terça-feira, 1 de março de 2011

O credo da "economia da oferta"


Num blogue do Jornal de Negócios, “75% dos leitores diz que a austeridade é mesmo necessária”. Aqui está um indicador da hegemonia que a “macroeconomia das trevas” exerce na mente dos cidadãos.

O argumento de Álvaro Santos Pereira (ASP) é duplamente revelador. Diz que “A austeridade é necessária mas não suficiente”. Diz que é necessária “para combater os desequilíbrios das contas públicas e o endividamento exterior.” Porém, conclui o depoimento (nº 5) dizendo que, estando a austeridade a ser aplicada a “conta-gotas” e “sem políticas que ajudem a economia a recuperar da crise e da estagnação”, acabará por induzir uma espiral recessiva.

Ponhamos de lado a inovação argumentativa da política a “conta-gotas” que remete para a ideia popular de que é sempre melhor fazer o mal todo de uma só vez do que aos poucos. Em última análise, ASP não quer que fiquemos a pensar que na sua teoria económica já não há lugar para efeitos multiplicadores da despesa pública corrente e de investimento. Tendo consciência de que perderia toda a credibilidade profissional se ignorasse os efeitos recessivos da austeridade, num contexto em que não é possível a desvalorização cambial, recorre à ideia (velada) de que faltam as “reformas estruturais”.

Bem sabemos o que são essas miraculosas políticas que, “fazendo o mal de uma vez só”, nos livrariam da “crise e da estagnação”. Na Letónia, durante os anos de 2008-2010, produziram uma quebra do PIB de 25%, superior à da Grande Depressão nos EUA, e uma emigração em escala dramática, superior às deportações do estalinismo. Se ASP pretende referir outro tipo de políticas que não sejam as da “desvalorização interna” (redução de salários, cortes selvagens nos serviços públicos) deveria ter a coragem intelectual de dizer quais são e onde é que produziram o resultado que refere – anulação dos efeitos recessivos da austeridade. Agora, não tem o direito de iludir os leitores menos informados ao dizer que a solução está em cortar no “despesismo”. O despesismo deve ser sempre combatido, mas ASP bem sabe que toda a racionalização da administração pública deve ser feita em período de crescimento. Nunca em recessão pois é contraproducente.

ASP não podia ser mais explícito porque o argumento não tem qualquer suporte na realidade. A corrente da "economia da oferta" em que mergulhou é o seu credo e remonta à Lei de Say. Com acesso privilegiado aos meios de comunicação de maior audiência, ASP faz parte de um grupo de economistas que recorre à ortodoxia económica para cobrir de respeitabilidade opiniões que são pura ideologia. Que a RTP, paga com o dinheiro dos contribuintes, também esteja colonizada por estes economistas pregadores de uma teoria económica pré-1929 diz muito da qualidade da democracia em que vivemos.

12 comentários:

Anónimo disse...

Ainda assim o partido de governo da Letónia ganhou as eleições com maioria absoluta. Talvez tenham os olhos postos na Lituânia e na Estónia em que o crescimento regressa em força!
Estranho é que nas diversas experiências socialistas o desastre tenho sido total. Não há um único exemplo dessa nova economia.

Jorge Rocha

باز راس الوهابية وفتواه في جواز الصمعولة اليهود. اار الازعيم-O FLUVIÁRIO NO DESERTO disse...

despesismo...engloba muita coisa

cortar nos consumos e nas importações de bens pelo aparelho de estado

e tentar substituir algumas das importações por produção nacional

claro que não produzimos Mercedes

pegar num problema de uma economia e transpô-la para outra completamente diferente e sugerir que produzirá efeitos similares...é
fé a mais?
ou a menos?

Manuel Henrique Figueira disse...

