sexta-feira, 30 de setembro de 2011

"Little Babies" - Sleater Kinney



Dedicado ao Pedro Santos Rodrigues.

Economia com Futuro, hoje

A conferência, que decorre ao longo do dia de hoje na Fundação Calouste Gulbenkian, pode ser

09.00/11.00h - Sessão de Abertura: Economia para quê e para quem? (José Castro Caldas, Emílio Rui Vilar e Elena Lasida)  11.30/13.30h - Portugal no Mundo (Francisco Seixas da Costa, João Gomes Cravinho e Luís Portela; moderação de Diana Andringa)  14.30h/16.00h - Portugal na Europa (João Ferreira do Amaral, João Rodrigues e Ulisses Garrido; moderação de Sandra Monteiro)  16.30/18.00h - Portugal por dentro (António Figueiredo, João Wengorovius Meneses e Manuela Silva; moderação de Elisabete Miranda)  18.00h - Sessão de Encerramento: Que agenda para o futuro? (João Ferrão, José Castro Caldas e José Reis)

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Beirut - Sunday smile

Europa no labirinto


O governo alemão conseguiu hoje aprovar no parlamento o alargamento de competências do Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Porém, aquilo que aparentemente constitui um passo em frente na resposta à actual crise, ainda que muito modesto, pode na verdade transformar-se num passo para o abismo.

Como pensam que não têm possibilidade de alargar o capital do fundo através dos seus próprios recursos, os governos europeus pretendem com este alargamento de competências passar a utilizar o que têm (e que não é muito, tendo em conta os vários pacotes de financiamento à periferia) como garantia, alavancando o capital próprio (segundo se diz, para 2 biliões de euros). Traduzindo: o Fundo irá pedir emprestado os capitais que achar necessários, proporcionando como garantia o capital inicial e a ajuda do BCE. A ideia subjacente é dotar o fundo de uma dimensão que acalme imediata e automaticamente os mercados.

Ora, onde é que eu já ouvi isto? Precisamente há um ano atrás... quando o FEEF foi criado. Não resultou lá muito bem. No entanto, agora o jogo é aparentemente mais perigoso. Em caso de incumprimento dos estados, as perdas serão também elas “alavancadas”. O “novo” fundo será assim provavelmente insuficiente - e este “contra-fogo” pode mudar de direcção muito rapidamente. Trata-se de uma pretensa solução que assenta na engenharia financeira, fazendo lembrar os produtos baseados no crédito que estiveram na origem da crise financeira internacional de 2008 em diante. Não será talvez a melhor forma de contribuir para um novo clima de confiança...

Tobin or not Tobin?



A Comissão Europeia apresentou ontem um plano para a taxação das transacções financeiras. Esta é uma pequena taxa sobre operações cambiais, similar à proposta, nos anos setenta, pelo economista keynesiano e vencedor do prémio Nobel James Tobin. Apresentada pouco tempo depois do fim dos acordos de Bretton Woods – alicerçados num sistema de câmbios fixos internacionais e na convertibilidade do dólar em ouro – esta proposta procurava atirar um “grão de areia” para a engrenagem da especulação do novo mercado de câmbios flexíveis. A taxa deveria ser pequena, de modo a não afectar os investimentos de longo prazo, mas suficientemente significativa para desencorajar as transacções especulativas, na medida em que o seu efeito se multiplica de acordo com a frequência das transacções.

Desde então o problema da especulação financeira só se agravou, multiplicando-se as crises financeiras. Daí que no final dos anos noventa, num editorial do Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet tenha recuperado a proposta - como forma não só de combater a especulação financeira, mas também de conseguir novas e extraordinárias receitas que poderiam ser usadas de forma solidária. Este editorial deu origem a uma associação, a ATTAC, hoje presente em diversos países, entre os quais Portugal, e é um dos factores que esteve na origem dos encontros internacionais por uma globalização alternativa, tornados famosos com os Fóruns Sociais de Porto Alegre.

Depois de anos de pressão internacional, até aqui sempre recusada pela UE, a proposta agora apresentada parece bem desenhada: duas taxas de 0,1% e 0,01%, conforme os produtos, seriam cobradas em todas as transacções financeiras, com excepção de certas operações realizadas pelas famílias e pelas pequenas e médias empresas. Procurar-se-ia assim evitar que a especulação cambial se deslocasse para outros mercados: quem passasse a pagar imposto nos mercados cambiais poderia optar antes por especular em mercados aproximativos destes, como por exemplo o mercado da dívida pública denominada em diferentes moedas. A receita prevista pela Comissão é de 57 mil milhões de euros por ano (à volta de metade do que é hoje o orçamento europeu). Nada mau.

As tradicionais vozes que se opõem a esta taxa já se fizeram obviamente ouvir. Todavia, muitos dos seus argumentos do passado deixaram de ser utilizados. Não é fácil defender que esta taxa traria ineficiência à finança global no contexto actual, por exemplo… O argumento mais comum é o do risco que os centros financeiros se desloquem para paragens mais fiscalmente amigáveis, das Bermudas à Suiça. Este argumento tem pouco peso. Se há coisa que temos aprendido com a actual crise é que os sistemas financeiros, mesmo estando muito integrados em termos internacionais, têm uma clara base nacional. Não existem verdadeiros bancos globais. Nem mercados de acções. Talvez Londres, como maior praça financeira do mundo, pudesse vir a ser afectada, mas dificilmente isso seriam más notícias para o resto da Europa ou mesmo para o Reino Unido, que com uma economia completamente dependente do sistema financeiro precisa urgentemente de reorientar as suas fontes de crescimento. Por outro lado, esta taxação tem a vantagem de chamar a atenção para os diversos paraísos fiscais existentes. A Europa tem o músculo económico necessário para forçar ao seu encerramento; aliás, até já foram dados alguns passos nesse sentido há cerca de dois anos.

A aplicação desta medida é ainda algo de longínquo - e não é de todo certo que venha a sair do papel. em particular, precisa do acordo dos estados-membros. No entanto, nada impede que quem sempre fez da Taxa Tobin uma bandeira aproveite esta pequena vitória para colocar maior pressão sobre os estados e avançar com uma agenda popular de controlo e regulação dos mercados financeiros. Não só é uma oportunidade para desmascarar os interesses que comandam hoje a economia europeia, como facilita a mobilização em torno de propostas concretas com alcance sistémico.

A diferença

No número de Setembro, a revista Handelsblatt contabiliza a dívida pública alemã em 7 biliões de euros, contradizendo assim o valor oficial, de 2 biliões. O desvio assinalado decorre da não inclusão, nos cálculos, de despesas previstas com reformados, doentes e pessoas dependentes, numa diferença que faz disparar o peso no PIB da dívida alemã para 185%, aproximando-o do valor previsto para a Grécia em 2012 (186%).

Se estas contas corresponderem à realidade constata-se, assim, a existência de uma dívida oculta do governo alemão, que deveria reprimir os impulsos de moralismo sobranceiro e preconceituoso com que Angela Merkel se refere, sistematicamente, à leviandade orçamental da Europa do Sul. É caso para perguntar, aliás, se a chanceler também está a pensar na Alemanha quando se refere à necessidade de obrigar os países infractores a abdicar «de parte das suas capacidades e soberania a fim de uma instituição europeia poder declarar que quem não respeitar os tratados deve ser obrigado a fazê-lo».

Mas esta diferença suscita uma outra interrogação. Por que razão os mercados financeiros, perante valores idênticos do peso da dívida no PIB, estabelecem a notação da Grécia como «lixo» e continuam a atribuir classificações máximas à Alemanha? Colocando de lado a voragem especulativa dos mercados, a resposta é simples e aponta para as diferentes expectativas quanto à capacidade que as duas economias revelam para pagar as respectivas dívidas. O que deveria conduzir a uma conclusão igualmente simples: sem crescimento económico (suportado pelo investimento e pelo consumo) não é expectável que um país possa cumprir os seus compromissos com a dívida externa. E muito menos quando a sangria austeritária compromete drasticamente qualquer possibilidade de relançamento da economia.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Richard Koo sabe do que fala


Claro que o Congresso comprometeu-se recentemente a cortar o nosso défice em $2.5 biliões como parte do acordo para evitar o incumprimento.

É bom que o Congresso tenha conseguido evitar o incumprimento. Mas eles deviam ter presente que o défice do Japão de facto aumentou quando o governo tentou cortar na despesa enquanto o sector privado estava a pagar as suas dívidas. O corte causou uma segunda recessão.

