quarta-feira, 23 de março de 2011

Como vamos construir o caminho para o tempo das cerejas?

Agradeço ao Vitor Dias o espaço que dedicou no seu blog ao meu último post. Com sincero respeito e humildade, deixo aqui a minha resposta.

1. Vitor Dias é há décadas militante de um partido rico, denso e complexo. Teve funções de direcção nesse partido durante muitos anos. Durante a era Carvalhas (perdoe-me a simplificação), enquanto responsável pelas relações com a comunicação social, Vitor Dias revelou uma eficácia rara ao fazer passar as posições de uma organização política fora do mainstream, num ambiente mediático quase sempre hostil. Nos últimos anos mantém um blog que se destaca pela qualidade no debate político em Portugal. Pela minha parte, nunca fui militante de nenhum partido (não que me orgulhe disso), só muito pontualmente fui incumbido de responsabilidades minimamente relevantes em qualquer coisa que tenha a ver com a política nacional, não me dedico regularmente à análise e ao comentário políticos, e tenho neste blog um dos pouco espaços de intervenção cívica que ocupo (aquele que me é possível nas condições de vida que tenho), quase sempre sobre temas ligados à minha profissão (a de economista e de professor). Face a isto, discutir política com Vitor Dias seria para mim como discutir a economia da depressão com Paul Krugman. Não vou fingir que sei mais do que sei - e, até melhor prova, tendo a aceitar como plausíveis muitas das dúvidas que Vitor Dias levanta sobre aquilo que escrevi.

2. Dito isto, creio que Vitor Dias se precipitou ao colar-me a uma leitura simplista das posições do PCP e do BE. Não que me reveja na ideia de que, sendo um mero cidadão atento (como tantos outros), tenho a “obrigação de conhecer extensos documentos e intervenções parlamentares na íntegra”, como escreve Vitor Dias. Mas tive a oportunidade de ler as resoluções do PCP (por sinal, tomei conhecimento dela através d’O Tempo das Cerejas) e do BE que foram hoje votadas. E fiquei bem impressionado com o esforço de ambos os partidos no sentido de explicitarem as suas propostas de caminhos alternativos, nas quais me revejo quase na íntegra. De facto, no meu post não as discuti e, porventura, não terei contribuído para evitar as leituras preguiçosas que Vitor Dias refere. No entanto, parece-me que esta questão passa ao lado do problema.

3. O momento que vivemos assemelha-se cada vez mais aos descritos por Naomi Klein no seu livro “A Doutrina do Choque”. Os problemas financeiros são reais e o espaço de manobra para lhes dar resposta é cada vez mais diminuto. São condições bastantes para quem, tendo os meios para isso, queira navegar a onda do medo e da desorientação para impor as suas agendas. A generalidade dos portugueses já acredita que a perda de poder de compra, o desemprego, a diluição de salários e direitos e a destruição dos serviços públicos vieram para ficar. O PS de Sócrates encontra aqui uma oportunidade para fazer passar medidas que noutras ocasiões não teria coragem para propor. O PSD de Passos Coelho vislumbra uma ocasião única para entregar de vez a quem lhe paga as campanhas diversos serviços públicos que deveriam ser universais, bem como para destruir um conjunto de instituições e de princípios que, apesar de todos os recuos, vinham assegurando a possibilidade de construirmos uma sociedade minimamente decente. Instituições e princípios que muitos – incluindo o PCP, o BE, uma parte relevante do PS e muitos cidadãos com ou sem partido – contribuíram, ao longo de décadas, para construir e defender.

4. Neste contexto, não creio que erre na análise quando escrevo que o PCP e o BE "não têm conseguido fazer muito mais do que anunciar que vem aí o desastre". Para evitar o plano inclinado para uma sociedade indecente não basta ao PCP e ao BE afirmarem que existem alternativas. Em primeiro lugar, seria importante que todos conseguissem perceber que as suas propostas existem e são plausíveis sem terem necessidade de "conhecer extensos documentos e intervenções parlamentares na íntegra". Mais importante, é necessário que PCP e BE consigam deixar claro que não será por sua responsabilidade que a doutrina de choque se imporá. Mais ainda, que consigam demonstrar a quem os ouve que farão os possíveis para encontrar uma solução que evite o desastre. Como eleitor de esquerda e cidadão atento (e não como analista ou comentador, que não sou) não vislumbro sinais da parte dos partidos a quem habitualmente confio o meu voto de que podem fazer algo para que o inevitável não o seja. E garanto que me esforço.

