quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

A última gota de água seria a desregulamentação financeira

A nível nacional, não houve quase cobertura mediática sobre um assunto que merece a nossa atenção: as Reformas de Edimburgo. Há duas semanas, Jeremy Hunt anunciou uma lista de 30 medidas para flexibilizar o sistema financeiro britânico. Estão a ser vendidas como uma adaptação da legislação fora das amarras da UE e para garantir “competitividade” à economia doméstica.


São variadas e terão impactos muito diferentes, mas há pelo menos três que saltam à vista: um recuo na separação das atividades bancárias para consumidores a retalho e para investimentos de risco (e o respetivo capital reservado para absorver as perdas associadas a cada uma), a flexibilização do capital exigido às seguradoras e o enfraquecimento da responsabilização pessoal dos banqueiros seniores por negligência na gestão bancária.

Para além destas, que mostram por si só a alteração no tom regulatório, também se tenciona alterar o mandato das autoridades regulatórias para terem como objetivo o crescimento da economia e o fomento da competitividade.

O alarme deve soar pelo menos por três motivos. Primeiro, os reguladores já alertaram sobre os perigos desta mudança de política e assinalaram o erro da incorporação dos novos objetivos no seu mandato. Também o governador do Banco de Inglaterra e um dos economistas chefe responsável pela revisão regulatória após a crise financeira estão contra o avanço destas reformas.

Depois, o anúncio destas medidas vem após o colapso em setembro dos mercados financeiros britânicos, especialmente grave para fundos de pensões privados, e que obrigou a uma intervenção massiva do BoE. Isto quer dizer que se a memória (aparentemente já longínqua) da crise de 2008 não chegasse, também a prova mais recente dos perigos de uma economia altamente financeirizada não serviu de lição.

Por fim, e talvez o mais grave, a União Europeia está a entrar em competição direta com o Reino Unido. Podemos estar no início de uma corrida para o fundo em matéria de controlo do sistema financeiro, nas suas mais variadas dimensões. Um exemplo recente disso mesmo foi a UE ter apresentado medidas para promover os seus mercados financeiros dias antes.

Por um lado, em nome do fomento da liquidez (e com medo que o capital fuja para outras paragens) pretende baixar a fasquia da regulamentação das câmaras de compensação, responsáveis por intermediar os contratos de derivados. Começou com a flexibilização do colateral exigido para derivados energéticos, mas tudo indica que há vontade de o alargar a qualquer tipo de derivado. A ideia clara aqui é retirar importância à praça financeira de Londres e promover as europeias.

Por outro, há um incentivo expresso de tornar a cotação em bolsa uma forma de financiamento válido e aconselhável para as empresas, com foco nas PMEs, através de uma desburocratização do processo.

No meio de uma crise energética, alta inflação e aumento das taxas de juro, o pior seria acumular agora a desregulamentação do setor financeiro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Promover o caos e premiar os responsáveis por isso, são estes os traços gerais destas políticas.