terça-feira, 30 de novembro de 2010

Como é que esta 'monstruosidade' acaba?

"É irónico (e hipócrita) que a Alemanha critique os seus vizinhos, como a Grécia, ou os seus parceiros comerciais, como os EUA, pelo seu ‘despesismo’, mas dependa destes países ‘viverem acima das suas possibilidades’ para gerar um excedente comercial que permite que o seu governo tenha défices orçamentais mais baixos. A Zona Euro como um todo tem uma balança corrente aproximadamente equilibrada com o resto do mundo. Assim, a eurolândia é um jogo de soma nula: o excedente na balança corrente de um país é compensado pelo défice do vizinho (...) O segredo sujo da União Monetária é que os principais concorrentes da Alemanha foram trancados na união a taxas de câmbio irremediavelmente pouco competitivas, acentuando o domínio exportador Alemão e o seu modelo egoísta e mercantilista (...) Toda a estrutura da União Monetária é uma confusão. Os membros da Zona Euro estão encurralados numa monstruosidade monetária, incluindo a Alemanha. A Alemanha pode ocupar a suite presidencial, mas é a suite de uma espelunca. A UEM foi concebida em circunstância profundamente anti-democráticas (...) pelo que não é justo alargar a acusação de hipocrisia à Alemanha como um todo. No entanto, o povo alemão foi muito mal servido por tecnocratas elitistas como Wolfgang Schauble. Como um dos arquitectos da UEM no governo Kohl, ele tem algumas responsabilidades por esta abominável casa inacabada orçamental/monetária que não serve os interesses de ninguém.”

Quando é que esta gente descansa?

BCE, FMI e Comissão Europeia com a mesma cassete neoliberal: “reformar o mercado de trabalho”. O que é isto? Luta de classes à escala europeia; desculpem, mas não tenho melhor expressão: reduzir os custos do despedimento, fragilizar ainda mais a contratação colectiva e afunilar o subsídio de desemprego para que a economia do medo alastre, para que a insegurança laboral se intensifique. O objectivo principal é tornar estrutural a lógica conjuntural das políticas orçamentais de austeridade, ou seja, reduzir permanentemente os salários directos e indirectos, no público e no privado, que isto está tudo ligado. O aumento das desigualdades é outro dos efeitos/objectivos. Segue-se o apelo ao incumprimento do acordo sobre o salário mínimo? A crise e o desemprego continuam sem solução, claro. Isso pressupunha mudar a configuração institucional europeia para termos políticas de investimento, de estimulo económico. O aumento generalizado do desemprego é o resultado da crise do capitalismo financerizado e as economias que aguentaram melhor o embate, em termos de emprego, parecem ser precisamente as que têm regras laborais que distribuem os direitos e as obrigações de forma mais favorável a quem trabalha. Na realidade, a crise é usada como pretexto para todas as regressões, para a consolidação de todas as utopias liberais. Questão de poder. Esta gente só descansa quando tivermos todos regressado a 1906, a um anúncio que estava afixado numa fábrica da Renault: “Os operários podem despedir-se avisando o encarregado com uma hora de antecedência. A Casa, por sua vez, pode despedir os operários sem indemnização, avisando-os o encarregado com uma hora de antecedência.”

Publicado no arrastão.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Austeridade revista?

Desaceleração da economia europeia e recessão em Portugal e na Grécia, os dois países onde a austeridade será mais intensa em 2011. O desemprego, claro, ultrapassa os 11%: a economia do medo ganha terreno. São estas as previsões revistas da Comissão Europeia para 2011. Serão revistas mais vezes, sempre no mesmo sentido, se estas desgraçadas opções de política económica não forem revistas...

domingo, 28 de novembro de 2010

A erupção económica funciona?

“Em síntese, a Irlanda tem sido ortodoxa e responsável – garantindo todas as dívidas, adoptando uma austeridade selvagem para tentar pagar os custos dessas garantias e, claro, permanecendo no euro. A Islândia tem sido heterodoxa: controlos de capitais, desvalorização e muita reestruturação da dívida – notem a formulação adorável do FMI (...) sobre como 'a bancarrota privada levou a um declínio significativo da dívida externa'. Recuperação através da bancarrota. A sério. E esta: a heterodoxia está a funcionar melhor do que a ortododoxia.”

Paul Krugman

Saídas da crise?

“É mais que tempo de tirar a conclusão óbvia: a política de saída da crise por via da rápida contracção dos défices públicos imposta à UE pelo Partido Popular Europeu fracassou redondamente, dado que não só não conseguiu potenciar o crescimento e a redução do desemprego, como tampouco permitiu travar o endividamento dos estados, das empresas e dos particulares.” João Pinto e Castro não é inteiramente certeiro por pouco. Na realidade, a “política de saída da crise” austeritária, ou seja, a política da crise permanente rumo a um cenário argentino, está inscrita nas regras europeias criadas pela social-democracia e pelo partido popular europeu e cristalizadas nos tratados porreiros, pá: do bce ao pec.

Basta aliás ler o artigo tortuoso de Maria João Rodrigues, a ideóloga da soporífera e fracassada agenda de Lisboa, com que a social-democracia andou a empatar durante demasiados anos, para se perceber como as alterações positivas agora sugeridas - das euro-obrigações à taxação das transacções financeiras - se misturam, contradição insanável, com a insistência na lógica absurda das “regras automáticas” para a “disciplina orçamental” e, agora, com a aposta na “forte condicionalidade” para corrigir situações “anómalas”. Isto são eufemismos eurocratas para os ajustamentos estruturais à FMI desgraçadamente em curso nas periferias europeias? Estes ajustamentos destruidores das economias esquecem, entre outras coisas, as responsabilidades da potência hegemónica, a Alemanha, nos desequilíbrios europeus. Com "social-democratas" destas, isto nunca iria acabar bem. Que fazer? Desenvolver uma economia política e uma política económica que supere verdadeiramente a austeridade e, já agora, pensar bem nas implicações do cenário "argentino".

Entretanto, o governo prepara-se para aprofundar a lógica do orçamento para 2011 com a conversa sobre a "flexibilização" do mercado de trabalho, outro eufemismo para o projecto que facilitará ainda mais a transferência de custos sociais para os trabalhadores, sob a forma de despedimentos mais fáceis e baratos. É o reforço da economia do medo que comprime salários, aumenta o desemprego, a precariedade e as desigualdades. Já somos governados pelo FMI: chama-se bloco central.

sábado, 27 de novembro de 2010

É para sempre, disse o ministro.

Hoje, mais de 100 000 cidadãos irlandeses protestaram nas ruas de Dublin contra a "ajuda" da UE/FMI e quatro anos de austeridade. Por aqui não serão quatro anos. O Ministro das Finanças já o disse com muita clareza (ver aqui): a redução nos salários dos funcionários da Administração Pública É PARA SEMPRE! Mas "para sempre" é a eternidade, que o mesmo é dizer "fora do espaço e do tempo". Onde julga estar o ministro?

Confrontar a economia depois das 8 da noite

Enquanto depois das 20h continuamos a ouvir na TV a incompetente conversa de que este orçamento é necessário para colocar o País no caminho da sustentabilidade financeira, na imprensa internacional não faltam especialistas da área financeira a dizer que a austeridade produz o contrário do que dela esperam os comentadores domésticos.

Hoje dou a palavra a Mohamed El-Erian:

"No fundo, a [actual] abordagem trata da liquidez e não da solvabilidade. Aumenta o valor da dívida em vez de o reduzir. E usa o método socialmente penoso dos cortes no rendimento e no crescimento como o principal meio de promoção da competitividade internacional ao longo do tempo.
Não deveria ser uma surpresa ver que, seis meses depois de ter adoptado esta abordagem, a Grécia ainda está em tempo de crise.
(...)
Chegará o momento em que a Europa encontrará uma melhor forma de conciliar o que é desejável com o que é possível. Precisa de abordagens alternativas que, não sendo as melhores, se revelem mais eficazes na resolução do problema da dívida, na melhoria da competitividade, e no apoio a uma reestruturação económica propiciadora de crescimento.
Forçosamente, estas alternativas serão incómodas para os governos. No quadro de um debate público alargado, a reestruturação da dívida surgiria como uma possível opção preventiva em vez de uma inevitabilidade catastrófica. Também seria de pensar num período sabático em que os países mais frágeis da Zona Euro a deixariam temporariamente para regressarem em condições mais sustentáveis."

