Estamos habituados aos momentos de dramatização da política portuguesa. PS e PSD ameaçam que fazem ou deixam de fazer, anunciam a crise e o fim do mundo. Depois, a tensão passa e tudo volta ao normal. Os donos de Portugal ditam as opções fundamentais de política – desde a fiscalidade à legislação laboral, passando pelas políticas sociais, as privatizações, as parcerias público-privadas ou as concessões desastrosas – e os governos-gestores da alternância vão dando uns sinais mais à esquerda ou mais à direita, para dar a entender que não são essencialmente iguais.
Em geral, esta ordem natural das coisas sugere que os partidos que se guiam fundamentalmente por princípios – e não tanto por oportunidades – não devem alimentar a dramatização, nem deixar que a sua acção seja condicionada pelas peças que outros encenam.
O momento actual é diferente. O resultado desta encenação só pode ser o acelerar da degradação política e social. Se o governo cair, o vazio de poder e a incerteza face ao que virá conduzirão ao agravar da crise financeira - e todas as medidas de ataque aos direitos sociais e de entrega dos bens e serviços públicos à avidez dos rentistas terão uma legitimidade reforçada. Se o governo não cair amanhã, ficará com uma posição mais fragilizada do que nunca – dando espaço adicional para os avanços da direita (venha ela do Largo do Rato, da São Caetano à Lapa ou de Berlim).
Uma proporção insólita de portugueses sente que o país se encontra num beco sem saída. O PSD, que não conteve a sua ânsia de poder num momento crítico e caiu na armadilha da dramatização do PS, não sairá a ganhar. O CDS de Portas está eufórico perante o afundamento dos partidos do centrão. Sócrates arrisca-se a ser visto como o líder de credibilidade questionável que, não obstante, não virou a cara às dificuldades (mesmo que não tenha feito mais do que lhe impuseram que fizesse; e mesmo que fale em nome dos donos de Portugal quando jura que não permitirá a entrada do FMI).
E a esquerda? PCP e BE estão mais uma vez encurralados. Num cenário em que a situação interna e os constrangimentos externos deixam pouco espaço de manobra, não têm conseguido fazer muito mais do que anunciar que vem aí o desastre. Podem até ter razão. Mas para a maioria das pessoas, inclusive muitos dos seus eleitores, serão vistos ou como parte do problema (contribuindo para a ingovernabilidade) ou, pelo menos, como não sendo parte de qualquer solução.
Mas PCP e BE poderiam dar um sinal diferente. Poderiam ter a iniciativa de se apresentar com uma plataforma comum, propondo ao PS um conjunto de condições mínimas para apoiar uma solução para a crise assente numa maioria de esquerda no Parlamento. Uma solução que mostrasse que existem outros caminhos possíveis, mesmo com todos os constrangimentos internos e externos.
Dificilmente o PS de Sócrates estaria interessado ou capacitado para aceitar o que seriam as condições mínimas da decência – aumentar a progressividade do sistema fiscal, abdicar das mordomias e da distribuição de empregos e favores, renegociar as PPP e as concessões predatórias, e prosseguir uma estratégia credível de contenção orçamental (que só pode assentar na prioridade ao crescimento). Mas os portugueses ficariam mais convencidos que o país não tem de ser o que é – e o ónus ficaria nas mãos do PS.
Sem esse sinal de uma alternativa possível e credível à esquerda, Sócrates conseguirá vitimizar-se, fazendo esquecer que as suas opções estiveram sempre ao lado dos grandes interesses instalados. PSD conseguirá o feito improvável de, estando na oposição no meio duma enorme crise social, não obter um resultado eleitoral que lhe permita governar sem depender de outros (possivelmente, inclusive do PS). Paulo Portas, esse gato de sete vidas, surgirá mais uma vez como a válvula de escape do regime, mesmo não tendo nada de diferente para oferecer.
Conseguirá a esquerda estar à altura?
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20 comentários:
momento da verdade
fomo-nos definitivamente abaixo
felizmente é o fim das empresas públicas
infelizmente é o fim de muito mais
Será que a esquerda em Portugal ainda não percebeu que tem os dias contados? Que esquerda é essa?... São todos aqueles que vivem das "rendas" do Estado.