Pense na Grande Depressão; foi a despesa com a guerra que finalmente fez emergir a economia.
O governo japonês não gastou o suficiente no início dos anos 90 e arrastou o problema por mais dez anos. Se os EUA evitarem esse erro, talvez em dois anos saiam desta confusão.

(Toda a entrevista aqui)

Monstro?

Olhem para o gráfico (via Palmira F. Silva). Portugal (azul) está abaixo da média da OCDE (vermelho) em termos de percentagem de funcionários públicos na população activa. Já os países escandinavos – Noruega, Finlândia, Suécia, Dinamarca – têm de ser o inferno na terra porque o “Estado gordo” é sempre mau e a sua redução é sempre boa, segundo o “pensamento” infantil que ainda domina o país. Nós estamos cada vez melhor: abaixo da média e com reduções de funcionários sem parar. Enfim, aconselho a leitura deste artigo de Vicenç Navarro: defende-se precisamente que a histórica fraqueza do Estado social nos países periféricos é uma das razões para as suas dificuldades.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O video que está a dar a volta ao mundo

Afirma Pereira


Afirma o Ministro Álvaro Santos Pereira, neste caso no contexto do Prós e Contras de ontem, que não tem “a menor dúvida que vamos alcançar o sucesso”. Santa confiança nas virtudes redentoras da miséria e do sofrimento, sobretudo quando tocam aos outros. É que o Ministro, que até é alguém que tem demonstrado interesse na evidência histórica, teria bons motivos para ter mais dúvidas.

Portugal não é o primeiro país a estar sujeito a um programa de ajustamento estrutural, caracterizado pela combinação “compressão salarial + privatizações + redução da despesa pública + deterioração dos direitos dos trabalhadores” no contexto de uma crise da dívida. No fundo, tudo aquilo a que A.S. Pereira chama “tornar o país mais amigo do investimento”. Não é o primeiro, porque têm sido às centenas, e em dezenas de países, as intervenções do FMI neste sentido ao longo das últimas décadas. Com a diferença que, em geral, estas experiências prévias previam também fortes desvalorizações cambiais a fim de aumentar a procura externa – algo que, no contexto presente, está, até ver, vedado, exigindo que todo o fardo de uma hipotética recuperação da competitividade recaia sobre a ‘desvalorização interna’ (leia-se redução dos salários directos e indirectos).

Ora, sendo assim, o que nos diz então a evidência histórica acerca do desempenho das economias sujeitas a este tipo de intervenção? Nem vou referir-me aos estudos de perigosas organizações radicais como a UNICEF, que apontam para aumentos consistentes dos níveis de mortalidade infantil e desnutrição nos países sujeitos a programas de ajustamento estrutural. Não. Vou limitar-me a apontar, por exemplo, estudos como este e este, que avaliam os programas nos seus próprios termos e revelam, basicamente, que o efeito da austeridade sobre o crescimento é negativo no curto prazo e nulo no longo prazo. Agora, o que estes estudos revelam também é que, de forma consistente e muito significativa, a parte dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional sofre uma forte redução face à parte dos rendimentos do capital, como consequência directa das políticas da austeridade e do medo. Ou seja, se se sabe alguma coisa das experiências históricas de austeridade e ajustamento estrutural é que não conduzem ao crescimento, não conduzem ao aumento do investimento, mas conduzem à deterioração da situação social e dos indicadores básicos, ao mesmo tempo que as elites detentoras do capital reforçam a sua capacidade de capturar o valor gerado na economia.

Talvez isto permita compreender melhor o Ministro quando diz que não tem dúvidas que vão alcançar o sucesso...

Somos todos gregos

Governo assume recessão “à volta” de 2,5% em 2012. A volta é sempre para baixo: a recessão aprofunda-se devido à intensificação e generalização da austeridade com escala nacional e internacional. Até a direita mais pacóvia já descobriu que não estamos sós, que os nossos problemas não podem ser compreendidos sem ter em atenção o contexto internacional, em geral, e o europeu, em particular. Pergunta para Moedas: onde está a consolidação orçamental expansionista, a tal confiança empresarial gerada pelos cortes na dita gordura e pelas privatizações sem fim?

Variedades de keynesianismo?

Entre os economistas políticos críticos, o conceito de “keynesianismo privatizado”, forjado, julgo, por Colin Crouch, tem vindo a ser usado para descrever o modelo de propulsão da procura privada pelo crédito, compensando a estagnação salarial duradoura, antes da crise e as respostas depois da crise, com o aumento dos défices, fruto da recessão e estagnação e da operação de salvação dos bancos, como refere Riccardo Bellofiore, co-autor de um outro artigo mais desenvolvido e que ajuda a compreender bem a crise europeia. Trata-se com esta expressão de distinguir um keynesianismo virtuoso, associado ao controlo político da finança e ao uso dos défices em situações de crise para promover e orientar a procura para fins social e ecologicamente desejáveis, geradores de emprego, e um “keynesianismo” que exprime a captura do Estado pelo capital financeiro, reduzindo-o a um bombeiro que socializa custos e privatiza lucros. Precisamos de uma expressão para este último fenómeno, mas duvido que keynesianismo, ainda que privatizado, seja a mais rigorosa e politicamente adequada.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Ficar ou sair?

(…) o PIB real denominado em euros diminuirá progressivamente num total de 30%, quer a Grécia saia ou não da Zona Euro. Dado que a divisa está sobreavaliada em termos reais em pelo menos 30% (o aumento do custo unitário do trabalho foi aumentando durante a última década na medida em que os salários subiram mais que a produtividade), os apoiantes da dor e da austeridade para a Grécia estão plenamente de acordo que tal depreciação real é necessária para restaurar a competitividade, embora achem que tal depreciação real deve acontecer via “desvalorização interna” – isto é, uma quebra acumulada de 30% nos salários e preços no decurso de alguns anos – em vez de ocorrer através da depreciação nominal de uma nova divisa.

(…) a questão é saber se tal resultado deve ser alcançado ao longo de cinco ou dez anos através de uma recessão cada vez mais profunda e uma depressão desencadeada por uma enorme deflação, ou se deve ser alcançada através de uma rápida saída do euro. Esta segunda opção – a saída – tem a vantagem de o crescimento económico ser retomado de imediato. A primeira – deflação depressiva – conduzirá a mais cinco a dez anos de recessão social e politicamente desestabilizadora. Portanto, dado que o resultado que se pretende – menor PIB medido em paridade de poder de compra – é o mesmo, uma trajectória que restaura o crescimento e cria emprego e rendimento no curto prazo é largamente preferível a uma década de depressão que pode gerar enorme instabilidade social e política.

Nouriel Roubini (Economic Research)

O que se diz?

[L]embrou os resultados eleitorais de 5 Junho - o facto de 80% dos votos e 85% dos deputados apoiarem o memorando de entendimento - e citou uma sondagem do German Marshall Fund, na qual os portugueses surgem como os que mais apoiam cortes na despesa pública. 'Um elemento central do programa’ de ajustamento', sublinhou (…) O ministro não disse, contudo, que, segundo a mesma sondagem, os portugueses são também dos mais pessimistas sobre o impacto do euro na economia, estando entre os que se sentem ‘pessoalmente’ mais afectados pela crise. O momento de realização da sondagem também faz temer pela sustentabilidade do apoio nacional ao programa de ajustamento.

