defensor dos serviços públicos. São necessários financiamento, meios humanos e competência para que esses serviços públicos sejam funcionais e credíveis aos olhos do povo.
Cada episódio destes é uma machadada na credibilidade do serviço público em Portugal e um bombom à extrema-direita económica que não descansará enquanto não entregar tudo isto à propriedade privada.
O Estado não gere necessariamente mal e o controlo democrático dos serviços públicos contribui para uma sociedade mais coesa e para serviços públicos que podem funcionar melhor com menos despesa do que a seria necessária para garantir uma renda a privados. Mas o Partido Socialista gere muito mal. Tem quadros intermédios de qualidade miserável.
Nada aprenderam com o famoso e perspicaz comentário de Enrico Berglinguer, histórico dirigente do PCI, que, quando o Partido Comunista Italiano governava uma parte sigificativa das regiões do Sul de Itália, afirmou a importância para a credibilização do partido de os comboios chegarem a horas sob a sua gestão.
Forma perspicaz de dizer que ter princípios elevados sem forjar relações de confiança na vida prática das populações de nada vale.