Se há tema socioeconómico em que a economia do medo é mais intensa nos seus investimentos dramáticos é a segurança social, em geral, e as pensões, em particular. O objectivo do discurso catastrofista sobre a pensão pública deve ser claro e os interesses que dele beneficiam também: esfarelar o laço social, que tem no sistema público de repartição uma das suas mais importantes expressões e na confiança social dos trabalhadores assalariados o seu cimento, e substituí-lo por esquemas privados de capitalização, intrinsecamente regressivos e promotores de um ensimesmamento possessivo, mas potencialmente lucrativos para quem tem poder nos mercados financeiros liberalizados, cuja expansão é assim politicamente organizada. Perante o fracasso desta última instituição, perante a mediocridade de um regime macroeconómico assente na economia de casino, o discurso normativo sobre a bondade da capitalização é hoje muito mais problemático. Daí que só reste aos neoliberais um discurso determinista, assente em evoluções demográficas apresentadas como inelutáveis, que condenariam os sistemas públicos de repartição ao definhamento.O contexto intelectual e político é, assim, ainda marcado por uma grande intoxicação da opinião pública, exposta à ciência oculta das previsões e vulnerabilizada por políticas públicas neoliberais que asseguram uma certa performatividade ao discurso catastrofista, criando a realidade, que este supostamente se limita a descrever, através, por exemplo, das reduções das contribuições para a Segurança Social, de reformas que reforçam o assistencialismo onde devia vigorar a solidariedade e, sobretudo, de politicas de austeridade que geram desemprego e definhamento da capacidade de produção. Neste contexto adverso, o livro da economista Maria Clara Murteira, Professora na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e estudiosa destes temas, é um muito bem-vindo contributo, sereno, informado e informativo sobre o tema das pensões, combinando factos e valores, judiciosamente entrelaçados e servidos por uma escrita escorreita e por uma estrutura clara. Inserindo-se na colecção da editora angelus novus, “o essencial sobre”, estamos perante um livro de divulgação que cumpre o objectivo da colecção e assim tem um efeito político da maior importância: imunizar eficientemente, já que é de um pequeno livro de bolso que se trata, os cidadãos contra a economia do medo, indicando através de uma argumentação rigorosa que são as escolhas sociais a determinar o futuro das pensões, ou seja, das regras de divisão da riqueza entre activos e reformados, mas também dentro de cada uma destas duas categorias. Qualquer que seja o regime de pensões é sempre sobre isto que estamos a falar, como a autora nos recorda frequentemente.
O resto da minha recensão pode ser lido no Le Monde diplomatique - edição portuguesa deste mês.

1 comentário:
Neo-Angelismo's pois
é o complexo messiânico
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