5. Honestamente, não sei como isso se faz. No quadro parlamentar que hoje se dissolveu, parecia-me claro que tal teria de passar por uma intervenção articulada entre PCP e BE. No entanto, não estou inteiramente ciente das vantagens e desvantagens das diferentes opções tácticas. Não sendo militante e muito menos dirigente do PCP ou do BE, não sinto grande necessidade ou utilidade de me inteirar desses cálculos. Mas sinto que não estou sozinho quando afirmo que espero mais destes partidos do que estes têm sido capazes de propor.

15 comentários:

tempus fugit à pressa disse...

Carvalhas fez hoje uma análise lúcida mas só cuspiu chavões como soluções

e o PCP tal como Cavaco sabiam o resultado das políticas tomadas

e tal como Cavaco durante 6 anos focaram-se em minúcias e deixaram passar tudo

rotura e mudança de política quer dizer exactamente o quê?

Anónimo disse...

A mais alta instância do tribunal civil alemão decidiu que o Deutsche Bank tinha a obrigação de avisar os seus clientes sobre os riscos dos produtos de investimento exóticos que desembocaram na crise financeira. A sentença tem repercursões enormes para a actividade de todos os bancos, pois pode ser o precedente de uma onda de casos semelhantes, com compensações que podem chegar às centenas de milhões de euros.
David Gordon Smith

Aurélio

Tiago Santos disse...

Na altura das eleições presidenciais pensei também bastante sobre estas questões e cheguei a conclusões idênticas.

Por exemplo, acho que estes partidos não conseguem passar a ideia de que tem ideias e propostas para o país, e muito menos que essas propostas são válidas e exequíveis.

Isto acontece por influência da nossa comunicação social por exemplo e pelo sucessivo silenciamento das opiniões divergentes nas questões económicas. Por exemplo, mesmo em franjas mais qualificadas, raramente se tem a noção de que muito do que é defendido pela dita "esquerda radical" é na verdade defendido por vários Nobel da Economia...

Era necessário estes partidos se abrirem às massas. Darem provas concretas de que não são sectários (por exemplo, conseguindo atrair empresários para as suas ideias, por exemplo, Manuel Alegre podia ter capitalizado o facto de ter na sua comissão de honra alguém como o comendador Rui Nabeiro).

Outra ideia concreta era fazerem-se cursos populares de economia. Escreverem-se livros para as massas que tivessem saída como o teve o programa eleitoral do BE para as últimas legislativas.

A explicitação, até à exaustão, de alternativas, com exemplos de onde elas são ou foram postas em prática. No fundo, se acreditamos que temos a resolução da crise, só não ganhamos porque não conseguimos espalhar a mensagem. É isso que precisamos neste momento...

Anónimo disse...

Excelente: o fundo, a forma, o tom...

A.M.

João Carlos Graça disse...

Caro Ricardo
Tem toda a razão ao afirmar que deve ser possível ao comum dos cidadãos saber quais as questões fundamentais em jogo sem para isso ter de "conhecer extensos documentos e intervenções parlamentares na íntegra".
Por outro lado, o discurso político está sem dúvida colonizado por vários jargões mais ou menos fechados, um deles precisamente o "economistês", o que contribui decerto para a perda global de democraticidade. O que o Ricardo e a generalidade dos LB tem feito nessa matéria é aliás, sublinhe-se, sem dúvida muito louvável...
Quanto a isto, a questão é: obviamente, nenhum de nós pode ser "especialista de tudo", ou pretender sê-lo, mas e daí? A essência da democracia é, precisamente, sermos todos chamados a pronunciar-nos acerca de temas em que, por definição mesmo, não somos nem podemos ser especialistas...
Tudo assuntos que trazem à memória o célebre dito de Condorcet: "um povo que não é esclarecido por filósofos é um povo condenado a cair sob o domínio de charlatães". Com o acrescento, já se vê, de que em democracia "filósofos" somos todos, e os educadores precisam eles próprios de ser educados...
Quanto ao assunto das alianças, já comentei o seu post anterior. Concordo consigo quanto à importância e grande vantagem de um possível acordo BE-CDU. Mesmo que se comece por um acordo relativamente "mínimo", susceptível embora de se ir ampliando. O assunto de acordos com o PS remete, porém, para um outro plano. Aí tem tudo de ser discutido até ao detalhe...
Todavia, discordo de si quanto a o BE ou o PC estarem pretensamente "encurralados" pela situação. Não possuem a artilharia pesada dos media a apoiá-los, é claro (que se há-de fazer, ainda por cima com a maior parte dos media já privatizados?). Mas ainda assim: 1) têm sem dúvida propostas de solução alternativas; 2) estas não só existem como têm ocasionalmente aparecido. Mas há, nisso concordamos, um enorme caminho a percorrer em matéria de publicitação e clarificação.
Mesmo sem mandato do BE ou do PC para tal, garanto-lhe que o Ricardo tem (ainda que involuntariamente) feito bem mais por isso do que a maior parte dos "políticos profissionais" de qualquer dessas organizações...

