sábado, 31 de dezembro de 2022

Desejo soberano


Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.

Como já é hábito neste dia e neste blogue, deixo o Artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, mas desta vez da sua melhor versão, a de 1976. Bom ano de 2023. 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Letrux - Ninguém perguntou por você


Imigrantes em Portugal: Chega de desinformação


«O discurso anti-imigração do Chega de André Ventura, deliberadamente racista e xenófobo, constitui um dos seus principais instrumentos na mobilização eleitoral do descontentamento e do mal-estar, procurando propagar a ideia falsa segundo a qual os imigrantes que vivem e trabalham em Portugal constituem um fardo para os contribuintes e, em particular, para a Segurança Social.
(...) Sucede, porém, que os imigrantes são, desde há muito, contribuintes líquidos da Segurança Social. Isto é, as suas contribuições superam – cada vez mais, aliás – aquilo que recebem em apoios sociais. Segundo o mais recente relatório do Observatório das Migrações (OM), relativo a 2021, o saldo entre contribuições efetuadas e prestações sociais recebidas atingiu os 968 milhões de euros, o valor mais elevado de sempre.
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O resto da crónica pode ser lido no Setenta e Quatro

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Perto de mais um caso


O que tem de ser, tem muita força: Alexandra Reis lá foi demitida. Para lá da espuma destes dias, o que se aproveita de mais este caso, revelador de uma política com p cada vez mais pequenito? Pouco ou nada, mas por perto há realidades tão interessantes quanto preocupantes. 

Em primeiro lugar, a política é crescentemente ocupada por gente rica ou pelo menos com rendimentos e ativos muito acima da média e, salvo exceções, com uma muito maior capacidade de empatia para com os da sua classe. A verdadeira exclusão política, de que quase ninguém fala, é a das classes subalternas, como já aqui se defendeu. A ideologia perversa das “qualificações” trabalha neste sentido, tratando como “desqualificados” demasiados portugueses. 

Em segundo lugar, toda a conversa elitista de que os políticos “ganham mal” revela quem é o grupo de referência para efeitos de comparação para quem ocupa a esfera pública: os mais ricos, com o seu consumo conspícuo. “A reforma não vai chegar para pagar as minhas despesas”, já dizia Cavaco. Num país brutalmente desigual, este círculo é mesmo vicioso.

Em terceiro lugar, o discurso do empresarialmente correto é tão prevalecente que se torna quase invisível: tudo serve para legitimar o status quo desigual nas empresas, a submissão e apoucamento de quem cria tudo o que tem valor, em favor da farsa heroica dos gestores geniais. Esta farsa contamina o Estado, corroendo a lógica do serviço público.

Em quarto lugar, num país dominado por iniciativas liberais há décadas, só mesmo os queques dos memes, vulgo IL, é que acham que estamos em socialismo. Na realidade, estamos em neoliberalismo puro e duro. Estamos perante as consequências de décadas de redução dos direitos laborais e do poder sindical, correlativos de aumentos dos direitos patronais: paraquedas dourados para os de cima, presumindo-se que os de baixo sabem voar. E daí a conversa peçonhenta do empreendedorismo.

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Do empresarialmente correto

Os pobres não trabalham porque têm demasiados rendimentos; os ricos não trabalham porque não têm rendimentos suficientes. Expande-se e revitaliza-se a economia dando menos aos pobres e mais aos ricos. 

As indemnizações milionárias de que beneficiam gestoras e gestores de topo da TAP são o resultado do empresarialmente correto, ou seja, da aplicação do neoliberalismo às organizações. A sua lógica redistributiva regressiva, de baixo para cima, foi memoravelmente resumida há quarenta anos atrás por John Kenneth Galbraith. 

Durante a troika, as indemnizações por despedimento foram reduzidas para a generalidade dos trabalhadores e isto para que a pouca vergonha pudesse ter mais facilmente lugar num topo empoderado. O PS aceitou a herança da troika, a redistribuição regressiva de poder operada. As empresas onde o Estado intervém, e infelizmente são cada vez menos, têm cada vez mais mimetizado esta lógica dita privada, ou não fossem os poderes públicos simultaneamente agentes centrais da neoliberalização e um dos seus objetos. 

Um dos truques dos neoliberais, na linha do liberalismo clássico, consiste em tentar separar a esfera pública da esfera das empresas ditas privadas, como se estas últimas não fossem uma construção político-legal com efeitos sociais generalizados. Isto é, como se não fossem atravessadas por relações de poder, como se o que lá se passa não fosse política pura e dura. As cada vez maiores desigualdades dentro das empresas dizem respeito a todos e têm de ser revertidas dentro e fora das empresas, públicas ou privadas, pouco importa. 

O aumento das desigualdades é o resultado do enfraquecimento dos freios e contrapesos igualizadores, sindicais e não só, ao poder dos acionistas e dos seus cada vez mais fiéis aliados na gestão. O resultado é uma desmotivadora e tóxica combinação de arrogância no topo e de medo na base, com benefícios e fardos cada vez mais assimetricamente distribuídos. Até quando vai isto durar?

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

A velha e perigosa ideia das "contas certas"

Mafalda, de Quino

Não há novidade alguma na ideia de que é forçoso descermos a dívida pública - e, com isso, o défice orçamental; e, com isso, a despesa pública - porque só assim nos protegeremos da fúria dos mercados. Na verdade, é uma ideia velha e perigosa.  

Há cerca de 12 anos atrás, Portugal era governado por um governo PS, cujo primeiro-ministro era José Sócrates. Nessa altura e depois de um volte-face no entendimento da Comissão Europeia, Portugal começou a ser pressionado pelas instituições da UE para aplicar sucessivos programas de austeridade, como única forma de... Portugal ser poupado à fúria dos mercados. Só que, quanto mais eram aprovadas medidas de cortes na despesa pública, mais se acentuava a deriva recessiva. Os portugueses assustaram-se, a actividade económica foi contida, abrandou o ritmo de arrecadação de impostos. Subiu, antes, o desemprego e, com ele, as despesas sociais, fazendo subir o défice orçamental. 

E, apesar de todo o esforço - pasme-se! - as taxas de juro nos mercados financeiros não paravam de subir. E quanto mais subiam, mais a UE - e a direita em Portugal - exigia novas medidas de austeridade. Era preciso conter o défice orçamental, dizia-se.

Nessa altura, o discurso da austeridade era partilhado pelos jornalistas económicos, que acicatavam o Governo a ir mais longe nas medidas recessivas e de redução da despesa pública. Veja-se o Caderno nº7 - Narrativas da crise no Jornalismo Económico que tomou em conta o discurso escrito de seis deles: António Costa (então director do Diário Económico), Camilo Lourenço (então comentador), Helena Garrido (então directora do Jornal de Negócios), João Vieira Pereira (então director adjunto do Expresso), Nicolau Santos (director adjunto do Expresso, Pedro Santos Guerreiro (então director executivo do Expresso). 

Num primeiro momento, os jornalistas fizeram força para impor a subordinação do poder político (eleito) à ilógica dos mercados (não eleitos).    