Mas tenho dúvidas que a realidade faça abrir os olhos a uma União Europeia que se deixou cegar por um neoliberalismo suportado por falsas teorias económicas. Por exemplo: a ineficácia da política orçamental, a necessidade da independência do banco central, uma "economia da oferta" que promete o crescimento económico se as sociedades pagarem o preço redentor do desemprego de massa e salários de sobrevivência.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A desigualdade provoca as crises (ou «O dia em que o FMI fez um discurso à Ladrões»)

A desigualdade de rendimentos pressupõe a perda de poder de compra das classes desfavorecidas, com implicações na redução da procura agregada. Esta quebra da pocura não é compensada pelo aumento de poder de compra das classes mais ricas, pois uma boa parte do aumento de rendimentos destas últimas dirige-se a investimentos em activos financeiros (logo contribuindo essencialmente para fazer crescer o valor desses activos, mas não a actividade económica em geral). É verdade que parte da riqueza acrescida dos mais ricos é reciclada sob a foma de crédito aos menos favorecidos, promovendo o consumo por parte destes. Mas como o rendimento destes últimos não aumenta (apenas consomem mais), crescem os riscos de os empréstimos não serem pagos. Com eles crescem também os riscos de ocorrência de crises financeiras. A menos que as crises dêm origem a uma deflação muito acentuada dos preços dos activos financeiros, ou a um aumento do poder de compra das classes menos favorecidas, os riscos de novas crise não diminuem (que é, basicamente, o que está acontecer neste momento).

Este tipo de análise já surgiu várias vezes neste blog. Agora houve alguém no FMI que resolveu pôr isto sob a forma de um modelo formal. Talvez isto ajude a que a mensagem ganhe direitos de cidadania no mundo dos 'economistas a sério' (se não mesmo junto daqueles que aparecem todos os dias a falar na televisão, jurando que a crise se deve ao crescimento excessivo dos salários ou ao desmesurado Estado Social).

Até quando?

O Orçamento para 2011, agora aprovado, vai produzir uma redução do consumo das famílias e uma redução do investimento público e privado, o que por sua vez vai originar mais desemprego. Algum crescimento das exportações para fora da UE apenas atenuará a recessão. Esta produzirá uma quebra na receita fiscal esperada e aumentará a despesa orçamentada através dos subsídios de desemprego. Em meados de 2011 ficará claro que o défice previsto não é alcançável.

No início de 2011, o Tesouro vai precisar de colocar mais dívida pública no mercado. Só o conseguirá fazer a uma taxa superior a 7%, um valor que acelera o efeito “bola de neve” produzido pelos juros no total da dívida acumulada. Nessa altura, por pressão da Comissão Europeia, da Alemanha, e provavelmente também da Espanha, Portugal pedirá o apoio do Fundo Europeu de Estabilização/FMI.

Com a inicial negação da necessidade do apoio, seguida das negociações com os novos tutores, e depois com a instalação da sua equipa em Lisboa, estaremos perto do Verão altura em que a degradação da execução orçamental será flagrante. Nessa altura, os tutores do País mandarão aplicar um novo PEC, com mais cortes na despesa e maior desregulamentação do mercado de trabalho. Aproveitarão para aplicar uma redução das indemnizações nos despedimentos, já sugerida pela OCDE, e a redução do salário mínimo, entre outras medidas destinadas a fazer baixar o custo do trabalho.

Entretanto, o governo do PS já terá caído e um governo do PSD terá sido eleito com maioria relativa.

Será que vamos deixar o País entregue a esta alternância entre partidos sem projecto de desenvolvimento para o País, entre cúmplices dos agiotas da finança que na última década montaram a mais eficaz máquina de fazer endividar cidadãos?

Até quando?

O que nos dizem os rankings (I)

Os grandes adeptos do ranking de escolas têm tendência a encarar a hierarquia que deles resulta como uma forma de instaurar a competição entre estabelecimentos de ensino, atribuindo-lhe um sentido quase darwinista de selecção natural. Nesses termos, os rankings servem para fazer justiça: as boas escolas são premiadas pela posição favorável que obtém na lista ordenada e os fracos resultados das escolas pior qualificadas ficam justiceiramente expostos aos olhos de todos.

O pressuposto desta perspectiva é simples: o desempenho de cada estabelecimento de ensino – medido através dos resultados dos seus alunos – reflecte o mérito ou demérito dos professores e órgãos directivos. E porque se trata de uma simples competição entre unidades escolares, os rankings são geralmente apreciados com destaque para as (10, 20 ou 30) melhores e piores escolas. Quanto à importância do perfil dos estudantes que acolhem ou das características dos contextos em que os estabelecimentos de ensino se inserem, reina em regra o silêncio. Presume-se um “tipo ideal” de aluno em territórios educativos “planos” e, por isso, irrelevantes para a análise.

Contudo, se olharmos para os resultados dos exames nacionais a partir de uma perspectiva territorial (agregando os resultados das escolas de cada concelho e convertendo todas as classificações para uma escala de zero a cem), verificamos que os rankings são afinal, essencialmente, um retrato das desigualdades de desenvolvimento do país. No mapa, relativo a 2010, é nítida a prevalência das melhores classificações médias na faixa litoral de Lisboa a Viana do Castelo, que contrasta com resultados menos expressivos no Sul e no interior do continente. Ou seja, é em regra nos territórios mais urbanizados e desenvolvidos (com o que isso significa em termos de níveis de habilitações escolares e acesso à informação e à cultura, por exemplo), que encontramos os melhores “desempenhos escolares”.

A forte dependência dos resultados dos exames, face às características dos contextos territoriais, torna-se aliás muito clara quando constatamos, por exemplo, que as capitais de distrito obtêm uma média (57,3%) superior ao valor de referência nacional (53,5%). Com algumas excepções, é nítida a tendência, nas regiões do interior e do Sul, para que concelhos com maiores níveis de desenvolvimento se destaquem pela positiva.

Significa isto que não há mérito (ou demérito) próprio das escolas nos resultados dos seus alunos, e que tudo se resume a uma simples refracção das características dos contextos sociais em que se inserem? Certamente que não. A questão é que hierarquizar estabelecimentos de ensino, descurando em absoluto o meio envolvente, pode levar a premiar sem fundamento uma escola que acolhe excelentes alunos e condenar uma outra que obtém resultados apreciáveis face às características do meio social em que se insere. São razões desta natureza que também explicam, de resto, parte das diferenças de resultados muitas vezes identificadas entre escolas do ensino público e escolas do ensino privado.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Demagogia tecnológica

Mais uma vez o Primeiro-Ministro não resistiu à tentação de fazer demagogia em torno da evolução tecnológica da economia portuguesa. Desta vez foi a propósito da publicação dos resultados provisórios do último Inquérito ao potencial científico e tecnológico nacional. Segundo o Portal do Governo, Sócrates terá afirmado que «Todos os indicadores demonstram que o investimento em ciência e tecnologia foi absolutamente determinante para as empresas que mais aumentaram as suas exportações».

Eu esforcei-me por encontrar esses indicadores hiperbólicos, ou qualquer fundamento para tal afirmação, mas em vão. De acordo com o Portal do Governo, no mesmo discurso, o Primeiro-Ministro referiu que as 100 empresas que mais investiram em investigação representam 25% das exportações nacionais. É um dado pouco surpreendente – entre elas estão as maiores empresas portuguesas e é normal que o seu peso nas exportações seja significativo. No entanto, daí a dizer que a evolução recente das exportações se deve a essas empresas (ou, ainda mais heróico, aos investimentos por elas feito em I&D) vai um enorme salto. Se há algo que os dados sobre a evolução recente das exportações portuguesas nos mostram é que a crise afectou de forma mais acentuada os produtos intensivos em tecnologia do que os produtos tradicionais – como já aqui mostrei.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Greve Geral

Elogio da Dialéctica

A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo

Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos

Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.


Bertolt Brecht

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Sensatez anti-neoliberal

Falemos das perdas que o país e a economia têm por não aproveitarmos bem o trabalho e por termos os níveis de desemprego que temos e por termos a posição frágil, assimétrica, do trabalho na sociedade portuguesa (…) Trabalha-se muito e não se remunera bem o trabalho (…) Uma das ideias mais falsas no debate sobre o trabalho em Portugal é dizer que os salários cresceram mais do que a produtividade.

