Na semana passada, a notícia de que a economia portuguesa estaria prestes a ser ultrapassada pela Roménia fez soar alguns alarmes. A acreditar nas previsões da Comissão Europeia, o PIB per capita romeno em paridades de poder de compra deverá ultrapassar o português em 2024. A direita liberal olhou para esta previsão como a confirmação de que o país está condenado a estagnar sob as “políticas socialistas”. No entanto, este tipo de análises simplistas raramente nos ajuda a tirar conclusões úteis.
Desde 1990, a Roménia perdeu 17% da sua população e Portugal ganhou 5%. A perda de quase 1/5 da população devia ser um indício para pôr em causa o sucesso económico do país. Uma comparação séria dos níveis de desenvolvimento de diferentes países implica que olhemos para mais do que um indicador. O rendimento médio por trabalhador em Portugal é de 62,3% da média da União Europeia, face a apenas 36,3% no caso da Roménia, e a taxa de pobreza romena é bastante superior à portuguesa (23% vs. 18%). Se tivermos em conta indicadores de saúde pública, como a esperança média de vida ou a taxa de mortalidade infantil, a diferença entre os dois países torna-se ainda mais clara.
No entanto, isso não invalida que a economia portuguesa se encontre estagnada há vinte anos. Na verdade, os níveis muito baixos de crescimento, registados não só em Portugal mas em toda a periferia do sul da Europa, levaram a Comissão Europeia a falar numa “armadilha de crescimento” em que estas economias caíram quando se esgotou o impulso dado pelos fundos europeus no início do processo de integração.
O que é que explica desempenhos tão diferentes entre Portugal e a Roménia? O destino da Roménia foi o da generalidade dos países do Leste europeu: beneficiando de maior proximidade geográfica da Alemanha e salários muito baixos, os países de Leste tornaram-se o destino privilegiado do investimento alemão. Além disso, desde a adesão à UE em 2007, a Roménia não só recebeu um elevado montante de fundos europeus (num processo semelhante ao que aconteceu com Portugal após ter aderido em 1986) como viu a sua moeda desvalorizar mais de 36% face ao euro, o que favorece as suas exportações.
Portugal e os restantes países do sul da Europa tiveram um percurso bem diferente. A adesão ao Euro trouxe uma moeda sobrevalorizada, que favoreceu as importações e tornou mais caras (e, por isso, menos atrativas) as exportações para o resto do mundo. As entradas da China na Organização Mundial do Comércio e dos países de Leste na UE contribuíram para esta tendência, uma vez que se tornou cada vez mais difícil competir com países com salários muito baixos. Com a liberalização financeira e a equalização das taxas de juro à escala europeia, houve um enorme aumento do endividamento das empresas e das famílias em Portugal. A dívida externa líquida portuguesa passou de cerca de 16% do PIB em 1999 para mais de 100% no período em que o país foi intervencionado pela Troika.
Ao mesmo tempo, a adesão ao mercado único retirou (ou restringiu fortemente) os principais instrumentos de política industrial, como a definição de tarifas aduaneiras, o controlo público de empresas estratégicas ou as compras públicas, além de restringir a política orçamental através da definição de limites para o défice e para a dívida. Nos vinte anos que se seguiram, o Estado português cortou em virtualmente todas as áreas de despesa classificadas como “amigas do crescimento”, como as despesas em educação, transportes, comunicações, I&D e proteção ambiental, que têm impactos positivos na inovação e na produtividade da economia. Portugal foi o país da UE que mais reduziu o investimento público em percentagem do PIB neste período. No polo oposto estão… os países de Leste, incluindo a Roménia.
O desenvolvimento da estrutura produtiva foi, por isso, deixado nas mãos do mercado. Isso levou a que o investimento privado se tenha canalizado para setores como a construção, o imobiliário e, mais recentemente, o turismo e a restauração. O que estes setores têm em comum é o facto de serem considerados não-transacionáveis, isto é, produzirem bens e serviços que não se compram e vendem nos mercados internacionais. O mercado favoreceu estes setores por estarem menos expostos à concorrência internacional e, por isso, permitirem maiores lucros no curto prazo. Mas há outros aspetos que estes setores têm em comum: baixo potencial produtivo, baixa incorporação de conhecimento e tecnologia, baixos salários e precariedade.
A excessiva dependência deste tipo de setores é o principal fator de fragilidade da economia portuguesa. Para inverter este padrão, a intervenção do Estado é decisiva. O investimento público é um instrumento indispensável para promover mudanças estruturais na economia, substituir importações por consumo doméstico e promover a transição energética. E a evidência empírica aponta para que estes investimentos tenham benefícios que superam largamente os custos iniciais.
Portugal tornou-se na “Flórida da Europa” com a complacência dos governos do centro e da direita, que viram na monocultura do turismo uma oportunidade para mascarar a fragilidade da criação de emprego, apesar de se multiplicarem os seus efeitos perversos – nos salários, na precariedade, nos preços da habitação e no perfil produtivo do país. Sem uma rutura com o modelo de crescimento dos últimos vinte anos, dificilmente conseguiremos sair da armadilha do crescimento em que nos encontramos.
Artigo publicado inicialmente no Setenta e Quatro.
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