“Temos de fazer o que os mercados querem” “Por mais viril que se insinue, a política partidária é o sexo fraco que está casado com a economia. Quem manda são os mercados” (PSG, 21/1/2010). “Está viabilizado o OE que mais dor pode causar aos portugueses, não por esta ou aquela medida, mas pelos sinais que vai (ou não) dar aos mercados financeiros internacionais” (HG, 25/1/2010). “Seja como for, não tem outra saída senão surpreender positivamente os mercados” (CL, 5/3/2011). “Entre o importante e o urgente, está atacado o urgente: ser levado a sério pelos mercados financeiros internacionais” (PSG, 11/3/2010) “Qualquer observador isento sabe que existem diferenças significativas entre as duas economias [Portugal e Grécia]. O problema é que os mercados não as vêm (…) É injusto? É. But life is tough” (CL, 20/4/2010). “Não há margem de erro. Os mercados internacionais não vão perdoar qualquer deslize” (AC, 22/7/2010). “Os nossos credores estão a perder a paciência (…). O OE é a bala de prata que resta” (PSG, 17/9/2010). “Como os mercados já deixaram claro, (…) são necessários resultados” (AC, 21/9/2010). “O Presidente deveria aconselhar o Governo/PS e o PSD a calarem-se. (…) O espectáculo que estão a dar, em público, não contribuiu para a defesa do que ambos dizem querer defender, a imagem de Portugal junto dos mercados e dos investidores” (AC, 27/9/2010).“Foi o ministro das Finanças quem ontem governou. E só temos a desejar que continue a sê-lo. Porque este pacote acalma os mercados” (PSG, 30/9/2010). “O OE é mau, todos o sabem, mas indispensável para evitar que o País perca credibilidade nos mercados internacionais” (AC, 30/10(2010). “A segunda lição é que não vale a pena lutar contra os mercados” (CL, 23/11/2010). 

 Num segundo momento, quiseram impor a austeridade, cuja finalidade é a de legitimar uma transferência de rendimento dos trabalhadores e pensionistas para as empresas: 

"É preciso austeridade para depois melhorarmos" “O próximo OE precisa de cortar despesas e aumentar receitas – e resistir à tentação das artimanhas. Congelar salários, progressões. (…) Mexer nos impostos. Vender património” (PSG, 6/1/2010). “A certeza de que é preciso fazer ao País o que se faz às árvores: cortar para crescer melhor” (PSG, 27/1/2010). “Está na hora de os liberais saírem da toca. Em Portugal, já concluímos que o Estado é caro, insustentável e ineficiente. Não podemos pagar tantos salários, pensões, riscos a privados, filigranas partidárias, subsídios, incentivos, apoios, enlatados sob o chapéu-de-chuva da protecção estatal. Não é uma ideologia, é viabilidade” (PSG, 3/2/2010). “Até porque, se não o fizermos, outros nos obrigarão a fazer. Por isso, o anúncio do congelamento dos salários nas empresas públicas é um bom sinal. Que outros se sigam” (NS, 27/2/2010). “O Estado só consegue reduzir a sua dívida vendendo activos públicos” (CL, 9/3/2010). “A boa noticia do PEC é que ele é mau. Mau para funcionários públicos, para alguns pensionistas, para muitas famílias da classe média, para utentes de serviços do Estado, para desempregados, para dependentes de rendimentos sociais, para investidores. Não é sadismo. É porque tinha de ser” (PSG, 11/3/2010). “E o congelamento dos apoios sociais, como o RSI, reclama de todos nós o regresso a atitudes mais solidárias e menos dependentes do Estado no combate à pobreza” (HG, 22/3/2010). “O melhor que poderia acontecer a Portugal era um plano à FMI imposto pela União. Em vez desta morte lenta, teríamos uma violenta, boa e rápida recessão. Para voltarmos de novo a crescer com saúde” (HG, 22/4/2010). “Do Estado às famílias, todos vamos ter de enfrentar a realidade de sermos mais pobres do que pensávamos. E sairemos dela menos saloios, menos deslumbrados com palácios inúteis a que chamaram investimento público” (HG, 22/9/2010). “Moral da história: a recessão é como uma dieta que se tomou inevitável para equilibrar o organismo” (CL, 16/5/2011).

Fiquemo-nos por 2010. 

Todos sabemos onde isto nos levou. Um ano depois e dada a ineficácia das medidas de austeridade, deu-se a intervenção externa da troica aplaudida à direita e pelos mesmos jornalistas económicos. A intervenção deu-se - não para endireitar as nossas contas, como foi dito - mas para salvar os maus inventimentos dumas quantas instituições financeiras (aqui e noutros países), num esforço a ser pago por toda a população portuguesa. 

No final, ficámos com uma dívida pública muito maior (e com as contas orçamentais mais limitadas), com um desemprego muito mais elevado, com os serviços públicos desarticulados e depauperados, com uma histórica emigração qualificada, com a pobreza aumentada, com a desigualdade social instalada ampliando-se o fosso entre ricos e pobres; com a competitividade nacional não melhorada. Em resumo: um esforço do qual estamos - sobretudo os mais pobres e os trabalhadores e pensionistas, bem como os serviços públicos - ainda a tentar recuperar... doze anos depois. 

Está a perceber onde levará a repetição das mesmas políticas?   

 

As "contas certas" protegem o país?

 

Desde o início da pandemia, Portugal é um dos países que mais tem acelerado a redução da dívida pública e do défice. Se os planos do governo para 2023 se cumprirem, o país alcançará a 4ª maior redução da dívida pública do mundo desde 2020, de acordo com as contas do FMI. O argumento utilizado é o de que as "contas certas" são uma forma de proteger o país de futuras crises. António Costa explicou-o na semana passada: “É importante podermos sair deste ano com um défice melhor e a dívida menor porque isso reforça a confiança, por um lado, e, por outro, permite-nos encarar a incerteza do próximo ano sabendo que vamos entrar no ano menos condicionados e menos expostos aos mercados".

O governo diz que os brilharetes orçamentais que tem alcançado deixam o país menos condicionado pelos mercados. Só que os mercados têm uma ideia diferente e os juros da dívida já estão a disparar, como se vê no gráfico ao lado. Isso acontece porque a evolução dos juros da dívida pública depende muito menos das opções orçamentais nacionais e muito mais das decisões do Banco Central Europeu. Aliás, como já aqui foi lembrado, a maioria dos países mais penalizados pelos mercados durante a última crise financeira não tinha uma dívida muito elevada.

Na Zona Euro, os custos de financiamento de países periféricos como Portugal dependem sobretudo das decisões tomadas pelo BCE. Este ano, com a reversão da política monetária expansionista e o fim da compra de títulos de dívida dos países por parte do banco central, começam a notar-se os primeiros efeitos e as agências financeiras antecipam que os juros da dívida pública portuguesa continuem a subir no próximo ano.

Ao repetir a ideia de que as "contas certas" protegem o país de futuras crises, o governo insiste no equívoco, muito útil à direita, de que temos de conter a despesa pública para agradar aos mercados. Num ano de enorme perda de poder de compra para a maioria das pessoas, esta estratégia não só é socialmente injusta, como é contraproducente: a quebra do poder de compra prejudica a procura interna e, por essa via, tem impacto negativo na atividade económica.

