Enquanto se insiste em conter a despesa pública com aumentos salariais e medidas de apoio às famílias para fazer face à crise, o Governo não parece ter a mesma preocupação em conter a despesa fiscal. De acordo com as contas do Conselho de Finanças Públicas (CFP), a receita não cobrada de IRS vai voltar a aumentar em 2023, sobretudo devido ao regime de benefícios fiscais para residentes não habituais.
O regime para residentes não habituais oferece taxas reduzidas de IRS às pensões de reforma (10%) e aos rendimentos do trabalho (20%) para cidadãos estrangeiros ou a cidadãos portugueses que tenham estado emigrados por mais de 5 anos, ao invés das taxas progressivas aplicadas aos restantes cidadãos do país. O custo deste benefício tem vindo a crescer todos os anos, atingindo os 931 milhões de euros em 2021, de acordo com o relatório da Autoridade Tributária. E parece que não vai ficar por aqui: "Entre 2020 e 2023, a despesa fiscal em sede de IRS deverá aumentar 1062 M€ (68,6%). Este crescimento expressivo ficará a dever-se, essencialmente, ao regime de tributação destinado aos residentes não habituais", lê-se no relatório do CFP.
A principal justificação para a criação deste regime é a de que permitiria captar quadros qualificados e promover profissões de maior valor acrescentado no país. Mas isso nunca se verificou: a maioria dos beneficiários são pensionistas e, em 2019, só 8% tinha trabalho qualificado. Além disso, o regime constitui um tratamento desigual face aos salários e pensões dos residentes em Portugal e pode ajudar a explicar uma parte da bolha imobiliária nas cidades (não por acaso, o "eldorado fiscal" português é elogiado em sites como o Idealista).
Nem todos aceitam a corrida para o fundo na tributação dos rendimentos. No início deste ano, a Suécia rasgou o acordo fiscal que tinha com Portugal e passou a tributar adequadamente as pensões dos reformados suecos em Portugal. A explicação dada pela ministra das Finanças sueca, Magdalena Andersson, não podia ser mais clara: "A possibilidade dada aos cidadãos mais ricos de pagarem zero ou 10%, enquanto os cidadãos comuns pagam muito mais, é uma injustiça que mina a credibilidade do sistema fiscal". É difícil perceber a insistência do Governo português neste tratamento fiscal desigual e injusto, em vez de apostar em políticas públicas que invertam o modelo de baixos salários e permitam fixar no país os jovens que hoje emigram.
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