José Reis

A teoria neoliberal falhou redondamente (…) O papel do Estado tem de ser reforçado (…) A economia tem de ser avaliada e escrutinada (…) É preciso uma ofensiva diplomática concertada dos países do sul (…) O bloco franco-alemão não tem conduzido a política europeia no modo como foi conduzida noutros tempos.

Silva Peneda

E leia-se o parecer do Conselho Económico e Social sobre o futuro da Zona Euro.

Memória de um saque

Em dia de greve geral, vale a pena ver este documentário argentino (legendado em português), de Fernando Solanas, sobre a trajectória da Argentina dos anos que antecederam o colapso económico e a revolta popular de 2001. Há, obviamente, muitas diferenças com o caso português, mas também demasiadas semelhanças: privatização do aparelho produtivo, dolarização da economia, perda de competitividade, empobrecimento, endividamento externo, políticas viradas para o "necessário" ajustamento, empréstimos do FMI (lá chegaremos).

Pena é que o documentário, de 2003, não cubra os anos Kirchner de reestruturação da dívida, que impôs um corte de brutal do seu valor, nacionalizações, reforço das políticas sociais (como o programa de emprego público "chefe de família") e do investimento público. Resultado: um crescimento robusto e redução das desigualdades. Mais uma vez, não há receitas para a saída da crise, dadas as diferenças entre os países, mas devemos aprender com quem passou por uma situação bem parecida com a nossa.



As seguintes 7 partes do documentário estão disponíveis através de uma rápida busca no Youtube.

Pequenas heresias #1: Inovação social


Os discursos e práticas das políticas sociais e do desenvolvimento são regularmente tomados de assalto por novas modas – conceitos e ideias que alcançam uma tal popularidade, quase até unanimidade, que se impõem normativamente sobre tudo e sobre todos e se tornam critérios fundamentais de avaliação da actualidade e, mais do que isso, competência, de quem os mobiliza. Empoderamento (“empowerment”), microcrédito, capital humano, capital social ou inovação social são apenas alguns dos exemplos mais salientes das últimas três décadas. Ideias poderosas ao ponto de fundarem agendas de investigação, definirem programas e políticas de acção e relegarem para a condição de herético quem os questione criticamente.

E no entanto, devem ser questionados. A questão não é que cada um destes discursos, ou das práticas que lhes estão associadas, não sejam muitas vezes movidos pelas melhores intenções. Nem sequer que esses discursos e práticas não produzam por vezes resultados concretos positivos, no sentido de contribuirem para sociedades mais livres, igualitárias e emancipadas. A questão está, isso sim, no facto de estas ideias, para poderem tornar-se hegemónicas a este ponto, deverem ser de algum modo funcionais para as estruturas de poder existentes – leia-se, para as classes e interesses dominantes. Estas ideias têm de saber apelar a todos. E, para isso, é até funcional que sejam inicialmente movidas por intenções progressistas e que contenham em si elementos de contestação. Porém, têm também de poder ser apropriadas, no discurso e na prática, de formas que efectivamente as neutralizem.

Não é por acaso que cada um dos exemplos indicados em cima tem servido funcionalmente, de uma forma ou de outra, a agenda neoliberal – precisamente, o regime de acumulação das últimas três décadas. A inovação social, última moda no mundo das políticas e práticas de combate à exclusão social, é disso um bom exemplo. As origens do conceito remontam à quase-revolução cultural dos anos ‘60-’70 e à procura de alternativas tanto à sociedade de consumo de massas, alienante e geradora de exclusão, quanto à experiência burocrática e desumanizante do “socialismo real”. A proposta passava por uma reconquista do poder à escala das comunidades e por formas de auto-organização que melhorassem a experiência de vida colectiva através de iniciativas espontâneas e participadas. Mais uma vez não por acaso, foi sobretudo em França que o conceito e o discurso foram originalmente desenvolvidos – na esteira do socialismo utópico do século XIX e da sólida tradição francesa de economia social e solidária (cooperativas, mutualidades, associações). Tratava-se de uma proposta intrisecamente política – tanto no que recusava como no que propunha. A estratégia era dispersa, fragmentária, “multitudinária”, mas o objectivo, para lá da inclusão social, era claramente a mudança social e a alteração das relações de poder.

Que resta hoje desta inovação social? Muito pouco. O centro de gravidade da produção do discurso passou do mundo francófono para o mundo anglo-americano, onde colossos como a Young Foundation debitam publicações sobre o tema e disponibilizam peritos para a realização de conferências. A inovação social tornou-se um elemento central dos discursos e práticas de múltiplas entidades públicas nacionais e supra-nacionais, como a iniciativa comunitária Equal. Em Portugal, organizou-se já o primeiro congresso exclusivamente dedicado a debater o tema. Porém, algures ao longo do caminho, o conteúdo político foi progressivamente esvaziado e neutralizado. Do que se trata agora é de encontrar e afirmar novas soluções técnicas (em sentido amplo) para a exclusão social. Muitas vezes, com uma componente de fascínio pelas novas tecnologias de informação. De preferência, afirmando que as comunidades excluídas, eventualmente apoiadas pelo ‘marketing caritativo’ da responsabilidade social das empresas, devem “ajudar-se a si mesmas” – e não esperar o apoio de um Estado “ineficiente, incapaz e distante”.

No discurso, a negação do carácter político do desenvolvimento e da exclusão social, que se tornam problemas técnicos. Nas políticas e práticas, dar pouco com uma mão – os incentivos à inovação social –, enquanto se retira muito com a outra – aquilo que resta do estado social. Ou como um conceito transgressor e progressista se torna funcional no contexto neoliberal – e como de boas intenções está o inferno cheio.

A sorte do euro

As taxas da dívida pública portuguesa voltam a subir.

Como aqui disse, no próximo ano decide-se a sorte do euro.
O salvamento das economias da periferia da Zona Euro, uma a uma, não é sustentável, financeira, social e politicamente.
Os especuladores bem sabem que: (1) por muito que os governos destes países digam o contrário, as medidas de austeridade afundam ainda mais cada uma destas economias; (2) a doutrina económica que domina os decisores políticos no Norte da Europa, e em particular na Alemanha, não vai mudar tão cedo.

Assim, tudo se conjuga para que, sem crescimento durante os próximos anos, os défices continuem a fazer crescer a dívida destes países. Ano a ano, nem sequer pagarão os juros da dívida acumulada. Insustentável nas actuais condições políticas.

A vez de Portugal está a chegar, e a seguir a da Espanha. Esse será o dia do juízo final. Dada a dimensão da economia espanhola, a opinião pública e os eleitores alemães exigirão o fim desta vertigem suicida.

Como dizia há meses Wolfgang Münchau (aqui), os governos europeus cometeram um erro fundamental ao não deixarem falir alguns bancos e ao não fazerem os accionistas de outros partilhar os custos do seu salvamento.

E W. Münchau termina assim:
"A grande questão da eurozona não é a estrita disciplina finaceira mas a solvência nacional, que é um conceito muito mais amplo. Por causa da cobertura global dos prejuízos dos bancos [concedida pelos estados], já não é possível separar dívida pública de dívida privada. Temos pura e simplesmente dívida. Estamos assim numa situação paradoxal em que a sobrevivência dos bancos está mais garantida do que a dos que os salvaram."

Por tudo isto, a greve geral deve ser não apenas um dia de protesto mas também um dia de reflexão. Sobre um novo caminho a propor ao País.

A greve geral já dá frutos!

Assistir hoje ao "Prós e Contras" na RTP e ouvir Carvalho da Silva, João Proença, José Reis, José Silva Peneda e Garcia Pereira foi uma lufada de ar fresco no debate público em torno da crise. Uma discussão inédita na TV nacional sobre as origens da crise, os diferentes fardos da crise entre o trabalho e capital, o caminho para o desastre com as actuais medidas "austeritárias" e as saídas para a crise através do crescimento económico e da necessária refundação europeia. A luta social consegue as suas primeiras vitórias, abrindo brechas no pensamento único.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Transferir custos

“Temos que evitar que os salários evoluam de forma mais rápida que a produtividade” e “tirar pleno partido dos dispositivos legais que permitem maior flexibilidade no mercado de trabalho”. Teixeira dos Santos indica implicitamente o objectivo da austeridade permanente e da conversa que lhe está associada sobre a “flexibilidade” laboral: fazer com que o crescimento dos salários reais deixe de acompanhar o crescimento da produtividade, transferir os custos da crise para a generalidade dos trabalhadores sob a forma de salários mais baixos, horários mais baralhados, menores custos no despedimento e ainda maior precariedade. Vale tudo: assim se compreende a fraude do suposto regabofe salarial nacional, tão conveniente para o capitalismo mediocre, que economistas como Sarsfield Cabral difundem e que o Nuno Teles rebate pela enéssima vez. Estamos em pleno “paradoxo da flexibilidade”: aceitar reduzir os salários comprime o mercado interno europeu, acentua as tendências deflacionárias, dificulta o serviço da dívida privada e aumenta o desemprego por toda a Europa. A cassete sobre as “reformas estruturais” até chega à ultraliberalizada Irlanda, como sublinhou Kevin O’Rourke no Irish Economy e como se confirma ao ler a declaração dos ministros das finanças europeus de ontem sobre a “assistência” a este país. Esta cassete é a expressão intelectual do esforço político com escala europeia para transferir todos os custos sociais para os trabalhadores. É mas é preciso que as “reformas estruturais” recuperem o significado de outros tempos, ou seja, o sentido do esforço colectivo para civilizar a economia.