Como, para o conjunto da economia, os gastos de uns são o rendimento de outros, o risco que o país enfrenta é o de uma espiral recessiva, em que a quebra da procura se traduz numa redução da atividade económica, do emprego e dos rendimentos, o que por sua vez reduz ainda mais a procura. As "contas certas" não protegem o país de uma futura crise. Pelo contrário, podem contribuir para esta.

sábado, 24 de dezembro de 2022

O Catar é aqui

Nas últimas semanas, o Parlamento Europeu foi abalado pelo escândalo de corrupção que envolveu, entre outras pessoas, a eurodeputada Eva Kaili. A investigação ainda decorre, e não sabemos que outras pessoas poderão vir a ser envolvidas. Mas o estrago que provocou à reputação do parlamento é irreparável. A forma de minorar esse estrago passa por levar a investigação às suas últimas consequências, não deixar pedra sobre pedra e punir todos os responsáveis. Mas deixar a justiça funcionar está muito longe de ser suficiente.

O relato grotesco que apareceu nos jornais, com malas de dinheiro, flagrantes delitos e tentativas de fuga é digno de filme. Mas a realidade da corrupção é, infelizmente, bem mais disseminada e estrutural. Povoa um território de enormes ambiguidades morais e é endémica nas instituições europeias. Não, não há um trânsito de malas cheias de dinheiro nos corredores do parlamento ou de qualquer outra instituição. Mas há um trânsito (quase um engarrafamento) de lobistas em todas as instituições europeias. Gente que detém credenciais para andar no parlamento, falando com deputados, assistentes, comissários, beneficiando de um acesso ao poder com que o comum dos cidadãos não pode nem sonhar.

Gente que representa grandes empresas, grandes indústrias, ou seja, grandes empregadores com bolsos bem fundos. Bolsos prontos para recompensar quem tenha um bom desempenho no exercício de funções públicas. É por isso que o trânsito mais danoso para o interesse público é o das pessoas que balançam entre instituições públicas e lóbis ou grandes empresas. São valorizadas no acesso a funções de chefia em instituições públicas pelo seu percurso no setor privado. E vice-versa. Assim se fazem carreiras de sucesso.

A Autoridade Bancária Europeia (EBA) é um estudo de caso a este nível. Em Setembro de 2019, a EBA autorizou a saída do seu diretor executivo, Adam Farkas, para a AFME, um dos maiores lóbis da banca. O argumento foi pungente: não se podia impedir o homem de ganhar a vida. E compreensível. O próprio Presidente da EBA, José Manuel Campa, veio direitinho do Santander. E quando sair da EBA, irá certamente ganhar a vida.

Este trânsito beneficia da cultura dos “stakeholders”. As instituições consideram que grandes empresas e lóbis de grandes indústrias devem ser ouvidos no processo de elaboração de leis e políticas. Há toda uma cultura de proximidade, frequentemente pessoal, entre responsáveis políticos em várias instituições e lobistas ou líderes de grandes empresas. O caso dos SMS trocados entre Ursula von der Leyen e o CEO da Pfizer, em grande medida abafado, é um monumento a essa proximidade ou, para ser mais claro, promiscuidade.

Acresce que as regras que protegem a integridade dessas instituições são absolutamente inúteis. Centenas de ex-eurodeputados são hoje lobistas. Metade dos que foram comissários até 2014 foram recrutados por grandes empresas com negócios na União. E um certo Presidente da Comissão foi direitinho para a Goldman Sachs. Devia ser proibido. Mas não é. É protegido.

É por isso que a Presidente do Parlamento tem muita lata quando diz que o Parlamento e as instituições estão sob ataque. É por isso que a Presidente da Comissão tem muita lata quando diz que vai criar uma comissão de ética, ao mesmo tempo que recusa divulgar os SMS trocados com o CEO da Pfizer à comissão de inquérito COVI. A estratégia de corrupção do Qatar funcionou porque teve interlocutores disponíveis nas instituições. E o Catar está em boa companhia: as instituições europeias têm cultivado relações altamente duvidosas com o sistema financeiro, as multinacionais, a indústria fóssil ou com a farmacêutica. Não é preciso sair do continente. O Catar é aqui.

Crónica publicada no setenta e quatro.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Bom Natal


Perante as imagens de morte que nos chegam da Ucrânia, é difícil ter esperança. No entanto, há sinais de esperança. Há milhões de pessoas que não aspiram à guerra, que não justificam a guerra, mas pedem a paz. Há milhões de jovens que nos pedem para fazer todo o possível e impossível para deter a guerra, para deter as guerras. É pensando primeiro neles, nos jovens e nas crianças, que devemos repetir juntos: nunca mais a guerra. Ao mesmo tempo nos comprometemos a construir um mundo mais pacífico porque mais justo, onde triunfe a paz, não a loucura da guerra; a justiça e não a injustiça da guerra; o perdão recíproco e não o ódio que divide e que nos faz ver no outro, no diferente de nós, um inimigo.

Inflação: um resumo do que sabemos até agora

 
12 minutos de leitura 

“Inflação” estará entre as palavras mais repetidas ao longo deste ano. A subida generalizada dos preços, sobretudo desde o início da invasão russa da Ucrânia, atingiu a maioria das economias e reduziu o poder de compra dos trabalhadores. Além disso, as medidas adotadas pelos governos e bancos centrais têm sido alvo de intenso debate nos últimos meses. Este é um resumo do que sabemos até agora, dividido em dez pontos.


1. Onde está concentrada a inflação?

A primeira coisa que sabemos sobre a inflação é que tem estado maioritariamente concentrada em dois setores: o da energia e, em menor escala, o dos bens alimentares. Os dados do Banco Central Europeu (BCE) mostram que a subida dos preços nestes dois setores tem sido superior ao valor da inflação geral, ao passo que em outros setores os preços têm subido menos.

Os números publicados pelo BCE referentes a Outubro dizem-nos que embora a taxa de inflação geral na Zona Euro fosse de 10,7%, havia uma diferença substancial entre a subida dos preços nos setores da energia (41,9%) e bens alimentares (13,1%) e a que se verificava para os restantes bens industriais (6%) e para o setor dos serviços (4,4%). Este é um aspeto decisivo para perceber a natureza da inflação e avaliar as medidas mais adequadas.


2. São os salários que estão a provocar a inflação?

Se olharmos para a evolução dos salários nos países da OCDE, percebe-se que estes têm crescido muito pouco e não acompanham a escalada dos preços. Os salários reais – isto é, ajustados à evolução dos preços – estão a cair acentuadamente na esmagadora maioria dos países, como se vê no gráfico ao lado. Ou seja, apesar de os preços estarem a subir de forma acentuada, os trabalhadores não têm conseguido garantir aumentos salariais que compensem esta tendência (nem de perto).

O gráfico ao lado, feito com base nos números do INE acerca da evolução do salário médio e do índice de preços em Portugal, mostra que os salários reais estão a cair a pique e a quebra atingiu cerca de 5% em setembro. No cenário atual, em que a inflação se tem concentrado sobretudo no setor da energia e no dos bens alimentares, facilmente se percebe que o problema não pode estar num excesso de consumo alimentado pelos salários. 


