Num encontro com startups que vão participar na próxima Web Summit, Paddy Cosgrave assinalou que em 2016, quando Lisboa recebeu pela primeira vez este evento, o centro histórico da cidade «estava praticamente abandonado», com «a população em declínio», acrescentando que «quase do dia para a noite, num período de tempo muito curto, Lisboa tornou-se o lugar mais atrativo do mundo».
Encandeado pelas luzes voláteis do seu certame, e frivolamente deslumbrado com a overdose de turismo e de Alojamento Local, o cofundador da Web Summit não passou certamente os olhos pelos resultados dos últimos Censos (2021). Se o fizesse, teria constatado que as freguesias da baixa e do centro da capital têm hoje menos população que em 2001 e em 2011, perdendo aliás mais residentes na última década que na anterior. De facto, se entre 2001 e 2011 a redução da população foi de -12% na baixa e centro histórico (e -13% quando se consideram apenas as freguesias da baixa), entre 2011 e 2021 a quebra rondou os -16% no primeiro caso (cerca de -8.300 habitantes) e -24% no segundo (quase -6.200 moradores).
Estamos, pois, a falar da perda, em dez anos, de cerca de 25 pessoas por cada 100, na baixa, e de 16 por cada 100 no centro histórico. Um decréscimo que se torna ainda mais expressivo quando se considera apenas a população com naturalidade portuguesa, situando-se nesse caso as perdas em -35% na baixa (ou seja, mais de 1/3 da população residente em 2011) e em -26% no conjunto da baixa e centro histórico. Quando, na década anterior, a perda de residentes se situava em -21% e -18%, respetivamente. Se isto não é declínio é o quê, Mr. Paddy?
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5 comentários:
Lembrei-me de te perguntar sobre a repartição etária da população nesses espaços nos 3 censos. As perdas implicaram envelhecimento ou rejuvenescimento?
É uma boa questão, que implica olhar para os números. Ainda assim, não deve subestimar, parece-me a brutalidade das perdas em termos absolutos, nestes espaços.
Como em tudo, há coisas boa e outras menos boas. Na realidade rejuvenesceu as partes tradicionais da cidade, que foi recuperada e está com muito melhor aspecto e mais cuidada. Mas foi feito à custa das populações locais, que tiveram de sair, muitas das vezes de forma forçada.
A Baixa de Lisboa que eu conheço não está cheia de alojamentos locais, está cheia de hóteis, muitos deles construídos em edifícios que estavam na esfera do Estado.
Curiosamente só se fala no alojamento local. Ou há um efeito de moda, em que toda a gente bate no mesmo ceguinho, ou há uma encomenda de grupos hoteleiros que mais cedo ou mais tarde vão ter de lutar por clientes.
A zona histórica de Lisboa está a perder população há décadas, o alojamento local é um fenómeno que só tem expressão há uns dez anos, no entanto parece ser o principal responsável do que aconteceu. É um caso exteremo de um fenómeno cujos efeitos precedem as causas. Ou então é uma explicação atabalhoada e uma solução barata para pôr particulares a pagarem a renovaçao dos edifícios e, só depois da reabilitação, exigir-lhes que usem esses edifícios pra outros fins.
Posso falar do bairro da Misericórdia, onde vivo há décadas. Há 20 anos a maioria das casas ou era decrépita ou caía de podre. O comércio estava reduzido a pequenas lojas envelhecidas - coisas de pessoas idosas - e a um super onde pouco mais se conseguia comprar que a água do Luso.
Hoje não parece o mesmo. São numerosos os prédios recuperados (menos os que são camarários ou do Estado), ruas onde ninguém quereria viver têm hoje apartamentos à venda a preços altíssimos, o comércio multiplicou. Um bom exemplo são a Rua de São Paulo e a da Bela Vista. Há 20 anos só havia ali casas podres de velhas e lojas de máquinas industriais e ferramentas. O Conde Barão metia medo.
Hoje é ver como está. O super adaptou-se aos tempos. Tem horários mais longos e parte da clientela são turistas. A gama de produtos é muito maior. Noto no entanto que não são produtos de luxo, mas sim uma mercearia mais variada. Agora até há um novo, Continente.
Tem perdido gente? É bem possível, mas pelo meu número da mesa de voto fico com a ideia de que eu próprio já sou antigo no bairro. Talvez seja melhor falar de gentrificação.
Quanto ao alojamento local, daqui a uns anos, se pudesse, também faria. Arrendamento é que nunca, pois significaria de facto perder a casa. O valor patrimonial diminuia drasticamente, ficava à mercê do governo, inquilinos e tribunais. Mais valia vender. A arrendar, só se for mobilado, para ter a certeza de que o contrato teria início e fim.
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