Publicado no arrastão.

Para uma nova economia

No momento em que acaba de ser aprovada a política orçamental para 2011 o Grupo "Economia e Sociedade" da Comissão Nacional Justiça e Paz tomou a iniciativa de um apelo a favor de uma nova economia que começa assim:

“Como todos reconhecem, as medidas adoptadas têm carácter recessivo. Mesmo que no curto prazo, permitissem conter a especulação financeira sobre a dívida externa e as necessidades de financiamento do Estado e da economia portuguesa, tal política, só por si, não abriria caminho ao indispensável processo de mudanças estruturais de que o País carece para alcançar um desenvolvimento humano e sustentável a prazo.”

O resto pode ler-se e assinar-se aqui.

Estabilidade e confiança

No início deste mês, Ângela Merkel apelou, em Berlim, ao reforço de uma "cultura da estabilidade" financeira na zona euro. A expressão é, em abstracto, poderosa. Como também o seria o apelo a uma “cultura da confiança” política. Mas Merkel apenas poderia privilegiar o princípio da confiança se tivesse uma visão substantivamente diferente da política económica europeia e do papel das suas instituições.

Infelizmente, para a chanceler alemã a estabilidade constitui uma condição necessária, um requisito prévio essencial à conquista da confiança por parte da economia financeira. O que significa que a acção política, assente no princípio da estabilidade, se subordina ao princípio da confiança dos mercados (que são por natureza, e demonstradamente, instáveis).

O desastre europeu radica, em larga medida, nesta inversão de valores. O reforço de uma cultura da confiança, como primado da política, significaria um robustecimento do papel directo das instituições europeias junto dos Estados em dificuldade e na condução de políticas de crescimento. Ao travar a vertigem especulativa dos mercados financeiros, instigando neles uma "cultura da estabilidade", a política assente numa "cultura da confiança" permitiria colocar um termo ao ciclo infernal da austeridade, possibilitando a saída da crise e fomentando a coesão económica e social do continente europeu.

domingo, 21 de novembro de 2010

Fechar os livros no dia 24...

"A greve geral do próximo dia 24 de Novembro é um momento privilegiado para questionar as respostas políticas, manifestamente desequilibradas, a um quadro económico de crise. Mas a greve pode assinalar também uma insatisfação mais difusa, prolongada, que atinge a relação das pessoas com o seu trabalho, mas que cada vez mais invade outras dimensões do quotidiano. A imposição de uma austeridade assimétrica, que protege os mais fortes, restringe progressivamente a autonomia pessoal e a possibilidade de escolha, corrói as capacidades de definir projectos de vida individuais e colectivos, destrói direitos que constituem a base elementar de uma sociedade minimamente justa.

É indiscutível que em Portugal se tem vindo a fazer um esforço de investimento na ciência. Todas as pessoas envolvidas na criação científica não deixam, no entanto, de ser afectadas por dinâmicas sociais mais alargadas que, atingido a maioria da população, se traduzem na erosão progressiva de direitos e na imposição de lógicas de organização de trabalho que assentam numa progressiva precariedade. Tal paradigma, sempre apresentado como uma inevitabilidade, constitui uma forte ameaça à autonomia do conhecimento científico.

Etapa de uma resposta colectiva ao futuro de inevitabilidades que nos é proposto, a greve assinala também a visível necessidade de criar formas de debate que permitam pensar modos mais eficazes de enfrentar estes problemas. Por isso, dia 24 fazemos greve."

Os signatários da petição pública de apoio à greve de dia 24 são bolseiros, investigadores, professores e estudantes. Unidade contra o austeritarismo.

O balde furado ou a pregação aos peixes graúdos


Não há manual de economia adoptado nas nossas faculdades que não conte a história do balde furado para ilustrar aquilo a que chamam o “trade-off” equidade-eficiência.

Era uma vez alguém que quis tirar rendimento aos ricos para dar aos pobres. Encheu um balde com o rendimento dos ricos, desceu a ladeira e quando o ia despejar no tanque dos pobres descobriu que o balde já não estava cheio. Observando atentamente o balde descobriu que estava furado e que parte do rendimento dos ricos havia escorrido ladeira abaixo em puro desperdício.

Porquê? São os incentivos, estúpido. Com menos rendimento os ricos reduzem o enorme esforço que sempre fazem, e com rendimento “caído do céu” muitos pobres preferem não trabalhar.

Moral da história. Até podes preferir mais equidade dada a tua formação moral, mas nesse caso tens de te preparar para ver “o bolo” diminuir. Mais equidade é menos eficiência – o tal “trade-off”. Não seria mais sensato esperar que o bolo cresça mantendo a distribuição como está para depois o dividir?

Como seria a história do balde furado quando o balde serve para transferir rendimento dos pobres para os ricos, ladeira acima?

Com menos rendimento as classes populares consumiriam menos (o crédito ao desbarato acabou-se, não é?), com o consumo dos pobres retraído os ricos deixariam de investir para produzir “coisas úteis” e aplicariam os seus rendimentos em títulos de propriedade e de dívida sem que isso correspondesse a investimento que cria emprego e produz “coisas úteis”. O aumento do “investimento” em títulos esquisitos faria aumentar o valor de mercado destes títulos tornando ainda mais apetecível o investimento em títulos esquisitos. De vez em quando o rebentamento de uma bolha destruiria o valor dos títulos esquisitos, fazendo despejar o balde. Oh, afinal o balde está furado.

Moral da história (que também a tem). Se queres “eficiência” vais ter de aceitar menos desigualdade. Como no Brasil, por exemplo.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ladrões em Évora

A Sociedade Harmonia Eborense convidou os Ladrões de Bicicletas para participarem numa mesa redonda sobre a crise. Eu fui destacado para esta incursão alentejana. A sessão terá lugar no próximo Sábado às 16h, contando também com a participação de José António Barreiros e Manuel Branco.

Não revelando detalhes, irei defender que a presente crise orçamental vivida na Europa é mais uma manifestação (particularmente aguda) de um modelo de desenvolvimento económico e social que transfere os riscos para os trabalhadores e para os contribuintes com menor capacidade de evasão fiscal (ou seja, os trabalhadores e os pensionistas), colocando o Estado ao serviço da acumulação do capital financeiro. O resultado é o aumento das desigualdades de rendimentos e a vulnerabilidade social das camadas mais desfavorecidas da população.

Até lá.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Porque não vão reunir para o Atlântico (Norte) ?


Desculpem a perguntinha, mas porque é que não vão reunir para uma ilha, ou mesmo num porta-aviões? Era assim que dantes se fazia e não no meio das capitais. Porque será? Para ensaiar estados de excepção e dar pretexto a jogos de guerra civil com transmissão directa na TV?

Esgotou-se a inter-governamentalidade

Notícia do Spiegel Online:

“O desacordo entre os ministros das finanças ilustra a amplitude das divergências entre os países da Zona Euro quanto à forma de lidar com a crise:

Portugal, Grécia e Espanha acusam o governo Irlandês de destabilizar os mercados financeiros com a sua teimosia e fazer subir as taxas de juro.

Todos juntos com a Irlanda, acusam a Alemanha de ter causado a última crise através da sua insistência em fazer suportar pelos credores privados a sua parte das perdas em futuras crises de dívida.

A Alemanha por seu turno assume-se como garante da estabilidade da Zona Euro no longo prazo e pretende garantir que os contribuintes não tenham que pagar sozinhos a factura em futuras crises.