3. E a espiral inflacionista? 

Nos últimos meses, tornou-se frequente ouvir a ideia de que nos encontramos perante o risco de uma "espiral inflacionista" causada pelo aumento dos salários. O ministro das Finanças, Fernando Medina, disse que a subida dos salários seria “ilusória” porque provocaria aumentos de preços na mesma proporção. A ideia subjacente à restrição salarial é a de que, no contexto atual, não se pode sobrecarregar as empresas, que seriam obrigadas a repercutir o custo dos aumentos salariais nos preços que cobram, agravando a inflação.

No entanto, a experiência histórica não nos permite afirmar que existe uma relação direta entre aumentos salariais e aumentos dos preços, como concluiu um estudo de economistas da Reserva Federal norte-americana. A relação é bastante mais complexa e depende de outros fatores, como o peso dos sindicatos e da negociação coletiva, o poder de mercado das empresas ou a origem da inflação.

A atual situação tem muito pouco a ver com a que se registou no último grande surto inflacionista nos anos 70: se, nessa altura, os salários dos países da Zona Euro subiam numa tentativa de acompanhar a subida dos preços, o que temos hoje é uma quebra significativa dos salários reais (a amarelo no gráfico ao lado, retirado de uma análise do BCE). Aquilo a que os economistas costumam chamar "efeitos de segunda ordem" - isto é, aumentos consecutivos de salários e preços - não se têm verificado.

Na verdade, nos últimos 50 anos, os períodos de maior inflação nas economias avançadas foram muitas vezes acompanhados por uma quebra dos salários reais, como se conclui no World Economic Outlook publicado pelo FMI, que reconhece que "espirais salários-preços persistentes são raras" e nota que "os choques subjacentes [à inflação] estão a vir de fora do mercado de trabalho" e não se devem à procura.

Se olharmos para a história das últimas décadas, o que vemos é que, com a queda da sindicalização, o trabalho recebe uma parte cada vez menor do rendimento total. As taxas de sindicalização têm caído a pique na maioria dos países europeus, como se vê no gráfico abaixo, publicado pelo BCE. Portugal não foi exceção: a taxa de sindicalização caiu de 60,8% em 1978 para apenas 15,3% em 2016 e a cobertura dos acordos coletivos de trabalho também diminuiu substancialmente. A erosão do poder negocial dos trabalhadores reflete-se numa repartição cada vez mais desigual do rendimento.


4. Então o que é que está a provocar a subida dos preços?

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Ascensão e queda da ordem neoliberal


Estou com Luís Miguel Jorge: este também foi o melhor livro de não-ficção que li este ano. Gary Gerstle, historiador na Universidade de Cambridge, escreveu um livro sobre a história da “ordem política neoliberal” nos EUA, tratando de sublinhar como este feixe de ideias em movimento transatlântico não foi um produto unicamente norte-americano, longe disso, e como, no caso dos EUA, o neoliberalismo se definiu em oposição à “ordem política do New Deal”, que no essencial derrubou. O neoliberalismo, como qualquer ismo, define-se primeiramente em oposição. 

O conceito de ordem política é aqui crucial, abrangendo ideias, instituições e forças sociais que se entrelaçam e perpetuam para lá dos ciclos eleitorais. Aliás, um movimento só se transforma em ordem quando a forças sociais e políticas que se lhe opõem aceitam os seus termos. Tal como a ordem do New Deal só se instituiu quando o Presidente Republicano Dwight Eisenhower aceitou muita da herança de Roosevelt nos anos 1950, a ordem neoliberal só se instituiu com Bill Clinton nos anos 1990, o “Eisenhower de esquerda”, memorável analogia. 

A principal razão que me levou a gostar deste livro reside no facto de conter o melhor desenvolvimento que conheço de uma hipótese que Eric Hobsbawm formulou pioneiramente no início da década de noventa: com a crise do comunismo, “os ricos e poderosos deixaram de ter medo” e sem medo de uma alternativa radical as as reformas social-democratas inscritas no capitalismo perderiam poder de forma decisiva. 

Desde há alguns anos que, em artigos ou em livro, tenho procurado explorar as implicações desta hipótese para a história do neoliberalismo mais centrada na Europa, dando particular destaque ao papel da UE na instituição dessa ordem por cá. E daí o eurocepticismo.

Gary Gerstle argumenta de forma convincente como a história dos EUA desde os anos trinta é moldada pela questão da “ameaça” comunista, sublinhando como a aceitação pelos republicanos do essencial do New Deal não pode ser desligada do medo da atração pelo modelo alternativo, aventando que talvez a ordem política neoliberal não tivesse sido instituída se não fosse pelo fim da Guerra Fria. No fundo, apesar de ser assumidamente anti-comunista, é obrigado a reconhecer de forma particularmente profunda que tudo se tornou mais difícil para a social-democracia norte-americana com o fim da URSS. 

Este livro, muito bem escrito e com uma síntese perfeita dos padrões gerados pelo neoliberalismo, acaba com uma nota sobre tempos de transição, em que a ordem neoliberal geradora de monstros começa a soçobrar. O que a substituirá, se é que a questão já se coloca, esta longe de ser claro. Pelo menos, a incerteza e a turbulência podem ser o reinício da política com P grande, a que muda as regras do jogo.
 

Promiscuidades 6 - Tudo leva à insustentabilidade menos o que importa

Telejornal, 18/12/2022
 

Imagine que é de direita, que partilha da ideia de Marcelo Rebelo de Sousa de que o país deve muito a Pedro Passos Coelho e que tem de comentar o recente destaque do INE sobre "o que nos dizem os Censos de 2021 sobre a população estrangeira residente em Portugal".

Não é tarefa fácil. 

A política do Governo Passos Coelho - de insegurança no emprego, embaratecimento do trabalho, horários desregrados, desprotecção no desemprego em plena recessão, esvaziamento da negociação colectiva e individualização contratual - visou obter competivividade para as empresas nacionais. Foi um falhanço: continuando o verificado desde 2000, expandiram-se actividades pouco produtivas, de baixos salários. Mas, por isso mesmo também, a desvalorização salarial foi um sucesso. 

Só que, entretanto, restringiram-se as condições para uma maior natalidade e expandiram-se as razões para fluxos históricos de emigração, sobretudo jovem, qualificada e em idade de criar família. E a imigração atraída, de baixa qualificação, não a substituiu, nem contribuiu para a qualificação sectorial da economia. 

Tudo podia ter sido mudado a partir de 2016, mas continuou em parte. Os pilares da política (neo)liberal europeia foram mantidos pelo PS. E os estrangeiros - apesar das suas contribuições para a Segurança Social - não compensam a deriva estrutural. Em 2021 - refere o INE - "residiam em Portugal 542.165 pessoas de nacionalidade estrangeira" (5,2% do total). Dois terços eram activos, mas a profissão mais representada era  a de... “trabalhador da limpeza”. O comércio era a atividade que mais empregava estrangeiros. Quase dois quintos dos estrangeiros residiam "em alojamentos sobrelotados". Um paraíso de felicidade. O INE já deu conta de que se "agravou o fenómeno de envelhecimento da população, com o aumento expressivo da população idosa e a diminuição da população jovem". 