Álvaro Santos Pereira preconiza: (...) a austeridade devia ser feita cortando na gordura do Estado, nos consumos intermédios, nas despesas dos milhares de entidades e organismos públicos que constituem a nossa Administração Pública (...) contra o despesismo do Estado e não contra os funcionários públicos (...).
Mais politicamente correcto não pode haver. Os votos das pessoas continuam a ter maior peso que eles próprias pensam.
Despedir funcionários ninguém quer assumir, ainda mais com eleições à porta e expectativas de as ganhar par parte do partido de ASP (o PSD).
Mas esta conversa fiada dos cortes no despesismo do Estado, de tão recorrente, e ao mesmo tempo tão vaga, já cansa. Afinal, corta-se em quê? No papel A4, nos clipes e na fita-cola, etc.? De duas uma, ou há organismos e entidades desnecessários, devendo ser fechados e os seus funcionários despedidos por inutilidade da função (na melhor das hipóteses deslocados alguns para organismos deficitários em recursos humanos) ou os tão falados cortes na gordura não passarão de uma dieta pífia. Só o encerramento total, com despedimentos, é significativo quanto à poupança que gera. Mas estes verdadeiros cortes quem é capaz de os fazer? Preconizar constantemente o corte nas gorduras do Estado, tomando estas pelos «peanuts» do papel, dos clipes e da fita-cola, etc. não me parece muito sério ou então é revelador de falta de coragem política. Enuncie-se com clareza o que é supérfluo e o respectivo encerramento, com todas as consequências. A gordura do desperdício nos «peanuts» deve permanentemente ser cortada, mas em todos os organismos, mesmo nos imprescindíveis.
O problema é que 83% do chamado despesismo do Estado são ordenados, pensões, despesas na saúde, educação, etc.
Sobram 17% para o funcionamento da máquina do Estado. Mesmo se se cortasse 50% desses 17%, o que seria suficiente para bloquear a administração pública (com todas as consequências desastrosas para as pessoas e para a economia em geral), a poupança seria quase desprezível face ao nosso colossal défice.
E é isto que estes novos gurus da economia liberal não dizem, pois isso revelaria que a sua preocupação não é o despesismo do Estado (porque não lutaram contra ele quando lá estiveram? Não foi no tempo do «mel e do leite» cavaquista que, p. ex. a despesa com salários da função pública mais cresceu, com o novo Sistema Retributivo? Não foi nesse período que o défice do Estado andava pelos 10%? Não havia era moeda única e Pacto de Estabilidade. A memória tem poucos Megabytes?) a sua preocupação/intenção é, antes, a pretexto da crise, desmontar o Estado e a economia tal como estão, privatizando tudo quanto cheirar a lucro e socializando tudo quanto for pouco rentável.
O nosso problema é a economia e o seu crescimento, para alimentar o Estado e as suas responsabilidades sociais (pensões, ordenados, Saúde, Educação, Justiça, Defesa, Administração Interna, Obras públicas estruturantes e absolutamente imprescindíveis, etc.), cortando no despesismo, mas em todo o lado, independentemente da crise e nunca como pretexto para a concretização de outros objectivos escondidos em agendas secretas.
A política de Lula no Brasil (na continuação de medidas estruturantes iniciadas por Henrique Cardoso), que passou o Brasil de credor a financiador do FMI, é um bom exemplo.
O resto é poeira para os olhos de papalvos que acreditam em contos da carochinha.
M. H. F.

Maquiavel disse...

Jorge Rocha, você sabe matemática? A *coligaçäo* do PM direitista letäo conseguiu apenas um terço (33/100), e só continuou no governo porque a 3.a força (22/100), centro-direita, se lhes juntou.
Mas mesmo assim se as coisas continuarem mal para os letöes a tal coligaçäo pode cair.
A Letónia? O PIB caiu 20% em 2009, e uns 16% em 2010, e isto é que é exemplo para si? Faça as malas, entäo!

RCP Edições disse...

Transparência, Justiça e Liberdade - Em memória de Saldanha Sanches.
lançamento FNAC Chiado, 10 Março 2011, 18H30
www.rcpedicoes.com

rui fonseca disse...

O credo da economia da oferta é tão religioso como o crédito da economia da procura. Mas, em matéria de política económica, a fé ajuda mas pode ajudar mal.

