Na conferência organizada pelo Colabor (ver aqui), realizada ontem na Fundação Calouste Gulbenkian, houve um painel para ouvir as opiniões das confederações sindicais e patronais. E um dos temas foi, obviamente, a eficácia do recém-assinado "Acordo de médio prazo de melhoria dos rendimentos, dos salários e do trabalho" (ver texto do acordo aqui e procurar o ano de 2022).
Como é visível no gráfico (retirado do acordo), um dos objectivos essenciais é fazer subir a parcela dos salários no PIB em três pontos percentuais face aos valores de 2019 (de 45,3% do PIB em 2019 para 48,3% em 2026). Ora, este objectivo requer algumas palavras simples.
Primeira: o "grandioso" objectivo anunciado pelo Governo significa obter em 4 anos o valor que já se tinha conseguido... em 2009 (ver gráfico). Por outras palavras, os trabalhadores andarão a marcar passo em torno do que já tinham... antes da intervenção da extrema-direita económica, personalizada pelas ideias brutais de Passos Coelho/ Paulo Portas/Vítor Gaspar/António Borges, etc., que se materializaram num imparável e rápido rolo compressor neoliberal sobre direitos de trabalhadores e pensionistas e, consequentemente, numa enorme transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas (queda do peso dos salários no PIB). Resta, pois, saber por que razão o Governo aceitou um prazo tão dilatado para fixar o que já se obtivera muito antes. Pior: essa "borla" às confederações patronais ocorre quando não há mecanismos, nem referenciais, nem sequer um exemplo do sector público para evitar, já este ano e no futuro, a enorme transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas, conseguida pelo facto de os salários estarem a subir muito aquém da inflação verificada.
Segunda: nos bastidores do acordo, não parece ter havido alguma análise do que levou à quebra do peso dos salários no PIB entre 2009 e 2016, de modo a alterar o que possa ter sido feito... de errado.
Terceira: ao que tudo indica, o patronato não faz tensões de o atingir esse magro objectivo. Pelo menos a julgar pelo que disse, na referida conferência, o representante patronal, o director adjunto da CIP, responsável pelo departamento dos assuntos jurídico e socio-laborais. Nuno Biscaia teceu elogios vários ao acordo, mas no final repetiu o estafado
argumento, ouvido sobretudo desde os anos 80 e que ainda ecoa nas vozes de direita: ou seja, que a repartição de rendimento deve ser favorável às empresas porque
desse investimento virá, a prazo, benefícios para todos (trickle down). Disse Nuno Biscaia
que, na actual conjuntura, não irá ser possível subir os
salários mais do que a produtividade.
Pequeno compasso teórico para se entender o sentido das suas palavras: em termos aritméticos, só se consegue que os salários pesem mais no PIB se o salário médio crescer mais do que produtividade. O assunto é mais complicado do que isto (o Paulo Coimbra e o João Rodrigues tem se debruçado aqui, aqui e aqui). Caso queira argumentos de barricada, pode ver aqui. Mas basicamente, tudo tem a ver com a repartição do bolo. Se os aumentos da produtividade não são pelo menos repartidos irmamente entre trabalho e capital, então o peso dos salários no PIB vai cair. Foi isso que aconteceu no passado.
Fica-se assim sem saber se o director adjunto da CIP não sabe economia, se o acordo ainda não foi suficientemente interiorizado pelos representantes patronais; se pura e simplesmente não pretendem aplicá-lo ou se os representantes patronais sabem que, mesmo aplicado, nunca se atingirá aquele objectivo.
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