O BCE [Banco Central Europeu] tem insistido que a Irlanda deveria requerer o auxílio do fundo de estabilização da UE por forma a que este possa entrar em acção apoiando o país. Em Outubro, o BCE fez um empréstimo de emergência de 130 mil milhões de euros ao sistema bancário irlandês – um quinto do total dos empréstimos que o banco central já efectuou aos bancos da Zona Euro. Sem esta ajuda, o sistema bancário irlandês teria entrado em colapso. O BCE argumenta que a situação actual não é sustentável no longo prazo.”

Três observações:

- Não é apenas a Alemanha que está reticente em continuar a financiar os países da periferia da Zona Euro. Os governos da Finlândia e da Suécia também enfrentam um eleitorado que não quer.

- Ao contrário da retórica oficial que fala de “contágio”, “estabilização”, “tranquilizar os mercados”, o problema da Zona Euro é muito mais grave porque é um problema de desequilíbrio estrutural entre territórios de uma mesma zona monetária em que uns geram excedentes na balança de transacções correntes enquanto outros (menos desenvolvidos) geram défices.

- Nos EUA , no Brasil, ou na própria Alemanha, estes desequilíbrios são parte do funcionamento corrente da federação. Há um governo federal eleito que define políticas e investimentos de escala federal e um orçamento que assegura a coesão global.

- Conclusão: não é realista continuar a pensar num federalismo orçamental para a Zona Euro, pelo menos no horizonte de uma década. Resta-nos ir caminhando de crise em crise ... até à implosão do euro?

Nota final:
Percebe-se a rápida aceitação do Reino Unido em participar na ajuda à Irlanda, mesmo não pertencendo à Zona Euro. Basta ver no gráfico em anexo quem vai acabar por receber a ajuda.

A fraude conveniente

O blogue Alcatruz mostra-se surpreendido, e com razão, como no espaço de uma semana dois artigos diferentes no Público davam conta de factos diferentes. No artigo que publiquei com o João Rodrigues afirmamos: “os aumentos salariais (em Portugal) estiveram em linha com os aumentos da produtividade”. Francisco Sarsfield Cabral publica a seguinte afirmação: “Eles (os alemães) sabem, por exemplo, que, enquanto os salários alemães estagnavam ou desciam, nos últimos anos os salários gregos e portugueses subiam muito acima da produtividade.” Isto num artigo que acusa quem quer perceber as causas da actual crise de andar a procura de “bodes expiatórios” e em que aponta o Estado português (“o monstro”) como origem de todos os males. Quanto a “bodes expiatórios” estamos conversados…

Quanto ao senso comum televisivo dos tempos que correm, da produtividade e como Portugal tem vivido um regabofe salarial, onde os trabalhadores vivem acima das suas possibilidades, não há nada como ver, sei lá, os dados. A discussão em torno do cálculo da produtividade do trabalho ou de como a desigualdade salarial em Portugal se tem vindo a agudizar é bem interessante, mas nem sequer vou entrar por aí. Observando a evolução da produtividade (primeiro gráfico) e da compensação real do trabalho na Europa (segundo gráfico) - únicas medidas comparáveis, pois estão ambas deflacionadas - observamos que quer os gregos, mas especialmente os portugueses têm acumulado ganhos abaixo dos da produtividade. Na última década pode-se falar, muito cautelosamente, em alinhamento para o caso português. Nem sempre repetir uma mentira muitas vezes a torna verdade.




(Click para aumentar)
Fonte: RMF

Contributo para reduzir o nosso défice cultural...


Mais de setenta anos depois, temos finalmente uma edição portuguesa da Teoria Geral pela Relógio D'Água. Muito bem. Já agora: para quando a tradução de Polanyi?

Ainda é tempo de manifesto

“É indispensável uma nova abordagem da restrição orçamental europeia que seja contracíclica e que promova a convergência regional. O governo português deve então exigir uma resposta muito mais coordenada por parte da União Europeia e dar mostras de disponibilidade para participar no esforço colectivo. Isto vale tanto para as políticas destinadas a debelar a crise como para o esforço de regulação dos fluxos económicos que é imprescindível para que ela não se repita. Precisamos de mais Europa e menos passividade no combate à crise.”

Excerto de um manifesto que vários de nós subscrevemos no ano passado. Não mudo uma virgula. Entretanto, através de João Pinto e Castro, que é, com João Galamba e Pedro Adão e Silva, uma das raras vozes do centro-esquerda que compreende o problema económico europeu e que subscreveu o manifesto, cheguei a um artigo indigente de Rui Moreira, economista da área do PSD. Leia-se para se perceber como vitória política e validade intelectual nem sempre andam a par…

Neurose...

Bom título do negócios. O trabalho de Elisabete Miranda, a partir de uma entrevista ao economista grego Yianis Varouhakis, faz o balanço da “ajuda europeia”, esse trágico eufemismo: “Mais pobreza e uma severa recessão”. Entretanto, podem ler um contributo deste economista grego, embora com tradução descuidada, onde se avançam propostas convergentes com o que eu já defendi no mdiplo: trata-se de combater o desgraçado austeritarismo europeu através de reformas na Zona Euro.

Já que estou a falar do euro, recomendo a leitura de um artigo, já com umas semanas, onde Vital Moreira exibe o seu ordoliberalismo, oportunamente colocado na Aba da Causa: “a provação e o teste”. Com o desemprego a atingir 10% da força de trabalho e com a generalidade das periferias a arder, agora com destaque para a Irlanda, graças a uma austeridade permanente e aditivada pelas pressões dos especuladores, é preciso uma dose cavalar de ideologia para vir anunciar o sucesso da arquitectura institucional subjacente ao euro. Esta desgraça conduz ao aumento da polarização social e regional e, eventualmente, à autodestruição do euro, como sublinha o economista social-democrata Joseph Stiglitz.

O mais trágico é que as elites nacionais e europeias vão precisar de duas décadas de decadência económica para chegar à conclusão, se não ocorrer um colapso do euro antes disso, de que este arranjo não nos serve. Enfim, o europeísmo feliz liquidou a social-democracia e agora liquidará, na ausência de luta social denodada, o Estado social e o que resta dos direitos laborais, transferindo o custo social da crise para os trabalhadores e para os mais pobres. O pensamento de Vital ou de Vitorino, dominante entre o centro-esquerda, tem responsabilidades, à nossa escala, por este desastre. As ideias têm consequências.

Publicado no Arrastão

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Henryk Gorecki (1933-2010)



Pode ser o "top of the pops" da música erudita contemporânea. Não deixa ser uma obra brilhante e tocante do compositor falecido há quatro dias.

Quantitative Easing


“Quantitative Easing” é uma expressão que voltou à actualidade económica depois do Federal Reserve (Banco Central dos EUA) ter anunciado uma nova ronda de utilização deste muito heterodoxo instrumento de política monetária, no montante de 600 mil milhões de dólares (o equivalente a 4% do PIB). Significativo, mas, ainda assim, bastante abaixo dos1 750 milhões de dólares de dívida comprados ao longo de 2009. O “Quantitative Easing” resume-se à compra de activos nos mercados por parte do banco central – aparentemente, esta segunda ronda consistirá na compra de títulos de dívida norte-americanos. O resultado é um reforço da liquidez do sistema financeiro e a criação monetária ex-nihilo.

Pode o simples facto de imprimir moeda ajudar à recuperação económica? Sim, de diferentes formas. Mas primeiro convém fazer uma nota sobre o entendimento da moeda na economia. A teoria convencional, de influência monetarista, entende grosso modo a moeda como variável exógena à economia, manipulada pelo Estado através da quantidade de moeda ou do seu preço, a taxa de juro. A política monetária como forma de estímulo económico estaria sempre condenada ao fracasso no longo prazo: qualquer estímulo no curto prazo traduzir-se-ia em inflação no longo. Outra perspectiva, de raiz pós-keynesiana, entende a moeda como o resultado da procura de crédito. São sobretudo os agentes económicos, através dos bancos, quem cria moeda. Segundo este entendimento, a inflação seria, pelo contrário, o resultado de conflitos em torno da repartição de rendimentos, choques de preços externos e instabilidade das taxas de câmbio.