Porque é que a política económica é
neo-liberal, pós-kenesiana, e não pode ser outra coisa? Para além do preto e branco não há outra realidade?

Toda a racionalização do Estado, no sentido da maximização da utilização dos meios colocados ao dispor da gestão dos governos, é uma agressão neo-liberal com o objectivo de liquidar o Estado?

Um exemplo - e não o escolho por acaso mas porque sei que a maior parte, se não todos, dos membros do LDB exerce actividades de investigação ou docência universitária - Em Portugal existe um número altamente desproporcionado de universidades e cursos universitários. Verdade?

Indicia a minha afirmação uma mentalidade ao serviço das hordas neo-liberais à solta?
Se reparo na extravagância que também tenho de pagar, isso faz de mim um neo-liberal confesso?

Mas, se por outro lado, também eu não reconheço validade à teoria do equilíbrio dos mercados financeiros, isso faz de mim um suspeito que não se sabe onde mora?

Por que é que a ciência económica está condenada a subjugar-se a credos e, desse modo, a partir-se em seitas e a meter as suas pretensões científicas pelo esgoto abaixo?

Pense nisso.

Anónimo disse...

(...) Despesas do Subsector Estado
Despesa corrente: aumentou 0,7% (aumento nominal e real); Despesa total efectiva: aumentou 0,9% (aumento nominal e real).

Despesas do Subsector Serviços e Fundos Autónomos
Despesa corrente: aumentou 5,1% (aumento nominal e real); Despesa total efectiva: aumentou 6,4% (aumento nominal e real); Despesa com Pessoal, pasme-se: aumentou 7,4% (aumento nominal e real)
Despesas do Subsector da Segurança Social

Despesa corrente: aumentou 4,9% (aumento nominal e real); Despesa total efectiva: aumentou 4,8% (aumento nominal e real).

Despesas da Administração Local
Despesa primária: diminuiu 5,6% (diminuição nominal e real); Despesa total efectiva: diminuiu 4,9% (diminuição nominal e real).

Execução Orçamental do Estado
Despesa corrente: aumentou 0,7% (aumento nominal e real); Despesa total efectiva: aumentou 0,9% (aumento nominal e real); Despesa com Pessoal, pasme-se: aumentou 4,9% (aumento nominal e real).

A Despesa só diminuiu na Administração Local. Onde Sócrates e Teixeira dos Santos comandam, é só a subir.

E se o défice melhorou, foi devido ao confisco feito aos contribuintes, através dos impostos. Situação não sustentável. Porque aumentos de receita de 15%, como em Janeiro, é confisco.

Por isso, as taxas da dívida sobem. Os especuladores internacionais têm um nome e morada: chamam-se Sócrates e Teixeira dos Santos e moram em Lisboa. E Ângela Merkel sabe a morada.

http://quartarepublica.blogspot.com/2011/02/os-especuladores-internacionais-tem.html

Anónimo disse...

(...) Despesas do Subsector Estado
Despesa corrente: aumentou 0,7% (aumento nominal e real); Despesa total efectiva: aumentou 0,9% (aumento nominal e real).

Despesas do Subsector Serviços e Fundos Autónomos
Despesa corrente: aumentou 5,1% (aumento nominal e real); Despesa total efectiva: aumentou 6,4% (aumento nominal e real); Despesa com Pessoal, pasme-se: aumentou 7,4% (aumento nominal e real)
Despesas do Subsector da Segurança Social

Despesa corrente: aumentou 4,9% (aumento nominal e real); Despesa total efectiva: aumentou 4,8% (aumento nominal e real).

Despesas da Administração Local
Despesa primária: diminuiu 5,6% (diminuição nominal e real); Despesa total efectiva: diminuiu 4,9% (diminuição nominal e real).

Execução Orçamental do Estado
Despesa corrente: aumentou 0,7% (aumento nominal e real); Despesa total efectiva: aumentou 0,9% (aumento nominal e real); Despesa com Pessoal, pasme-se: aumentou 4,9% (aumento nominal e real).

