sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Escola pública e igualdade de oportunidades (I)

É de leitura imprescindível a brochura recentemente publicada no âmbito do Projecto aQeduto (uma parceria entre o Conselho Nacional de Educação e a insuspeita Fundação Francisco Manuel dos Santos), sobre a relação entre «chumbos», aprendizagens e perfis socioeconómicos dos alunos. Para quem ainda está convencido que os contextos socio-territoriais e o enquadramento familiar pouco contam nos processos e resultados educativos (lembram-se deste estudo, por exemplo?), a análise é demolidora. Até pelas comparações internacionais que permite estabelecer.

Um dos gráficos deste estudo vale por mil palavras, mostrando que a maioria (87%) dos alunos portugueses que chumbam no teste PISA de Matemática provêm de famílias de estratos sociais, económicos e culturais abaixo da média. Isto é, 9 em cada 10 alunos com resultados inferiores nos testes são oriundos de famílias de classe baixa e média-baixa.


Mas o estudo chega a outras conclusões fundamentais. Portugal é líder no chumbo de crianças no início do percurso escolar, com 23% dos alunos a repetir pelo menos uma vez até ao 6º ano e com 20% a chumbar no 3º ciclo. Aliás, Portugal é um país que se chumba muito, com cerca de 35% dos alunos com 15 anos (1 em cada 3) a ter já chumbado pelo menos uma vez no seu percurso escolar, verificando-se que os alunos que nunca repetiram obtêm resultados médios acima da média (530) e os alunos repetentes resultados médios muito baixos (411). O que equivale, segundo a OCDE, a mais de dois anos de atraso na escolaridade. Ou ainda a conclusão de que chumbar não melhora as aprendizagens: em vez de recuperar, os alunos tendem a distanciar-se dos seus pares.

Percebe-se pois o efeito nefasto das políticas seguidas nos últimos anos, orientadas para degradar, encolher e dualizar o sistema educativo português, contrariando o papel da escola pública como instrumento essencial de promoção da igualdade de oportunidades e de ruptura com as lógicas de seleção, exclusão e diferenciação. Lógicas que dificultam a mobilidade social, reproduzem as diferenças de estatuto socioeconómico e aprofundam as desigualdades.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A esquerda deveria pensar no que fez

Quanto à eleição de Marcelo Rebelo de Sousa, não me satisfaço com a indiferença do PS, com o entusiasmo do Bloco ou com a desilusão do PCP. As diversas forças políticas de esquerda terão que pensar no que fizeram para que a direita tivesse ganho umas eleições presidenciais quando a maioria da população votou - e continua a votar - à esquerda. E pior - como se verá adiante - quando estiveram a 71 mil votos de ir à 2ª volta.


Entre as eleições legislativas (ou aqui) e as presidenciais, deixaram de votar cerca de 670 mil eleitores. Destes, cerca de cem mil foram votos brancos (menos 54,6 mil) e nulos (menos 45,8 mil). Quando se compara as votações entre candidatos e partidos apoiantes, verifica-se que 1) Marcelo teve mais 326 mil votos que a sua base de apoio – PSD/CDS; 2) a Marisa teve menos 81,4 mil que a votação do Bloco de Esquerda; Edgar teve menos 260 mil votos que a CDU; 4) Nóvoa e Belém tiveram menos 490 mil votos que os votos no PS.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Eu que não sou militante...


…gostei de ler o artigo A (des)União Europeia, da autoria de Ângelo Alves e de João Ferreira, no último O Militante. Os seus “quatro vectores de contradição” são uma útil sistematização da presente situação e sobre o Euro a posição é particularmente clara e justa:

“Mais do que nos perguntarmos se o Euro tem futuro, importa questionarmo-nos sobre que futuro espera as economias da periferia da Zona Euro, Portugal incluído, dentro do Euro. A experiência grega foi certamente muito elucidativa, vindo confirmar a tese de que não é possível, no quadro do Euro e das regras que lhe estão associadas, suster e inverter de forma sustentada e duradoura o ciclo de dependência, subordinação e empobrecimento da periferia.”

Se é verdade que um bom diagnóstico, por si só, não evita derrotas, também é verdade que sem ele não há a prazo vitórias, ou seja, transformações que mudem a vida dos subalternos. E só um horizonte estratégico claro permite ter a flexibilidade táctica que a complexa conjuntura exige.

Entretanto, e sobre as últimas eleições presidenciais, gostaria de sublinhar que se trata para os comunistas em particular de uma derrota colectiva numa eleição unipessoal. O enquadramento escolhido para a campanha não ajudou a destacar e a divulgar a notável biografia cívica e política do seu candidato, provavelmente ainda pouco conhecida da maioria dos portugueses, nem a voz comunista original que daí também emerge. Onde era conhecido pelos seus particularmente corajosos combates a favor dos subalternos, na Madeira, isto não era necessário, como se viu pelo bom resultado aí obtido. Onde não era tão conhecido, no continente, isto era absolutamente necessário. As pessoas contam sempre e ainda mais nesta eleição. Creio que isto não explica tudo, obviamente, mas explica alguma coisa.