E que a "importação" de reformados de países da UE - que tanto alegra o Governo PS - agrava o problema

Público, 21/12/2022

Portanto, é esta realidade que uma pessoa de direita deve comentar. Mas como? 

Algo assim (ver aqui, minuto 27):

Nos últimos dez anos, perdemos 200 mil pessoas. Portanto, perdemos muita gente. E isto, a continuar assim, sem imigração, leva a que Portugal vá encolher muito a sua população nas próximas décadas [sim, mas qual foi a causa para que se possa atacá-la?]. E isso é um problema sério, desde logo por coloca em risco a sustentabilidade da Segurança Social [a que propósito é que surge este tema agora?]. Aquilo que nós vimos é que, durante os anos da crise financeira, entre 2011 e 2015/2016 [esses anos não foram de "crise internacional", mas dos efeitos económicos da política de austeridade da UE e do Governo Passos Coelho], Portugal esteve a perder população pelas duas vias possíveis - todos os anos morria mais gente do que nascia e todos os anos saía mais gente do país do que entrava. [Mas porquê...?!]

Curioso, não é? 

Mascaram-se as causas do envelhecimento - a desigualdade na distribuição no rendimento - para que não possam ser atacadas, porque o objectivo é, antes, suscitar o falso tema da "insustentabilidade" da Segurança Social...

Mas quem disse isto? O presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, o jurista Gonçalo Saraiva Matias, ex-secretário de Estado adjunto e para a Modernização Administrativa do XX Governo, presidido por Passos Coelho. Saraiva Matias preside agora a este conselho de administração e este conselho de curadores. A Fundação tem feito um trabalho de divulgação prolífica de diversos temas, mas - pelo menos a julgar pelos temas abordados - tem uma agenda muito particular relativamente à Segurança Social: aposta na sua insustentabilidade. O tema surgirá em tudo o que for dito a partir daqui, mesmo que um pouco a martelo e - como se viu - omitindo as causas dos problemas.  

 

Aliás, um dos autores escolhidos pela Fundação para uma das suas recentes publicações é um dos membros nomeados para a comissão recentemente nomeada pela ministra do Trabalho para estudar... a "sustentabilidade das pensões". 

O que acha que saírá de lá? 


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Querido diário - A cegueira que cega

Público, 21/12/2012
 
As duas notícias, como se pode ver, foram publicadas no mesmo jornal, do mesmo dia, apenas com dez páginas de diferença.

É possível que alguém que chega a primeiro-ministro não veja que há uma clara contradição entre elas? Era possível defender uma política de cortes sucessivos e cada vez mais pronunciados nos salários, no funcionalismo público e nas pensões; provocar - com esse fim - uma recessão de tal forma que o desemprego explodiu para níveis históricos, ao mesmo tempo que se reduzia a duração e montante do subsídio de desemprego; e ainda assim agravar - com o seu "enorme aumento de impostos" para 2013 - a tributação sobre salários, vencimentos e pensões; e depois vir afirmar estar preocupado com a injustiça na distribuição do rendimento? 

Passos Coelho chegou a afirmar: 

"Isto está invertido, não é o ideal de justiça para ninguém". "Não podemos manter esta situação. É possível alterá-la sem afectar a qualidade das políticas públicas". Ao conselho nacional do PSD, o primeiro-ministro fez questão de dizer que os cortes orçamentais não implicavam menor qualidade do serviço prestado. Como "bom exemplo" foi dado o do ministro da Saúde que - diz a notícia - "reduziu a despesa sem pôr em causa os serviços prestados"... 

É possível haver uma ideologia tão inviamente camuflada - em prol do desequilíbrio de rendimentos - que os seus pobres e fanáticos apologistas não vêem a realidade diante dos olhos?  

E contudo, trata-se de um exercício que ainda ecoa pela eternidade do nosso presente.

Espiral inflacionista dos lucros


Os dados apresentados no gráfico acima, partilhado pelo jornalista económico André Kühnlenz, são do Eurostat e dizem respeito à evolução do nível geral de preços na Zona Euro. Muito tem sido escrito sobre os riscos de uma espiral inflacionista provocada por aumentos salariais (que não se tem verificado). Mas provavelmente não temos falado suficientemente da espiral inflacionista dos lucros, presentes no setor da energia e não só.

O país real de quem vive na bolha


Ainda sobre as declarações do constitucionalista Tiago Duarte, que o João Rodrigues já enquadrou aqui, é realmente notável a perceção que se tem a partir da «bolha» onde vivem «os de cima», sobre o «país real». A quem escapa, por completo, o modo como realmente vive a esmagadora maioria das pessoas.

Não surpreende que seja desta ideologia de classe, que atravessa as direitas, que emanam os ataques ao Estado Social e aos direitos sociais universais, reclamando o financiamento público de «cheques-ensino», «cheques-saúde» e a expansão do privado nas pensões. Ou o recorrente clamor pela desregulação laboral e a redução de impostos e da sua progressividade, que acentuaria as desigualdades ao colocar em causa mecanismos de redistribuição do rendimento e o financiamento dos sistemas públicos de provisão. Tudo a pensar nos jovens casais portugueses, claro.

A última gota de água seria a desregulamentação financeira

A nível nacional, não houve quase cobertura mediática sobre um assunto que merece a nossa atenção: as Reformas de Edimburgo. Há duas semanas, Jeremy Hunt anunciou uma lista de 30 medidas para flexibilizar o sistema financeiro britânico. Estão a ser vendidas como uma adaptação da legislação fora das amarras da UE e para garantir “competitividade” à economia doméstica.


São variadas e terão impactos muito diferentes, mas há pelo menos três que saltam à vista: um recuo na separação das atividades bancárias para consumidores a retalho e para investimentos de risco (e o respetivo capital reservado para absorver as perdas associadas a cada uma), a flexibilização do capital exigido às seguradoras e o enfraquecimento da responsabilização pessoal dos banqueiros seniores por negligência na gestão bancária.

Para além destas, que mostram por si só a alteração no tom regulatório, também se tenciona alterar o mandato das autoridades regulatórias para terem como objetivo o crescimento da economia e o fomento da competitividade.

O alarme deve soar pelo menos por três motivos. Primeiro, os reguladores já alertaram sobre os perigos desta mudança de política e assinalaram o erro da incorporação dos novos objetivos no seu mandato. Também o governador do Banco de Inglaterra e um dos economistas chefe responsável pela revisão regulatória após a crise financeira estão contra o avanço destas reformas.

Depois, o anúncio destas medidas vem após o colapso em setembro dos mercados financeiros britânicos, especialmente grave para fundos de pensões privados, e que obrigou a uma intervenção massiva do BoE. Isto quer dizer que se a memória (aparentemente já longínqua) da crise de 2008 não chegasse, também a prova mais recente dos perigos de uma economia altamente financeirizada não serviu de lição.

