segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Mandar vir meia dúzia


1. Face à rápida subida do preço do pão, podemos dizer, como Maria Antonieta: comam brioches. Na linha de uma certa história da revolução francesa, lembremos que o preço do pão é um termómetro da legítima insatisfação plebeia e dos correspondentes riscos para as hierarquizadas ordens estabelecidas. Podemos adicionar hoje, com mais saliência, o preço da energia ou da habitação.

2. Há preços, mesmo numa economia capitalista ainda dominada pelo neoliberalismo, que são, podem e devem ser controlados, a começar na taxa de juro, nos salários, nas rendas ou na energia. Vicente Ferreira já resumiu o essencial nesta área. Há sempre capacidade técnica e administrativa, assim haja vontade, e cada vez mais estados vão ter de a mobilizar, estão a mobilizá-la, nunca deixaram secretamente de a mobilizar, como o trabalho de história económica de Isabella Weber de resto indica. A energia está no centro da acção colectiva, até porque está no centro de um processo inflacionário puxado por custos reais, como é quase sempre o caso.  

3. O primeiro preço a controlar numa economia economia monetária é mesmo a taxa de juro, como temos insistido. A evidência empírica é clara: subidas das taxas de juro estão associadas a aumentos da desigualdades e descidas a diminuições. Basta pensar na história do neoliberalismo realmente existente e nos efeitos do chamado golpe de estado dos credores, ou seja, da subida da taxa de juro pela Reserva Federal de Paul Volcker, em 1979, que abriu caminho a Reagan e a toda a restante desgraça. Jerome Powell pode bem estar a abrir caminho a Trump. Nada é alguma vez neutro na política económica.

4. Os mecanismos da desigualdade, associados à subida dos juros, são intuitivos: redistribuição dos devedores para os credores, queda do investimento, aumento do desemprego e logo enfraquecimento do movimento social igualitário por excelência ao longo da história, ou seja, do movimento sindical.

5.  A luta pela paz tem sempre uma dimensão de classe e o actual contexto não é excepção. Os liberais armados, no caso nacional de sofá, bem que podem falar de uma quinta coluna em Portugal. Este espírito persecutório, onde os comunistas estão na primeira linha de fogo, serve apenas para tentar fazer esquecer o essencial: quem vendeu a independência nacional ao eixo Washington-Bruxelas, quem tem sido aluno disciplinado de mestres cada vez mais medíocres, como se vê e se verá cada vez mais no inverno. A coluna pela paz irá crescer.

6. A linha de Michal Kalecki, no melhor artigo que conheço de economia política, é tão clara hoje como em 1943: uma política ao serviço dos credores, uma política que usa o desemprego como mecanismo disciplinar, é uma política que abre caminho ao fascismo. Sim, o liberalismo económico abre esse caminho e no processo vários liberais passam de aliados objetivos a subjetivos da barbárie, da Itália de todos os anos vinte ao Brasil destes.  


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