Enfim, fazendo de Marcelo Rebelo de Sousa em relação às dificuldades dos que apoia, diria que houve aqui mesmo um grande problema de comunicação, visível desde logo nos slogans pouco imaginativos. Comunicação é parte da linha política, claro. Foi pena. Creio mesmo que, até pela forma como encarna os valores defendidos, Edgar Silva é um imprescindível das esquerdas portuguesas.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Nem percam tempo


A imposição externa da “resolução” do Banif em benefício do Santander, bem reveladora da natureza da economia política europeia, é sublinhada no artigo que eu e o Nuno Teles escrevemos para o Le Monde diplomatique – edição portuguesaNão gostar, mas aplicar: As ajudas estatais são invocadas por Bruxelas para impor uma solução que resulta, ela própria, numa subsidiação a um grupo espanhol. A ajuda é boa quando está ao serviço de um processo de concentração à escala europeia, com grandes grupos monopolistas estrangeiros no controlo.

O Expresso divulgou, na passada sexta-feira, o conteúdo de um e-mail, do BCE para o Ministro das Finanças, confirmando pela enésima vez como as coisas realmente funcionam:

'A ordem foi clara. O Banif tinha de ser vendido ao Santander. E nem valia a pena tentar outras alternativas. O e-mail enviado a Mário Centeno por Danièle Nouy, presidente do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu, e com o conhecimento de Vítor Constâncio, na manhã de sábado, dia 19 de dezembro, traça o destino que acabaria por ser dado aos ativos do Banif. “A chamada com o Santander correu muito bem e a Comissão Europeia vai aprovar”, pode ler-se logo na primeira frase do documento a que o Expresso teve acesso. O supervisor europeu explica depois que “há outras ofertas pelo Banif, que de acordo com a Comissão não respeitam as regras de União Europeia das ajudas de Estado, e que por isso não podem seguir em frente”. E deixa um aviso a Mário Centeno: “A Comissão Europeia foi muito clara neste aspeto, por isso, recomendo que nem percam tempo a tentar fazer passar essas propostas.”'

domingo, 24 de janeiro de 2016

Escolhas


«A dicotomia entre um supostamente modelo caro e despesista, defendido pela esquerda, e um modelo supostamente barato e sustentável, defendido pela direita, não é apenas simplista, é falsa. Por exemplo, quando um governo decide gastar três vezes mais com as refeições diárias de uma família, que são servidas por uma instituição social, do que gastaria se atribuísse à mesma família uma prestação social para todas as suas despesas ao longo de um mês, este governo não está a poupar dinheiro aos contribuintes. Não está a contribuir para que esta família aprenda a gerir o seu orçamento. Não está a garantir que os seus direitos são assegurados. Não está sequer a ser capaz de monitorizar se o dinheiro está a ser bem utilizado. A verdadeira escolha que esteve aqui - e continuará a estar em discussão - é entre um modelo financiado e garantido pelo Estado, através de apoios sociais atribuídos de acordo com critérios universais e transparentes e um modelo, financiado pelo Estado, mas do qual este se desresponsabiliza de garantir que os direitos sociais dos cidadãos mais vulneráveis estão efectivamente assegurados.»

Pedro Nuno Santos

«O Programa de Emergência Social (PES) era um programa que foi anunciado em 2011, novamente anunciado e divulgado em 2012, e era composto por 53 medidas. E foi prometido pelo governo PSD/CDS na altura fazer um balanço e uma avaliação semestral. Nós não demos por nenhuma, nem semestral nem anual, quando acabou o PES. A curiosidade foi perceber o que foi o Programa de Emergência Social. E então nada como ir verificar na execução as medidas que estão contabilizadas e cuja despesa foi paga pelo PES. Curiosidade: há uma medida que podemos dizer se enquadra no Programa de Emergência Social, que são as Cantinas Sociais, que representam 40 milhões de euros em 2015. 40 milhões de euros de um total de execução de 236 milhões de euros. Então vamos tentar perceber qual é a diferença. A diferença são Acordos de Cooperação, que são pagos em despesa corrente e que sempre foram pagos pela Segurança Social em despesa corrente. Programas que existem há anos. O que aconteceu efectivamente foi uma contabilização fictícia de programas e de despesas de orçamento corrente da Segurança Social que simplesmente transitou para esta rubrica. O Programa de Emergência Social, que tantas vezes foi anunciado, resume-se às Cantinas Sociais.»

Cláudia Joaquim

«É difícil, para não dizer impossível, olhar para os últimos quatro anos e ver outra coisa que não devastação e retrocesso social. Até este governo assumir funções havia mais 262 mil pessoas em risco de pobreza ou exclusão social do que em 2011. Em cada mês de governação PSD/CDS eram mais cinco mil pobres por mês, dois mil dos quais crianças e jovens. Isto não aconteceu por acaso mas por opção deliberada e consciente do PSD e do CDS, que decidiram transformar uma crise económica numa enorme crise social. Particularmente grave foi o aumento da pobreza nos idosos. (...) A ética social na austeridade só mesmo na cabeça de quem, no PSD e no CDS, apostou numa estratégia errada, mais cara, menos eficaz e que desprotege quem é efectivamente pobre. (...) A política de reposição e aposta nos mínimos sociais é triplamente eficaz: é eficaz do ponto de vista social e de combate à pobreza e exclusão social; é eficaz do ponto de vista orçamental; e é eficaz, muito eficaz, do ponto de vista económico. (...) Não há forma mais eficaz de dinamizar a procura interna do que reforçar o rendimento dos seus membros mais pobres e vulneráveis.»

