segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

As "contas certas" protegem o país?

 

Desde o início da pandemia, Portugal é um dos países que mais tem acelerado a redução da dívida pública e do défice. Se os planos do governo para 2023 se cumprirem, o país alcançará a 4ª maior redução da dívida pública do mundo desde 2020, de acordo com as contas do FMI. O argumento utilizado é o de que as "contas certas" são uma forma de proteger o país de futuras crises. António Costa explicou-o na semana passada: “É importante podermos sair deste ano com um défice melhor e a dívida menor porque isso reforça a confiança, por um lado, e, por outro, permite-nos encarar a incerteza do próximo ano sabendo que vamos entrar no ano menos condicionados e menos expostos aos mercados".

O governo diz que os brilharetes orçamentais que tem alcançado deixam o país menos condicionado pelos mercados. Só que os mercados têm uma ideia diferente e os juros da dívida já estão a disparar, como se vê no gráfico ao lado. Isso acontece porque a evolução dos juros da dívida pública depende muito menos das opções orçamentais nacionais e muito mais das decisões do Banco Central Europeu. Aliás, como já aqui foi lembrado, a maioria dos países mais penalizados pelos mercados durante a última crise financeira não tinha uma dívida muito elevada.

Na Zona Euro, os custos de financiamento de países periféricos como Portugal dependem sobretudo das decisões tomadas pelo BCE. Este ano, com a reversão da política monetária expansionista e o fim da compra de títulos de dívida dos países por parte do banco central, começam a notar-se os primeiros efeitos e as agências financeiras antecipam que os juros da dívida pública portuguesa continuem a subir no próximo ano.

Ao repetir a ideia de que as "contas certas" protegem o país de futuras crises, o governo insiste no equívoco, muito útil à direita, de que temos de conter a despesa pública para agradar aos mercados. Num ano de enorme perda de poder de compra para a maioria das pessoas, esta estratégia não só é socialmente injusta, como é contraproducente: a quebra do poder de compra prejudica a procura interna e, por essa via, tem impacto negativo na atividade económica.

Como, para o conjunto da economia, os gastos de uns são o rendimento de outros, o risco que o país enfrenta é o de uma espiral recessiva, em que a quebra da procura se traduz numa redução da atividade económica, do emprego e dos rendimentos, o que por sua vez reduz ainda mais a procura. As "contas certas" não protegem o país de uma futura crise. Pelo contrário, podem contribuir para esta.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Na Zona Euro, os custos de financiamento de países periféricos como Portugal dependem sobretudo das decisões tomadas pelo BCE."

Esta firmação pode ser mais precisa: o custo de financiamento depende da taxa de juro e do volume de financiamento. Se o primeiro fator, como diz e bem, depende sobretudo das decisões tomadas pelo BCE, já o segundo fator depende essencialmente do Orçamento de Estado. Sendo este o único que pode ser controlado pelo Governo, compreende-se que o Governo atue sobre ele.