Vale a pena ler a análise de uma das dimensões cruciais da economia política da austeridade, por Rui Peres Jorge. O Ministro das Finanças é um crente nos programas do chamado Consenso de Washington, feito de privatização, desregulamentação e redução dos direitos laborais e sociais, que é um dos exemplos de economia zumbi: fracassou totalmente nas áreas do “Sul Global” onde foi aplicado e foi aí enterrado por governos progressistas, apenas para renascer em Bruxelas-Frankfurt e ser aplicado nas periferias europeias por governos subalternos. Fracassou porque gerou polarização social, destruiu capacidade económica, aumentando o desemprego, e sabotou as capacidades dos Estados. Olhem para a Argentina antes de Kirchner, por exemplo. De resto, estes programas ditos de ajustamento são tão anti-populares nos seus efeitos que tendem a gerar, mais tarde ou mais cedo, contra-movimentos realistas de protecção contra a devastação socioeconómica gerada. Só nas utopias de crentes como Gaspar é que esta destruição pode ser regeneradora. Por isso é que não se pode “temer” o colapso do apoio ao programa da troika, infeliz expressão, mas antes desejá-lo, fomentá-lo e acelerá-lo, o que também se faz pela apresentação de alternativas globais consistentes. Muitos cidadãos estão a começar a descobrir que foram enganados pela retórica das “gorduras”. Será que a educação, a saúde, a segurança social e outros serviços públicos são gorduras? A ligação entre este impopular euro, que nunca funcionou para nós, e a austeridade recessiva também ficará cada vez mais clara, bem como as duas saídas consistentes e que têm de ser politicamente articuladas: federalismo democrático ou fim do euro.

domingo, 25 de setembro de 2011

Há quem tenha medo que o medo acabe


Intervenção de Mia Couto nas Conferências do Estoril 2011, no Painel «Ameaças Globais - Desafios para a Segurança Humana» (via Paulo Granjo, no Cinco Dias).

sábado, 24 de setembro de 2011

Crónica de um fracasso anunciado

«Importa perceber que o nosso endividamento externo, e o de outros países da periferia da zona euro, foram alimentados pelo crédito concedido pelos países mais competitivos do centro e norte da Europa. Sem moeda própria, integrado numa zona monetária formatada pela doutrina neoliberal mais fundamentalista, Portugal deixou de ter condições institucionais para executar políticas favoráveis ao seu desenvolvimento. Uma década de crescimento anémico dentro da zona euro conduziu o País a uma situação de endividamento externo grave. Hoje estamos sujeitos às políticas tradicionalmente impostas pelo FMI aos países endividados. (...) Olhando para o definhamento da nossa economia, o rápido empobrecimento de muitos milhares de famílias, e a emigração dos jovens mais qualificados, os Portugueses começam a tomar consciência de que o País não vai resolver o problema do endividamento e vai ter de recorrer a um segundo pacote financeiro. Para muitos, começa a ficar claro que os sacrifícios exigidos ao povo não só são injustos mas também são absolutamente inúteis. Chegou a hora de exigir à classe política que não se esconda em meias palavras.»

Do comunicado recentemente difundido pelo movimento Convergência e Alternativa.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Perguntar ajuda?

Schaeuble admite revisão dos termos na nova ajuda à Grécia. Quanto é que o PIB tem de quebrar? Quanto é que a taxa de desemprego tem de aumentar? Quantas empresas têm de ser vendidas a preso de saldo? E as pensões ou os salários? Quantos mais cortes? Qual é o nível de empobrecimento e de desespero? Eu sei que isto já é batido, mas insisto porque a fabricação de um consenso medíocre não pode deixar de ser combatida: qual é o grau de destruição socioeconómica que convencerá os jornalistas deste país a deixar de usar o termo ajuda para caracterizar o que se passa na Grécia ou nas restantes periferias?

A trivialização do desespero

Há uma página particularmente perturbadora no Público de quarta-feira passada. É a página do artigo assinado por Isabel Arriaga e Cunha, sobre as conversações entre a troika e o governo grego. Em causa está o acordo sobre medidas adicionais de austeridade (orçadas em 4 mil milhões de euros), necessárias à aprovação de uma tranche de 8 mil milhões de euros, aprovada em Maio de 2010.

Embora constitua mais uma evidência dos resultados contraproducentes da sangria austeritária, não é o artigo em si que perturba de forma particular. Nem é, sequer, o facto de vir acompanhado pela foto que o ladeia. Essa foto - pelo que é e representa - será sempre terrível, quando e onde quer que seja publicada. O que é particularmente perturbador - ou melhor, acrescidamente perturbador - é a legenda escolhida: «Protestos voltaram há vários dias às ruas de Atenas». Isto é, o texto escolhido para entitular a foto em que um homem se imola pelo fogo assume essa precisa imagem como ilustração «normal» (corrente, comum), do regresso dos protestos às ruas de Atenas.

Presumo, sem dificuldade, que o título escolhido não pretenda «normalizar» esta forma limite de protesto (ilustrando-a como se poderiam ilustrar outras formas, comuns, de protesto). Mas nem por isso a relação entre a fotografia e a legenda deixa de ser menos perturbadora. Ela mostra, porventura, uma das faces mais sinistras da vertigem austeritária: o ajustar progressivo do que é tolerável para níveis crescentemente indignos e imorais; a resignação que desce, um a um, os degraus do fosso dos retrocessos sociais que a austeridade cava consecutivamente.

(Sobre a destruição do tecido económico local e a deterioração das condições de vida em Atenas, resultante das ondas do choque austeritário, vale a pena ler este testemunho de um jurista de Viena, que há cerca de ano e meio vive num apartamento da capital grega).

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Pode um povo ser condenado pelas loucuras do seu soberano? (uma carta do continente para o povo da Madeira)


O soberano da Madeira conseguiu pôr muitos continentais e se calhar muitos açorianos a pensar como a Srª Merkel: os madeirenses devem ser postos a pão e água para pagar a dívida. Antes disso a Srª Merkel já tinha conseguido convencer os alemães de que os gregos, os irlandeses e os portugueses deviam ser postos a pão e água.

Há qualquer coisa de profundamente errado com a ideia de um povo dever ser condenado pelas loucuras do seu soberano, mesmo quando este soberano é eleito pelo povo.

O soberano português estava louco, como todos sabemos agora, quando quis o Euro nestas condições e soltou o ‘porreiro pá’ na assinatura do Tratado de Lisboa. Entramos depois disso, por isso e não só, em acentuada derrapagem e estagnação. Devemos todos expiar essa loucura do soberano como se fosse um pecado nosso?

Foi errado condenar o povo alemão a pão e água no final da primeira guerra mundial e errado seria tê-lo feito depois da segunda. É errado querer arrasar a Grécia, Portugal e a Irlanda. Da mesma forma é errado querer fazer pagar os madeirenses.

Porquê? Em primeiro lugar porque é completamente inútil. Prender o endividado não o ajuda a pagar a dívida. Não é bom nem para os credores. Em segundo lugar, porque é imoral: é uma condenação colectiva. Se não vêm o meu ponto, pergunto: e os que estavam contra o Euro e o Tratado de Lisboa, também devem pagar? E os madeirenses que resistiram a Jardim, sofrendo muitas vezes as consequências? E a criança que não vota, para não falar já na que vai nascer amanhã?

E se calhar o PSD ganha outra vez na Madeira, como ganhou em todo o país apesar de também ter participado nas loucuras… Pois é, mas isso significa que é preciso impedir o PSD de repetir a experiência na Madeira, ganhe ou não ganhe as eleições.

É preciso sobretudo auditar ao centavo as contas para determinar de que forma, além das obras, foram gastos os recursos. Parece-me que ninguém, incluindo a parte do povo da Madeira disposta a votar de novo no PSD, sabe da missa a metade.

Pensar o nosso futuro pós-euro



Os economistas que dominam a opinião nos telejornais sabem muito bem que a austeridade inscrita no Memorando é recessiva. Contudo, preferem passar ao lado deste efeito perverso e apregoam as virtudes de uma imaginária "austeridade expansionista": sacrifícios inevitáveis por agora, mas uma economia a crescer sustentadamente daqui a uns anos. Por muito que insistam, a verdade é que esta política económica é uma fraude: além de não ter fundamento teórico credível, não há registo de que alguma vez tenha ocorrido sem o apoio da desvalorização cambial(1). É apenas ideologia neoliberal.

Da minha coluna no jornal i.

Lições heterodoxas

Leiam a vingança do anarquista, por Rui Tavares. A Bélgica está governo? “Sem governo, nos tempos que correm, significa sem austeridade. Não há ninguém para implementar cortes na Bélgica, pois o governo de gestão não o pode fazer. Logo, o orçamento de há dois anos continua a aplicar-se automaticamente, o que dá uma almofada de ar à economia belga.”

Rumemos mais para norte guiados pelas crónicas de um historiador atento à realidade económica internacional: “O resultado é que a Islândia, onde os bancos tinham estourado dez vezes a economia do país, o desemprego decuplicado e a moeda caído sessenta por cento, conseguiu dar a volta à crise com um mínimo de injustiça – e sair por cima.”

É claro que a desvalorização cambial e o controlo de capitais ajudam muito a Islândia a enfrentar os seus problemas. Não se esqueçam que nós também tínhamos estes dois instrumentos aquando da última visita do FMI na década de oitenta, o que também ajudou a explicar a rapidez com que nos livrámos da sua tutela.

