terça-feira, 28 de maio de 2024

Talvez valha a pena recordar

Repesco um artigo de Rui Pedro Martins (RPM), no Público de 19 de outubro do ano passado. O atual governo da AD prepara-se para recuar em matéria de regulação do Alojamento Local (AL), revogando a contribuição extraordinária e a caducidade das licenças, entre outras medidas, de modo a eliminar «certas restrições gravosas e desproporcionadas à iniciativa privada no setor», para usar os termos do Comunicado do Conselho de Ministros.

No referido artigo, RPM dava nota de um regulamento, adotado por Nova Iorque em setembro de 2023, que visava acabar com a oferta ilegal de AL, num claro reconhecimento, por parte do governo da cidade, do seu impacto na redução da oferta de habitação para fins residenciais. E é nesse contexto que RPM compara os indicadores de impacto de Nova Iorque com os de Lisboa.


Assim, quando se pondera o número de unidades de AL (cerca de 45 mil em Nova Iorque e 18 mil em Lisboa) pela população residente e pelo total de alojamentos, o resultado é esmagador. Constata-se que Nova Iorque tem cerca de 5 unidades de AL por cada mil habitantes e Lisboa 33 (cerca de 7 vezes mais). E que Nova Iorque tem cerca de 12 unidades de AL por mil alojamentos, valor muito inferior ao registado por Lisboa, com 56 unidades de AL por mil alojamentos (cerca de 5 vezes mais, portanto).

Conclui-se, pois, que a direita que reduz a crise de habitação à tese simplista de uma mera «falta de casas» é a mesma direita que não hesita em recriar os incentivos ao aumento da oferta de Alojamento Local, promovendo a deslocação de imóveis residenciais para o setor, mesmo quando há indícios de que as limitações introduzidas pelo anterior Governo poderiam estar a começar a surtir efeito. Recorde-se, aliás, que a redução sem precedentes no número de alojamentos em Lisboa e no Porto, entre 2011 e 2021, não será alheia ao aumento galopante da oferta de AL, ao longo da última década, nestas cidades.

2 comentários:

Anónimo disse...

O que considera Lisboa na sua comparação? A grande Lisboa, ou o concelho de Lisboa?
É que o concelho de Lisboa tem 500 000 habitantes e uma zona histórica e turistica grande.
Se incluírmosos súburbios de Oeiras, Amadora, Sintra Odivelas, Loures e Almada, que são contíguos à capital o número deve ser diferente.
É sempre difícil dizer quanta é a população de Lisboa, devdo à divisão administrativa.
Tente perguntar a várias pessoas qual é e as dir-lhe-ão: 0,5 milhões, o concelho, 1 milhão o concelho e povoções encostadas a ele na margem norte, 2 milhões se incluírmos a margem sul, 4 milhões se considerarmos uma área de 40 km, que vai desde Mafra a norte a Setúbal a sul (normalmente chamada Grande Lisboa).
A densidade de construção no centro de Manhattan também não é a mesma de Alfama ou da Baixa
Refere-se também ao AL clandestino em NY, e o AL permitido?

Pardal Azul disse...

Este artigo é um exemplo do viés de confirmação. O autor já tinha uma conclusão a priori e procurou apenas os dados que a confirmem. A saber:

1) "A direita não hesita em recriar os incentivos ao aumento da oferta de Alojamento Local"
Como é que esta conclusão é possível quando estão proibidos novos registos de AL em quase toda a cidade de Lisboa, desde 2018? Não há nada na proposta do governo que fale em retirar estas restrições. Pelo contrário, até dizem que querem dar mais poder às câmaras. E antes que nos acusem de que Portugal não é apenas Lisboa, aparentemente para o autor é, logo é apenas desta cidade que vamos falar.

2) "Há indícios de que as limitações introduzidas pelo anterior Governo poderiam estar a começar a surtir efeito" porque foram cancelados 1.000 registos de AL
Este é um dos problemas do viés de confirmação: ignorar dados e informações contrárias. Segundo o relatório da CML, existem mais de 9.000 AL inativos. No limite, até se esperaria que fossem cancelados todos os 9.000, uma vez que pagar uma CEAL bem elevada, sem ter qualquer atividade e rendimento de AL, é um erro financeiro tremendo. Aliás, pode não ser coincidência que cerca de 8.000 AL não tenham enviado o comprovativo do registo. Os erros, bem como a incompetência do Governo, não permitem à câmara fazer a limpeza dos registos. Por outro lado, notícias mais recentes indicam que o Programa "Mais Habitação" não travou o aumento do preço das casas e das rendas.

3) O AL contribuiu para uma "redução sem precedentes no número de alojamentos em Lisboa"
Isto não é verdade, uma vez que é uma interpretação de uma decisão questionável do INE, que decidiu não contabilizar como alojamentos tradicionais os AL. Não se devem tirar conclusões precipitadas em cima de uma metodologia do INE, porque este não sabe, nem nos informa, se estes AL estão ou não a servir de alojamento. O relatório da CML, ao mencionar mais de 9.000 AL inativos, pode inclusivamente sugerir que estas casas se encontram desocupadas ou até em arrendamento.

4) Comparações com outras cidades
Sobre o viés da confirmação, para que fique claro como funciona e como é absurdo estabelecer comparações entre cidades como Nova Iorque e Lisboa, também nós resolvemos fazer as comparações que mais nos convêm, entre Benfica e Manhattan:
  Unidades de AL: Manhattan 20 mil / Benfica 60
  Unidades de AL por mil habitantes: Manhattan 11,6 / Benfica 1,7
  Unidades de AL por mil alojamentos: Manhattan 22,1 / Benfica 2,9

5) Momento da comparação
Por fim, é curiosa a escolha do momento para comparar Nova Iorque e Lisboa, surgindo um mês após o lobby hoteleiro ter arrasado com 77% do AL em Nova Iorque. Será isso que o Rui Pedro Martins, reconhecido antidemocrata, quer que aconteça em Lisboa? Foi justamente isso que o seu partido, o PS, tentou fazer quando estava à frente da câmara. Precisamente nas zonas onde proibiu o AL, autorizou a abertura de 50 novos hotéis. No mínimo, é irónico como a esquerda é fraca com os fortes e forte com os fracos.