Seguindo este último entendimento da moeda, na actual situação em que os bancos receiam emprestar às famílias e às empresas, congelando consequentemente os motores do crescimento económico (consumo e investimento), a criação monetária fica aquém das necessidades da economia no processo de crescimento económico, dando origem a uma espiral deflacionária que aumenta o peso relativo das dívidas no PIB. É aqui que entram os Bancos Centrais, que agora se substituem aos bancos privados na criação monetária, na esperança de assim reavivarem a economia. Este parece ser o modelo que está a ser seguido nos EUA e no Reino Unido. Face à impossibilidade política de maiores estímulos orçamentais no primeiro e aos cortes orçamentais no segundo, espera-se que seja a política monetária a constituir o instrumento de estímulo económico.

No entanto, não é certo que resulte. Os preços dos títulos de dívida pública norte americana já caíram a pique, o que torna o fardo dos juros mais baixo e dá ao estado norte-americano alguma folga orçamental. Contudo, as injecções de liquidez num sistema financeiro disfuncional não significarão necessariamente mais crédito às empresas e famílias. Existe o risco dos novos dólares criados servirem apenas para financiar a especulação e a criação de novas bolhas nalguns mercados - com consequências desastrosas, como o Alexandre Abreu já aqui exemplificou. Por outro lado, estas medidas têm um carácter unilateral, sem coordenação internacional, o que pode significar instabilidade cambial acrescida nos próximos tempos.

E a Zona Euro? No actual centro geográfico da crise financeira, onde não existe qualquer política fiscal e onde a política monetária poderia ser um instrumento valioso de intervenção de curto prazo mas não o é, nada disto parece interessar. Ou melhor, aparentemente a UE opõe-se a estas medidas em nome da estabilidade de preços. Medo da chuva, enquanto tem o quintal a arder. E não, o BCE não está a proceder a “quantitative easing” quando compra títulos de dívida, já que essas compras são devidamente “esterilizadas” através de depósitos dos bancos em contas do BCE. Não admira, pois, que depois se discuta a própria sobrevivência da União Europeia.

2011, o ano da encruzilhada?

Em Maio passado formulei (aqui) três cenários. A presente agitação nos mercados da dívida soberana, envolvendo sobretudo a Irlanda e Portugal, levam-me a retomar o assunto. Actualizemos os cenários aí descritos deixando para último lugar o segundo.

O primeiro cenário – mantermo-nos na moeda única – significa aceitar sucessivas doses de austeridade sem qualquer resultado positivo. De notar que para este efeito é irrelevante que seja Sócrates ou Passos Coelho o nosso Primeiro-Ministro.
Em meados de 2011, já sob a tutela do FMI, ser-nos-ão impostos novos cortes na despesa. A austeridade inscrita no actual orçamento produzirá recessão e, em consequência, prejudicará a meta proposta para o défice.

Este cenário de continuada austeridade não só não resolverá o problema da dívida pública (e privada) como vai piorar a situação económica e social do País. Aliás, os defensores da austeridade apenas esperam que as exportações, só por si, façam o milagre de pôr o PIB a crescer alguma coisa (sem criação de emprego), num contexto de economia europeia estagnada, de economia dos EUA à beira de nova recessão e de um sistema monetário internacional em convulsão causada por desvalorizações competitivas com todos os blocos económicos a tentarem crescer pelas exportações. Aliás, as cimeiras do G20 parecem destinadas a ser apenas encontros dispendiosos e inconsequentes.

O terceiro cenário parece hoje inviável. Face aos ensaios de demarcação que Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia fazem, uns relativamente aos outros, não é realista imaginar uma tomada de posição conjunta destes países relativamente à Alemanha e ao Consenso de Bruxelas. É um braço de ferro colectivo que nenhum destes países parece disposto a organizar. Preferem o “salve-se quem puder”.

Resta o segundo cenário. Ao contrário do que escrevi em Maio, não precisamos de imaginar que Portugal toma a decisão de sair do euro. Podemos simplesmente admitir que o euro implode. Vejamos.

Ainda em 2011, estando já a financiar a Grécia, a Irlanda e Portugal, e confrontada com a necessidade de também ter de acudir à Espanha, e possivelmente também à Itália, a Alemanha acaba por resolver o impasse. Face à crescente hostilidade de uma opinião pública alemã intoxicada pelas ideias da “economia das trevas” (a teoria económica que predominou na Europa entre as duas Grandes Guerras), a Alemanha poderá reconhecer que não pode e não quer financiar mais nada e, dessa forma, acaba com o euro tal como o conhecemos.

Em meu entender, o cenário de implosão do euro deve ser levado a sério. A ser assim, a tarefa mais urgente que temos pela frente é a de converter a dinâmica da greve geral de 24 de Novembro numa outra dinâmica. A da construção de uma alternativa de governo que nos mobilize para um novo modelo de desenvolvimento do País, um novo caminho liberto da ditadura de um capital financeiro coligado com influentes sectores da área política do PS e do PSD.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A austeridade não resulta?

…então acrescente-se mais austeridade. Esta é a conclusão das notícias do dia em relação à Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia. O mais incrível é que, face aos claros riscos de contágio da crise, produto da amálgama que os mercados financeiros criam, estes países não conseguem articular-se minimamente numa tomada de posição comum. Espanha diz que não é Portugal (o nível da dívida pública é mais baixo). Portugal diz que não é a Irlanda (o nosso défice está a descer e os bancos estão de boa saúde). A Irlanda diz que não é a Grécia (não precisa do recurso ao fundo de estabilização europeu). A Grécia, entretanto, começou a falar de reestruturação da dívida. À porta fechada e sob comando dos credores, como é óbvio. E Portugal? Cá andamos entretidos com coligações, execução do orçamento e a fiar-nos na Virgem para que corra tudo bem. Perceber quem são “os mercados”, tentar refundá-los ou mostrar que cada contrato de dívida pública é um pau de dois bicos, não interessa. É perder tempo diz o presidente. Preocupemo-nos em ser bem comportadinhos. Pode ser que nos dêem uma côdea.

Há ainda dúvidas quanto à justeza da Greve Geral?

Republicanizar a República?

No âmbito das comemorações do centenário da República, realiza-se, nos próximos dias 18 e 19 de Novembro, um colóquio sobre “desigualdade sociais: os modelos de desenvolvimento e as políticas públicas em questão”. O colóquio terá lugar na cidade do Porto: Biblioteca Almeida Garrett (Jardins do Palácio de Cristal). Inscrições e programa no sítio de uma iniciativa que tudo deve a José Madureira Pinto, o seu coordenador. Bem acompanhado por João Cravinho e Xavier Timbeaud, participarei na sessão sobre “regulação económica e paradigmas de gestão – um novo rumo depois da crise?”. Defenderei as virtudes da superação da austeridade assimétrica através de uma regulação democrática e igualitária da economia: Republicanizar a República.

Querem mesmo imitar a Irlanda?

Olhem para este gráfico sobre a situação das finanças públicas irlandesas. Será que os moralistas das finanças públicas nacionais têm a lata de dizer que na Irlanda se deu um surto repentino de “despesismo” e tal? Enfim, o crescimento económico, tirado por uma brutal bolha imobiliária e por um modelo fiscal regressivo, assente no aligeiramento da carga fiscal sobre as empresas e sobre as pessoas, parte da famosa concorrência fiscal promovida pela ausência de coordenação na UE a este nível, provou ser ilusório e insustentável: o endividamento privado intenso criou a folga pública até à crise e parte do PIB consistiu em lucros que as multinacionais aí convenientemente registavam. Todo um modelo. Ainda há pouco tempo, todos os economistas neoliberais nacionais que eu ia encontrando por aí olhavam para a Irlanda com enlevo: imitem a Irlanda ou tornem-se um museu, bradava Thomas Friedman, seu herói, o das profecias de um mundo que supostamente seria plano. Viu-se.

Agora a Irlanda está a ser pressionada a recorrer à “ajuda europeia”, eufemismo para um fundo mal amanhado e destinado a impor mais sacrifícios às populações das periferias. Portugal é arrastado no turbilhão da especulação. O colapso do sector privado, em especial do sector financeiro irlandês, gerou os brutais défices públicos. As políticas de austeridade irlandesas, pioneiras e intensas, tão elogiadas pelos Mira Amarais que quase monopolizam o debate público – “tiraram a Irlanda dos radares dos mercados”, lembram-se? – acentuaram o colapso e deterioraram ainda mais as finanças públicas. O “flexível” mercado de trabalho irlandês, que faz sonhar os economistas seguros do Banco de Portugal, assegura um desemprego que já vai nos 14%. Perfeito.

