quinta-feira, 31 de março de 2011

Economia com interesse público

Só tenho tempo para traduzir o título, mas pode ser que alguém decida traduzir o texto e difundi-lo entre nós: Uma proposta modesta para superar a crise do euro, por Yanis Varoufakis e Stuart Holland, em nova versão.

A cassete da Almirante Reis

Esta semana, a ideia zumbi da chamada consolidação orçamental expansionista foi mais uma vez enterrada com a revisão em baixa da previsão feita pelo Banco de Portugal (BdP). Graças à austeridade, teremos uma recessão de pelo menos -1,4% este ano e dezenas de milhares de novos desempregados. Correia de transmissão do neoliberalismo com escala europeia, o BdP diz que toda esta destruição é inevitável e terá mesmo de ser aprofundada. Agora vem propor, sempre alinhado com a direita, uma redução das contribuições patronais para a segurança social, compensada com um aumento do IVA. Reduzir salários directos e indirectos e aumentar as desigualdades são as obsessões de sempre do BdP. Só mais um esforço que ainda não somos o país desenvolvido mais desigual. Para o BdP, a competitividade é questão de custos salariais directos ou indirectos e nada mais. Uma forma de percepção selectiva que atrofia a imaginação política e a inovação empresarial. Será que desconhecem que no nosso país o peso do IVA nos impostos totais é dos mais elevados da UE? É claro que o BdP faz um ensaio tosco de economia política e propõe, tal como um certo partido da direita, para tentar compensar e disfarçar mais um projecto de regressão social, uma vaga "transferência monetária" dirigida, que nunca ocorrerá, claro. Aliás, há muito que o BdP declarou guerra ao projecto do Estado social universal. De resto, também como a direita, o BdP continuará a dizer que o desemprego é um problema de segurança social demasiado generosa e de regras laborais que ainda dão alguma liberdade aos trabalhadores, como se a enéssima recessão provocada pela austeridade permanente não fosse a principal causa do desemprego, como se a crise financeira mundial não tivesse implodido com os idealismos de mercado e gerado novas vagas de desemprego, como se o desastre da integração num euro disfuncional, sempre apoiado, não tivesse ocorrido. São infinitos os pretextos para baixar salários e deteriorar condições de trabalho, mas não há melhor do que o desemprego de massas causado pelas crises. É a economia política do desemprego. É a cassete da Almirante Reis.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A arma das periferias

Renegociar dívida antes que seja inevitável pode ser solução. Vale a pena ler o oportuno trabalho de Ana Rita Faria, até pelo pluralismo da opinião económica auscultada, de “vários quadrantes ideológicos”, como deve ser, onde se incluem os economistas José Reis e José Castro Caldas do Ladrões.

Adenda: há uma diferença de economia política entre uma reestruturação imposta pelos credores e a reestruturação liderada por uma aliança das periferias. A possibilidade desta última espevitaria a imaginação de quem comanda a des(união)...

terça-feira, 29 de março de 2011

Por que não aqui?



Na Alemanha, os Verdes conquistaram uma inesperada vitória nas eleições de Baden-Württemberg, à frente dos social-democratas.

Daniel Oliveira escreveu no Arrastão um belo texto sobre esta surpresa eleitoral, mas também sobre a encruzilhada política em que as esquerdas se encontram em Portugal. Plenamente de acordo com isto:

Por outro lado, não há, em Portugal, uma esquerda à esquerda dos socialistas disponível para participar em soluções de poder. Uma originalidade nacional. Por essa Europa fora partidos ecologistas ou mais à esquerda mostraram, em vários momentos históricos, disponibilidade para governar. E nunca como agora essa disponibilidade foi tão urgente. O que está em causa na Europa é resistir a uma avalanche que ameaça não deixar pedra sobre pedra no edifício do Estado Social. Ser de esquerda tornou-se num sinal de radicalismo. A social-democracia consequente é hoje de uma ousadia extraordinária.

Mas Portugal tem outra originalidade, em que é acompanhado pela Alemanha e mais um ou outro país europeu: a esquerda à esquerda dos socialistas representa quase vinte por cento dos eleitores. Se quisesse usar a sua força em funções executívas teria um poder extraordinário.

Para a utilização desse poder seria necessário, antes de mais, que BE e PCP, em vez de se controlarem mutuamente no seu purismo ideológico, se entendessem no muito em que estão de acordo. E seria necessário que os dois quisessem cumprir a sua obrigação histórica, num momento que exige tanta responsabilidade. E seria, por fim, necessário que os socialistas não fizessem questão, como fazem, de escolher a direita, do PSD ao CDS, como aliada preferencial.

Olhando para a Alemanha, vemos como um partido como os "Verdes" - que tem um discurso consistentemente crítico contra as grandes opções que estão a ser feitas na Europa - pode vir a ter um papel fundamental no futuro do País e, por isso, no futuro da Europa. E percebemos como a esquerda portuguesa pode estar a perder uma oportunidade histórica. A oportunidade de se apresentar aos eleitores como uma alternativa de poder. Dizendo ao PS que, depois da provável travessia do deserto e de se ver livre de um Sócrates sem credibilidade nem pensamento político, tem uma escolha a fazer: ou continua a navegar no pântano político - o que levou o País a esta desgraça -, ou escolhe um lado no combate que se avizinha à escala europeia. Um combate pelo Estado Social e contra a mercantilização de todos os domínios da nossa vida, a precarização das relações sociais e a degradação da democracia. E que para esse combate tem aliados prontos para assumir responsabilidades de poder e para pagar a fatura de fazer essa escolha em tempos difíceis.

Fazer acontecer o improvável


Os Irlandeses foram obrigados pela União Europeia, pelo FMI e pelo seu governo a pagar as dívidas dos “seus” bancos. Não tinha de ser assim. As perdas dos bancos Irlandeses poderiam ter recaído sobretudo sobre os accionistas dos bancos irlandeses e sobre os seus credores.

Mas como os credores dos bancos irlandeses são bancos e fundos ingleses, alemães, franceses… a UE e o FMI (verdade seja dita mais a UE do que o FMI) achou que tinham de ser os irlandeses a pagar e o governo de turno na Irlanda achou que não havia alternativa.

Depois disto os Irlandeses mudaram de governo de turno dando um sinal de que não estariam dispostos a ver a brincadeira repetir-se.

Agora descobriu-se uma nova cratera de 20 mil milhões nos bancos irlandeses. A UE fez saber que só estava disposta a contribuir se a Irlanda deixasse de praticar o dumping fiscal que esteve associado ao seu milagre falhado. O governo de turno considera que o dumping fiscal é um interesse vital Irlanda (não discuto agora isso). Mas sabe também que a paciência dos irlandeses tem limites. Por uma e outra razão fez saber em Bruxelas, como o João Rodrigues já assinalou hoje, que desta vez queria partilhar os custos com os credores.

Parece que a ameaça foi feita de forma credível. Da noite para o dia, como nos conta Sérgio Aníbal no Público, o BCE apareceu com um programa de financiamento a médio prazo para os bancos, em complemento do financiamento a curto prazo que tem vindo a praticar. Da noite para o dia o BCE passou das ameaças de corte da liquidez para a banca para um programa de financiamento a médio prazo. Os irlandeses fizeram acontecer o impossível. Como não podem existir programas do BCE aplicáveis apenas a casos particulares, o novo programa do BCE terá de ser extensível a todos os bancos em dificuldades. À boleia, os bancos portugueses, espanhóis e sabe-se lá que bancos mais, agradecem. Nós devemos agradecer também.

Ele há coisas que acontecem que são inspiradoras e fazem surgir alternativas quando menos se espera. Entretanto o mesmo BCE que financia os bancos a curto (e agora) a médio prazo continua impedido pelos tratados de financiar directamente os estados. É muito improvável que quem manda na Europa altere esta cláusula dos tratados. Sabemos que é absurdo não o fazer, mas, dizem-nos, é a dura realidade. O que é que poderá ser feito para que o improvável aconteça desta vez no que diz respeito, não à dívida dos bancos, mas à dívida dos estados?

Reestruturar...

Dublin ameaça com reestruturação da dívida para obter juros mais baixos. Isto depois de se ter ficado a conhecer mais um capítulo, no valor de 23 mil milhões de euros, do romance de um sistema financeiro liberalizado e logo muito dado à promoção de frenesins especulativos que acabam sempre mal, num país agora em plena austeridade UE-FMI, desenhada para proteger os interesses do sistema financeiro europeu à custa das populações da periferia.

É por estas e por outras que a Irlanda nos pode dar um “conselho de amigo”. A Irlanda ainda é o modelo das elites neoliberais dominantes, as que anseiam por uma intervenção externa, um excelente pretexto para aprofundar a selvajaria social? Quantos mais crises teremos de sofrer até percebermos, por exemplo, que o controlo do poder político democrático sobre o sistema financeiro tem de aumentar e muito?