Duas lições: a austeridade, neste contexto, não funciona porque transforma os governos no problema; a desvalorização cambial é bem preferível a esta economia política da deflação salarial, necessariamente com muito desemprego misturado com muito esforço para mudar as regras que estruturam as relações laborais, dando mais direitos a patrões, o que só aumenta o abuso e a desigualdade.

A questão central não vai desaparecer: Portugal está amarrado a um euro que é, na ausência de profunda reconfiguração institucional, uma cruz para a maioria dos trabalhadores e para uma facção não negligenciável, ainda que politicamente subalterna, do capital produtivo. Esta última facção pode ter a ilusão de ganhar alguma coisa com trabalhadores mais “disciplinados”, mas perde bastante mais onde, como até o Banco de Portugal reconhece, tudo se decide: no crédito e sobretudo na procura…

“É preciso parar com a austeridade”

Há um ponto em que até uma Câmara de Comércio e Indústria entende: “parem com a austeridade, encontrem meios de estimular a economia”. Quanto tempo falta para esse momento chegar em Portugal? Pouco.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Passos para novas oportunidades?


Luís Filipe Pereira, qual pêndulo, tem oscilado entre o grupo Mello e outros cargos políticos, sim que a política não pára à porta do grande grupo empresarial, tendo sido, por exemplo, Ministro da Saúde. Não me surpreende nada que tenha escrito esta semana um artigo no Negócios significativamente intitulado “a oportunidade no corte das despesas do Estado”, defendendo, entre outras predações, a multiplicação de “contratualizações” na área da saúde, ou seja, dinheiros públicos a financiar provisão privada, o que também envolverá renovadas entregas de hospitais públicos à gestão privada, na linha da experiência de gestão do hospital Amadora-Sintra pelo grupo Mello, que acabou como se sabe.

O seu ponto de partida é o argumento estafado e rebatido de que o Estado “absorve” 50% da riqueza do país. Uma parte das “absorções” são todas as prestações sociais com uma componente redistributiva. Outra parte, por exemplo, é criação de riqueza e de emprego, cujo pagamento é socializado através dos impostos, fazendo ainda menos sentido dizer que o Estado vive à custa do resto da economia do que dizer que qualquer empresa privada vive à custa do resto da economia, “absorvendo” riqueza, até porque o Estado “constitui” a economia capitalista privada, garantindo, pior ou melhor, os seus fundamentos legais e institucionais. A escola pública ou o serviço nacional de saúde, entre outros, são serviços públicos com valor, claro, tendo uma maior capacidade para combinar eficiência e igualdade do que a provisão privada.

Conhecemos bem a lógica geral de um certo tipo de estratégia empresarial: lucro garantido à custa do Estado e dos utentes, captura de recursos públicos, desperdício lucrativo. É toda uma cada vez mais transparente economia política que assim se reforça. Uma economia política onde os grupos económicos têm muito poucos incentivos para dar mais peso às suas EFACEC, aos bens transaccionáveis para exportação, e demasiados para se concentrarem nas auto-estradas, nas parcerias, nas rendas. Como temos repetido, a mensagem para estes grupos económicos deve ser só uma: ide trabalhar para os bens transaccionáveis para exportação e deixem os serviços públicos em paz, malandros…

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Dicionário actualizado

«Falhar não é opção, falhar não existe no dicionário do governo», assegurava no início de Agosto o ministro Álvaro Santos Pereira, numa genuina profissão de fé na via austeritária. Mas hoje, na entrevista à RTP, Passos Coelho revela, em duas passagens, estar consciente de que trilha o caminho que conduz ao abismo: quando admite que, daqui a quatro anos, as contas podem estar equilibradas mas a economia de rastos; e quando reconhece a possibilidade de vir a ser necessário um reforço da «ajuda» financeira externa.

A palavra «falhar» começou portanto, oficialmente, a fazer parte do dicionário do governo, ocupando talvez o espaço até aqui reservado à promessa de «conciliar austeridade com crescimento económico». Aliás, a entrevista sintetiza-se em cinquenta minutos de equilíbrio orçamental, a despesas e receitas, a cortes e impostos, sem lugar para uma referência digna à «estratégia do governo para o emprego e o relançamento da economia», outra expressão que - definitivamente - não consta do seu dicionário.

Lançamento


Em 2010, Portugal era o terceiro país da União Europeia com maior índice de precariedade laboral. Cerca de 23,2% dos trabalhadores por conta de outrem estavam ligados à sua entidade patronal por um contrato a termo ou por outro tipo de vínculo precário. Ao longo deste livro focam-se diversos casos que reflectem uma realidade que se impôs progressivamente nas mais diversas esferas laborais, da fábrica ao call center, do trabalho doméstico aos centros comerciais. Mais do que um mero reflexo de uma «batalha entre gerações», apresentamos aqui um conjunto de investigações que procuram interpretar o fenómeno da precariedade no quadro da evolução das relações de trabalho no nosso país.

Um livro, organizado por José Nuno Matos, Nuno Domingos e Rahul Kumar, que reflecte bem a atenção que tem sido dada a este crucial tema no Le Monde diplomatique - edição portuguesa.

Tiro-lhe o chapéu


Há um escrito do João Galamba no Jugular , já com alguns dias, que não deve passar sem a devida chamada de atenção. Além do mais contém uma interessante inconfidência que nos proporciona um vislumbre do que é a mente de um funcionário do BCE.

Realismo

O realismo é uma coisa muito bonita, seja à esquerda, seja à direita, sobretudo perante a desgraçada “eurite” nacional, apropriada designação cunhada por Luciano Amaral para descrever criticamente a miopia das elites políticas e intelectuais governamentais, mas também de uma grande parte da paralisada oposição de esquerda. Recupero então o seu artigo no Económico. Não é todos os dias que se vê uma ruptura tão clara, em particular na direita dita liberal, com a moralista sabedoria convencional em matéria de integração europeia e de austeridade.

Entretanto, o economista político Costas Lapavitsas, um dos principais dinamizadores do presciente Research on Money and Finance, publicou mais um artigo no The Guardian –“Grécia tem de entrar em incumprimento e sair do euro: o debate real é como”: “Incumprimento e saída causariam instabilidade a nível internacional. A dívida grega pode não ser suficientemente importante para ameaçar directamente os bancos europeus, mas o sistema bancário mundial está fragilizado. Uma acção grega perturbaria os mercados secundários da dívida soberana, gerando uma crise de grande amplitude. No entanto, as instituições europeias só podem culpar-se a si mesmas porque as suas políticas estão a fazer com que a Grécia saia da Zona Euro.”

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O novo paradigma do Dr. Medina Carreira


O Dr. Medina Carreira voltou noutro canal. Um longo tempo de antena, sem contraditório. Na primeira parte nada de novo: sangue, suor e lágrimas sem saída como dantes. Pelo meio a mesma crítica fácil ao que ele pensa ser o keynesianismo: não funciona em economia aberta [o que é interessante porque significa que pode ser verdadeiro num mundo que até ver é uma economia fechada].

Mas, na segunda parte uma descoberta extraordinária. Uma coisa – diz o Dr. Medina Carreira - “de que ninguém fala”: a globalização, a mobilidade dos capitais e a consequente desindustrialização e decadência do ‘Ocidente’. Contra isso tudo ouvi-o mesmo proferir a palavra tabu - ‘proteccionismo’.

Satisfação com esta evolução anti-liberal do Dr. Medina Carreira? Pelo contrário. A mistura de austeridade e de anti-liberalismo não anuncia nada de bom.

Há causas estruturais para a crise

"A Alemanha, em particular, necessita de reconhecer que, se as outras nações europeias vão pedir menos emprestado, vai ter que emprestar menos, e, como mostra a aritmética, tal significará um excedente comercial mais pequeno."

Lawrence Summers no FT.

Eu acrescento que isso significa maior investimento interno e salários mais elevados para os trabalhadores alemães.

Diz-me onde não cortas dir-te-ei o que está a passar-te pela cabeça

Em tempos de cortes a torto e a direito (‘transversais’) pode ser mais revelador olhar para o que não se corta do que para aquilo que é cortado. O governo diz que não cortar na ‘segurança’ é estratégico para o país. Evoca-se o turismo e a vulnerabilidade dos mais fracos.

Mas será mesmo isto? Ou pelo contrário, há uma fina pelica ‘democrática’ que está já a abrir fendas para deixar ver o que na realidade sempre esteve lá dentro?