João Galamba

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Uma sondagem para animar a malta...


Via naked keynesianism, uma sondagem animadora para umas presidenciais: o nosso homem em Washington ganharia ao protofascismo em modo norte-americano, começando a assustar a campanha de Clinton, que assiste a uma erosão da sua vantagem inicial mais rápida do que em 2008.

É preciso não esquecer que Clinton é uma representante do que nos anos noventa se apodava de “novos democratas”, que, tal como os “novos trabalhistas” de Blair e outros ditos modernizadores deste lado do Atlântico, sempre gostaram bastante do capital financeiro, servindo-o com denodo. Depois de sair da tíbia administração Obama, Hillary Clinton ganhou dois milhões de dólares em menos de sete meses, tendo por base palestras em Wall-Street. Não por acaso, reconheceu um dia que tinha sido sua representante no senado, segundo o sempre atento jornalista financeiro Doug Henwood. Sanders ou Corbyn não irrompem por acaso. Estamos num contexto de crise, alimentada por um crescimento inaudito das desigualdades e pela corrosão moral que isto sempre gera.

Sem querer relativizar, ao pé dos EUA, o que se passa por cá em termos de poder do capital, de corrupção institucionalizada, em sentido amplo, é naturalmente uma brincadeira de pequenitos. Basta pensar no detalhe do financiamento das campanhas. De resto, e inacreditavelmente, ainda há quem por cá aponte o sistema judicial norte-americano como modelo, o mesmo que depois do colapso financeiro assente na fraude sistémica na última fase do ciclo, conseguiu meter na cadeia uma pessoa, facto ainda agora lembrado pelo excelente A Queda de Wall-Street. E nem falo dos que ainda idealizam o seu sistema socioeconómico. Isto num país onde a fraqueza do Estado social só tem paralelo num crescimento sem precedentes do Estado penal desde os anos oitenta. Enfim, todo um modelo por superar.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Quem manda

Só posso reiterar que não existem limites. Se decidirmos sobre uma política específica, queremos estar confiantes acerca da inexistência de limites técnicos à dimensão da sua aplicação.

Mario Draghi, presidente pós-democrático, na conferência de imprensa de hoje.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Por detrás das perguntas aos candidatos


A televisão é o meio de comunicação social com maior penetração na população. O seu conteúdo pode condicionar a vida política nacional e influenciar acontecimentos.

Por exemplo, estou convencido de que, em Setembro de 2012, foi a televisão que esteve na base da dimensão daquela que foi tida como a maior manifestação nacional pós 1ºMaio de 1974. Nos dias anteriores à manifestação "Que se lixe a Troika", os noticiários foram dando conta da evolução do número de "likes" na página da manifestação no facebook. Tudo porque os jornalistas se convenceram que se tratava de uma manifestação convocada fora do espectro partidário e, por isso, original e pura, digna de ser apoiada.

O espaço televisivo é um bem público. E por isso a sua concessão a televisões privadas foi objecto de contratos que, na verdade, não são vigiados nem controlados pelas autoridades públicas. O Estado cedeu às televisões um bem público de importância crucial. E essa importância passa, necessariamente, pela qualidade dos jornalistas, criadores de informação.

Vem isto a propósito das perguntas que foram feitas no debate dos candidatos a presidente da República, na emissão de ontem da RTP. Elas revelam mais o que lhes vai na alma do que propriamente algo que seja relevante para o país. Em muitos casos, as perguntas seguem pequenos fait-divers, falsos sensos comuns, e, muitas vezes, são picadelas para provocar opiniões veementes. Mas, pior, revelam as crenças do entrevistador.

Senão, veja-se as perguntas feitas apenas até ao 1º intervalo, supostamente perguntas sobre "as convicções" dos candidatos:

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Mais coisas que não existem

Um grande banco alemão usa a expressão “criança problemática” para se referir a Portugal. Numa nota, que o principal blogue de direita reputa naturalmente de “demolidora”, os sinais de superação da anterior estratégia de compressão dos salários são assim denunciados por quem está explicitamente preocupado com a ideia de ainda existirem veleidades de contratação colectiva na periferia.

Entretanto, a troika, perfeitamente alinhada com tal banco - não é defeito, é feitio de classe das instituições da integração realmente existente -, já fez saber que tem uma lista: no que depender de si, os direitos do patronato medíocre são para continuar a aumentar nesta periferia, entre outras, por via da facilitação ainda maior dos despedimentos, apresentando um dos meios para a tal compressão como uma medida de estímulo ao investimento. Isto quando sabemos, pelas respostas dos próprios empresários ao inquérito do INE sobre esta matéria, que o grande obstáculo ao investimento é a evolução da procura, elemento que é sempre para comprimir.

E ainda há quem diga que o imperialismo, a política internacional do capital financeiro do centro, não existe. Já temos obrigação de saber: o que não existe, pode mesmo ser o mais importante.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Ellen Meiksins Wood (1942-2016)


Na maioria das análises sobre o capitalismo e a sua origem, não há realmente uma origem. O capitalismo parece estar sempre lá, algures, necessitando apenas de ser libertado das suas cadeias – por exemplo, das cadeias do feudalismo – para poder crescer e amadurecer (...) O que é central para a maioria das análises convencionais da história são certas hipóteses, explícitas ou implícitas, sobre a natureza humana e sobre o comportamento humano, dadas as oportunidades. Os indivíduos aproveitarão sempre a oportunidade de maximizar os lucros através de transacções comerciais, dando livre curso à sua natural inclinação (...) A característica distintiva e dominante do mercado no capitalismo não é a oportunidade e a escolha, mas antes a compulsão.