O Negócios tem hoje uma peça interessante intitulada “Privatizar a Caixa? Sim ou não?” Este é o melhor enquadramento para os liberais, claro. Proponho outra investigação, com outro enquadramento: Reforçar o peso da banca pública? Sim ou não? Como disse Octávio Teixeira ao Negócios: “Privatizar a Caixa é uma ideia peregrina. A tendência devia ser nacionalizar”.

Seja como for, e como aqui temos insistido, a tardia ameaça irlandesa de transferir parte dos custos para os gananciosos credores teria muito mais força se fosse feita em conjunto por uma aliança das economias periféricas, apostada em mudar os termos da integração europeia e em superar políticas de austeridade. Diz-se que a economia não aguenta o Estado social. Errado. Um Estado social universal, que nas periferias ainda é incompleto, é um dos pilares de uma economia sustentável. O que as economias não aguentam é um sistema financeiro liberalizado e logo com demasiado poder político.

Em Portugal, é bom relembrar que a banca tem de ter cuidado com a austeridade que desejou. Será que está a contar com o bloco central privatizador do que dá lucro para acorrer a socializar, apoiado pela UE, e sem quaisquer exigências, os futuros buracos de vários mil milhões? Uma coisa vos garanto quando isso ocorrer: a retórica fraudulenta do “não há dinheiro” desaparecerá num ápice...

segunda-feira, 28 de março de 2011

Quem é que os vai derrubar?

“Este grupo de políticos tem em comum o entusiasmo que não consegue inspirar nos eleitores dos seus países respectivos. Não parecem acreditar com grande firmeza em qualquer conjunto coerente de princípios ou políticas. …

Beneficiários dos Estados-providência que põem em causa, eles são todos filhos de Thatcher: políticos que superintenderam ao recuo nas ambições dos seus antecessores …

Convencidos de que pouco podem fazer, pouco fazem. Deles o melhor que pode ser dito, como tantas vezes sucede com a geração baby boom, é que não defendem nada em particular: políticos light.

Já sem confiança em pessoas assim, perdemos a fé não só nos deputados e congressistas, mas no próprio parlamento e no congresso. Nessas alturas o instinto popular ou é ‘mandar os malandros para a rua’ ou então deixar que façam o pior. Nenhuma das reacções é promissora: não sabemos como mandá-los para a rua, e já não nos podemos dar ao luxo de deixá-los fazer o seu pior. Uma terceira reacção – ‘derrubar o sistema’ – é desacreditada pela sua inanidade intrínseca: que partes de que sistema, e a favor de que sistema substituto? De qualquer maneira, quem é que o vai derrubar?” (Tony Judt, Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos, Edições 70; p.133-4).

Se os partidos do chamado “arco da governação” – aqueles que até hoje nos desgovernaram ocupando a Administração do Estado para proveito próprio e dos amigos dos negócios – estão a preparar-se para um entendimento pós-eleitoral, para um «governo de pilhagem partilhada», então não podemos fugir à questão que preocupa Tony Judt: quem é que vai derrubar este sistema predador?

Para mim, a resposta é a formação de um movimento «Convergência e Alternativa» que se apresente às próximas eleições com uma política de relançamento do crescimento da economia, em alternativa à política depressiva dos PECs.

Em seminários de trabalho, eventualmente com o apoio de economistas estrangeiros a convidar, os economistas do PCP, do BE e independentes,(1) fariam um esforço de concretização de uma política económica exequível que, distribuindo com justiça os sacrifícios que forem inevitáveis, evite o desastre financeiro, económico e social que um «governo de pilhagem partilhada» nos vai apresentar como inevitável e merecedor da nossa resignação. Esse esforço de convergência deveria culminar com a candidatura unitária «Convergência e Alternativa».

Será pedir demasiado? No estado em que nos encontramos, fazer este esforço de convergência é um imperativo moral. A última palavra pertence ao PCP e ao BE já que independentes não faltam para dar um contributo desinteressado. A começar por mim.

(1) E os militantes do PS desiludidos com a sua actual orientação.

Contra a lógica do capitalismo medíocre

(foto de Margarida Madureira, Londres, 26 de Março)

Desde a década de 90, a tendência tem sido para a redução do peso dos contratos permanentes. Vale a pena ler o trabalho de João Ramos de Almeida. Nos últimos anos, a tendência tem sido para a erosão dos direitos laborais, através de sucessivas revisões dos códigos, e para o aumento do desemprego, fruto de uma performance económica cada vez mais medíocre, para a qual muito contribuíram a convergência nominal e a adesão a um euro disfuncional. Agora, o projecto das elites é aprofundar a lógica do capitalismo medíocre: alargar ainda mais a precariedade para reduzir salários directos e indirectos e assim favorecer os sectores que vivem da transferência de custos sociais para o mundo do trabalho. Esta é a lógica da austeridade em curso por toda a Europa. Este é o projecto que tem de ser derrotado pelas forças sociais e eleitorais contra-hegemónicas...

"Despesismo" e "irresponsabilidade fiscal"...


...significam coisas diferentes quando se dispõe de política monetária autónoma e quando não se dispõe. Isso mesmo fica evidente quando se examina este gráfico, publicado e comentado por P. Krugman no seu blogue, que representa a dívida pública e o défice orçamental de uma série de países em percentagem do PIB. Como assinala Krugman, parece que os EUA e o Reino Unido (e o Japão, que não está representado) deveriam estar perante uma crise da dívida soberana pior que Portugal, não é? Pois sucede que as coisas são diferentes quando se dispõe de moeda própria (e ainda mais se esta for a moeda mundial): nesse caso, o ajustamento faz-se através da depreciação (com aumento da competitividade das exportações e redução da capacidade aquisitiva ao exterior) e não de uma espiral desemprego-contracção-aumento do peso real da dívida-insolvência-ajustamento-desemprego...

domingo, 27 de março de 2011

Economia política dos capitalismos...

Numa comunicação sobre o seu mais recente livro, Dani Rodrik, um economista convencional cuja robustez da análise está ligada à sua crescente capacidade para superar a separação artificial entre economia e política, faz uma “adenda” à ideia de Adam Smith, segundo a qual a divisão do trabalho seria condicionada pela extensão do mercado, defendendo que a expansão de formas mercantis sustentáveis, por sua vez, vai até onde a regulação, entendida em sentido amplo, alcança. Seguindo a sua já famosa formulação, os mercados não se auto-estabilizam, auto-regulam ou auto-legitimam e precisam, por isso, de estar incrustrados em instituições políticas não-mercantis robustas. Isto leva-o a identificar uma contradição: não há mercados funcionais sem Estados fortes, legitimados e com capacidade de regulação e de redistribuição, mas a actual configuração da globalização tende a minar estes atributos dos Estados e daí as suas propriedades autodestrutivas.

No fundo, isto remete para o seu útil trilema da economia política internacional – estamos confrontados com três elementos e só é possível compatibilizar pares, o que significa que temos sempre de sacrificar um deles: democracia, Estados e mercado global. No regime neoliberal a escolha é clara: a democracia, crescentemente esvaziada, é o elemento tendencialmente sacrificado, como bem sublinha o Daniel Oliveira no seu guião do eleitor para não aborrecer os mercados. Se queremos manter as forças do mercado global, mas achamos que estas precisam de ser democraticamente geridas, então teremos de caminhar para um Estado mundial e superar progressivamente as soberanias nacionais. Parece-me uma escolha pouco realista e com traduções institucionais obscuras.

Se queremos um mundo de Estados onde as escolhas democráticas contem na regulação das economias, então temos de atenuar o alcance das forças das forças de mercado com escala global. Estados nacionais ou federações, como uma UE que supere a regulação assimétrica que a mina, têm de recorrer a protecções comerciais selectivas e controlos dos capitais e do crédito, que atenuem as crises financeiras, resultado da globalização financeira, e evitem a erosão das suas regras sociais, laborais e ambientais, e têm de temperar tudo isto com acordos globais flexíveis em algumas áreas, que permitam, por exemplo, aos países menos desenvolvidos alargar o seu espaço de desenvolvimento, recorrendo aos instrumentos de política que julguem apropriados. Só assim se evitará que a democracia, que tem de ser economicamente protegida, saia ainda mais limitada desta crise...

Nota. Estes são alguns dos temas que abordarei na apresentação capitalismo ou capitalismos?

sábado, 26 de março de 2011

A gestão da miséria e a miséria da gestão


António Carrapatoso, um dos principais coordenadores do projecto “Mais Sociedade” e do programa de governo do PSD, declarou ontem que o equilíbrio das contas públicas deve assentar na diminuição dos gastos com salários e apoios sociais. Na véspera, Passos Coelho revelara a sua recém-descoberta predilecção por opções fiscais injustas e regressivas. São estas as propostas da direita radical para melhorar um PEC economicamente recessivo e socialmente regressivo, no contexto do segundo país mais desigual da Europa. Ocorre-me fazer três comentários.