Bater a concorrência

Os Ladrões de Bicicletas ganharam a "caixa" ao Financial Times.

domingo, 18 de setembro de 2011

Planos

A integração europeia não teria arrancado como arrancou sem o empurrão imperial dos EUA no pós-guerra, decisivo sob todos os pontos de vista. Agora a desintegração europeia não será evitada se não se seguir o conselho norte-americano: “O secretário norte-americano do Tesouro, Timothy Geithner, exortou hoje os ministros das Finanças da Zona Euro a darem mais estímulos à região”. O míope centro europeu, que pode contar com periferias subalternas, recusou a sugestão de um governo norte-americano que quer tudo menos a desintegração europeia, obra da austeridade, claro. Continuaremos sem um mecanismo político decente de reciclagem dos excedentes dentro da Zona Euro, não se vislumbrando por aí qualquer plano Marshall...

À procura de futuro


Aproxima-se a data da Conferência “Economia Portuguesa: uma Economia com Futuro” (Lisboa, 30 Setembro 2011, 9.00 horas, Auditório 2, Fundação Gulbenkian).

Como se pode ler no sítio onde se encontram todas as informações: “A Conferência é promovida pela rede Economia com Futuro - uma rede de investigadores e professores de economia e de outras ciências sociais que procuram contribuir para a renovação do pensamento e discurso económicos, para a melhoria do conhecimento sobre a economia portuguesa e dos seus problemas e para a participação na descoberta de soluções com futuro em diálogo no espaço público”.

O programa está aqui. E a inscrição (gratuita) aqui.

sábado, 17 de setembro de 2011

Saída grega?

No último post aludi ao destino grego, a obra da austeridade europeia: 7% de quebra do PIB, taxa de desemprego superior a 16%, défice, a tal variável endógena, que não pára de aumentar, o mesmo naturalmente se passando com a dívida. Entretanto, mão amiga fez-me chegar um estudo de Nouriel Roubini pelo qual teria de pagar para ler, um economista próximo da linha FMI, mas que até tem tido surpreendentes formulações e que encara de frente um debate inadiável. Sublinho alguns dos principais pontos.

Em primeiro lugar, Roubini denuncia as engenharias financeiras que estão sendo preparadas para supostamente aliviar o fardo da dívida grega, mas que, na realidade, apenas protegem os credores privados, socializando, através das instituições europeias, as futuras perdas de uma reestruturação grega e transferindo a dívida pública grega do quadro legal nacional para o internacional, o que vulnerabiliza o Estado grego em futuras disputas. A dívida é tipicamente emitida na moeda com curso legal no país...

Em segundo lugar, e partindo de cálculos que apontam para a indispensabilidade de a Grécia ter um alívio do fardo da sua dívida da ordem dos 50%, Roubini defende que o Estado grego use a ameaça do incumprimento para forçar uma solução europeia decente que implique um alívio dessa ordem. No entanto, mesmo que isso seja alcançado, o problema económico grego não ficaria resolvido porque a sua inserção externa permaneceria intocada e disfuncional e a austeridade europeia não desapareceria. Esta é a hipótese crucial.

Aqui chegados, e em terceiro lugar, Roubini defende a saída do euro, como alternativa ao cenário de austeridade sem ajustamento cambial. Esse cenário europeu implicará uma década de intenso retrocesso económico e social, num cenário como o argentino até Dezembro de 2001. A partir daí, a Argentina abandonou a paridade fixa com o dólar, reestruturou a sua dívida, desvalorizou a sua moeda e começou a crescer rapidamente, mesmo tendo um peso das exportações inferior ao grego, conseguindo melhorias substanciais nas condições de vida.

Em quarto lugar, Roubini defende o óbvio: em caso de saída, todos os passivos e activos internos seriam denominados na nova moeda. As dívidas das pessoas, para compra da habitação, por exemplo, passariam para a nova moeda.

A desvalorização cambial teria repercussões negativas sobre o poder de compra dos salários ou das pensões, claro, mas este processo automático, digamos, parece preferível aos cortes nos salários que estão a ser promovidos pela troika, até porque é mais rápido e mais facilmente reversível. Uma nota de rodapé minha: em regime de capitalismo essencialmente descoordenado, o corte de salários só se consegue através da pressão do desemprego de massas duradouro, da desregulamentação acrescida das relações laborais, da destruição do que resta da negociação colectiva e do medo adicional na economia que também se consegue com o despedimento mais fácil e barato. Este é um processo deflacionário lento e com encadeamentos económicos perversos, sobretudo estando as famílias tão endividadas, que deixa um lastro duradouro na economia política de um país, alterando estruturalmente correlações de forças sociais. É o plano da troika para as periferias, já o sabemos.

E a dívida externa? Roubini, traçando um paralelismo com a Argentina, defende a sua renegociação. É evidente que para almofadar a transição, terão de ser instituídos controlos de capitais e o sistema financeiro terá de ser alvo de controlo político apertado. As dificuldades das finanças públicas seriam atenuadas pela recuperação da soberania monetária e pela articulação entre o “Tesouro” e o Banco Central, a capacidade de financiar monetariamente o Estado com conta, peso e medida.

De resto, e em último lugar, Roubini, acha que se os restantes países da Zona Euro e as instituições financeiras internacionais tiverem juízo, a saída grega será financeiramente suportada, ao contrário do que aconteceu na Argentina, a quem o FMI tirou o tapete, o que não impediu a recuperação, mas impôs alguns custos de transição adicionais.

Com o tempo a passar, a economia grega a colapsar e sem solução europeia à vista, já aqui tantas vezes defendida, este impossível cenário de saída, com muitos riscos políticos, que é o que a mim mais me preocupa, tornar-se-á inevitável.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O capital da troika

A austeridade fracassou. O que propõe a troika? Austeridade reforçada, mas com a redução dos juros cobrados para tentar aliviar a pressão financeira. Tenta-se desta última forma evitar o destino grego, ao mesmo tempo que se insiste na economia de austeridade que o torna cada dia mais provável. No meio desta flagrante contradição, o “acordo” com a troika, tão celebrado na altura pela brigada do reumático em que se transformou a “elite” económica, política e intelectual nacional dominante, já não vale o papel em que está escrito, não pode comprometer ninguém passado menos de meio ano da sua assinatura, tantas foram as mudanças.

No fundo, confirma-se que pouco se aprendeu com todos os fracassos dos programas de ajustamento estrutural no “Sul global”. Estamos perante instituições que foram desenhadas para não aprenderem. CE, BCE e FMI são instituições políticas com muito poder, mas que prescindem da democracia e dos seus ingredientes – debate e escrutínio públicos, sociedade civil activa, participação e eleição. Por muito fragilizados que estejam, estes mecanismos, de base ainda essencialmente nacional, são a nossa melhor esperança para reconhecer e corrigir os erros colectivos e, elemento crucial deste processo, para que possam emergir e afirmar-se contrapoderes às facções do capital com escala internacional e com toda a influência nestas instituições.

Sem este elemento de economia política, não se compreende o sistemático enviesamento de classe das políticas que são prescritas pelas troikas: da pilhagem dos bens públicos através de ruinosos processos de privatização às políticas regressivas de concorrência internacional pela desvalorização directa e indirecta do trabalho, reduzido a um custo, e pela taxação cada vez mais baseada nos impostos sobre o consumo, os impostos que penalizam mais os que não podem deixar de consumir todo o seu cada dia mais parco rendimento. Os austeritários não precisam de estudos sérios para tomar decisões que afectam a economia política dos países. Precisam apenas de manter o seu poder, tarefa facilitada quando têm à sua frente um governo subalterno, formado por crentes ingénuos no romance de mercado ou por realistas testas de ferro do capitalismo internacional, um governo que exprime a extensão da crise da democracia, a extensão do seu esvaziamento pela ressurgência política de um certo tipo de capital nas duas últimas décadas.

Momento federador ou refundação da Europa?

Durão Barroso parece ter encontrado uma fórmula mágica para disfarçar - de tempos a tempos - a forma vegetativa, incapaz e sumbissa com que tem exercido o cargo de presidente da Comissão Europeia.

Há pouco mais de um mês anunciava - num momento de inspirada alucinação - um «novo plano Marshall» para a Europa. Como o Ricardo Paes Mamede aqui assinalou na altura, essa iniciativa «excepcionalmente ousada» resumia-se à antecipação de fundos comunitários já aprovados e à revisão pontual das taxas de comparticipação nacional. O que, em termos financeiros, corresponderia - na melhor das hipóteses - a um impacto duzentas vezes menor que o do verdadeiro plano Marshall, que Barroso tomou como referência.