A Despesa só diminuiu na Administração Local. Onde Sócrates e Teixeira dos Santos comandam, é só a subir.

E se o défice melhorou, foi devido ao confisco feito aos contribuintes, através dos impostos. Situação não sustentável. Porque aumentos de receita de 15%, como em Janeiro, é confisco.

Por isso, as taxas da dívida sobem. Os especuladores internacionais têm um nome e morada: chamam-se Sócrates e Teixeira dos Santos e moram em Lisboa. E Ângela Merkel sabe a morada.

http://quartarepublica.blogspot.com/2011/02/os-especuladores-internacionais-tem.html

Jorge Bateira disse...

Rui Fonseca

Os seus preconceitos levam-no a ler no meu texto um enviesamento ideológico idêntico ao que critico na orientação teórica de Álvaro dos Santos Pereira. Acontece que a economia - como qualquer outra disciplina da ciência social - não pode prescindir do confronto das suas teorias com a realidade, através de métodos adequados, sem o qual os modelos teóricos se tornam "credos". É essa falha que eu aponto à economia da oferta: despedimentos mais baratos e fáceis, reforma da justiça, etc. nunca poderão criar os empregos que hoje dramaticamente fazem falta, pela simples razão de que a presente crise é uma crise de insuficiência da procura agregada. Só a adesão cega a uma doutrina (neoliberalismo) impede estes economistas de aceitar esta afirmação que, no entanto, tem fundamento na realidade histórica, presente e passada .

Como disse Mark Blaug, a economia neoclássica está "doente" de formalismo matemático escolástico, e rege-se pela regra: "Realidade? Não, por favor, nós somos economistas!" «http://www.guardian.co.uk/commentisfree/belief/2009/jul/11/economics-greenspan-neoclassical».

Neste blogue sabemos distinguir argumentação com fundamento científico (específico da "ciência social") de argumentação simplesmente ideológica.

Anónimo disse...

Caro Jorge Bateira,

Manter o discurso da insuficiência da procura agregada é, em si mesmo, insuficiência ideológica. A lei de Say, antes de ser deturpada por um pressuposto keynesiano tem todo o sentido: a oferta gera procura. Como? Flexibilidade de preços. Se, na esteira keynesiana, remove a flexibilidade de preços e salários, evidentemente se acumulam stocks. Percebe agora a falácia do salário mínimo?

Jorge Bateira disse...

Caro Anónimo
(3 de Março de 2011 17:39)

Uma teoria que não se deixa interpelar pela realidade está certamente ao serviço de uma ideologia. Como sabe, as economias organizam-se segundo leis, regras informais, cultura, relações de poder e interesses. Esta organização institucional dos mercados explica um facto que os neoliberais recusam ver: a redução nominal de salários e preços é excepcional. Só acontece pontualmente num quadro de grande crise, e só em ditadura (supressão da actividade sindical) tem condições para perdurar.
De facto, há economistas que pretendem fabricar essas condições no nosso país. É a ideologia, sob a forma de engenharia social, a querer transformar a realidade.

Quanto à sua crença na ideia de que a oferta cria a sua procura, suponho que não há argumentos que o possam convencer de que não é assim. As crenças têm uma forte componente emocional e, por isso, não mudam através de argumentos.
Ainda assim, deixe-me dizer-lhe que na história do pensamento económico figura um conhecido economista que chamou a atenção para um facto que os clássicos não tinham em consideração - os agentes económicos recebem uma remuneração pela sua actividade produtiva mas ... não a gastam na totalidade, fazem POUPANÇAS. Assim, nem todo o dinheiro recebido pela produção (oferta) é canalizado para a compra (procura) dos bens produzidos. Tão simples como isto. Aliás, deixe-me dizer-lhe que na economia, como de resto nas outras ciências, não há leis; há múltiplas causalidades que se interpenetram para gerar a realidade empírica com que nos confrontamos.
Em complemento, sugiro-lhe (se me permite) que se informe sobre o que é a "armadilha da liquidez".

linkwheel disse...

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