Em primeiro lugar, não deixa de ser surpreendente o quanto as dinâmicas políticas ao nível do bloco central português continuam a seguir, algo desfasada mas assustadoramente, a trajectória do Reino Unido - o país onde o New Labour (“o mais notável feito” de M. Thatcher) mostrou pela primeira vez que a cooptação do (suposto) centro-esquerda pela agenda neoliberal constitui a melhor garantia de sucesso desta última; o país onde os Conservadores tiraram entretanto partido da saturação do eleitorado para assumirem o poder e imporem um programa radical de desmantelamento de apoios e serviços públicos; o país onde tudo isto tem lugar sob a capa de uma “Big Society” que mais não significa do que remeter direitos sociais para a esfera da caridade.

Mais relevante do que isso, porém, é o facto destas declarações tornarem perfeitamente transparente qual é a base fundamental em que assenta este PSD em versão neoliberal radical. Desapareceram as piscadelas de olho aos pequenos e médios empresários, para já não falar de eventuais laivos de social-conservadorismo. Os donos de Portugal - as elites reunidas nos seus fóruns -, preparam-se para, depois das reformas adiantadas pelo PS, realizarem a sua revolução com o PSD: privatização da saúde e educação, completa ‘flexibilização’ do mercado de trabalho, redução dos apoios sociais ao mínimo (mais pelo efeito disciplinador do que pelo efeito na redução da despesa pública). Algo com que talvez nem sonhassem (pelo menos para já), não fora o contributo crucial da arquitectura do Euro para que se pudesse aplicar na periferia europeia a miraculosa combinação crise da dívida-ajustamento estrutural que tão eficaz se revelara já nos países menos desenvolvidos. Agora, porém, as elites portuguesas sentem-se aparentemente tão seguras da aquiescência das massas face à “inevitabilidade” dos retrocessos sociais que lhes serão impostos que nem sequer escondem as suas intenções. Será talvez o único ponto em que discordo do brilhante texto do José Castro Caldas aqui publicado: é que a meu ver, esta direita, seja por soberba ou por inépcia, nem sequer mente.

Finalmente, estas declarações deixam a nú a miséria do pensamento e das propostas daqueles que se propõem gerir o país da mesma forma democrática e com o mesmo sentido de interesse colectivo com que gerem as suas empresas. Os ideólogos deste PSD são tecnocratas neoliberais que, ao contrário de muitos conservadores mais esclarecidos, não compreendem ou dominam os processos que conjuram – o que não impede que a sua impertinência e arrogância passem, junto de parte da população, por ‘competência’. Por isso mesmo é tão importante insistir e sublinhar que o que está em causa não é a putativa competência, mas sim o conteúdo das opções políticas. Não se trata de escolher ou substituir os gestores do país, mas sim de decidir quem ganha e quem perde com a crise, e que sociedade construímos ou destruímos no processo.

O PSD falou e anunciou o seu programa de política económica: a miséria da gestão ao serviço da gestão da miséria.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O fracasso da austeridade

O governo português acabou de cair na sequência de uma disputa sobre as propostas de austeridade. Os juros da dívida pública irlandesa atingiram os 10% pela primeira vez. E o governo britânico acabou de rever em baixa a sua previsão de crescimento económico e em alta o seu défice.

O que é que estes acontecimentos têm em comum? Todos eles indicam que cortar a despesa, num contexto de desemprego elevado, é um erro. Os defensores da austeridade previram que os cortes da despesa gerariam dividendos rápidos, sob a forma de um aumento da confiança, e que teriam poucos, ou nenhuns, efeitos adversos no crescimento e na criação de emprego; mas estavam errados.

Por isso, é lamentável que por estes dias não se seja considerado sério em Washington, a não ser que se obedeça à mesma doutrina que está a falhar de forma tão catastrófica na Europa.


A crise no centro do euro

(imagem de gui castro felga)

A chamada crise do euro é, geralmente, vista, exclusivamente, como uma crise cambial. Mas esta crise é também uma crise da dívida soberana – e mais do que isso é uma crise do sector bancário (…) A Alemanha imputa a crise aos países que perderam competitividade e acumularam dívidas. Em consequência, a Alemanha coloca todo o peso do ajustamento sobre os países deficitários. Mas isto ignora grande parte de responsabilidade da Alemanha na actual crise monetária e bancária, e mesmo na crise da dívida soberana. Quando o euro foi introduzido, esperava-se que gerasse convergência entre as economias da Zona Euro. Em vez disso, gerou divergência (…) a Alemanha tem resgatado os países altamente endividados como forma de proteger o seu próprio sistema bancário (…) a União Europeia irá sofrer algo pior do que uma década perdida; terá que suportar uma divergência crónica, em que os países excedentários avançam e os países deficitários são arrastados pelo peso da dívida acumulada (…) para criar condições de igualdade teriam que ser eliminados os prémios de risco dos custos de crédito para os países que cumpram as normas. Isto poderia ser possível através da conversão da maioria da sua dívida soberana em Eurobonds.

Estes são os excertos que me pareceram mais significativos do artigo de George Soros, um importante especulador. Para que não se pense que são só os economistas de esquerda que identificam a natureza regressiva desta Zona Euro ou a míope posição de comando das elites alemãs e que propõem reformas que poderiam fazer parte da agenda política de uma aliança das periferias, elemento que Soros não refere, talvez por conhecer bem os hábitos das elites locais, como também não refere explicitamente, talvez por opção ideológica, a questão da regressão salarial, que está no centro dos problemas da Zona Euro, por exemplo. Quando se assiste aos elogios de Merkel a Sócrates, usados como argumento de pré-campanha, e se vê o farsolas Passos Coelho à procura do mesmo tratamento, percebe-se que não é com gente desta, não é com o bloco político proposto pelo capitalismo de supermercado, que sairemos do buraco apontado por Soros. Sobre Sócrates, aliás, o título do El País deveria levar o PS a reflectir: “Sócrates, el socialista neoliberal devorado por la crisis.”

Quem paga a crise? (II)

Vale a pena revisitar o quadro síntese das medidas associadas aos PECs (I a IV), que o Público deu recentemente à estampa. A partir da informação disponibilizada, podemos tentar agregar as medidas segundo a sua natureza e verificar que a proposta de redução do défice se faz essencialmente à custa do aumento de impostos (30%) e de cortes nas políticas sociais e na «racionalização do Estado» (que conjuntamente contribuem com 53% do esforço global, devendo ainda somar-se os 10% relativos a cortes na função pública). Isto é, cerca de 2/3 dos resultados previstos nos PECs decorrem de medidas centradas no Estado, sendo exíguo o corte em benefícios fiscais «exteriores» à esfera pública.

Se arrumarmos as medidas de combate ao défice segundo os seus destinatários, verificamos que o esforço maior é o que corresponde ao próprio Estado, com quase metade (43%) da factura global imposta pelos Pactos de Estabilidade e Crescimento. Seguem-se as medidas que afectam directamente os contribuintes (27%) e as que abrangem transversalmente os contribuintes e os agentes económicos (incluíndo o próprio Estado, naturalmente). As medidas que se dirigem directa e exclusivamente às empresas e à banca assumem um peso de cerca de 6%.

A «marca social» dos PECs fica porém ainda mais clara quando analisamos as «medidas extremas». Isto é, as orientações potencialmente dirigidas aos mais ricos (tributação de mais-valias, dos rendimentos mais elevados e novo imposto sobre a banca) e as que afectam essencialmente a população mais carenciada (redução de benefícios sociais de natureza não contributiva, limite de prestações sociais e redução em 20% do RSI). As fatias correspondentes a estes antípodas são praticamente equivalentes (6 e 5%), o que se torna tanto mais revelador quanto bem sabemos que a evasão fiscal assume um volume comparativo, desproporcionado, de sentido contrário.

Globalmente, a contenção orçamental pelo lado da despesa (54%) é ligeiramente superior aos ajustamentos feitos pelo lado da receita, em sintonia com as reivindicações do PSD nesta matéria. Aliás, este exercício sobre a natureza dos PECs, com os maiores sacrifícios centrados no Estado (e o consequente impacto para os cidadãos, sobretudo no que respeita à degradação das políticas sociais), em paralelo com a generosa salvaguarda dos interesses do sector bancário, é um fato que assenta na perfeição ao PSD. Razão pela qual dificilmente se compreende (a não ser pela salivante ânsia de poder), o desdém demonstrado e a recusa em o vestir.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Não precisa de ser eleito para faltar às promessas


"Os impostos indirectos tratam todos pela mesma medida, tanto pobres como ricos, razão porque são, nesse aspecto, mais injustos. É essa, aliás, a razão porque eu nunca concordei em taxar cada vez mais os impostos indirectos, nomeadamente o IVA. Ele vale 20% para quem tem muito como para quem tem pouco".