Há dois dias, o presidente da Comissão Europeia tentou um truque de ilusionismo idêntico, ao apelar a um «novo momento federador» na Europa, capaz de resolver a crise do euro. Mas não explicou, concretamente, em que medida esse «impulso federativo» permitiria encarar os verdadeiros problemas que persistem. Entre eles, uma governação económica europeia disfuncional, a subjugação da política aos interesses e humores especulativos do capital financeiro, ou a imposição camuflada de agendas ideológicas liberais obsoletas (que estiveram de resto na génese da crise), através dos programas de «assistência financeira» aos países com défice excessivo. O reforço dos poderes dos órgãos comunitários (nomeadamente da própria Comissão) não é, de facto, um bem em si mesmo.

Barroso sabe que as coisas não estão a correr bem. E saberá até muito bem porque é que as coisas não estão a correr bem. Por isso, em vez de lançar efémeras cortinas de fumo, seria bom que assumisse com algum rasgo e coragem o lugar que ocupa. Reconhecer, por exemplo, que o fracasso do modelo de «cooperação intergovernamental» muito deve ao facto de se restringir - na prática - a uma cumplicidade (aliás pouco edificante) entre a França e a Alemanha, que impõem aos seus congéneres o rumo a seguir. Ou, perante a evidência cada vez mais indisfarçável do abismo a que a via austeritária está a conduzir a Europa, instar os estados-membros a um balanço sério sobre as opções de combate à crise adoptadas nos últimos dois anos. Ou ainda, num plano simbólico (mas relevante), dar o sinal de que comissários como Guenther Oettinger não podem continuar à frente dos destinos da União, nem sequer a meio-tempo.

Lição de Economia

Maria da Conceição Tavares é uma das mais destacadas economistas no Brasil. Por sinal, nascida e criada em Portugal... Vale a pena assistir a este breve vídeo, onde aconselha os jovens estudantes de Economia. Conselhos com pertinência adicional no nosso país, devido à crise intelectual e económica que atravessa.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Este Banco é de Portugal?

Carlos Costa garantiu ontem que, com ele à frente do Banco de Portugal, os bancos terão dinheiro público a entrar para a sua inevitável capitalização, já que a terceira fase da crise gerada pela austeridade acentua ainda mais a fragilidade financeira, mas sem que isso dê ao Estado qualquer direito de intervir na sua gestão, tentando assim não incomodar o poder accionista privado, permanecendo como espectador passivo no que conta, esconjurando o malvado “estatismo”. É capitalizar, garantir e calar porque o Estado tem de ser selectivamente passivo e activo, de acordo com as conveniências da facção mais poderosa do capital, o financeiro, a que Carlos Costa dá voz sem qualquer pudor. É tudo transparente porque esta gente sente-se com força política, apesar de ainda haver alguma insistência em ficções de mercado só para entreter distraídos ou para tentar justificar investimentos ideológicos anteriores. Falta só saber até quando é que a maioria dos cidadãos vai aceitar este confiante e organizado capitalismo de pilhagem.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Populismo económico

Silva Lopes deixa-se tentar, apesar da sua experiência, pelo moralismo das finanças públicas dominante: precisamos de penalizar os «políticos» que furem os objectivos orçamentais, retirando-lhes direitos por um período. Como se este fosse o problema. Por que é que não se fala antes das consequências danosas da privatização de muita actividade política, da sua captura por um certo poder económico, em especial o financeiro? Por que é que não se fala também da futura capitalização, à custa de todos, dos bancos sem qualquer controlo público associado? De resto, como Silva Lopes no fundo sabe, o essencial dos furos nas finanças públicas resultou da crise gerada pela finança de mercado e é aprofundado pelo círculo vicioso de uma austeridade que foi por si apoiada. O populismo só serve para desviar as atenções do grande problema que está à nossa frente, para distrair do desastre em curso e da ideologia que o está a gerar.

Como este artigo de três economistas pós-keynesianos alemães, baseado na abordagem dos balanços financeiros sectoriais, nos indica, a soma dos saldos dos sectores externo, público e privado, os três sectores em que se pode dividir uma economia, é sempre igual a zero e num contexto de crise, como a que se inicia em 2008, com o saldo do sector externo mais ou menos constante, é evidente que o esforço dos privados para reequilibrar os seus balanços, com cortes no consumo e no investimento, gerou inevitavelmente um aumento do défice público. Inevitavelmente. O défice é uma variável endógena, para usar a formulação de um Cavaco que decidiu, por uma vez, ser rigoroso. A estratégia oficial é agora a de corrigir apressadamente o saldo negativo do sector público, ao mesmo tempo que os privados continuarão a comprimir despesas, apostando tudo no milagre das exportações, que corrigiria o saldo externo desfavorável. Isto está condenado ao fracasso até porque os países não podem exportar para Marte. Algo vai ter de ceder: será também uma política democrática cada vez mais esvaziada, cada vez mais erodida pelo capital financeiro?

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Qi económico

Mudar

Yanis Varoufakis resume numa frase a bizarra abordagem convencional à crise na Grécia: “a economia grega, ou o que resta dela, deve ser arrasada para que possa ser salva da bancarrota”. Não resulta, claro, mas é a abordagem que também está ser seguida em Portugal, perante a passividade bovina das nossas elites, as que ainda designam por ajuda este crime económico. O que deve o governo grego fazer? Usar a arma dos fracos e declarar que, na ausência de uma solução decente para a espiral depressiva concebida entre Bruxelas e Frankfurt, todos os pagamentos aos credores terão de ser suspensos (entre pagar salários e pagar aos credores, não há como hesitar…), preparando assim uma reestruturação da dívida por sua iniciativa. Assim que um governo deixar de participar no bombardeamento económico do seu próprio povo, a crise muda de figura.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Para ir mais além

Operação Mais Além (O.M.A.) parece-me ser uma designação apropriada para a missão assumida pelo governo de Pedro Passos Coelho. O «mais além» resulta do empenho em ultrapassar os mandamentos da troika nos cortes, nas privatizações, nos impostos e nas taxas; o «operação» do tónus marcial imposto à sua execução − avançar, em passo de corrida, sem desfalecimentos, hesitações ou consideração da extensão dos danos colaterais.

A O.M.A. entra neste mês de Setembro numa fase vertiginosa que é enfrentada com entusiasmo pelos seus protagonistas. «Vamos fazer um corte na despesa histórico, de uma maneira que nunca foi feita desde 1950», afirmava há dias na televisão um extasiado ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, deixando o espectador a adivinhar o que pode haver de tão empolgante em cortes tão desproporcionados e sangrentos.

É evidente que se a O.M.A. fosse a simples operação de consolidação orçamental que diz ser, destinada apenas a dar confiança aos credores, não suscitaria nenhum entusiasmo. Deste ponto de vista, como todos sabemos, até o extasiado ministro, os seus resultados são bem mais do que incertos. O mais certo é sairmos dela mais pobres e ainda menos consolidados.

Mas acontece que a O.M.A. é sobretudo uma gigantesca «reforma estrutural» orientada para a desvalorização do trabalho, a privatização para lá de todos os limites, a erradicação da universalidade e da tendencial gratuitidade dos serviços públicos − a grande oportunidade de concretização de um programa político que é há muito desejado sem poder ser publicamente apresentado e sujeito a sufrágio.

A razão pela qual o programa implícito da O.M.A. não pode ser confessado é evidente: a maioria preza os valores do Estado Social e quer preservá-los. Este programa nunca seria sufragado em eleições democráticas, nem seria exequível em condições de normalidade democrática; a sua exequibilidade depende de circunstâncias excepcionais, de uma espécie de estado de excepção.

O estado de excepção, por enquanto apenas financeiro, está aí. Carpe diem. É agora. Daí o empolgamento.

O resto do artigo do José Maria no Le Monde diplomatique - edição portuguesa deste mês pode ser lido aqui.

À espera?

Almunia, o vice-presidente da Comissão Europeia, o fim da social-democracia personificado, declarou que não estava à espera desta última fase da crise. Se calhar não estava mesmo à espera, assim comprovando o poder das ficções alimentadas por tantos economistas. Andavam e andam por aí a dizer, e em Portugal num monólogo sem fim, que a austeridade “acalmaria” os mercados. Esqueceram-se que a política económica só faz sentido se controlar e disciplinar os mercados, afirmando o primado da política democrática, o primado do emprego e da protecção social, o primado do investimento público que gera confiança e que, na realidade, nunca se dinamizou e coordenou na escala relevante, a da moeda que se partilha, como defendemos neste manifesto há dois anos atrás.

