A forma como o governo do Reino Unido caiu deveria preocupar todos os que defendem a democracia.
A queda repentina do governo da ex-Primeira-Ministra britânica Liz Truss foi amplamente creditada à disciplina objectiva dos mercados financeiros. As suas políticas equivocadas, diz a lógica, suscitaram uma reacção tão negativa que ela não teve outra alternativa senão recuar e demitir-se.
Eu vejo uma história muito diferente.
Os mercados não depuseram Truss, o Banco de Inglaterra sim - através de uma deficiente regulamentação financeira e de uma gestão de crise altamente subjectiva.
(...)
A sabedoria corrente diz que os mercados financeiros "puniram" o governo de Truss pela sua prodigalidade orçamental. Mas o castigo estava longe de ser universal. Durante os três dias que se iniciaram a 23 de Setembro, quando o governo de Truss anunciou o seu mini-orçamento, a libra caiu 2,2% em relação ao euro, e o índice de acções FTSE 100 caiu 2,2% - movimentos notáveis, mas dificilmente suficientes para colocar um governo de joelhos.
A grande mudança aconteceu no preço das obrigações do tesouro britânico a 30 anos, também conhecidos como gilts, que sofreram uma queda chocante de 23%.
A maior parte deste declínio não teve nada a ver com investidores racionais a reverem as suas crenças sobre as perspectivas a longo prazo do Reino Unido. Em vez disso, resultou do fracasso dos reguladores financeiros em limitar a alavancagem dos fundos de pensões do Reino Unido.
Estes fundos tinham comprado gilts [obrigações do tesouro britânico] de longo prazo e celebrado contratos de derivados com dinheiro emprestado - posições que geraram enormes exigências colaterais quando os preços caíram e a taxa de juro das obrigações subiu. Para angariar o dinheiro necessário, tiveram de vender mais gilts, criando um círculo vicioso no qual os preços em declínio e a venda forçada se alimentavam mutuamente.
O trecho acima é um excerto de um texto publicado na Bloomberg, por Narayana Kocherlakota, ex-presidente da componente de Minneapolis da Reserva Federal Americana.
Nós, em Portugal, sabemos por experiência própria como se fazem estas coisas.
E observámos recentemente o que pode o Banco de Inglaterra fazer, confirmando que, querendo, pode muito um banco central de um Estado soberano.
Pode por exemplo suportar uma dívida pública de 266% do PIB a taxa de juro pouco superior a 0%.
Neste contexto, destaco as declarações recentes de António Costa a respeito da taxa de juro quando, numa linguagem gongórica e opaca, vem dizer-nos que o “BCE em toda a sua independência deve ser prudente no mecanismo” e que “[n]ão é com a subida das taxas de juro que combatemos esta inflação”.
Tarde piaste. Pobre país este.
Na opinião publicada em Portugal nem um único texto que não alinhe (se me escapou alguma coisa, um link na caixa de comentários seria muito apreciado) na converseta da Iniciativa Liberal, segundo a qual nenhum governo pode escolher uma política orçamental que os mercados vetem. Uma pobreza anti-democrática.
Para contraste e exemplo do que pode ser trabalho jornalístico não pretensioso e sério é clicar aqui.
Finalmente, para saber mais acerca deste assunto, nada como ler Daniela Gabor.
3 comentários:
Podem explicar melhor os contratos celebrados pelos fundos de pensões
Passou os olhos neste texto?
http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2022/09/comprar-obrigacoes-do-tesouro-na-escala.html
Obrigado 😉
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