Pedro Passos Coelho, no livro "Mudar", editado em 2010.

"Se ainda vier a ser necessário algum ajustamento, a minha garantia é de que seria canalizado para os impostos sobre o consumo, e não para impostos sobre o rendimento das pessoas".

Pedro Passos Coelho, hoje, em Bruxelas.

Roubado ao Massa Monetária.

A “esquerda” que se sujeita e a direita que mente


Parece-me que ganhamos alguma coisa se olharmos para a nossa crise política como resultado e início de uma nova fase, directamente política, da (Des)união Europeia em construção.

De Maastricht a Lisboa, a União Europeia trancou-se numa constituição e em tratados internacionais que procuravam tornar praticamente inviável qualquer alternativa que não seja a que “os mercados globais” determinam. A intenção era exactamente essa. Se alguma coisa caracteriza o liberalismo bastardo dos nossos dias é precisamente o seu desdém pela democracia e o propósito confessado de “libertar a economia” da política. Sabemos aonde isso nos levou, mas não aprendemos, ainda.

Paradoxalmente, essa arquitectura constitucional foi desenhada com a activa participação, quando não com o entusiasmo, da social-democracia europeia. Muitos socialistas portugueses dizem hoje reconhecer e lamentar essa deriva neoliberal da social-democracia.

O nó górdio da camisa de onze varas europeia situa-se na total dependência dos estados quanto às suas necessidades de financiamento das mega-instituições financeiras chamadas mercados (bancos e fundos de investimento). A mentira mais bem sucedida dos nossos dias condensa-se numa frase: “o dinheiro não cai do céu”. É verdade que para as famílias e para cada um de nós “o dinheiro não cai do céu”, mas na realidade o dinheiro cai do céu para os bancos: ele é criado pelos bancos, em última análise pelos bancos centrais. Acontece que os tratados, contrariamente ao que sucede por exemplo nos EUA, impedem o Banco Central Europeu de financiar os estados directamente, deixando-os entregues às instituições financeiras que por sua vez são generosamente financiadas pelo BCE para adquirir títulos de dívida soberana que depois o BCE recompra (nos mercados secundários) ou aceita como garantia de novos créditos. A ideia é simples: sujeitar os estados à “disciplina dos mercados” que é o mesmo que dizer impedir os estados de disciplinar os mercados.

Quando a crise bancária e a recessão chegou à Europa o dinheiro caiu do céu a rodos sobre os bancos, os “estabilizadores automáticos” dispararam, pacotes de estímulo orçamental foram adoptados, e as despesas e as dívidas públicas aumentaram, como não podia deixar de ser. Tudo isto foi decidido em cimeiras do G20 e da União Europeia e estaríamos bem pior se não tivesse sido, não exactamente assim, mas parecido.

Mas, ao primeiro sinal vindo da Grécia de que “os mercados” estavam relutantes em financiar os estados, e à falta de uma alternativa que os permitisse substituir, a “disciplina dos mercados” impôs-se ao bom senso e a Europa iniciou a viragem austeritária. A UE tirou o tapete aos estados endividados e os mais pequenos e vulneráveis (nem sempre os mais endividados) ficaram com a batata quente nas mãos. Agora, contrariada, a EU reinterpretava os tratados para permitir que o BCE comprasse dívida pública aos bancos e para providenciar a “ajuda” aos estados falidos. Mas, sob o signo da austeridade, a “ajuda” prestada à Grécia e à Irlanda veio a revelar-se letal.

É claro que se a camisa de onze varas não fosse o que é teria havido outro caminho: políticas orçamentais e monetárias amigas da recuperação, investimento público, até que os níveis de desemprego dessem sinais de abrandamento e a redução dos défices e da dívida pudessem ter lugar sem nova recessão. Agora todos sabemos, incluindo os nossos austeritários sem vergonha, que não há solução para a dívida que não passe pelo crescimento e que não há crescimento com esta dose austeritária.

O austeritarismo é na realidade todo um programa de destruição dos serviços públicos, dos direitos laborais, do Estado Social e a crise a oportunidade para o executar. É um programa incompatível com os valores mais básicos da esquerda, de que nenhuma força política de esquerda, ou vagamente de esquerda, pode ser executante sem que com isso se suicide. É também um programa que violenta algumas das aspirações mais sentidas da maioria dos europeus que nenhuma força política de direita pode assumir sem que com isso perca a menor das hipóteses de vir a governar em democracia.

Em resumo, o austeritarismo – o programa político que “os mercados globais” determinam – condena à morte qualquer “esquerda” que a ele se queira submeter e obriga a direita a ocultar as suas intenções sob uma retórica justicialista ou nacionalista. Forçados a “escolher” entre uma “esquerda” que se sujeita “aos mercados” (e não os sujeita) e uma direita hipócrita, só podemos desesperar da política. A “esquerda” que se sujeita afunda-se para ser substituída pela direita que mente enquanto a mentira não se torna patente para voltar a “esquerda” que se sujeita com promessas que não pode, ou nem mesmo quer, cumprir. O tempo político comprime-se. Os ciclos políticos tornam-se cada vez mais curtos. Isto é aquilo a que deveremos talvez chamar ingovernabilidade.

Os chamados países periféricos da zona euro (e com eles toda a União Europeia) estão a ser empurrados para um trilema: ou se deixam transformar em protectorados com “governos” de turno efémeros, de direita ou de “esquerda”, a executar o programa austeritário até que a recessão, a divergência e a bancarrota os separe do continente; ou partem eles próprios à aventura; ou não se sujeitam e, coordenadamente entre eles e com outras esquerdas europeias que não se sujeitam, conseguem inflectir o rumo suicidário que foi imposto à Europa.

Por mim prefiro a reconstrução europeia e uma esquerda que não se sujeite em Portugal e que dê prioridade à construção de uma esquerda europeia que não se sujeita, representando-a em Portugal. Uma esquerda que tenha a sabedoria necessária para evitar as recriminações contra os que têm tido a coragem e a energia de dar o melhor de si e seja capaz de nos oferecer um lugar político abrangente e suficientemente poderoso para além da “esquerda” que se sujeita e da direita que mente.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Como vamos construir o caminho para o tempo das cerejas?

Agradeço ao Vitor Dias o espaço que dedicou no seu blog ao meu último post. Com sincero respeito e humildade, deixo aqui a minha resposta.

1. Vitor Dias é há décadas militante de um partido rico, denso e complexo. Teve funções de direcção nesse partido durante muitos anos. Durante a era Carvalhas (perdoe-me a simplificação), enquanto responsável pelas relações com a comunicação social, Vitor Dias revelou uma eficácia rara ao fazer passar as posições de uma organização política fora do mainstream, num ambiente mediático quase sempre hostil. Nos últimos anos mantém um blog que se destaca pela qualidade no debate político em Portugal. Pela minha parte, nunca fui militante de nenhum partido (não que me orgulhe disso), só muito pontualmente fui incumbido de responsabilidades minimamente relevantes em qualquer coisa que tenha a ver com a política nacional, não me dedico regularmente à análise e ao comentário políticos, e tenho neste blog um dos pouco espaços de intervenção cívica que ocupo (aquele que me é possível nas condições de vida que tenho), quase sempre sobre temas ligados à minha profissão (a de economista e de professor). Face a isto, discutir política com Vitor Dias seria para mim como discutir a economia da depressão com Paul Krugman. Não vou fingir que sei mais do que sei - e, até melhor prova, tendo a aceitar como plausíveis muitas das dúvidas que Vitor Dias levanta sobre aquilo que escrevi.

2. Dito isto, creio que Vitor Dias se precipitou ao colar-me a uma leitura simplista das posições do PCP e do BE. Não que me reveja na ideia de que, sendo um mero cidadão atento (como tantos outros), tenho a “obrigação de conhecer extensos documentos e intervenções parlamentares na íntegra”, como escreve Vitor Dias. Mas tive a oportunidade de ler as resoluções do PCP (por sinal, tomei conhecimento dela através d’O Tempo das Cerejas) e do BE que foram hoje votadas. E fiquei bem impressionado com o esforço de ambos os partidos no sentido de explicitarem as suas propostas de caminhos alternativos, nas quais me revejo quase na íntegra. De facto, no meu post não as discuti e, porventura, não terei contribuído para evitar as leituras preguiçosas que Vitor Dias refere. No entanto, parece-me que esta questão passa ao lado do problema.