Já agora: alguém me explica como é que os cortes dos rendimentos gerados pela austeridade aumentam a poupança? É sempre mais complicado: tudo o resto constante, o esforço do sector privado para reequilibrar os seus balanços gera correspondentes défices públicos e o esforço do sector público para reequilibrar o seu balanço gera correspondentes défices privados. Quem cede quando a economia colapsa? A Irlanda promete continuar a ser uma lição conjuntural e estrutural sobre as consequências da aplicação de todas as utopias neoliberais. Leiam o que Sandro Mendonça e Henry Farrel, a quem roubei o gráfico, escreveram sobre o milagre irlandês antes e depois da crise. Agora, e só para piorar, estamos perante a miopia de Merkel e de uma UE – leia-se o editorial de Helena Garrido – que agem como se só quisessem ver as periferias a arder. Isto vai acabar como sempre acabam as utopias liberais: mal.

domingo, 14 de novembro de 2010

Ir ao cinema

“Inside Job” é um relato bem documentado da cumplicidade entre as ideias político-económicas, a política propriamente dita e os interesses. Achei particularmente relevante o destaque conferido ao papel das “ciências económicas e de gestão” na engenharia institucional e na propaganda que criou as condições para o desastre.

O filme é uma ilustração do poder e da resiliência de uma casta minoritária e da sua capacidade de transformação de crises em novas oportunidades. O seu efeito psicológico é esmagador, deprimente.

Mesmo assim vão ver – e depressa porque deve estar pouco tempo disponível. Obriga a pensar, a imaginar formas de sair desta camisa-de-onze-varas.

Isto está tudo mal ligado...

"Se a depreciação (apreciação) nominal e real dos países deficitários (excedentários) não acontecer, a diminuição da procura interna nos países deficitários e a incapacidade dos países excedentários de reduzirem o nível de poupanças e de aumentarem o consumo levará a uma escassez global de procura num contexto de sobreabundância de capacidade. E isso alimentará ainda mais a deflação global e os incumprimentos no pagamento da dívida pública e privada nos países que estão endividados, o que, em última instância, acabará por minar o crescimento e a riqueza dos países credores."

Nouriel Roubini expõe no Negócios o problema dos desequilíbrios mundiais, que têm expressões muito concretas na Zona Euro e que não estão perto de resolução institucional satisfatória. Relembro Skidelsky e Keynes: as absurdas políticas de austeridade favorecem reacções ditas “proteccionistas”, mesmo que disfarçadas com a habitual retórica do “comercio livre”. Os EUA fazem o que sempre fizeram e que Helena Garrido assinala: usam a política monetária para favorecer o que consideram ser o seu interesse nacional, mas isso, neste contexto, nem é mal visto. Veja-se agora o caso da Alemanha. Merkel declarou esta semana ao Financial Times que o proteccionismo é a grande ameaça e apresentou-se como a defensora do tal “comércio livre”. Este é sempre uma questão de percepção selectiva alimentada pela ideologia.

A Alemanha, como todos os outros Estados, protegeu o seu sistema financeiro como pôde durante a crise. Isso não é proteccionismo? A Alemanha tenta manter os seus centros estratégicos da economia em mãos nacionais. Isso não é proteccionismo? A Alemanha tem uma tradição neo-mercantilista de valorização da obtenção de excedentes comerciais, que se exprimiu na compressão dos salários dos seus trabalhadores durante um período longo, graças a alterações regressivas nas relações laborais e a outros factores. Isso não é proteccionismo? A Alemanha influencia as regulações europeias para que favoreçam as suas indústrias. Isso não é proteccionismo? O Estado alemão incentivou formas de coordenação para reduzir a destruição de emprego. Isso não é proteccionismo? O modelo renano de capitalismo, que esteve na base da ascensão industrial e do poder de mercado que a Alemanha detém em muitos sectores, baseou-se numa imbricação coordenada entre banca e indústria e num compromisso social, entretanto fragilizado. Isso não foi proteccionismo? E, lembrando um autor alemão do século XIX, List, não nos esqueçamos que o que se designa convencionalmente por comércio livre é o proteccionismo dos que já são fortes...

Os resultados da economia portuguesa, conhecidos na sexta-feira, são razoáveis, embora não se criem empregos a este ritmo e a procura externa seja muito volátil. Os resultados são bons quando comparados com os péssimos resultados dos restantes PIGS. Não nos esqueçamos que só muito tarde é que Portugal, instigado pelos economistas de Belém, que agem como se fossem porta-vozes de Merkel e dos “mercados”, decidiu imitar as irracionais políticas de austeridade que esses países adoptaram de forma pioneira. Acho que isto ainda se vê nos resultados económicos contrastantes, mas a recuperação pode estar prestes a acabar graças precisamente à adopção da desgraçada austeridade.

Entretanto, o governador do Banco de Portugal fala de pecado, vício e virtude a propósito da economia portuguesa; um moralismo sinistro que serve, na linha de Cavaco, para legitimar todas as derivas especulativas dos mercados internacionais, os mesmo que colocaram a economia global neste buraco e que esta gente aceita na sua desastrosa configuração liberal apenas porque serve os seus propósitos direitistas. O fundamentalismo de mercado continua nas cabeças de demasiados banqueiros centrais. As declarações deste governador são uma desgraça e fazem, coisa impensável, com que uma pessoa chegue a sentir saudades de Constâncio...

sábado, 13 de novembro de 2010

Um doutor a pedalar...

Aqui entre nós esta semana fica marcada pelo doutoramento do Jorge Bateira pela Universidade de Manchester. Que isto tenha sido com toda a distinção e com recomendações de transformação da tese em livro só pode surpreender quem não lê o que o Jorge escreve, aqui e noutros sítios. Parabéns.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

As virtudes das caixas de comentários...

Álvaro Santos Pereira, um distinto economista neoliberal com jeito para a popularização ideológica (atenção, o neoliberalismo não é um slogan ou um insulto), faz um daqueles exercícios convenientes de colocar um gráfico com a dívida pública em valores absolutos para tirar conclusões que interessam à sua agenda sobre o “monstro” que, na realidade, ninguém dispensa numa economia capitalista avançada, complexa, democrática e tal. Vale tudo para mostrar que a crise do capitalismo financeirizado foi um detalhe. Como eu o compreendo.

Felizmente, na caixa de comentários, ruy coloca um pouco de bom senso, de política da verdade, na coisa: o que conta é a dívida em percentagem do PIB, claro, e aí a história é um pouco diferente da que afirma Pereira. É a estagnação e a crise que fundamentalmente fazem mover as finanças públicas e explicam a evolução deste indicador, sobretudo desde o início do milénio quando, graças à forma como o euro foi instituído, entrámos no que se sabe. É preciso evitar reduzir a economia a um moralismo de finanças públicas, como fazem os Duques que nos saem, muito conveniente para todas as imoralidades que estão em curso. Tentação repreensível a que a esquerda também nem sempre escapa, claro.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Se a UE quisesse minimizar os custos da crise...

... já tinha decretado ajustamentos temporários à Política de Coesão (PC) da UE. Os chamados 'fundos estruturais' que são transferidos a partir de Bruxelas para promover investimentos em educação, factores físicos e imateriais de competitividade das empresas e infrestrutruras e equipamentos colectivos nas várias regiões representam apenas 0,4% do PIB da UE. É uma ninharia quando comparado com o que se passa noutros contextos (como os EUA), ainda assim, eles têm impacto significativo nas economias menos avançadas da União. Por exemplo, em Portugal eles representam uma média de 3 mil milhões de euros por ano (perto de 2% do PIB) no período 2007-2013.

Um dos princípios básicos da PC é o chamado 'princípio da adicionalidade', segundo o qual os países se comprometem a co-financiar os investimentos apoiados pelos fundos europeus com base em recursos nacionais, demonstrando que o seu esforço de financiamento não diminuiu por haver outras fontes de financiamento disponíveis. Em circustâncias normais, este é um bom princípio, já que assegura que a PC acrescenta aos esforços de desenvolvimento dos países, em vez de os substituir. Num contexto político e financeiro como o actual, porém, os benefícios do princípio da adiconalidade não são tão óbvios. Para que os Estados aumentem o seu esforço orçamental, visando co-financiar os investimentos apoiados pela PC sem por em causa outros investimentos, é necessário obterem recursos para tal. Uma forma de os obter é recorrem a crédito, aumentando assim o défice orçamental e a dívida pública - opção hoje inviável pelas dificuldades de acesso ao crédito e pelas metas impostas pela própria UE sobre os valores do défice e da dívida. A alternativa seria aumentar a carga fiscal, o que implicaria aumentar as pressões contraccionistas sobre a economia.