Ellen Meiksins Wood, The Origin of Capitalism, 1999, pp. 4-6, minha tradução.

Faleceu, na passada quarta-feira, uma grande intelectual marxista. Professora durante muitos anos na Universidade de York, Canadá, Wood foi uma das responsáveis por aí ter florescido uma tradição de análise crítica da evolução do capitalismo, das suas origens às suas declinações imperiais mais recentes.

No quadro dos debates sobre a transição entre modos de produção, enfatizou a importância das transformações nas relações sociais subjacentes à propriedade, em particular nos campos, as famosas origens agrárias do capitalismo à la Robert Brenner, mostrando o trabalho político e intelectual que requereu o seu estabelecimento: nada é menos natural do que um sistema essencialmente baseado na compulsão da concorrência generalizada de mercado.

Um exemplo de escrita clara, simples e distinta, os seus textos revelavam um profundo conhecimento das dinâmicas materiais do capitalismo e da história dos dominantes argumentos forjados a favor das classes dominantes. Conhecer o capitalismo, a sua teoria económica e política, sem separações artificiais, é uma tarefa indispensável para todos os que sabem que se trata de um sistema com uma origem e eventualmente com um fim, embora, como já alguém disse, pareça ser, em tempos tão sombrios, mais fácil vislumbrar o fim da humanidade.

Ellen Meiksins Wood sempre acreditou que conseguiríamos melhor. Chamou-lhe naturalmente socialismo. Nunca desistiu. Como acontece com a esmagadora maioria do que de mais interessante existe no pensamento marxista contemporâneo, nenhum dos seus livros está traduzido em Portugal. Eu começaria precisamente pela origem...

domingo, 17 de janeiro de 2016

A reversão da desgraça

Está a fazer escola na comunicação social a ideia de que a reversão das medidas adoptadas pelo anterior Governo PSD/CDS é a forma de o PS ganhar as próximas, muito próximas, eleições. O Governo, prevendo dificuldades com a estabilidade parlamentar ou com a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, estaria a governar já em campanha eleitoral.

Sérgio Figueiredo apelida o Governo de "fofinho" ao cumprir o seu programa eleitoral - e o seu acordo parlamentar - de rever as medidas de austeridade aplicadas pelo governo PSD/CDS. Pedro Santos Guerreiro no Expresso ("O Estado sou eu?") lembra a tese de Sérgio Figueiredo, usa a onomatopeia brincalhona "Gugu? Dá, dá, dá, dá" e, apesar de ser a favor da reversão da política falhada de direita (que ele chegou a apoiar entusiasticamente durante anos), critica este governo de ser apenas o reverso do governo de direita. Pedro Sousa Carvalho critica a política do "desfaz" e que já estão à vista os seus custos na futura emissão de dívida. Clara Ferreira Alves - no programa "Eixo do mal" - acha que o Governo está a ceder à shopping-list do Partido Comunista, na semana de trabalho da Função Pública de 35 horas. Pedro Passos Coelho alinha na mesma tecla, com um certo tom egocêntrico, ao acusar o governo PS de ser "contragoverno", como se ele ainda fosse o chefe de um governo exilado. Está em formação um novo consenso nos media.

É triste como a espuma dos dias acaba por toldar a memória. Convirá relembrar que as medidas de austeridade, adoptadas de 2010 a 2013, tinham um propósito mágico: o de reequilibrar rapidamente as contas orçamentais e externas; e com isso, recriar as condições para uma virtuosa retoma económica, e reduzir o desemprego em ascensão desde a criação do euro. E o rolo compressor avançou.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Elogio ao Banco de Portugal

A actuação do Banco de Portugal (BdP), nas suas diversas facetas, tem sido pouco mais do que uma tragédia para todos nós.

No entanto, o BdP acertou claramente na recente decisão relativa ao Novo Banco, revertendo a anterior decisão de preservar os credores seniores dos efeitos da resolução do BES. Com a transferência de dívida sénior para o banco dito mau – aparentemente, escolhendo séries de obrigações sujeitas à lei nacional e sem garantias públicas –, o BdP poupou 2 000 milhões de euros ao Tesouro, valorizando na mesma medida o banco público dito Novo. Os credores de uma empresa devem estar sujeitos ao risco de perdas quando o devedor vai à falência. Foi o que aconteceu.

As acusações de que parecemos a Argentina são infelizmente infundadas, já que o mesmo tipo de discricionariedade seria mais facilmente identificável no recente caso do Banco Hypo na Áustria, só para dar um exemplo mais a norte. Credores privados não podem ter os seus créditos garantidos por todos nós.

Finalmente, a atitude de distanciamento do Governo. Qualquer outra alternativa teria sido mais custosa. Este é, aliás, um bom, embora limitado, exemplo de como se faz uma reestruturação da dívida externa nacional.

