A desdramatização daquilo que é dramático é uma modalidade nacional. Escrever deve servir para o contrário: dramatizar problemas para que outros sintam a energia que é precisa para os resolver.
Esta sempre foi a diferença do Lula. Vir de baixo, saber o que lá se passa, saber o que é ser pobre. Em Portugal mais do que não termos jovens na política, o principal problema é não termos quem venha destas realidades.
É mais do que um tecto de dinheiro: em países desiguais, dos EUA a Portugal, estamos perante fundações, muros, paredes, trincheiras, casamatas de dinheiro. Autênticas cidades muralhadas, tantas vezes invisíveis. Daí a importância da guerra de posição, como dizia Gramsci.
Fala-se, e bem, da falta de jovens, de mulheres ou de minorias na política, mas são muito poucos os que falam da falta de gente vinda de baixo na política. A única classe com direito de cidade no nosso país é uma nebulosa classe média, aonde nem sequer cabe a maioria dos que falam, comentam e decidem em Portugal. Esses são tecnicamente burgueses, ricos.
Já pensaram porque é que as empregadas domésticas estão sempre presentes no discurso e na acção de Lula? Em Portugal, raramente se fala delas ou de outras trabalhadoras de actividades de cuidado e são centenas de milhares; ou de operárias e operários, como se fossem uma parte despicienda do país que trabalha e que cria a maioria do que tem valor.
Por exemplo, como falar das mais importantes violações das liberdades, as que são perpetradas quotidianamente nos locais de trabalho, se são poucas e poucos os que já sentiram isso na pele em cargos políticos? Não subestimo sentimentos morais, como a empatia, nem o saber que não é feito de experiência directa, mas também não os sobrestimo.
O movimento sindical já viu melhores dias e os partidos que ligam a estas questões também. Com todos os seus defeitos e com todas as suas superiores virtudes, a vida dos de baixo só neles encontra eco e sempre que perdem os de baixo perdem, como se vê.
Sim, ainda devemos ligar a regras sobre composição social nos partidos que se dizem defensores das classes subalternas. Não é por acaso que António Costa e outros antes dele jamais falam da situação das classes trabalhadoras. Estou enganado?
4 comentários:
Quando da mentira se faz drama, temos a construção da indiferença.
A pobreza tanto pode construir carácter como ressentimento; do ressentimento nada se cria.
O poder constrói-se sobre toda uma variedade de atributos; ressalvada a autodefesa, a violência é opção de quem atributos não alcançou.
Enquanto, por cá, o eleitor só tiver oportunidade de votar em grupos de interesses (de ricos ou de pobres!), os partidos, o País será governado...pelos interesses de esses grupos.
Vejam a dinâmica no comportamento dos parlamentares em Westminster. Vejam o comportamento dos PMs no Reino Unido. Vejam as rápidas manobras a que foi obrigada a nova Primeira Ministra.
Os deputados no RU, MPs, são uninominalmente eleitos. Para serem re-eleitos tem que estar atentos aos interesses dos eleitores dos seus respectivos círculos eleitorais, sejam eles povoados por ricos ou por pobres.
O anonimo de 04-10-2022 as 13h05 e mais um sonso desta vidinha...
As "avancadas" democracias americana e britanica tem produzido resultados esplendidos de representatividade parlamentar...
Nos EUA os circulos uninominais geram presidentes eleitos com menos votos que o oponente.
No Reino Unido geram maiorias parlamentares de 80+ deputados (aproximadamente 12% acima da "linha de agua" na camara dos comuns) com percentagens de voto popular de... 42.6% em 2019, em 2015 bastou 36.9% do voto popular para gerar uma maioria de 12 deputados.
Tudo isto e demasiada sofisticacao para a compreensao destes portugas, pobres selvagens que procriam...
O comentador Lowlander tem razão.
Enviar um comentário