Muitíssimo bom artigo!
Mas em termos concretos... o que mudaria? Esse excelente "conjunto de condições mínimas para apoiar uma solução para a crise assente numa maioria de esquerda no Parlamento" seria propagado pelo PS+-D e media do regime como "chantagem inexplicável", institucionalizando o tal Bloco Central de Interesses que todos os "economistas" querem para "acabar com a crise".
A única coisa que traria seria a definiçäo total e irrevogável do PS como partido de dieita (nem de já de centro-direita), afastando de vez aqueles ingénuos que pensam no PS como um partido socialista. Que neste momento devem ser só 10% do seu eleitorado, logo, näo vale a pena para PCP e BE tentarem meter-se em acordos.
Se eu acho que um acordo PS-PCP-BE seria altamente positivo para o país? Acho. Mas também sei que é impossível, visto o PS näo estar do mesmo lado ideológico dos outros dois.
Um governo de iniciativa presidencial com um primeiro ministro independente podia ter o apoio da maior parte dos partidos sem exigir uma subjugação ao partido mais forte, evitando os anti-corpos mútuos entre os partidos. A sobrevivência de tal governo poderia ser assegurada pelo consenso de querer salvar o país e não querer provocar uma crise.
http://quem-tem-farelos.blogspot.com/2011/03/governo-de-iniciativa-presidencial.html
Como a esquerda teima em não seguir o caminho enunciado no post,de forma cristalina e esclarecida,só vejo uma alternativa corente e de ruptura com o sistema.
E,simultâneamente,uma singela homenagem à insubmissão e clarividência de José Saramago.
Lancemos o MVB - MOVIMENTO VOTO BRANCO.
Impunhamos uma derrota histórica ao "sistema" - conseguir mais de 50% de votos brancos,obrigando a uma revolução nos partidos,designadamente nos da esquerda,acordando-os e obrigando-os ao pragmatismo,ao diálogo,à construção de uma alternativa anti-liberal e neo-liberal.
Em frente com o MVB.
Só não avanço para uma plataforma MVB nas redes sociais porque não domino as ferramentas informáticas.
Mas estou disposto a dar a cara e o nome pela estremecedora causa.
F. Oliveira
Caro Ricardo Paes Mamede,
Se a Irlanda serviu de exemplo ou montra aos neoliberais, a Islândia pode servir, pelo menos, de inspiração à Esquerda Portuguesa...pode, podia... devia...
Não tendo sido a "luta de classes" suficientemente forte para nos Unir a Todos, poderá "Portugal" ser o bastante para conseguir uma plataforma alargada de Esquerda lusitana??? eu digo: pode, podia... devia!!!
Abraço,
Miguel
COLIGAÇÕES
Aproximam-se momentos de grandes opções. Os partidos à direita do PS agitam-se furiosamente em torno da ideia de novas coligações, preparando o assalto ao poder. Por outro lado, a reedição do bloco central P.S./P.S.D. continua a não ser descartada por “paineleiros” televisivos e fazedores de opinião, há longos anos ao serviço do “centrão”.
Perante este panorama, é imperioso afirmar: é necessário, é urgente dizer que a única coligação que neste momento faria sentido, seria entre o PCP e o BE.
Devia assumir a forma de um simples acordo de incidência eleitoral, porque não comprometeria demasiado nenhum dos parceiros, e seria uma solução com vantagens a triplicar.
1º-Bem explicado, com tempo, aos militantes dos dois partidos, faria o pleno no seu seio e ampliaria a votação para fora das fronteiras de cada um, podendo projectar uma votação entre os 25% e os 30%. Quer dizer: os dois partidos em acordo, valerão muito mais do que a simples soma dos dois.
2º- Traria muitos eleitores abstencionistas arredados de anteriores participações eleitorais por falta de alternativa, porque lhes era proposto um modelo completamente novo e original.
3º-Traria para as ruas, cidades vilas e aldeias deste País, a visibilidade para a convergência de posições que se tem verificado entre os dois partidos, na Assembleia da República.
O que se propõe, para além das vantagens já descritas, reforçaria ainda cada um dos partidos, por razões óbvias.