3. O momento que vivemos assemelha-se cada vez mais aos descritos por Naomi Klein no seu livro “A Doutrina do Choque”. Os problemas financeiros são reais e o espaço de manobra para lhes dar resposta é cada vez mais diminuto. São condições bastantes para quem, tendo os meios para isso, queira navegar a onda do medo e da desorientação para impor as suas agendas. A generalidade dos portugueses já acredita que a perda de poder de compra, o desemprego, a diluição de salários e direitos e a destruição dos serviços públicos vieram para ficar. O PS de Sócrates encontra aqui uma oportunidade para fazer passar medidas que noutras ocasiões não teria coragem para propor. O PSD de Passos Coelho vislumbra uma ocasião única para entregar de vez a quem lhe paga as campanhas diversos serviços públicos que deveriam ser universais, bem como para destruir um conjunto de instituições e de princípios que, apesar de todos os recuos, vinham assegurando a possibilidade de construirmos uma sociedade minimamente decente. Instituições e princípios que muitos – incluindo o PCP, o BE, uma parte relevante do PS e muitos cidadãos com ou sem partido – contribuíram, ao longo de décadas, para construir e defender.

4. Neste contexto, não creio que erre na análise quando escrevo que o PCP e o BE "não têm conseguido fazer muito mais do que anunciar que vem aí o desastre". Para evitar o plano inclinado para uma sociedade indecente não basta ao PCP e ao BE afirmarem que existem alternativas. Em primeiro lugar, seria importante que todos conseguissem perceber que as suas propostas existem e são plausíveis sem terem necessidade de "conhecer extensos documentos e intervenções parlamentares na íntegra". Mais importante, é necessário que PCP e BE consigam deixar claro que não será por sua responsabilidade que a doutrina de choque se imporá. Mais ainda, que consigam demonstrar a quem os ouve que farão os possíveis para encontrar uma solução que evite o desastre. Como eleitor de esquerda e cidadão atento (e não como analista ou comentador, que não sou) não vislumbro sinais da parte dos partidos a quem habitualmente confio o meu voto de que podem fazer algo para que o inevitável não o seja. E garanto que me esforço.

5. Honestamente, não sei como isso se faz. No quadro parlamentar que hoje se dissolveu, parecia-me claro que tal teria de passar por uma intervenção articulada entre PCP e BE. No entanto, não estou inteiramente ciente das vantagens e desvantagens das diferentes opções tácticas. Não sendo militante e muito menos dirigente do PCP ou do BE, não sinto grande necessidade ou utilidade de me inteirar desses cálculos. Mas sinto que não estou sozinho quando afirmo que espero mais destes partidos do que estes têm sido capazes de propor.

Left Caucus

Neste blogue temos insistido muito na crítica à economia política da integração europeia e na proposta de alternativas europeístas de reforma institucional, em especial no campo da política económica. Também por isso, só posso saudar a iniciativa unitária em que participa o eurodeputado Rui Tavares, a quem dou a palavra:

Se há coisa que a atual crise deixou clara é que há problemas europeus que exigem soluções europeias. E, em democracia, isso quer dizer que necessitamos de alternativas à escala europeia (...) Começámos com um pequeno grupo de discussão entre deputados da Esquerda Unitária, dos Verdes e dos Socialistas de diversos países e comissões parlamentares. Éramos pouco mais que uma dezena. Agora chegou o momento de apresentar em público o caucus — numa sessão no Parlamento Europeu, em Bruxelas (ver cartaz) . Em junho faremos a segunda reunião ordinária e esperamos estar a todo o gás na rentrée em setembro. Pretendemos ser um fórum de coordenação de políticas de esquerda, de criação de uma nova maioria progressista, e de consolidação de um discurso consistente, realista e mobilizador (...) LEFT não quer apenas dizer “esquerda” em inglês; é também a abreviatura de “liberté, égalité, fraternité: toujours” em francês — o que para nós significa um regresso às fontes da esquerda enquanto uma aliança das pessoas comuns, uma coligação daqueles que não são ricos nem poderosos — e que precisam de fazer ouvir a sua voz na Europa de hoje. Ajudem-nos a construir essa alternativa.

Economia Crítica no Verão


“Valores Ambientais e Políticas Públicas”, é o tema da 2ª Escola de Verão de Economia Crítica do Centro de Estudos Sociais (CES) que este ano acontecerá na Lousã de 12 a 15 Julho.

“O ambiente é um “bem” e um “problema” das nossas sociedades que cria um desafio aos instrumentos de política pública e aos procedimentos que permitem que a política governamental ambiental se torne material e operacional. Estes instrumentos e procedimentos baseiam-se cada vez mais em teorias e conhecimento económico. A criação de mercados ambientais é um exemplo claro da importância da teoria económica na definição de respostas societais à crise ambiental. O problema com a Economia aplicada ao ambiente é que a Economia tem uma definição de valor específica e limitada. Através da exploração da pluralidade de valores ambientais, com contribuições da sociologia e da filosofia, discutir-se-ão os limites dos instrumentos e procedimentos económicos existentes e explorar-se-ão caminhos alternativos (considerando o conflito e a participação) que permitam ter em conta as várias formas como os ambientes são valorizados pelas pessoas e as suas comunidades”.

Prazo de candidatura: 15 de Abril de 2011

O que nos reserva o Conselho Europeu da Primavera?


Júlio Mota do blog Estrolabio oferece-nos (em português) a antevisão dos Economistas Aterrados acerca dos resultados da Cimeira da Primavera.

“A financeirização sem entraves nem limites das economias, o dumping fiscal social e salarial entre países europeus, a concorrência para atrair os capitais, tudo isto conduziu a esta curiosidade histórica: uma moeda única entre os países em guerra económica de uns contra os outros. Guerra esta ganha de momento pela Alemanha, que apresenta enormes excedentes comerciais, obtidos sobretudo através de uma austeridade salarial sem falhas - uma verdadeira “deflação competitiva”. Mas os que elogiam o sucesso da política alemã esquecem que a sua generalização a toda a Europa - reclamada por Trichet, para quem os aumentos de salários são em todo e qualquer momento e em toda a parte “a última estupidez a fazer” - reduziria a zero esta vantagem competitiva alemã e colocaria toda a União em situação de depressão económica.”

terça-feira, 22 de março de 2011

Momento da verdade para a esquerda portuguesa

Estamos habituados aos momentos de dramatização da política portuguesa. PS e PSD ameaçam que fazem ou deixam de fazer, anunciam a crise e o fim do mundo. Depois, a tensão passa e tudo volta ao normal. Os donos de Portugal ditam as opções fundamentais de política – desde a fiscalidade à legislação laboral, passando pelas políticas sociais, as privatizações, as parcerias público-privadas ou as concessões desastrosas – e os governos-gestores da alternância vão dando uns sinais mais à esquerda ou mais à direita, para dar a entender que não são essencialmente iguais.

Em geral, esta ordem natural das coisas sugere que os partidos que se guiam fundamentalmente por princípios – e não tanto por oportunidades – não devem alimentar a dramatização, nem deixar que a sua acção seja condicionada pelas peças que outros encenam.

O momento actual é diferente. O resultado desta encenação só pode ser o acelerar da degradação política e social. Se o governo cair, o vazio de poder e a incerteza face ao que virá conduzirão ao agravar da crise financeira - e todas as medidas de ataque aos direitos sociais e de entrega dos bens e serviços públicos à avidez dos rentistas terão uma legitimidade reforçada. Se o governo não cair amanhã, ficará com uma posição mais fragilizada do que nunca – dando espaço adicional para os avanços da direita (venha ela do Largo do Rato, da São Caetano à Lapa ou de Berlim).

Uma proporção insólita de portugueses sente que o país se encontra num beco sem saída. O PSD, que não conteve a sua ânsia de poder num momento crítico e caiu na armadilha da dramatização do PS, não sairá a ganhar. O CDS de Portas está eufórico perante o afundamento dos partidos do centrão. Sócrates arrisca-se a ser visto como o líder de credibilidade questionável que, não obstante, não virou a cara às dificuldades (mesmo que não tenha feito mais do que lhe impuseram que fizesse; e mesmo que fale em nome dos donos de Portugal quando jura que não permitirá a entrada do FMI).

E a esquerda? PCP e BE estão mais uma vez encurralados. Num cenário em que a situação interna e os constrangimentos externos deixam pouco espaço de manobra, não têm conseguido fazer muito mais do que anunciar que vem aí o desastre. Podem até ter razão. Mas para a maioria das pessoas, inclusive muitos dos seus eleitores, serão vistos ou como parte do problema (contribuindo para a ingovernabilidade) ou, pelo menos, como não sendo parte de qualquer solução.

Mas PCP e BE poderiam dar um sinal diferente. Poderiam ter a iniciativa de se apresentar com uma plataforma comum, propondo ao PS um conjunto de condições mínimas para apoiar uma solução para a crise assente numa maioria de esquerda no Parlamento. Uma solução que mostrasse que existem outros caminhos possíveis, mesmo com todos os constrangimentos internos e externos.