P.S. Em relação à suposta discricionariedade do BdP em relação à divisão de activos entre BES e Novo Banco, vale a pena lembrar que tais poderes estavam previstos desde a resolução do banco, no Verão de 2014.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Tempos de grande incerteza


"Regresse a finais de 2012. Num caso de que não teria ouvido falar na altura, surgiu a acusação de que os dirigentes sindicais da circunscrição escocesa de Falkirk terão interferido na escolha do candidato do Partido Trabalhista ao Parlamento. Alguns meses mais tarde, o episódio captou a atenção do país através de uma história de assustar, exageradíssima, contada pela imprensa da direita.

Reagindo à pressão dos media, Ed Miliband, o líder trabalhista da altura, propôs e conseguiu aprovar uma reforma das relações do partido com os sindicatos. O mesmo pacote regulamentar também substituiu o sistema de colégio eleitoral que lhe tinha dado a liderança por um sistema de “um membro, um voto”. Dois anos mais tarde, na sequência da derrota eleitoral dos trabalhistas e da demissão de Miliband, este novo sistema permitiu a Corbin, um simbólico candidato da esquerda do partido que se sentava na última fila da bancada e que nem sequer tinha a expectativa de poder aparecer no boletim de voto, varrer os seus rivais já que obteve carradas de votos dos membros que aderiram nessa altura e dos que já lá se encontravam.

Em menos de três anos, a borboleta-Falkirk produziu o furacão Corbyn. Aos que, cheios de segurança, preveem que o abandono do “centro” pelo Partido Trabalhista irá deixá-los fora do poder por uma geração, eu pergunto: sem que o saibamos, que borboletas estarão agora a bater as asas?"

Minha tradução de um texto que vale a pena ler na íntegra.

Está na hora de outra economia política


Como argumentámos na altura, o aumento do horário de trabalho no sector público para as 40 horas fez parte de uma ofensiva anti-laboral mais vasta, geradora de injustiças sociais e irracionalidades económicas imbricadas: desemprego de massas acentuado, de um lado, gente a trabalhar cada vez mais horas, do outro.

Segundo Vital Moreira, a reposição das 35 horas no sector público vai reintroduzir uma desigualdade face ao sector privado, incentivando este último a corrigi-la, o que Vital Moreira vê como uma verdadeira desgraça para os patrões, que neste quadro intelectual levam o nome de “competitividade”, sempre reduzida à componente salarial. Na realidade, Vital está a descrever um processo virtuoso, em que uma alteração da correlação de forças num ponto estratégico do mundo do trabalho pode gerar dinâmicas de contágio laboral progressista noutros. A troika e o seu governo estavam, embora em sentido contrário, a par disto: economia política do retrocesso, chamámos-lhe.

A conversa sobre a desigualdade entre trabalhadores do público e do privado ou entre trabalhadores novos e velhos, trabalhadores no activo e reformados (sempre trabalhadores...) serve para criar divisões horizontais que ofuscam as verdadeiras desigualdades verticais numa sociedade capitalista. Estas últimas só podem ser reduzidas pelo empoderamento dos trabalhadores, como até a investigação do FMI confirma: trata-se de um processo que ocorre a diferentes velocidades, sendo os seus feitos igualizadores cultivados por organizações que encarnem os interesses comuns do mundo do trabalho assalariado. Em Portugal, a que está mais próxima disto chama-se CGTP.

Sabemos que uma das artes do controlo é dividir o mundo do trabalho para reinar, sabemos que esta é uma arte que exige muito investimento, das tecnologias às ideias. A arte socialmente mais útil é a que caminha no sentido contrário: partindo da acção colectiva das classes trabalhadoras para um projecto nacional-popular que não dispensa fracções das tais classes capitalistas de que nunca se fala na sabedoria convencional (a segmentação que mais interessa politicamente tem de se fazer aí...).

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Detalhe

Hoje ficámos a saber que as exportações têxteis nacionais para os EUA subiram 28% no ano passado. A acentuada depreciação do euro, rumo à paridade com o dólar, foi um detalhe, até porque é sabido que a política cambial não interessa para nada no caso de países ricos ou não tivesse o país decidido, ou alguém decidido pelo país, livrar-se dessa maçada.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Aprender a desobedecer


Euclid Tsakalotos, ministro das Finanças grego, em entrevista ao jornal espanhol El Mundo, declarou o seguinte: «aplico políticas neoliberais das quais não gosto». Esta declaração de impotência democrática pode ser transposta para outros contextos de soberania limitada no quadro da periferia da Zona Euro. De facto, ainda que sem usar o termo neoliberal, um dia antes, em declarações na Assembleia da República, o ministro das Finanças português, Mário Centeno, tinha dito, a propósito da decisão sobre o Banco Internacional do Funchal (Banif), que «o Governo preferia outra solução», nomeadamente a recapitalização do banco e a sua integração na Caixa Geral de Depósitos, mas que não havia agora luz verde de Bruxelas para tal, ainda para mais tendo em conta o arrastar da situação pelo anterior governo durante mais de dois anos. Uma vez mais, as constrangedoras regras neoliberais europeias, neste caso sobre os limites às chamadas «ajudas de Estado», no quadro das regras de concorrência, não são apreciadas por um governante nacional, mas são aceites.