Já que estou a falar de um ex-dirigente do neoliberalizado PSOE, aproveito para mencionar o post de Paul Krugman, baseado num trabalho de Paul De Grauwe a que já fiz referência, onde se retoma a esclarecedora comparação entre o Reino Unido e a Espanha num contexto de crise. Apesar de ter uma dívida pública superior, o primeiro país paga taxas de juro inferiores ao segundo porque se financia numa moeda que controla, não tendo sido reduzido ao estatuto de uma região. A austeridade é aí um puro produto ideológico: a articulação entre as Finanças e o Banco Central dá uma outra margem de manobra a um Reino Unido que também faz uso da arma da desvalorização cambial.

Já a Espanha, como as outras “regiões” em regime de “bancarrotocracia” do Euro, tem de se libertar desta prisão monetária, seja através da correcção da assimetria do Euro, com reforçado orçamento e fiscalidade comuns e uma parte da dívida pública emitida e garantida por um BCE com outras prioridades, as verdadeiras euro-obrigações suportadas por um verdadeiro Banco Central, seja através da recuperação da soberania monetária e de tudo o que se segue. Estes são os dois caminhos para se poder começar a superar a austeridade, a política de aprofundamento da crise, a política do capitalismo de pilhagem e da minoria que dele beneficia. Pelo meio uma parte da dívida pública, a começar pela Grécia, terá de ser reestruturada e as instituições financeiras atingidas terão de ser capitalizadas e, se forem privadas, nacionalizadas sem apelo nem agravo. É claro que o programa político das elites é tentar minimizar as perdas dos accionistas e dos credores, a aliança rentista hegemónica, à custa da maioria dos cidadãos, em especial das periferias, mantendo um sórdido e insustentável statu quo financeiro.

Qualquer uma das duas saídas conhecidas pressupõe governos com outro tipo de atitude, com uma consciência mínima dos interesses dos povos, o que só acontecerá com um recrudescimento das lutas sociais. Caso contrário, as elites políticas permanecerão paralisadas. Paralisadas pelo poder do capital financeiro que ajudaram a reconstruir depois da crise, paralisadas pelas ficções de mercado que continuam a dominar na Economia, em suma, paralisadas pelas ideias e pelos interesses. O défice é sobretudo político porque a economia é irremediavelmente política, ou seja, é sobre quem tem poder e sobre quem está exposto a esse poder.

Entretanto, recupero uma análise da ONU que, através da UNCTAD, decidiu começar a denunciar a economia política da austeridade:

“O argumento mais avançado para apoiar a contracção orçamental é a necessidade de restaurar a confiança dos mercados financeiros. Isto é percebido, geralmente, como a chave da recuperação económica. Contudo, é importante ter em conta que a crise foi gerada pelo comportamento irresponsável de actores privados nos mercados financeiros, e que isso exigiu intervenções públicas muito onerosas. Portanto, é surpreendente que um largo segmento da opinião pública e dos decisores políticos esteja, de novo, a colocar a sua confiança nessas instituições, incluindo as agências de notação financeira, acerca daquilo que constitui uma gestão macroeconómica correcta e finanças públicas sólidas.”

A mensagem tem de ser clara e ir ao cerne do problema: a austeridade, num contexto de um sistema financeiro intocado, levará a economia mundial para a recessão e destruirá a Zona Euro. Almunia e o resto das elites estarão à espera deste desfecho?

domingo, 11 de setembro de 2011

Onzes de Setembro



Duas das onze curtas-metragens do filme «11'09''01» de Alain Brigand (2002), que juntou onze realizadores de onze países, em onze perspectivas sobre o 11 de Setembro. As propostas de Ken Loach (Reino Unido) e Alejandro González Iñarritu (México).

Economia das pensões

Se há tema socioeconómico em que a economia do medo é mais intensa nos seus investimentos dramáticos é a segurança social, em geral, e as pensões, em particular. O objectivo do discurso catastrofista sobre a pensão pública deve ser claro e os interesses que dele beneficiam também: esfarelar o laço social, que tem no sistema público de repartição uma das suas mais importantes expressões e na confiança social dos trabalhadores assalariados o seu cimento, e substituí-lo por esquemas privados de capitalização, intrinsecamente regressivos e promotores de um ensimesmamento possessivo, mas potencialmente lucrativos para quem tem poder nos mercados financeiros liberalizados, cuja expansão é assim politicamente organizada. Perante o fracasso desta última instituição, perante a mediocridade de um regime macroeconómico assente na economia de casino, o discurso normativo sobre a bondade da capitalização é hoje muito mais problemático. Daí que só reste aos neoliberais um discurso determinista, assente em evoluções demográficas apresentadas como inelutáveis, que condenariam os sistemas públicos de repartição ao definhamento.

O contexto intelectual e político é, assim, ainda marcado por uma grande intoxicação da opinião pública, exposta à ciência oculta das previsões e vulnerabilizada por políticas públicas neoliberais que asseguram uma certa performatividade ao discurso catastrofista, criando a realidade, que este supostamente se limita a descrever, através, por exemplo, das reduções das contribuições para a Segurança Social, de reformas que reforçam o assistencialismo onde devia vigorar a solidariedade e, sobretudo, de politicas de austeridade que geram desemprego e definhamento da capacidade de produção. Neste contexto adverso, o livro da economista Maria Clara Murteira, Professora na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e estudiosa destes temas, é um muito bem-vindo contributo, sereno, informado e informativo sobre o tema das pensões, combinando factos e valores, judiciosamente entrelaçados e servidos por uma escrita escorreita e por uma estrutura clara. Inserindo-se na colecção da editora angelus novus, “o essencial sobre”, estamos perante um livro de divulgação que cumpre o objectivo da colecção e assim tem um efeito político da maior importância: imunizar eficientemente, já que é de um pequeno livro de bolso que se trata, os cidadãos contra a economia do medo, indicando através de uma argumentação rigorosa que são as escolhas sociais a determinar o futuro das pensões, ou seja, das regras de divisão da riqueza entre activos e reformados, mas também dentro de cada uma destas duas categorias. Qualquer que seja o regime de pensões é sempre sobre isto que estamos a falar, como a autora nos recorda frequentemente.

O resto da minha recensão pode ser lido no Le Monde diplomatique - edição portuguesa deste mês.

sábado, 10 de setembro de 2011

Está na hora de fazer o debate todo

Michel Husson publicou um artigo, traduzido pelo esquerda, em que procura superar um dilema potencialmente anulador da unidade popular e das convergências políticas necessárias para a criar – sair do euro ou apostar tudo numa “harmonização utópica” –, indicando como um debate aberto sobre estas questões, indispensável em Portugal, pode permitir fazer evoluir e afinar posições.

Husson parte de uma posição favorável a uma coordenação com escala europeia. Se for comparada com a posição aparentemente mais “soberanista” de um Jacques Sapir, que muitos de nós seguem com especial atenção, concluir-se-á que as divergências económicas, centradas na questão da importância da variável cambial e da capacidade de encontrar soluções decentes que a substituam numa Zona Euro atravessada por tão grandes desníveis de apetrechamento económico, podem ser, até certo ponto, politicamente conciliáveis. Conciliáveis em parte porque Sapir sabe bem o que a saída do euro implica em termos de transformação institucional profunda da economia para almofadar uma ruptura que surge como uma das alternativas ao impasse neoliberal europeu e às políticas recessivas. Isso leva-o a convergir com Husson, por exemplo, na questão dos controlos de capitais, da socialização do sector financeiro ou da reestruturação da dívida que são requeridas pela situação.

Tanto Husson como Sapir indicam-nos que uma melhor articulação nacional-europeia terá de partir da acção de governos nacionais progressistas, sozinhos ou em aliança com outros, que comecem por desafiar as regras europeias neoliberais, bloqueadoras do controlo do sector financeiro ou da política industrial, só para dar dois exemplos, e que estejam dispostos a ir até às últimas consequências nesse desafio porque, uma coisa é certa, não são possíveis políticas progressistas, políticas civilizadas, políticas de saída da crise, nesta configuração do euro, mesmo que Husson considere que já se ultrapassaram com facilidade obstáculos “formais” que há pouco tempo pareciam intransponíveis.