Por fim, e talvez o mais grave, a União Europeia está a entrar em competição direta com o Reino Unido. Podemos estar no início de uma corrida para o fundo em matéria de controlo do sistema financeiro, nas suas mais variadas dimensões. Um exemplo recente disso mesmo foi a UE ter apresentado medidas para promover os seus mercados financeiros dias antes.

Por um lado, em nome do fomento da liquidez (e com medo que o capital fuja para outras paragens) pretende baixar a fasquia da regulamentação das câmaras de compensação, responsáveis por intermediar os contratos de derivados. Começou com a flexibilização do colateral exigido para derivados energéticos, mas tudo indica que há vontade de o alargar a qualquer tipo de derivado. A ideia clara aqui é retirar importância à praça financeira de Londres e promover as europeias.

Por outro, há um incentivo expresso de tornar a cotação em bolsa uma forma de financiamento válido e aconselhável para as empresas, com foco nas PMEs, através de uma desburocratização do processo.

No meio de uma crise energética, alta inflação e aumento das taxas de juro, o pior seria acumular agora a desregulamentação do setor financeiro.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Promiscuidades 5 - Acha que Nuno Rogeiro quer um Estado Social?


Eles vêm de todos os lados. Talvez faça parte do que se falara antes. Agora, até temos um comentador tido como um original especialista em armamento e operações especiais, a opinar sobre o Estado Social. Mas a tese é pouco original.
O nosso Estado Social não é um Estado Social. Por isso, devemos acabar com o Estado Social tal como é, para dar à luz um outro que, esse sim, daria cabo do Estado Social.
Parece confuso? Tem sido a estratégia da direita, seguida por muitos governos PS, mesmo que ao arrepio da boa oratória dos seus deputados. Subfinanciar o Estado Social, dizendo que o financiamento conseguido é em sua defesa, embora sabendo-o insuficiente (por causa das "contas certas", do "temos uma dívida muito elevada", da "disciplina orçamental", do "temos de fazer o que mercados querem"). Num segundo momento, vem a direita para mostrar que o Estado Social não é eficaz e que precisa de ser reformado. Como? Privatizando-o. Reduz-se ainda mais o financiamento e, com isso, esvazia-se a provisão social pública, passando o Estado a financiar a provisão social privada. Ouro sobre azul. O dinheiro de todos passa a financiar os lucros de poucos, remetendo para o público o que for menos rentável - a saúde dos pobres, dos "mais desfavorecidos".

Parece-lhe uma ideia à Nuno Rogeiro? Engana-se. Veja aqui e aqui. Miguel Poiares Maduro defende igualmente a mesma ideia de reforma do Estado Social. Ou por outras palavras, o mesmo projecto omisso e subjacente à expressão "Reforma do Estado Social".

Porque nunca terão coragem de dizer ao que vêm? Andamos nisto há décadas. Mas agora a campanha está a adensar-se outra vez. Como se nota pelos "artistas convidados".

Está quase (mas ainda falta um pouco)


O Setenta e Quatro está mais perto de atingir o objetivo de 400 novos subscritores, indispensável para que possa prosseguir a sua atividade para lá de 31 de dezembro. Com 301 novas subscrições no dia 16, faltam 99 para atingir a meta fixada. Ou seja, são necessárias, em média, cerca de 6 novas assinaturas por dia até ao final do ano.

Pelo seu contributo para um maior pluralismo no debate, mas também pela qualidade do jornalismo de investigação que desenvolve, o Setenta e Quatro faz realmente falta. Por isso, e para além da campanha especial de Natal, há várias formas que nos permitem apoiá-lo (ver aqui).

Mais um triplo jackpot político-ideológico


As declarações sobre o país real do eminente constitucionalista Tiago Duarte ilustram bem a cultura política dominante nas direitas intelectuais: constitucionalismo liberal contra o espírito de 1976, o que sobrevive mesmo depois de todas as descaracterizações constitucionais, advocacia de grandes negócios que coloniza o Estado e bolha oligárquica da/do capital. O liberalismo, mais ou menos autoritário, sempre foi a ideologia da classe infelizmente cada vez mais dominante.
   

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Promiscuidades 4

Telejornal, 18/12/2022

Há, cada vez mais, uma sintonia entre PS e direita na política social.  

Essa sintonia passa pela visão da Segurança Social (de ser sobretudo uma rede dos mais pobres); passa pelos próprios conceitos usados (os cidadãos sem rendimento transformam-se em "os mais desfavorecidos", coitados...); pela justificação económica ("prudência orçamental", "contas certas", "primeiro a dívida pública"); e, finalmente, passa pela terapêutica política (umas centenas de euros, concedidas de forma extraordinária, mas tão generosamente, por quem governa, como migalhas a adrajosos, em vez de serem atribuídos apoios e rendimentos como direitos de uma cidadania condigna). 

Ontem, Miguel Poiares Maduro elogiou a medida do Governo de conceder 240 euros para mitigar os efeitos da inflação do segundo semestre no cabaz alimentar de uma família-tipo de três pessoas mais pobres. Foi no espaço do Telejornal da RTP para o debate entre PS e PSD (ver aqui, ao minuto 12)  

"Devo dizer que me parece positiva (...) até nos moldes em que é feita, porque procura o Governo manter algum equilíbrio e prudência orçamental face aquilo que é a incerteza (...). Não sabemos do ponto de vista económico o que nos espera e num país como o nosso que tem ainda uma dívida tão grande nós temos de ter alguma prudência e, nesse contexto, é àqueles que estão mais desfavorecidos, aqueles que estão em situação económica muito mais susceptíveis de ser afectada pela inflação, pelos cortes de rendimento que têm existido, que se devem dirigir estas medidas de apoio. Dito isto continua o Governo com um desafio muito grande nos próximos tempos. Terá, no médio prazo, de recuperar os rendimentos da classe média que estão a ser perdidos com a inflação [É só um problema do Governo?]. E veremos em que medida a inflação vai ou não reduzir-se ou se vai aumentar, e isso constitui um desafio muito grande, para o Governo e para o país." [E mais uma vez o PSD não diz como poderia resolver esse "desafio"...que deixa para o PS]

A quantia [porquê 240 euros?] será concedida a 23/12 apenas aos agregados familiares que beneficiem da tarifa social de energia eléctrica e que receberam o apoio na 2ª fase ou que, não tendo contador, que tenham prestações sociais mínimas por referência ao mês de novembro. Ficam assim incluídos quem tenha um rendimento anual até 5808 euros - ou seja 484 euros mensais em 12 prestações [porquê 484 euros?]- e que seja beneficiário do Complemento Solidário para Idosos, do RSI, da pensão social por invalidez, complemento de prestação social para a inclusão, prestação social de velhice, subsídios de desemprego ou abono de família.  

Ou seja, a larga fatia das "vítimas" da inflação fica de fora. [porquê?].  