Excerto do artigo - Não gostar, mas aplicar: o caso Banif - que eu e o Nuno Teles escrevemos para o número de Janeiro do Le Monde diplomatique - edição portuguesa. Um número que conta, na sua componente portuguesa, entre outros, com um contributo de Ricardo Cabral sobre a política económica possível no actual contexto bem constrangedor.

Ainda sobre o contexto económico-político europeu, podem ler um artigo de Frédéric Lemaire e Dominique Plihon sobre a forma como Bruxelas está a alimentar a próxima crise financeira, através de um conjunto de iniciativas de desregulação nesta área. A Comissão Europeia (CE) está a promover com afinco a titularização de créditos e outras práticas financeiras mais do que duvidosas, como se viu nesta crise. Na realidade, desregulação é o outro nome da criação de regras favoráveis aos interesses dos grandes colossos financeiros que exercem o seu poder político na escala suprancional. Não é defeito, é mesmo feitio: em Bruxelas não sabem fazer outra coisa. Como sempre acontece, quem quiser controlar a finança deve pensar em primeiro lugar na escala nacional e na desobediência ao consenso de Bruxelas.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Temas que o governo não pode ignorar: política industrial e reestrutração da dívida

No seu habitual registo de moderação e assertividade, Rui Peres Jorge lista no Jornal de Negócios vários desafios que o governo enfrenta para se confirmar como uma alternativa de qualidade.

Eu sublinho dois temas, que até agora não vi tratados pelo governo: a política industrial e de inovação; e a reestruturação da dívida.

Escreve RPJ sobre o primeiro:"embora bem-vinda e urgente face à perda de quase 600 mil empregos nos últimos anos, não basta a aposta numa recuperação dos rendimentos para acelerar a recuperação. O país necessita de uma estratégia de requalificação das práticas de gestão, tanto no sector público como no sector privado, e de uma política industrial assente na valorização do conhecimento, da tecnologia e do mérito."

E sobre o segundo: "Financiar 15 a 20 mil milhões de euros por ano de dívida pública como se fará em 2016 provar-se-á uma missão quase impossível quando o BCE deixar de comprar dívida a partir de 2017; e na banca o marasmo espelha-se nos elevados níveis de crédito mal parado. Torna-se por isso essencial negociar estratégias de amortização e reestruturação das dívidas pública e privada."

Tem toda a razão.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Deverá a esquerda unir-se na 1ª volta?

A campanha eleitoral oficial das eleições presidenciais arranca com uma nova situação. Tanto para Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), como para as candidaturas da esquerda.

Primeiro, MRS foi claramente encostado às cordas. Atacado por ser um catavento, capaz de defender uma coisa e o seu contrário, MRS - na expressão feliz de Maria de Belém - revelou-se: deixou a figura sorridente, de amigos de todos, e "transmutou-se". Tornou-se num Mr.Hide que interrompe todos e a toda a hora, sem filtro de pensamento, com aquela atitude de velho quezilento, temeroso de que a ideia do oponente vingue na cabeça de quem ouve. O debate com Sampaio da Nóvoa foi evidente:

Sampaio da Nóvoa: Marcelo "tem 20 citações a dizer uma coisa e o seu contrário".
Marcelo Rebelo de Sousa interrompendo: "Mas disse, mas disse. A si nada se conhece. Durante 40 anos onde é que esteve?"
Sampaio da Nóvoa: Marcelo tem "um discurso pobre".
Marcelo Rebelo de Sousa, interrompendo: "Pobre? Acha que ir de soldado raso a general, acha pobre?!"

Esta atitude não o deve favorecer. Politicamente, as pessoas poderão não seguir os assuntos, mas o que passa é revelador do que é MRS - uma pessoa agressiva, vingativa, má, incapaz de debater abertamente. MRS abana nos embates. Como sublinhava Pedro Lains, é sintomático que não haja agora "nenhuma de jeito". O mais recente post de Pedro Magalhães dá a entender isso: Marcelo estava sozinho e agora já começa a repartir do seu eleitorado inicial.

Por outro lado, face à acusação de que esteve durante quatro anos colado à maioria PSD/CDS para depois criticar o facto de o país estar dividido socialmente, MRS tem a argumentação bastante caricata - e em sintonia com a própria coligação PSD/CDS: "Apoiei as politicas para a estabilidade financeira, estive contra os excessos como a TSU e critiquei a falta de medidas para o crescimento". Uma versão que acomoda bem a interpretação oficial de que não foi o programa de ajustamento que retirou a possibilidade de crescimento económico, que aprofundou a recessão, fez o desemprego explodir e empurrou centenas de milhares de pessoas para a emigração.

Esta nova situação para MRS cria, contudo, um novo desafio aos candidatos de esquerda. É possível que MRS esteja mais longe de ganhar à 1ª volta, como ele bem desejava. Mas assim sendo, importa saber quem é o candidato à esquerda que irá à 2ª volta. E aí os candidatos do PCP e do Bloco de Esquerda poderão ser obrigados a tomar uma decisão inesperada sobre se permanecem ou não na corrida para à 1ª volta. Se é Sampaio Nóvoa que vão apoiar na 2ª volta, possivelmente chegará o momento em que terão de garantir essa vontade. Ou será que receiam que o candidato perca o centro político?