Anónimo disse...

Caro Ricardo Pais Mamede:

Agradeço muito a cordialidade e serenidade da sua resposta mas teria preferido que não tivesse usado palavras como «respeito» ou «humilde» porque, a meu ver, eram desnecessárias e, mais do que isso, colocam-me reflexamente numa posição incómoda.

Quem me conhecer há muitos mais anos saberá que, na minha maneira de escrever ou falar, o que pode parecer arrogância, superioridade ou galões de antiguidade é apenas uma maneira de ser e de intervir em que a paixão política pode não poucas vezes roçar a truculência.

Em relação à sua resposta, permito-me apenas lembrar que, embora me tivesse dispersado por temas acessórios, a questão crucial era a sua ideia das «condições mínimas»
para uma solução sem recurso a eleições e, depois, os efeitos negativos que eu via nessa proposta se o desfecho fosse o ainda assim ir-se para eleições.

Quero admitir perante si que não foi feliz e foi mal explicitado o meu P.S. sobre a diferença entre comentadores e combatentes políticos.

Na verdade, não o queria qualificar como «comentador» porque, embora me tivesse expressado mal, o que eu queria desvendar é que os combatentes políticos nem sempre podem dizer tudo o que pensam porque a acção política tem regras e exigências diferentes dos seminários sobre temas de ciência política.

Só para lhe dar um exemplo, que possivelmente parecerá a muitos leitores enigmático, nos dias que correm eu vejo muitas estimáveis pessoas a escreverem certas coisas sobre os caminhos para a alternativa e eu, na máxima medida possível, resguardar-me-ei de dizer tudo o que penso sobre isso porque campanhas eleitorais e resultados eleitorais se constroem com determinadas tónicas e não com outras.

É neste quadro que quero terminar dizendo que compreendo perfeitamente aspirações, perplexidades e insatisfações de variado tipo mas tenho sinceramente o temor que ande por aí uma velha (e que eu conheço bem) pulsão para as receitas mágicas e para lidar mal com um cultura de complexidade e incerteza.

Cordiais saudações do
Vítor Dias

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Gostaria de me manifestar para afirmar que é imperioso que a Esquerda se una e nesta união seria importante juntar o PS, constituirmos um bloco tal como faz sempre a direita em momentos tão distintos, eles neste aspecto são bem mais objectivos e pragmáticos que nós.
Bem sei que o Partido Socialista tem tido sempre a tendência de se inclinar para outros lados, é histórico, mas acredito que as suas bases de apoio, vão mais tarde ou mais cedo obrigar os seus dirigentes a mudar de rumo...Até lá, juntemos as forças mais à esquerda e sem cinismos ou calculismos eleitoralistas, juntemos as vontades para poder mudar o rumo dos acontecimentos.
Não nos resta outra solução, a não ser que esperemos aconteça o milagre de Portugal virar decididamente o seu espírito à Esquerda, não vejo como, só se acontecer uma desgraça e mesmo assim, a tendência será se acontecer como tem acontecido, naturalmente diferente.
E também gostaria de pedir aos Partidos de Esquerda que façam um discurso completamente transparente, não tenham medo de ferir susceptibilidades e sensibilidades políticas, digam toda a verdade, só caminhando em terrenos completamente cristalinos poderemos avançar de forma sustentada e segura.

Lourenço de Almada disse...

Caro Professor Ricardo Paes Mamede
Quero aqui agradecer-lhe as suas magnificas intervenções.
Apenas é lamentável ainda haver quem acredite que é pela Partidocracia, pelo sistema partidário, e da luta fratricida entre Esquerda e Direita, que através desse sistema se fará-se-á a melhoria dos povos quando essa posição, desse conceito, é apenas uma pura invenção liberal para fazer impor regras para a desunião entre todos e nos prejudicar a beneficio próprio, de quem assume o Governo.
Abraço de coragem para que continue a praticar e cuidar do nosso Bem.