Dificilmente o PS de Sócrates estaria interessado ou capacitado para aceitar o que seriam as condições mínimas da decência – aumentar a progressividade do sistema fiscal, abdicar das mordomias e da distribuição de empregos e favores, renegociar as PPP e as concessões predatórias, e prosseguir uma estratégia credível de contenção orçamental (que só pode assentar na prioridade ao crescimento). Mas os portugueses ficariam mais convencidos que o país não tem de ser o que é – e o ónus ficaria nas mãos do PS.

Sem esse sinal de uma alternativa possível e credível à esquerda, Sócrates conseguirá vitimizar-se, fazendo esquecer que as suas opções estiveram sempre ao lado dos grandes interesses instalados. PSD conseguirá o feito improvável de, estando na oposição no meio duma enorme crise social, não obter um resultado eleitoral que lhe permita governar sem depender de outros (possivelmente, inclusive do PS). Paulo Portas, esse gato de sete vidas, surgirá mais uma vez como a válvula de escape do regime, mesmo não tendo nada de diferente para oferecer.

Conseguirá a esquerda estar à altura?

Em plena economia política


A primeira página do Negócios de hoje resume bem a economia política da austeridade: cortes adicionais nos salários directos e indirectos, ou seja, continuação da transferência total dos custos do ajustamento à crise financeira para o mundo do trabalho, em geral, e para as classes populares, em particular, e “frente ampla”, proposta por um dos donos de Portugal, ou seja, a formalização do bloco central para prosseguir a estratégia subalterna de sempre e perpetuar a hegemonia do sector financeiro nacional e internacional e das rendas que este captura. As privatizações previstas em sectores estratégicos mais ou menos monopolistas, no valor de 6 mil milhões de euros, garantem-no. Entretanto, em linha como o que aqui sempre se defendeu, o governo finalmente reconhece que a política de austeridade gera recessão e aumenta o desemprego. Estamos em pleno círculo vicioso: segundo o Negócios, e em relação ao desgraçado OE, os cortes salariais adicionais no sector público podem ir até aos 900 milhões de euros e os cortes nas prestações sociais até aos 1000 milhões, o que aumenta a pobreza e contagia o sector privado, indicando, contra a narrativa fraudulenta dominante nestes últimos anos, como o destino dos trabalhadores nestes dois sectores é comum.

No momento em que a Irlanda requereu a intervenção externa desta UE transformada no FMI, uma economista irlandesa afirmou: “a partir de agora estamos dependentes da bondade de estranhos”. Bondade, como se viu na Irlanda e na Grécia e como se verá em Portugal, não é sentimento que prevaleça nesta UE, desenhada para fazer do trabalho a variável de ajustamento e para proteger os interesses do sistema financeiro (leiam o insuspeito Barry Eichengreen sobre a Irlanda). Enfim, aprendamos com Ricardo Salgado: precisamos mesmo de uma frente ampla, uma frente popular que una, à escala nacional e europeia, todos os que são contra esta austeridade desnecessária e contraproducente e que querem instituir alternativas focadas no combate às desigualdades e à predação privada dos recursos públicos e na promoção do pleno emprego. Para isso precisamos de reformas estruturais – da mudança nas prioridades do BCE a um maior controlo público do sistema financeiro, há muito a fazer.

Publicado no Arrastão

segunda-feira, 21 de março de 2011

Quem paga a crise? (I)

Vale a pena reter, para interpretação dos tempos que correm e memória futura, a oportuna sistematização elaborada pelo Público quanto ao significado financeiro das medidas inscritas nos PECS I, II, III e IV (clicar na imagem para ampliar). Uma das constatações mais imediatas reside no escasso contributo dos «investidores» (tributação de mais-valias), «rendimentos mais elevados» e «banca» (nas medidas específicas que se lhe dirigem), que globalmente representa apenas 6% no total de cortes e aumentos de receita previstos. Num país que continua no pelotão da frente das desigualdades à escala europeia e onde as principais instituições bancárias exibem lucros muito confortáveis em pleno contexto de crise.

Especulação em debate


Olivier de Schutter, relator especial da ONU para o direito à alimentação, e Terry Duffy, presidente da maior bolsa de derivados do mundo (Chicago), debatem aqui, no Hardtalk da BBC, o papel da especulação no aumento dos preços dos alimentos, numa discussão reminiscente de argumentos já trocados nos Ladrões de Bicicletas (aqui, em 2008, e aqui e aqui, em 2010-11).

Enquanto isso, o presidente da Nespresso vai afirmando no Público que os factores reais não são capazes de explicar a evolução dos preços e que "todos os actores do sector do café e do chocolate" são "vítimas da especulação".

domingo, 20 de março de 2011

Um mote para o Conselho Europeu da Primavera

Amanhã (ou será hoje?) começa a Primavera. A partir de agora, este vai ser o período do ano em que as políticas económicas de cada Estado Membro da UE vão ser oficialmente analisadas, avaliadas e decididas. Não em Lisboa, Madrid, Dublin, ou na zona histórica de Bruxelas. As decisões tomam-se a duas ou três estações de Metro da Grand Place (onde o Manifesto de 1848 foi redigido), no bairro das instituições europeias da capital belga.

Segundo a anunciada nova arquitectura de governação económica da UE é durante o Conselho Europeu da Primavera que se analisa tudo o que há de relevante das política públicas com impacto económico - não apenas as políticas orçamentais, mas também as políticas laborais, sociais e de regulação das actividades económicas, bem como as políticas co-financiadas pelos fundos estruturais europeus. No caso português, pouco do que o Estado faz fica de fora.

A partir de agora, o conjunto dos governos representados no Conselho Europeu e as instituições europeias passam a ter uma palavra a dizer sobre tudo isto. Governos e instituições que não são eleitos (como a Comissão Europeia) ou não o são para desempenhar esse papel (na Estónia não se perde muito tempo a discutir as opções de política social ou industrial em Portugal - e vice-versa), passam a ter instrumentos de pressão suficientemente eficazes para determinar vastas áreas de política económica de cada país. Este é a verdadeira crise do défice da UE - a crise do défice democrático.

Sem controlo democrático efectivo, os governos da UE e a Comissão Europeia preparam-se para pressionar ainda mais os vários Estados Membros a 'ajustar a evolução salarial às necessidades da competitividade' (vejam-se as conclusões da última reunião de Chefes de Estado e de Governo da zona euro). Numa sociedade medianamente democrática, a evolução salarial deveria estar associada à evolução da produtividade, garantindo no mínimo que se mantinha a distribuição de rendimentos entre trabalho e capital). Como se sabe, não é isto que tem acontecido na UE.


Como mostra o gráfico acima (construído com valores a preços constantes, retirados da base de dados AMECO), na UE os salários têm crescido sistematicamente abaixo da produtividade. Portugal, um dos países sobre os quais tem havido maiores pressões para o controlo salarial, teve como grande pecado nos últimos 10 anos ter visto os salários crescer... em linha com a produtividade. O que deveria ser uma situação normal, torna-se uma aberração numa UE marcada pela crescente penalização do factor trabalho na distribuição de rendimentos (a começar pela Alemanha). O Pacto de Estabilidade que será oficializado na semana que vem será um pacto para o aprofundamento da desigualdade por via não-democrática, com reflexos na permanente repressão da procura agregada e, por conseguinte, no austeritarismo como regra.

Neste contexto, uma reivindicação simples, com tons de sindicalismo à moda antiga, deveria ser transformada em palavra de ordem pela justiça social e por uma saída democrática da crise: aumentem-se os salários em linha com a produtividade - e penalizem-se os países onde tal não acontece (a começar por aqueles onde os salários têm vindo a crescer abaixo do que deveriam). No actual contexto, esta pequena reforma pareceria uma revolução...

sábado, 19 de março de 2011

Leituras para lá do austeritarismo

“As nações que participam no euro abdicaram da sua soberania económica individual – utilizam uma moeda que não emitem e, por isso, têm de pedir emprestado para cobrir os seus défices, o que as torna dependentes dos mercados obrigacionistas e as coloca em risco de insolvência. Os acontecimentos na Grécia e na Irlanda confirmam este facto. O problema, no entanto, reside na arquitectura defeituosa do sistema monetário europeu, uma armadilha neoliberal para limitar a capacidade de financiamento e de despesa destes governos. As nações da zona euro são a excepção à regra segundo a qual os governos modernos – como os dos EUA e do Reino Unido – nunca ficam sem dinheiro e nunca têm de renegar a sua dívida pública.”