Neste contexto, as economias que mais teriam a beneficiar da PC têm de fazer a opção entre abdicar das verbas disponíveis (ou, pelo menos, adiar investimentos cuja pertinência é proporcional às verbas previstas pela PC), ou reforçar a austeridade num momento de crise social crescente.

A solução para este paradoxo não é difícil de descortinar: a UE deveria abdicar dos princípios da adicionalidade e do cofinanciamento da PC. Não estaria a aumentar o défice de ninguém (já que os fundos estão disponíveis) e permitiria que as economias mais frágeis desenvolvessem políticas de investimento (público e privado) sem necessiadade de aumentar a carga fiscal. Isto não resolveria a crise, mas diminuiria a sua profundidade e os seus custos sociais. Mas, como temos repetido, minimizar os custos da crise e potenciar o desenvolvimento a prazo das economias da UE não parece estar entre as prioridades dos seus responsáveis políticos.

UE-FMI?

No dia em que se soube que o FMI já esteve em Portugal e em que os especuladores não dão descanso às periferias, gerando taxas de juro usurárias, saiu um artigo no Público, escrito por mim e pelo Nuno Teles, intitulado O FMI já aterrou na Portela. Podem ler aqui, acompanhado por performance à altura das lutas que se avizinham.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Pedalar em Coimbra

Amanhã (5ªfeira) estarei, bem acompanhado pelo sociólogo Elísio Estanque e pela economista Mariana Mortágua, a debater a actual crise socioeconómica, as respostas políticas de austeridade e as alternativas. O debate começa às 17h na sala Keynes (belo nome) da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. O debate é organizado pelo Núcleo de Estudantes de Sociologia. Mais tarde, às 18h30m, o José Maria Castro Caldas apresenta o livro "Os Donos de Portugal" no Teatro Académico Gil Vicente.

Economias há muitas...

Robert Frank é um dos economistas comportamentais cujos trabalhos mais têm enfatizado os custos sociais do crescimento abissal das desigualdades económicas. Literatura empírica em crescimento nas ciências sociais. Pudera: segundo Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI, “por cada dólar de crescimento real do rendimento que foi gerado nos EUA entre 1976 e 2007, 58 cêntimos foram para as famílias pertencentes ao percentil do topo”.

A investigação de Frank tem indicado que as imensas desigualdades, em sociedades em que poucos capturam todos os ganhos, acentuam a ansiedade de status, a corrida mimética ao consumo ostentatório, com efeitos deletérios no bem-estar e na saúde financeira da generalidade das famílias, para não falar no ambiente. Na sua coluna no New York Times, Frank populariza alguns dos resultados da sua mais recente investigação e defende os efeitos benéficos da redução das desigualdades.

Aproveito para deixar um artigo académico de economia experimental, já com uns bons anos, de que Frank é co-autor, onde se explora um facto curioso: os economistas cooperam menos em experiências de dilemas sociais, tendem a “ir à boleia” dos outros (“free-riding”). Selecção ou (de)formação académica? A deformação tem um papel, argumentam os autores. A economia convencional, com a sua ênfase mais ou menos explicita na hipótese estreita do egoísmo racional, usada para justificar, por exemplo, todas as regressivas inanidades fiscais, não faz bem às pessoas e às sociedades. O ensino de certa economia gera externalidades negativas. Os economistas terão ferramentas para as debelar?

Jogo de espelhos

Claramente o PSD convenceu-se que depois do fraco apoio recebido pelo seu novo credo neoliberal (como mostraram as reacções ao seu projecto de revisão constitucional), o melhor meio de conseguir os seus objectivos seria por via de uma crise orçamental, que obrigasse à vinda do FMI e à imposição por via externa de um programa assassino de redução da despesa pública e de corte nos serviços públicos, incluindo na saúde, na educação e na protecção social, ou seja os três pilares do Estado social”.

(Vital Moreira, Público)

Vital Moreira analisa de forma particularmente clara e certeira a trajectória errática do PSD, sublinhando o taticismo eleitoralista que tem norteado o partido nos últimos tempos, a propósito da novela da aprovação do orçamento de Estado para 2011.

O que surpreende neste artigo, contudo, é a idêntica clareza com que supostamente se poderiam distinguir, segundo o autor, as medidas do governo relativamente ao projecto ideológico do PSD. Existirá uma separação assim tão cristalina entre as opções governamentais e os anseios do maior partido da oposição? Não constitui o OE de 2011 em si mesmo, pelas escolhas que encerra, e aprovado para todos os efeitos “a meias”, «um programa assassino de redução da despesa pública e de corte nos serviços públicos, incluindo na saúde, na educação e na protecção social, ou seja os três pilares do Estado social»?

Se em tempos de crise é este o rosto da identidade ideológica da “esquerda moderna” (que Vital Moreira tanto gosta de contrapor à “esquerda radical”), por será que o mesmo se confunde tão facilmente com os eixos programáticos da “direita neoliberal”?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Mudar de conversa...

“Se 4,3 milhões de portugueses lucrassem, cada um, mil euros a vender acções, o Estado receberia 860 milhões em impostos. Se a PT vende a Vivo com lucro de 4,3 mil milhões, o Estado recebe zero. Eis a economia moderna.” Recupero o editorial brutalmente realista de Pedro Guerreiro no Negócios da passada sexta-feira. Eu não chamaria a isto “economia moderna”. Eu chamar-lhe-ia capitalismo financeirizado: a sociopatia dos espíritos santos, de que fala, e bem, o Daniel Oliveira, está inscrita nas suas estruturas e torna todo este sórdido espectáculo da PT inevitável.

É no que dá a ausência de reformas estruturais, uma expressão que tem de ganhar conotações pós-liberais, ou seja, de recuperar um sentido progressista. Repito-me, mas agora num contexto de austeridade assimétrica brutal, em que a crise surge como uma oportunidade para os mesmo de sempre: as remunerações dos gestores de topo das grandes empresas cotadas no Reino Unido, só para dar um exemplo de fora e mudar ligeiramente de assunto, aumentaram mais de 50% no ano passado. Definitivamente, o empresarialmente correcto ainda dominante por todo o lado não se dissolverá sem luta ideológica e política, sem mobilizações dos de baixo. Pena é que por todo o lado demasiados críticos continuem presos à ideia de que as remunerações elevadas dos gestores só são uma questão política quando se trata de empresas públicas ou participadas pelo Estado, e estas são, infelizmente, cada vez menos e cada vez mais vitimas da predação privada interna ou externa.

A questão de quem se apropria do quê e porquê em toda a economia, envolva directamente o Estado ou não, é demasiado importante para ser deixada à sorte da aliança que se formou entre accionistas e gestores de topo para extrair, com cumplicidade activa dos Estados, salários milionários, bónus e dividendos à custa do esforço da esmagadora maioria dos trabalhadores, reduzidos a um mero custo a economizar, ou do futuro das empresas para lá da miopia dos voláteis accionistas. Isto tem-se traduzido, à escala do capitalismo desenvolvido, numa quebra dos rendimentos do trabalho a favor dos rendimentos do capital, num aumento das desigualdades salariais, numa quebra do investimento criador de capacidade produtiva adicional e de emprego. Os crescentes lucros das grandes empresas têm sido precisamente apropriados, sob a forma de dividendos, pelos impacientes accionistas. A PT ilustra, com todo o dramatismo orçamental, a ganância que as estruturas do capitalismo financeirizado instituíram.

Este regime gerador de crises só pode ser superado com mudanças corajosas das regras que enquadram as actividades dessa criação da lei a que chamamos empresa e os poderes dos diferentes actores que nela coexistem. Neste contexto, é mais do que justificado taxar punitivamente os prémios e outros benefícios que os gestores de topo das empresas capturam e aumentar decididamente a taxa de IRS nos últimos escalões, que tenderam a baixar nas últimas décadas, ou taxar mais fortemente, em sede de IRC, a distribuição de dividendos. Adicionalmente, é preciso instituir mecanismos que permitam que os trabalhadores tenham uma voz activa na gestão das empresas, incluindo na definição das remunerações dos seus diferentes intervenientes, na melhor tradição do modelo de co-gestão. É claro que, enquanto a liberdade sem freios dos capitais continuar em vigor, muitas destas reformas necessárias continuarão a ser politicamente sabotadas pelo muro do dinheiro e pelos intelectuais sociopatas que o defendem.