O B.E. beneficiaria da firmeza ideológica, experiência organizacional e fiabilidade nos acordos políticos reconhecidos ao P.C.P. O P.C.P. pelo seu lado, iria usufruir de uma aproximação a uma geração mais nova, politicamente mais ingénua, mas descomprometida com os desvios que levaram ao fim das experiências socialistas na Europa de Leste.
Dir-me-ão que há diferenças programáticas profundas entre os dois partidos. É Verdade.
Mas já outros o disseram antes, e eu reafirmo: “o caminho faz-se caminhando”. E neste momento complicado para o País e para os Portugueses, acho que não seria difícil acertar um rumo.
Apenas um último aspecto para terminar, não menos importante. Exceptuando os militantes fanáticos dos dois partidos do “centrão”, a generalidade dos Portugueses, já não aguenta mais o linguajar desta gente, em que o insulto mútuo, a má criação e a gritaria são a regra. Utilizando uma linguagem simples na transmissão das ideias e valorizando princípios comuns caros aos dois partido, certamente seriam conseguidos dividendos adicionais.
Poderíamos assistir a uma autêntica revolução eleitoral, onde o peso destes dois partidos na Assembleia da República, desse corpo a uma verdadeira política de esquerda, ao serviço dos trabalhadores e do País.
João Sampainho
"podendo projectar uma votação entre os 25% e os 30%"
Isto é não perceber nada do eleitorado que tem votado BE. este eleitorado não se revê no PC e vota em protesto contra os partidos do centro. Fazer uma coisa dessas é acabar eleitoralmente com o BE.
Aliás o BE também não percebe. por isso quase desapareceu em Lx aquando da história do Sá Fernandes, e o seu candidato presidencial teve a votação miserável que teve pela mesma razão. O BE não é dono do seu eleitorado e mais valia fazer um esforço para evoluir...
Esquecendo o PS oficial, defendemos algo semelhante aqui:
Petição Por uma alternativa de Esquerda
http://www.peticaopublica.com/PeticaoListaSignatarios.aspx?pi=P2011N8105
Conscientes de que os caminhos não são fáceis, até porque tem faltado vontade de os trilhar, os cidadãos e cidadãs de esquerda abaixo-assinados apelam:
- ao Bloco de Esquerda e ao Partido Comunista Português, para que se encontrem, com o objectivo único de debater alternativas de governo, à Esquerda, que mobilizem o povo português para uma ruptura com as políticas neo-liberais;
- a que nessa procura de alternativas sejam interlocutores a CGTP e as organizações representativas dos trabalhadores, os partidos da esquerda extra-parlamentar e os movimentos sociais progressistas;
- a que todos juntos (partidos, movimentos e cidadãos de esquerda) consigamos ultrapassar divergências, em nome de uma mudança de rumo do país, que responda aos anseios não concretizados da Revolução de Abril.
Boa sorte, João Sampainho e João Delgado!
O assunto dos possíveis acordos com o PS é toda uma outra história (aí tem de se andar muito mais devagar). Mas um acordo mínimo BE-CDU facilitaria muitíssimo a vida a quem realmente pretende pensar em alternativas à esquerda a esta míséria em que temos vivido. Não é preciso chegar a 50 por cento, claro, bem longe disso. Garanto-vos que basta virar os 20 e poucos por cento (mais ou menos o nível de votação à esquerda do PS entre nós até princípios da década de 80) para que a água comece a borbulhar... Depois se verá o resto.
Nenhum partido é, entenda-se, dono do seu eleitorado. Claro que não. Mas promover a pequena querela fútil só faz pensar em tribalismos idiotas e, nesse sentido, sem dúvida desmobiliza. Promover a concertação de esforços tem o efeito oposto: galvaniza, incentiva... E é verdade também que basta a simples adição de votos para garantir, em vários círculos, mais deputados a uma eventual “frente comum” do que a BE e CDU tomados separadamente...
Conversas com o PS, por outro lado, são (repito) uma coisa muito diversa. Aí é outro campeonato e tem de se ir mesmo muito mais devagar. Mas o fundamental é haver uma alternativa credível à esquerda do PS: uma alternativa que mostre ser credível, desde logo revelando ser capaz de passar por cima da pequena querela entre forças que na prática convergem em mais de 90 por cento das iniciativas. Isso não significa negação das diferenças ou das divergências que persistam, ou pretensão disso, note-se bem. Só mesmo concertação naquilo em que esta é razoável - que é, já agora, quase tudo aquilo que diz respeito a uma possível intervenção governativa.