O argumento de Poiares Maduro coincide quase perfeitamente com os alegados pelo Governo na conferência de imprensa, da passada quinta-feira. A ministra do Trabalho Ana Mendes Godinho disse: "Penso que, nesta fase, todos percebemos que são estas famílias mais vulneráveis que têm a nossa prioridade total". A ministra Vieira da Silva respondeu com o compromisso já assumido pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, de usar totalmente a margem orçamental disponível, dentro do chamado objetivo de "contas certas", mas que "o que está em causa é identificar uma necessidade. A inflação ficou acima do que tínhamos previsto inicialmente – leia-se, que todas as organizações internacionais previram – e (está em causa) podermos adaptar o apoio a essa inflação".  

Fica claro que a inflação apenas existe para quem receba abaixo de 484 euros mensais... 


domingo, 18 de dezembro de 2022

Triplo jackpot


Tenho procurado seguir com atenção o escândalo de corrupção que atingiu o Parlamento Europeu, mas infelizmente não o faço através de jornais portugueses como o Público, que mais parecem prolongamentos das instituições da UE, por vezes patrocinadoras de peças. 

Este escândalo é um triplo jackpot político-ideológico para quem não é europeísta, para quem quer recuperar poder perdido para o eixo Bruxelas-Frankfurt. 

Em primeiro lugar, confirma-se que as instituições europeias são corruptas, em sentido amplo, até à medula, porque o capital internacional foi aí estruturalmente empoderado, sem quaisquer freios e contrapesos relevantes, florescendo na opacidade e na distância em relação aos povos dos Estados. Bruxelas é uma cidade mais infestada de lobistas do que Washington. 

Em segundo lugar, as ONG, ungidas pela ideologia dominante, que procura todas as formas de esvaziar os Estados, não passam muitas vezes de ecos do poder do dinheiro, que raramente desafiam e do qual cada vez mais vez mais dependem. 

Em terceiro lugar, a elite social-democrata rendida ao liberalismo, a que vendeu as classes trabalhadores dos seus países à globalização, de que a UE é de resto o maior veículo, tem sido principescamente paga pelos serviços prestados. 

sábado, 17 de dezembro de 2022

Pornografias


A informação acima é encontrável na declaração de interesses de Boris Johnson no sítio do parlamento britânico. 

O deputado declarou que, a 23/11 passado, recebeu da TVI a quantia de 215.275,98 libras (247,6 mil euros), para pagar os seus "compromissos parlatórios" relacionados com a celebração do 1º aniversário da CNN Portugal. Ao todo foram oito horas de trabalho. Isso sem incluir as despesas pagas pelo canal de televisão pela viagem, alimentação e acomodação do deputado e de mais dois assessores. 

Nesse mês de Novembro, Boris Johnson recebeu mais cerca de 750 mil euros em três outras palestras: uma a 9/11 para o banco de investimento de capital Centerview Partners (277.723,89 libras, ou seja, cerca de 319,4 mil euros por 9 horas de trabalho); outra, a 14/11, para o Council of insurance Agents & Brokers (por 276130 libras cerca de 317,5 mil euros por 8h30 de trabalho); mais uma a 17/11 para o grupo indiano de comunicação social Hindustan Times (por 261.652,34 libras, cerca de 300 mil euros por 8h45 de trabalho). Ao todo, o deputado recebeu um milhão de libras por alguns dias de trabalho, sem contar - como se disse - com  as viagens pagas, alimentação e estadias.  

Poucos meses antes, o salário médio semanal no Reino Unido foi estimado pelo organismo estatístico nacional em 617 libras.  

Estes valores pornográficos revelam uma sociedade que perdeu qualquer pingo de moralidade; a arrogância descarada de quem vive e lucra nesta "bolha" social que governa os países mais ricos; a ténue linha entre a óbvia promiscuidade dos representantes do povo com os agentes dos mais poderosos e a mais pura corrupção. Claro que, assim, deputados e primeiro-ministros dificilmente entenderão o que se passa entre quem recebe 617 libras por semana e que ganhará umas 32 mil libras num ano de trabalho. Na verdade, apesar de eleitos por quem recebe essas 32 mil libras, estes eleitos não estão lá para os defender. 

Não é de estranhar que, como todos os (neo)iberais, o mesmo Boris Johnson tenha pugnado por uma taxa única de IRS (flat-rate) - ver aqui (quando era presidente da Câmara de Londres) ou aqui (quando era primeiro-ministro). Ao acabar com os escalões de IRS, a tributação despenaliza os mais altos rendimentos. Bem se pode argumentar que os escalões castigam o mérito de quem se esforça na vida, que penalizam - veja-se o descaramento - quem tem de ter dois e três empregos para sobreviver (argumento dos deputados da extrema-direita em Portugal). Na verdade, a taxa única de IRS alarga as desigualdades sociais, reduz a igualdade de oportunidades, beneficia quem mais ganha e não os pobres trabalhadores.

Boris não é, contudo, um OVNI: Liz Truss foi ainda mais descarada sobre isso ao afirmar que "é justo devolver mais dinheiro aos ricos". Em Portugal, os seguidores desta imoralidade inconstitucional encontram-se no PSD (Jorge Braga de Macedo e Vítor Gaspar propuseram nos anos 80 uma única taxa de IRS), no CDS (mais comesinhos nas propostas e críticas) e mais descarados nos jovens liberais da IL - tão modernos e já tão reaccionários - bem como na extrema-direita. Nada é por acaso: eles representam esses interesses. Os verdadeiros "interesses" que eles nunca mencionam. É para eles que esses deputados trabalham.  

A outra pornografia é mais pacóvia, mas tem o seu racional, igualmente imoral. A televisão "independente" TVI - que ocupa um espaço público concessionado - achou por bem pagar cerca de 250 mil euros numa operação de mercatilização de um político britânico, na expectativa de obter bem mais em receitas de publicidade, numa noite de espectáculo televisivo, com uma "palhaço" conhecido. Mesmo que tenham lucrado com a operação, é escandaloso que gente como esta aceite como normal este trato pornográfico. É igualmente revelador da propensão de uma classe jornalística que se deixa facilmente seduzir para poder pertencer - por breves instantes e sem protestos públicos - a essa "bolha" dos famosos e ricos do mundo.

Visões predadoras


Em reunião recente da Assembleia Municipal, a Câmara de Lisboa admitiu reforçar o investimento em habitação através da afetação de receitas da taxa turística, obtendo apoio, nessa intenção, de deputados municipais de várias bancadas. Contudo, Cristina Siza Vieira, vice-presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), rejeitou a ideia, considerando ser «uma aposta profundamente errada» e referindo que «a taxa turística não nasceu para fins sociais», opondo-se, portanto, à «alocação da receita turística» para resolver o problema da habitação.

Os benefícios do turismo, nomeadamente ao nível da receita fiscal e do emprego, são inegáveis. Tal como são os impactos negativos desta atividade noutros domínios, com a habitação à cabeça. Basta constatar, por exemplo, o efeito do Alojamento Local na redução da função residencial no centro histórico, que contribui significativamente para a quebra do número de famílias e de alojamentos registada na última década (ver por exemplo aqui, aqui ou aqui), além da descaraterização da identidade sociodemográfica e urbanística destes espaços.