Estes dias de campanha eleitoral vão ser, por isso, muito interessantes.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Em nome do Artigo 1º da Constituição


Na presente campanha eleitoral para a Presidência da República Portuguesa, nenhum candidato parece ter a ousadia de Franklin D. Roosevelt que, no discurso da sua tomada de posse em 1933, em plena Grande Depressão, afirmou: “A única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo.”

A situação que vivemos em Portugal bem justificaria um programa de política económica com a ambição do New Deal. Porém, nem o regime constitucional português, nem a integração de Portugal na UE, permitem uma liderança política dessa natureza. De facto, sem menosprezo pelo PCP, não está (ainda) à vista uma proposta suficientemente aberta e mobilizadora dos portugueses para uma ruptura política de ataque às causas profundas desta crise.

Precisávamos de um candidato que dissesse aos portugueses que o medo é o principal obstáculo à superação dos males que nos afligem. Em particular, o medo de desafiar as políticas absurdas da UE. O medo de pensar o nosso Bem-Comum liberto da ditadura do capital financeiro e dos interesses dominantes na Alemanha. O medo de que se repita connosco o que aconteceu à Grécia. Enfim, o medo de reconhecer que traímos a nossa História quando trocámos a soberania do país pelos Fundos Estruturais.

No meio de uma profunda crise do capitalismo liderado pela finança, cujas elites ambicionam destruir tudo o que de civilizado se foi conquistando no pós-Guerra, ainda há demasiado medo de experimentar outros caminhos, outras políticas, outras lideranças. Alguém disse que “é muito difícil angariar apoio popular para pôr fim a uma união monetária (...) por causa do sentimento de incerteza que isso produz, além da inevitável grande inflação.” Ainda assim, há muitos portugueses que rejeitam a resignação e o colaboracionismo.

Talvez devêssemos pôr os olhos na liderança do general Charles de Gaulle que, a partir de Londres, sem desfalecer, liderou a resistência, enquanto a maioria das elites francesas se rendia ao ocupante ou até com ele colaborava. Não terá chegado a hora de organizarmos, também nós, a resistência às políticas cruéis e sem sentido que, mais tarde ou mais cedo, a UE acabará por também impor ao actual governo? Imbuídos de um genuíno espírito internacionalista, em nome do Artigo 1º da nossa Constituição, devíamos começar a organizar uma Frente de Libertação (ou Salvação) Nacional contra o Euro, em colaboração com os que em Itália e França querem seguir o mesmo caminho. Uma segunda volta nestas eleições ajudaria a vencer o medo.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A cores

Edgar Silva forjou a melhor definição de Marcelo Rebelo de Sousa: “Cavaco Silva a cores”. Marcelo foi, é e será um Cavaco adequado a uma certa televisão, o principal aparelho de construção do consenso: de resto, é a mesma cumplicidade activa com o sector financeiro, uma “questão de regime”, como recentemente Marcelo a classificou (e tem inadvertidamente razão, pois é todo um regime de economia política que foi construído a partir dos anos oitenta e que desgraçadamente dura até aos dias de hoje); o mesmo apoio à austeridade, mesmo contra a Constituição, como Marisa Matias bem sublinhou. Em caso de vitória, Marcelo será o que Cavaco foi, ou seja, um garante da dependência nacional. Não se deixem enganar por esta direita. Lembrem-se que a dependência nacional continua a ter cores: algures entre o azul e o amarelo, de um lado, e o preto, vermelho e dourado, do outro. E qual é a cor das farsas bancárias?

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Ainda o mérito do jornalismo

Dado o mérito do jornalismo, aqui já assinalado, creio que a Presidente do Sindicato dos Jornalistas, Ana Luisa Rodrigues, em entrevista ao Público, vai na boa direcção: perante a pergunta – “A ideia de subvenção pública faz sentido? Não há o perigo da governamentalização?” – vem a resposta – “E porque é que não paira essa dúvida sobre o poder económico? O sindicato não tem ideias fechadas sobre isso. É evidente que temos que buscar outros modelos de negócio. O debate sobre as fontes de financiamento tem que ser aberto, as questões e as várias soluções têm que ser colocadas em cima da mesa. A subvenção estatal não pode ser um tema tabu, tem que ser levantado e discutido sem pejo, além de outras formas de mecenato.” A subvenção não pode ser tabu e, já agora, o mesmo se aplica às formas de propriedade a promover – pública e cooperativa –, já que a esfera da imprensa voltou a ter também aqui muito pouca variedade.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Cadernos de encargos para o governo

No outro dia, encontrei um ex-membro de governo e estivemos à conversa, de pé, umas boas horas. Ao fim de quase 30 anos de profissão de jornalista, não tenho muitas dúvidas sobre a força da penetração da corrupção nas estruturas públicas e da forma como se adultera - cada vez mais - a prática pública. Mas o que me aterroriza sempre é o à-vontade e a impunidade de como as coisas se fazem.