William Mitchell vai ao cerne da crise da zona euro nesta passagem do seu artigo na The Nation. A alteração do sistema monetário e financeiro europeu, na linha da “modesta proposta” de Yannis Varoufakis e de Stuart Holland, que no fundo reunifica a política monetária e a política orçamental, é uma condição necessária para sairmos deste buraco e reconquistarmos, à escala europeia, a soberania monetária perdida com um euro que tem sido um desastre em termos de crescimento e de emprego. Só assim podemos recuperar a ideia do pleno emprego defendida por Mitchell:

“Ao apoiarem a despesa numa economia que não está usar plenamente a sua capacidade, os défices induzem mais produção em vez de preços mais altos, uma vez que as empresas ficarão contentes em satisfazer a procura crescente (...) As economias só crescem se as empresas expandirem em resposta à crescente procura pelos seus produtos. Quando a procura privada está enfraquecida, a única forma de aumentar o crescimento é através da despesa pública, dos défices. A austeridade retirará a bóia que fez com que as economias crescessem no passado ano (...) A sustentabilidade fiscal está ser definida pelo mito da austeridade em termos de um rácio financeiro arbitrário (dívida pública em percentagem do PIB, etc.). Na realidade, os défices devem ter o valor que for necessário para que a despesa global esteja em níveis consistentes com o pleno emprego. Nem mais, nem menos. A sustentatibilidade fiscal dever ser entendida como a responsabilidade governamental em garantir uma sociedade inclusiva, em que toda as pessoas que querem trabalhar podem trabalhar.”

É claro que estas zona euro e União Europeia estão feitas para evitar o pleno emprego e a força e confiança que este dá às classes trabalhadoras; arranjos institucionais cuja coerência também é revelada pelos seus contornos crescentemente antidemocráticos. Seguindo a atenta análise de Mariana Santos: “O sentimento de desrespeito pela soberania popular, espoletado pela forma da imposição, não só deste PEC 4, mas também de todos os pacotes de austeridade que foram desgastando, até ao limite, o contrato social que legitimava este governo PS, deve servir-nos, esse sim, de 'alerta precoce' para os contornos que vai tendo a reconfiguração pós-crise da União Europeia.”

sexta-feira, 18 de março de 2011

Mudar de vida económica

A irracionalidade de um sistema económico sem mecanismos sociais e políticos de coordenação robustos está à vista na indicação de Manuel Esteves no excelente blogue do Negócios: em Portugal, "são cada vez mais os que trabalham de mais e os que trabalham de menos". Apesar dos retrocessos neoliberais, a variedade renana de capitalismo ainda oferece pistas a explorar: a Alemanha tem um esquema de protecção do emprego em épocas de recessão que assenta na redução pactuada e subsidiada publicamente do horário de trabalho, o que obviamente é facilitado pela tradição de negociação colectiva e pelos seus sindicatos ainda com alguma força; este modelo de partilha, o chamado Kurzarbeit, tem sido parcialmente responsável pela menor destruição de emprego neste país. Já em Portugal, os patrões querem que os funcionários trabalhem mais horas com o mesmo salário, ou até com um salário menor, num dos países onde mais se trabalha na Europa. Em altura de desemprego de massas, esta é uma prescrição vitoriosa para o desastre, só possível porque cheira a medo na economia. A redução do horário de trabalho não resolve por si o problema do desemprego e não substitui a necessidade de uma política económica de estímulo que tem de ter escala europeia. Num país com salários tão baixos em tantos sectores os obstáculos são enormes. No entanto, a redução do horário de trabalho tem de ser parte do esforço para instituir uma economia mais decente. Por exemplo, na New Economics Foundation há quem não desista de pensar num outro futuro: 21 horas...

Economia da depressão

Ter um mau emprego pode deprimir tanto como estar desempregado.
Governo diz a Bruxelas que recessão travará aumento do salário mínimo.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Lykke Li - I Follow Rivers

Mercados Eficientes

Os mercados financeiros funcionam com um conjunto de taxas de referência estruturadoras de toda a sua acção. A taxa de referência mais “popular” entre os portugueses é EURIBOR, taxa média a que 57 bancos europeus emprestam uns aos outros, indexante da maior parte dos empréstimos à habitação. Este valor é calculado através da informação fornecida pelos bancos. Outra importante taxa de referência, a LIBOR, com 350 mil milhões de dólares de produtos financeiros a ela indexados, diz respeito à taxa média praticada entre os bancos sedeados na maior praça financeira do mundo, Londres. Como a taxa média influencia (e muito) os destinos financeiros dos bancos, existe um incentivo para que se tente aldrabar a taxa real praticada por cada banco de forma a conseguir manipular a média para seu benefício. Ora, segundo o Financial Times, foi isso que aconteceu, pelo menos, entre 2006 e 2008, com um conjunto de importantes bancos a serem agora intimados pela justiça norte-americana e britânica por terem fornecido informação falsa. Mais uma vez se demonstra que não é defeito, é feitio. Só com uma refundação profunda e transparente do sistema financeiro podemos ter uma esfera financeira que sirva efectivamente o seu propósito: uma afectação de capital ao serviço do progresso social, económico e ambiental.

A economia política da simpatia e do compromisso

Na sua comunicação ao simpósio sobre justiça, valores e economia política, realizada na passada segunda-feira na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), o prémio Nobel da Economia Amartya Sen referiu-se de passagem à intransigente abordagem de "sangue, suor e lágrimas" subjacente à política de austeridade europeia.

No seu trabalho sobre ética e desenvolvimento económico, Sen sempre defendeu, pelo contrário, uma abordagem “amigável” da política económica, centrada na promoção das liberdades, incluindo a expansão, tanto quanto possível igualitária, das oportunidades e das capacidades que as pessoas têm realmente para alcançar funcionamentos genuinamente humanos. Isto requer uma pluralidade de instituições, mercantis e não-mercantis, mercados regulados e incrustrados numa democracia vibrante e num Estado social robusto, o que aliás é consistente com a insistência de Sen na necessidade de se alargar o leque de motivações humanas reconhecidas na economia para lá do estreito interesse próprio, passando a incluir a simpatia e o compromisso com causas e valores que as pessoas têm boas razões para apoiar. Uma análise mais robusta. Não fiquei por isso admirado ao ler a entrevista de Sen no Público:

As reduções de défices gigantes que ocorreram no passado, como por exemplo a dívida contraída por vários países europeus junto da América durante a Segunda Guerra Mundial, foram possíveis apenas numa situação de grande crescimento económico, que é sempre uma altura propícia à redução da dívida (…) Um dos problemas que fazem com que, agora, o corte da dívida seja tão severo é que vai levar à redução do crescimento económico. E isso torna muito difícil amortizar a dívida. Por isso, como economista, acho que é preciso que os Governos ajam de uma forma mais cuidadosa e não apenas nervosamente devido à dimensão da dívida. Deviam esperar pelo momento certo para reduzir a dívida pública (…) Criar uma união monetária sem união política é um erro.

As comunicações ao simpósio da FEUC, incluindo a notável comunicação de Emma Rothschild e as comunicações que vários de nós fizemos sobre a obra de Sen, podem ser encontradas aqui.

quarta-feira, 16 de março de 2011

E se fizéssemos um referendo?


É uma escolha difícil: continuamos a aceitar a austeridade punitiva que nos está a levar à recessão e à incapacidade de financiar o deficit e pagar a dívida a prazo, ou preparamos a reestruturação da dívida já?

Os Islandeses quando tiveram de decidir se pagavam as dívidas dos “seus” bancos falidos optaram por fazer um referendo e escolheram não pagar, pelo menos de imediato. Já os Irlandeses não escolheram nada porque ninguém lhes perguntou.

O que nós escolheríamos na eventualidade improvável desta experiência mental se tornar realidade não sei. Só uma coisa me parece segura como resultado: o susto que os credores que actualmente mandam no euro apanhariam só com o debate público do assunto e as alternativas sensatas que, nesta eventualidade, lhes iriam ocorrer.

Como se faz um dono de Portugal

Apesar da crise, em 2010, o 'rei' da cortiça ficou 800 milhões de euros mais rico, enquanto o patrão da Jerónimo Martins viu os seus bens reforçados em 635 milhões, o que lhe deu entrada directa no pódio dos mais ricos em Portugal.

O capitalismo de supermercado, de rendas fundiárias e de privatizações contra o interesse público vai de vento em popa – Amorim é o ‘rei’ na Galp, graças à participação adquirida a preço de saldo. E que tal um imposto sobre as grandes fortunas? Nem pensar. O que é preciso é tentar fugir aos impostos como se faz no sítio do costume: tribunal dá razão ao fisco e considera que o grupo Jerónimo Martins tentou fugir ao IRC. Acompanhemos então Cavaco Silva e António Barreto e demos vivas ao empreendedorismo e à responsabilidade social da nossa elite económica. Esta aguarda ansiosamente a entrega de novos serviços e infra-estruturas públicas ainda por capturar e isso exige, como é sabido, pesados investimentos na luta das ideias.