Será assim tão difícil?
Faz parte do manifesto criador do BE a uniäo de todas as esquerdas, lembro por alto "sob a liderança do PCP". Entretanto já passaram uns anos, e se calhar agora até era boa ideia a liderança dessa uniäo ser do BE. Por motivos ideológicos? Näo, por motivos práticos.
O voto no BE é protesto? Até certo ponto.
Quem vota no BE näo vota CDU? Até certo ponto.
Estou em crer que haja mais reticências de eleitores do PCP em votar nessa coligaçäo.
O certo é que neste momento, e estive ainda ontem a falar com um amigo meu, preocupado, é que o PSD é a face mais selvagem do neoliberal PS. Logo preferem votar PS na mesma, porque o BE, ai e tal, o Louçä näo tem programa de governo, o que eu desmenti. Até apresentaram 15 medidas anti-crise que resolveriam o défice sem austeridade.
O que a coligaçäo "Esquerda em Bloco" tem para oferecer às geraçöes à rasca é uma alternativa em que os remediados näo passam a pobres, e os pobres näo passam a miseráveis. E isso hoje em dia já é o que chega! A alternativa do PS a isto é a "economia do motor a 4 tempos" (i.e. PEC PEC PEC PEC), a alternativa do PSD a isto é a "ajuda" do FMI--que se calhar é só um papäo, será que se precisa mesmo? Ou seräo só os ricos a precisar dessa "ajuda"?
Os precários revêem-se num projecto de governo que combata os falsos recibos verdes. A Esquerda em Bloco que o mostre. Se é necessário alguém mais populista para passar a mensagem, têm o Zé Manel Coelho, que pelo menos é um homem de Abril. Ou arriscam a um populista de direita a singrar.
Porque sabem o que aconteceu na impávida e serena Finländia? Ainda a cryse a sério näo chegou, e a "Frente Nacional" (sim, têm extrema-direita populista) lá do sítio passou de 5% para 20%, arriscando já ser o partido mais votado nas eleiçöes de Abril. É isso que querem para Portugal?
Transcrevo(porque subscrevo),aquilo que escrevi ao post do NRA que vai no mesmo sentido:
Também tenho batido nesse ponto: “perceber que 99,9% das propostas do PCP e do BE coincidem”. Mesmo assim, parece a mais improvável coligação. PS, PSD e CDS formam as mais diversas parelhas consoante a ocasião. Hoje, B. Félix em nítida provocação, refere até a possibilidade de um governo PSD, CDS, PCP.
De resto, subscrevo. É mais aquilo que nos une, do que aquilo que nos separa. Deixemos a “pureza” para os criadores de animais. Em democracia, para transformar o real é necessária uma base eleitoral alargada, e a da esquerda, está fragmentada entre PCP, BE, Brancos e Nulos e aqueles que votam PS enquanto “voto útil”, expressão que detesto, mas compreendo, ou não. O método e os círculos eleitorais prejudicam-nos. A percentagem de votos raramente se traduz no igual número de deputados. Aqui em Viseu, ou mesmo em todo o interior Norte, por exemplo, a possibilidade de eleição de um deputado é quase uma miragem. Mas se atentarmos à soma de votos BE, PCP e hipotéticos “úteis” PS que deixariam de o ser se houvesse de facto a possibilidade real de eleição, vemos que facilmente se elegeriam vários deputados. E mesmo no Alentejo, veja-se Portalegre 2009, um caso flagrante. Ou isso, ou lutar por um círculo de correcção/ajustamento nacional, que se avizinha obviamente impossível porque o caminho é o “uninominalismo”.
Mesa redonda camaradas, mesa redonda! Se nem na maior crise do capitalismo, na maior austeridade, no maior descontentamento popular a esquerda almejar a transformar de facto, então quando?
Nunca! As pessoas não acreditam numa economia que negue o mercado. Ficaram vacinadas com as experiências socialistas. Foram todas um desastre.
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