A corrupção não é apenas um abotoar de dinheiros à custa do erário público. É o telefonema do colega de Governo para que recebe uma dada pessoa que quer um favor do governante, em nome da distrital do seu partido; é o cartão a dizer "Veja o que pode fazer com esta proposta" que se junta com um documento fornecido por um amigo; é a subtileza de o desvio de dinheiros com fins políticos se fazer à pala de uma dada frase num dado documento; é a inserção no Orçamento de Estado, à última da hora e sem qualquer parecer dos serviços do Estado, de alterações à lei com apenas um beneficiário; é o descaramento com que alguém pede ao governante para que um caderno de encargos de um dado concurso público seja subvertido para acomodar um dado fornecedor; é o gasto de dinheiros públicos na compra dispendiosa de bens sem qualquer estudo prévio sobre a necessidade pública; é a utilização de bens públicos como se fossem seus; é o gasto de dinheiros públicos em estudos externos aos serviços públicos, que de nada servem senão para distribuir dinheiros a amigos ou a amigos do governo. São os cargos em administrações de empresas, abertos a políticos, deputados, membros de governo, sem qualquer exigência de trabalho efectivo, constituindo-se numa clara avença, paga para qualquer efeito futuro. E a lista poderia continuar, sem fim.

O problema não é o Estado. O problema é a forma como se usa o Estado. Todos nós sabemos que isso se faz. Todos nós sabemos como se faz. Todos nós sabemos que as máquinas partidárias estão demasiado viciadas no dispêndio de dinheiros públicos em favor de interesses privados (económicos ou meramente partidários). O grave é precisamente esse: TODOS SABEMOS.

Todos sabemos e nada acontece. O Tribunal de Constas recolhe periodicamente documentos dos serviços públicos sobre como prevenir a corrupção, mas a corrupção é algo bem mais fluido. Passa pela cumplicidade de quem está sentado ao lado no Governo, na bancada parlamentar ou no topo do partido com quem o Governo lida todos os dias.

O que fazer? Como fortalecer o Estado e impedir a porosidade larvar, alimentada por altos responsáveis político-partidários? Como revigorar um Estado presente e sólido sem ser este abastardamento das funções públicas?

domingo, 3 de janeiro de 2016

O mérito do jornalismo

Isto não é um livro e muito menos um jornal...

Alexandra Lucas Coelho escreveu um bom artigo sobre o futuro da imprensa: para resumir, os jornais devem passar a ser obra de beneméritos a exemplo, sei lá, do Grupo Jerónimo Martins, que neles investirão para evitarem temas aborrecidos como a concorrência fiscal na União Europeia. Os jornalistas dedicar-se-ão menos às reportagens do que à extorsão. Ou se calhar percebi mal.

Estou com Luís M. Jorge, já que também posso não ter percebido. Partilhando a preocupação com os impactos negativos da profunda crise do jornais e do jornalismo, a mim espanta-me que no artigo de Lucas Coelho não haja menções explícitas a políticas públicas.

O enlevo com o filantrocapitalismo é assim tão forte, o senso comum da época é assim tão irresistível? A crença na fraude da responsabilidade social dos grupos empresariais está assim tão arreigada? Até a The Economist, na sua coluna Schumpeter, baseando-se num artigo da Accounting Review, indica que quanto maior é o investimento na dita responsabilidade, maiores são os esforços empresariais feitos para fugir aos impostos: o Pingo Doce, com o seu investimento ideológico, o qual passa por responsabilidade social, acompanhado pelo chamado planeamento fiscal agressivo, ilustra isso mesmo.

Se os jornais e revistas de qualidade são um bem de mérito, satisfazendo uma necessidade relevante, tendo externalidades positivas sob a forma de um espaço público com vitalidade, então o Estado pode ter de assumir mais responsabilidades nesta área: seja através da subsdiação, em moldes, sei lá, inspirados numa Fundação para a Ciência e Tecnologia ou, talvez mais apropriado, dado que é de um bem cultural que, afinal de contas, estamos a falar, num Ministério da Cultura; seja, ai a heresia, através da propriedade pública directa de jornais. Os mercados estão a falhar e as forças de mercado, na realidade, estão hoje a destruir este bem. Que coisas destas, aparentemente, ainda não passem pelo teclado de uma jornalista competente, diz realmente muito sobre o espírito deste tempo.

sábado, 2 de janeiro de 2016

Depósitos públicos, benefícios privados?

Cartaz publicitário cujo slogan quer dizer "Vocês verão"
Quando se deu a intervenção pública no BANIF, soube-se duas coisas importantes e, a partir delas, surgiu uma dúvida ainda não esclarecida.

Soube-se que 1) o Governo teria preferido a nacionalização do banco - vulgo integração na CGD; 2) e que tinha ficado fora de causa adiar a solução para lá de 31 de Dezembro de 2015, porque teria custado aos contribuintes mais de 7 mil milhões de euros. Porquê? Porque, a partir de 1 de Janeiro, as novas regras comunitárias farão os depositantes cobrir as insuficiências de capitais e, no caso do BANIF, isso significaria que entidades públicas com elevados depósitos no BANIF perdessem os seus depósitos. A liquidação do banco teria custado 10 mil milhões de euros.

Ora, a dúvida que se suscita é por que razão havia entidades públicas com tão elevados depósitos no BANIF. Ou mais concretamente: que entidades eram essas? Quais os respectivos depósitos envolvidos? Quando foram feitos? Quais as razões que levaram os responsáveis dessas entidades públicas a "investir" no BANIF, sabendo-se que era uma instituição financeira problemática? Houve intervenção tutelar nessa decisão?

A importância das perguntas é óbvia. E tanto mais óbvia porque a maior parte da sociedade portuguesa faz por esquecer a utilização perversa e quotidiana que é feita dos dinheiros públicos. Como se vivêssemos num pântano insuperável.