Publicado no arrastão.

«Houston, we have a problem»

Os Censos 2011 já estão em marcha, encontrando-se os respectivos questionários disponíveis na página do INE. No ficheiro relativo ao questionário individual é inquirida a «situação na profissão», determinando-se - com instruções inequívocas (imagem ao lado) - que os falsos recibos verdes serão contabilizados na categoria «Trabalho por conta de outrém».

Ora, o regime legal de prestação de serviços (recibos verdes), caracteriza-se precisamente pelo facto de não pressupor «um local de trabalho fixo dentro de uma empresa», a existência de uma relação de «subordinação hierárquica efectiva» e de um «horário de trabalho definido». Quando estes pressupostos não se verificam em contexto de prestação de serviços por um trabalhador independente (não por acaso assim se designa), estamos perante casos de «falsos recibos verdes», punidos por lei.

Assumindo estas orientações, o INE incorre - como é óbvio - no inaceitável branqueamento estatístico de uma das mais relevantes transformações do mercado de trabalho português das últimas décadas: a precarização das relações contratuais e o recurso manifestamente abusivo aos recibos verdes para suprir necessidades de mão-de-obra que deveriam corresponder, na verdade, a trabalho por conta de outrém. Na perspectiva do objectivo mais elementar que um recenseamento encerra, «conhecer a realidade», não colhe pois o argumento das «recomendações internacionais», com que o INE se procura defender. Interessante seria, justamente para conhecer a dimensão que assume o incontornável fenómeno da precaridade em Portugal, perguntar primeiro «se trabalha a recibos verdes» e, de seguida, indagar a existência de condições passíveis de configurar casos de «falsos recibos verdes».

Mas esta distorção assume um alcance mais vasto, questionando a veracidade da informação estatística que o INE tem vindo a produzir nesta matéria e que tem sido usada para relativizar as razões que levaram à manifestação do passado dia 12. De facto, como poderemos acreditar que os números relativos «ao modo como exerce a profissão» correspondem à realidade, quando é o próprio responsável pelos Censos 2011, Fernando Casimiro, que nos diz que a opção de «conversão» de falsos recibos verdes em trabalho por conta de outrém segue «a tradição que temos utilizado a nível nacional para caracterizar a variável "situação na profissão"»?

terça-feira, 15 de março de 2011

Voltamos sempre à mesma economia imoral

Podemos identificar dois tipos de economistas: os que discutem os problemas da economia portuguesa no quadro da zona euro e dos seus disfuncionamentos e os que fingem que o nosso país pode ser pensado de forma isolada, ou seja, no quadro de regras que não querem questionar porque sabem que estas favorecem o seu discurso neoliberal apostado em transformar a provisão pública em negócio privado para grupos económicos desesperados. Assumido pelos austeritários do bloco central, incluindo um Cavaco que no seu discurso de tomada de posse não referiu uma única vez a questão europeia, o moralismo das finanças públicas é hipócrita e equivocado, para além de ser estreito. É hipócrita porque os economistas que defendem reduções das despesas sociais, reduções dos direitos laborais e correspondentes cortes salariais, o tal todos temos de fazer sacrifícios, fazem parte dos 5% mais ricos de um dos países desenvolvidos mais desiguais. É equivocado porque o Estado não é uma família e quando se comporta como tal onera as famílias realmente existentes com quebras do rendimento e com desemprego: o estado das finanças públicas quase só depende do andamento da economia.

A abordagem dos balanços financeiros sectoriais ajuda a entender isto: a soma dos saldos dos sectores externo, público e privado, tem de ser igual a zero. Não há como fugir disto. Num contexto de crise, com o saldo do sector externo mais ou menos constante, é evidente que o esforço dos privados para reequilibrar os seus balanços, com cortes no consumo e no investimento, tem de gerar inevitavelmente um aumento do défice público. Sabendo que o inserção dependente da economia dificilmente permitirá grandes reduções do défice externo, então o contraproducente esforço, pela dimensão e prazo, para reduzir o défice público, a ser bem sucedido, o que se duvida, teria como contrapartida um aumento do endividamento do sector privado. Por algum lado a corda vai ter de partir com a contracção da economia.

Neste quadro, entendemos melhor a natureza da economia política da austeridade e das alternativas também se a inscrevermos, como faz de forma informada o economista keynesiano Engelbert Stockhammer no seu ultimo artigo, numa zona euro construída para fazer do trabalho, concebido apenas como um custo a economizar, a principal variável de ajustamento à crise. Isto num quadro de desequilíbrios comerciais, em que os excedentes dos países centrais são os défices dos periféricos, sem mecanismos de suposta correcção que não passem por processos deflacionários brutais como os que estão a ocorrer na periferia. Juntem-lhe a financeirização do capitalismo e têm a tempestade perfeita: crise e mais crise, desemprego e mais desemprego. E um moralismo económico imoral.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Interesses

Diz-se que a história das crises financeiras é escrita pelos credores. Contra todas as aparências, o economista Patrick Artus argumenta que, na realidade, o poder negocial do governo alemão é reduzido porque quem comanda a economia alemã seria o principal perdedor em todos os cenários na periferia que não passem por instituir mecanismos genuinamente solidários na zona euro: a reestruturação da dívida atingiria os bancos alemães, a intensificação da austeridade ameaçaria as exportações alemãs, o esfarelamento do euro e as subsequentes desvalorizações cambiais minariam o projecto industrial exportador alemão. É claro que Artus parece assumir que os governos das periferias têm alguma estratégia negocial concertada para colocar o governo alemão perante as suas responsabilidades. Hipótese heróica quando ouvimos, por exemplo, José Sócrates declarar hoje todo ufano que as instituições europeias aprovaram e saudaram a decisão do governo em promover mais uma ronda de austeridade. E, no entanto, como muito bem afirma João Galamba, “esta política de austeridade que a Europa escolheu é economicamente errada e socialmente injusta”. Galamba acrescenta: “mas o governo português tem de definir as suas políticas partindo desse enquadramento (…) O governo tem feito o que pode para defender o interesse nacional.” O problema, como a intervenção de Sócrates ilustra, é que o governo parte e acaba no mesmo enquadramento desastroso e dentro deste é duvidoso que haja qualquer “interesse nacional” para defender.

A melhor das políticas possíveis

Referindo-se ao Sacro Império Romano-Germânico, dizia Voltaire que este não era “nem sagrado, nem romano, nem império”. Pois nós temos um Programa de Estabilidade e Crescimentoque não é de estabilidade, nem de crescimento, nem um programa.

Não é um programa porque não assenta numa visão estatégica para a economia portuguesa que articule meios e fins, de modo a atacar simultaneamente os vários défices que a caracterizam (de emprego, de competitividade, de justiça social, de financiamento externo). Em vez disso, corta-se a eito sem olhar às consequências e procura-se apagar fogos com gasolina, mostrando depois surpresa quando estes ganham redobrado vigor. Tudo de uma forma tão ad-hoc que imagino que já nem os seus próprios executantes acreditem na exequibilidade das metas que anunciam a cada passo.

Não é de estabilidade pois agudiza as tensões sociais e fomenta o medo e a insegurança na nossa sociedade. Facilita ainda mais o despedimento num país onde já reina a precariedade. Reduz os apoios sociais num país que já é dos mais desiguais da Europa. Liberaliza um segmento do mercado de arrendamento que é em grande medida ocupado por idosos de baixos rendimentos, colocando-os a um passo da indigência. Prepara o caminho para nova ronda de privatizações, submetendo mais e mais necessidades sociais à lógica do lucro e da capacidade para pagar.

E não é de crescimento nem em termos conjunturais, nem em termos estruturais. Conjunturalmente, aprofunda a contracção da procura interna num contexto em que não é possível contar com a procura externa (as exportações), privando a economia portuguesa de qualquer tipo de motor que permita aproveitar a capacidade produtiva existente (de onde os níveis de desemprego com que nos deparamos e continuaremos a deparar).

Estruturalmente, reforça ainda mais um modelo de organização produtiva terceiro-mundista, caracterizado pela precariedade (a que chamam flexibilidade), pelos baixos salários (a que chamam factor de competitividade) e pela desigualdade (apresentado como uma consequência natural do mérito e da ‘atitude’). Esquecem-se, claro, que não é a tentar bater a China no seu jogo que conseguiremos crescer ou, mais importante do que isso, construir uma sociedade em que valha a pena viver.

Um Programa de Estabilidade e Crescimento que não é nenhuma destas coisas, executado por um Partido Socialista que não só não é socialista, como nem sequer é social-democrata. Maravilhas do duplipensar à portuguesa. E apesar de tudo isto, não falta, tal como no Cândido, quem proclame que se trata da melhor política possível no melhor dos mundos possíveis.