Não se percebe aliás, pelas notícias, se a vice-presidente da AHP está contra a existência da taxa turística ou contra a aplicação das receitas dessa taxa na habitação, ficando por se saber, nesse caso, qual seria então o setor, ou setores, que deveriam beneficiar da sua coleta. O que se torna indisfarçável é de facto uma visão predadora do turismo, alheia a tudo e a todos, que não cuida da noção de conjunto e dos equilíbrios económicos e sociais que é necessário assegurar.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

O Público é uma iniciativa liberal?


Nos anos da “geringonça”, foi tempo de sarar feridas, evitando-se falar de empresas, produtividade ou investimento, coisas que, como se sabe, causam urticária ao Bloco e ao PCP (...) 
Discutir a degradação da posição nacional no ranking europeu da riqueza criada é uma mudança que se saúda. Muito por mérito da Iniciativa Liberal.

Pela mão de Manuel Carvalho, o perdócio da Sonae está transformado numa espécie de órgão oficial dos fanáticos da Iniciativa Liberal, saudosos do tempo da troika. 

O truque é conhecido: o liberalismo nunca existiu em Portugal. A utopia liberal funciona na base da desmemória, de um eterno presente, sem qualquer ética da responsabilidade.

As privatizações maciças nunca existiram; a quebra brutal e recessiva do investimento público nunca existiu; a desregulamentação das relações laborais, que criou uma economia de baixa pressão salarial inimiga de investimentos produtivos, nunca existiu; os incentivos, fiscais e não só, a uma economia improdutiva, centrada no nexo finança-imobiliário-turismo, nunca existiram; a liberalização financeira e a adesão a uma moeda forte, indutoras de crises e de estagnação, nunca existiram. 

Que forças políticas contestaram estas opções desastrosas, propondo alternativas económicas? Vocês sabem e ele também.

Neoliberais como Manuel Carvalho têm o topete de chamar à sua ideologia jornalismo de referência. Jornalismo de referência ainda é feito, de vez em quando, nas redações, por gente com cada vez menos poder e que ganha menos, muito menos, cada vez menos, do que estes ideólogos.

   

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Equívocos básicos das autoproclamadas criptomoedas (2)


Os defensores das "criptomoedas" acreditam na história da carochinha que se encontra em todos os manuais de introdução à economia sobre a origem da moeda.

Nessa narrativa, a moeda surge a partir da propensão dos seres humanos para a troca direta. Imagina-se um estado inicial onde não existe moeda, mas, existe essa propensão para evidenciar que a troca direta implica uma série de dificuldades (a principal é necessidade de dupla coincidência de interesses) que a tornam ineficiente e, portanto, de forma espontânea, os indivíduos começam a selecionar uma mercadoria entre as restantes que pelas suas características intrínsecas, assume a função de meio de troca e a partir daí também a de unidade de conta. 


As características ideais para o cumprimento destas funções encontram-se nos metais preciosos, em particular no ouro ou na prata e por isso estes metais são usados há séculos como moeda.

O Estado entra nesta história apenas com o papel de garantir a quantidade e a fineza do metal amoedado, colocando o seu "selo" através da cunhagem. 

Um último passo dá-se quando, recentemente se adota a moeda fiduciária, sem valor intrínseco e garantida apenas pela sua aceitabilidade que se mantém graças aos hábitos e costumes dos indivíduos. 

Paul Samuelson, um dos maiores divulgadores da narrativa convencional

Esta narrativa, cuja origem pode ser encontrada em Aristóteles, que atravessou a era medieval e penetrou na economia moderna através de Adam Smith e foi fortemente divulgada por Stanley Jevons e em particular Carl Menger e Ludwig von Mises é uma ficção. Como afirma o antropólogo David Graeber não existe qualquer prova de que a troca direta alguma vez tenha existido e existe uma enorme quantidade de provas que sugerem que nunca existiu. E citando a antropóloga Caroline Humphrey:

Nenhum exemplo de economia de troca direta, pura e simples, alguma vez foi descrito, quanto mais o surgimento do dinheiro a partir dela; toda a etnografia disponível sugere que nunca existiu tal coisa (tradução livre).

Esta narrativa leva a um equívoco fundamental sobre a própria natureza da moeda, ou seja, a ideia de que a moeda é uma mercadoria (como era o ouro ou prata) ou que, se não for, se deve comportar como uma mercadoria.

Este equívoco não é exclusivo dos defensores das "criptomoedas" já que grande parte da própria teoria monetária convencional assenta nestes pressupostos (por exemplo, daí advém a Teoria Quantitativa da Moeda). No entanto, enquanto os economistas ortodoxos já perceberam há mais de um século que, apesar de tudo, é vantajoso que a oferta de moeda seja relativamente elástica em vez de estar sujeita à quantidade arbitrária de uma qualquer mercadoria, os defensores das "criptomoedas" procuram antes levar a visão da moeda-mercadoria até às últimas consequências. 

De facto, talvez a maior vantagem que se apresenta relativamente ao sistema das "criptomoedas" é o facto de destas conseguirem mimetizar uma mercadoria (i.e. a anonimização, a escassez, etc.). 

Para estes, a adoção de moeda fiduciária, sujeitas ao poder discricionário dos Estados, é uma traição, já que esta, não estando ligada a qualquer metal com valor intrínseco, perde valor constantemente (principalmente pela excessiva emissão de moeda pelos Bancos Centrais). Já vimos como a perda de valor da moeda é um grande problema e um grande equívoco dos defensores das "criptomoedas"

As "criptomoedas" procuram, assim, fazer ressurgir o sonho de von Mises que no início do século XX quando já pouco metal precioso circulava e os restantes economistas procuravam resolver o problema da gestão da emissão de papel-moeda, defendia que

o que os Estados Unidos precisam (…) é do clássico padrão ouro antigo (…). O ouro deve estar nos cofres de todos. Todos devem ver as moedas de ouro a mudar de mãos, devem estar habituados a ter moedas de ouro nos seus bolsos, a receber moedas de ouro quando desconta o seu cheque de pagamento, e a gastar moedas de ouro quando compram numa loja (tradução livre)

Não devia ser dificil entender a enormidade disto. Felizmente os economistas seus contemporâneos, com todos os defeitos que lhes possamos apontar (como Irving Fisher, o principal defensor da Teoria Quantitativa da Moeda) já não estavam nem aí e aprenderam alguma coisa com as turbulências financeiras do século XIX e início do século XX. 

Ludwig von Mises

Hoje, não nos é difícil ver as dificuldades que advinham do padrão-ouro para a gestão monetária e para a estabilidade dos sistemas financeiros e os defensores das "criptomoedas" estão a começar a entendê-las também. 

De facto, talvez a principal consequência deste equívoco seja o completo desconhecimento sobre a própria criação de moeda nas economias modernas, ou seja, sobre o funcionamento dos sistemas monetário e bancário modernos. Os recentes escândalos com "pseudo-bancos", corretoras, fundos de investimento de "criptomoedas" e afins (sendo o mais significativo o da FTX) mostram a dimensão do equívoco e têm feito os seus entusiastas aprender à força aquilo que não quiseram aprender antes. 

Sam Bankman-Fried, o fundador e CEO da corretora de "criptomoedas" FTX, entretanto caído em desgraça (o nome não augurava nada de bom)