Ir até às últimas consequências é então aceitar a formulação de Husson e usá-la abertamente na intervenção política: “não se exclui um braço de ferro e usa-se a ameaça de saída do euro”, tal como aqui temos defendido e tal como Sapir defende, até porque na ausência de mudanças europeias relevantes, que aqui também tempos apontado, a saída do euro é o que resta a qualquer governo, periférico ou não. Mas continuemos a dar a palavra a Husson: “Este esquema reconhece que não se pode condicionar a implementação de uma ‘boa’ política à constituição de uma ‘boa’ Europa. As medidas de retaliação de qualquer espécie devem ser antecipadas por meio de medidas que, efectivamente, fazem apelo ao arsenal proteccionista. Mas não se trata de proteccionismo no sentido habitual do termo, porque este proteccionismo protege uma experiência de transformação social e não os interesses dos capitalistas de um dado país face à concorrência dos outros. É pois um proteccionismo de ampliação, cuja lógica é desaparecer a partir do momento em que as ‘boas’ medidas forem generalizadas.”

Tenho pelo menos duas questões prévias: interesses capitalistas internos, como sabemos, há muitos e as suas contradições estão mesmo muito longe de estar convenientemente exploradas do ponto de vista político; interesses capitalistas externos divergentes nem se fala: as economias têm desníveis de desenvolvimento e diferentes necessidades de recorrer à variável cambial para ajudar nas políticas de transformação estrutural. O capital não pode ser pensado, a um nível de abstracção relevante para as políticas públicas de transformação, como realidade homogénea num país e fora dele. Nenhuma estratégia ganhadora de governo progressista pode deixar de incorporar activamente sectores do empresariado industrial/produtivo/exportador que, ao contrário do que se possa pensar, não esgotou as suas capacidades. Os verdadeiros adversários políticos de um amplo bloco social transformador são o capital financeiro, os grandes grupos rentistas que com ele estão imbricados e os seus ideólogos, ou seja, os que vivem da “expropriação financeira” e da pilhagem de bens comuns e os que as legitimam à sombra de romances de mercado. Husson e todos os que querem construir uma aliança progressista “anti-liberal” devem ter isto em conta.

Entretanto, veja-se também a resolução do Partie de Gauche sobre o euro. Este partido integra, com o PCF, uma Front de Gauche que tem em Jean-Luc Mélenchon um candidato presidencial forte. As marcas deste debate francês, que a esquerda portuguesa que não desiste faria bem em transpor com toda a intensidade para a realidade nacional, estão aí bem patentes, assim como o necessário trabalho colectivo de reflexão, por exemplo, para pensar também em soluções intermédias de moeda comum, entre a moeda única e o regresso às moedas nacionais, para as quais Jacques Sapir tem igualmente chamado a atenção.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Pela independência do poder político democrático


Imagino que a primeira coisa que os governos italiano e espanhol fazem ao despertar seja consultar a página da Bloomberg respeitante à cotação e juros da dívida pública nos mercados secundários. As variações dependem agora de decisões e de intervenções discricionárias do Banco Central Europeu. Os juros estão a subir? Oh diabo, hoje o Trichet não está a comprar. Estão a descer? Menos mau, hoje o Trichet acordou bem disposto.

Como podem calcular esta situação dá ao presidente do Banco Central um enorme poder. Ele acha que o que é preciso é austeridade a torto e a direito. Não interessa se tem razão ou não. Com ou sem ela, ele tem nas mãos o poder suficiente para obrigar o governo e até os parlamentos italiano e espanhol a fazer precisamente o que ele acha que deve ser feito. Se não, passa dois dias sem comprar e os juros disparam.

Assistimos assim a uma extraordinária cambalhota. Quis-se, e conseguiu-se, que os administradores dos bancos centrais fossem independentes para pôr a política monetária a salvo de “políticos irresponsáveis”. Agora temos governos e parlamentos democraticamente eleitos inteiramente dependentes de decisões arbitrárias (e como temos visto, irresponsáveis) de burocratas inamovíveis e um tanto ou quanto dependentes, não dos governos, mas das dores da banca.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Acreditar até ao dia do juízo final?



Apesar de a maioria dos portugueses ainda acreditar que a austeridade é inevitável, entendo que um discurso de oposição ao governo deve insistir em dois pontos: a austeridade leva o país ao desastre; existe uma política alternativa defendida por economistas com elevada qualificação académica. Para executar esta política, precisamos de um governo que rompa com o Memorando, recupere a tutela do Banco de Portugal e ponha em execução um controlo eficaz do sistema financeiro. Recorrendo à monetarização da dívida, esse governo lançaria um programa de estímulo ao crescimento da economia e um programa de criação imediata de emprego em colaboração com autarquias, agências de desenvolvimento local e organizações de solidariedade social. Que fique claro: mesmo uma austeridade mais justa não serve.

Da minha coluna no jornal i

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Reescrever a História

Para quem se interessa pelo debate em torno do cheque ensino e dos modelos educativos assentes na concorrência entre escolas, o excelente post de Hugo Mendes no Jugular, «o "milagre sueco" não aconteceu», é de leitura imprescindível. Nele constam o gráfico que aqui se apresenta, relativo à evolução dos resultados escolares de Portugal e da Suécia na avaliação PISA (clicar para ampliar, embora as linhas de evolução sejam perceptíveis a olho nu) e a referência à recomendação de prudência de Per Thulberg, director geral da Agência Nacional Sueca para a Educação, dirigida sobretudo a quem toma fervorosamente esta iniciativa das free schools como o exemplo a seguir.

Respondia assim Thulberg a Michael Gove (actual ministro da Educação inglês que, em 2008, considerava que a Suécia apontava para o futuro desejável da política educativa em terras de sua majestade): «esta concorrência entre escolas, que foi uma das razões para introduzir as novas escolas, não conduziu a melhores resultados. A lição que retiramos é a de não ser fácil encontrar o caminho que assegure a melhoria contínua da educação. Os alunos destas novas escolas têm, em geral, melhores resultados, mas isso tem que ver com os pais e o contexto familiar. Eles provêm de famílias com elevados níveis de escolaridade». Na verdade, acrescenta Thulberg, «os alunos ingleses encontram-se melhor posicionados que os alunos suecos nas áreas da Matemática e do conhecimento científico».

Entre nós, seria bom que - numa próxima aparição em debates públicos - os defensores militantes do cheque ensino (como José Manuel Fernandes, Helena Matos, Henrique Monteiro e João Carlos Espada, entre outros) não mais pudessem perorar impunemente sobre os milagrosos efeitos da política de concorrência entre escolas - referindo-se ao caso da Suécia como um exemplo a seguir - sem serem confrontados com os factos que o Hugo Mendes assinala no seu post.

Aliás, vale a pena relacionar o mais recente texto de João Carlos Espada sobre este assunto (no Público de segunda-feira) com o artigo delirante da semana anterior («Impostos e criação de riqueza»), em que JCE tenta reescrever a história económica da segunda metade do século XX, rasurando por completo qualquer referência ao papel do Estado Providência e das políticas sociais públicas no esbatimento das desigualdades e no aumento generalizado dos níveis de bem-estar. Para Espada, «a riqueza da Europa e do Ocidente - que ainda hoje merece admiração no resto do mundo - não foi produto da redistribuição da riqueza dos ricos para os pobres através dos impostos. Foi produto da criação de riqueza num ambiente de liberdade económica, em regra associada a baixos impostos, justiça célere, e, sobretudo, à ausência de barreiras à entrada de novos competidores». O modelo social europeu, portanto, não existe nem nunca existiu. Notável, não é?

Voltaremos brevemente a este texto, em que a social-democracia é apagada da história europeia recente à boa moda estalinista. Por agora, vale a pena tomar nota de uma outra passagem do post de Hugo Mendes. Quando assinala que «não teremos aprendido nenhuma lição do que se passa na Suécia sem perceber que o seu modelo de educação está encastrado num país que tem dos níveis mais baixos de desigualdade socioeconómica e de pobreza infantil do mundo, que tem uma invejável rede de educação pré-escolar pública, e cujos adultos - isto é, os pais dos alunos de hoje, que foram formados no tal terrível modelo "socialista" do passado - colocavam a Suécia no topo dos rankings internacionais dos estudos sobre literacia de adultos na década de 1990 e no início desta».

Ring a bell, Professor Espada?