Para quem ainda tivesse dúvidas sobre o impacto da intensificação do turismo nas dinâmicas residenciais do centro das grandes cidades, como sucede no caso de Lisboa (mas também do Porto, por exemplo), os dados preliminares dos Censos 2021, recentemente divulgados, são bastante esclarecedores. De facto, é nas mesmas freguesias do centro histórico da capital, onde se observam as maiores perdas de população, de agregados familiares residentes e de alojamentos, que também se concentra, de forma clara e significativa, a maior parte da oferta de Alojamento Local.
Esta correspondência é particularmente acentuada nas freguesias de Santa Maria Maior e Misericórdia, que concentram cerca de 43% das unidades de alojamento local e perdas de população, famílias e habitações que superam, na maioria dos casos, os 25%. Mas é também relevante em freguesias como Arroios, Santo António e São Vicente, inseridas ou próximas do centro histórico, com perdas de população e de famílias a rondar os 10%, entre 2011 e 2021. Não por acaso, e em contraponto com as dinâmicas de expulsão do centro, são sobretudo as freguesias mais periféricas da cidade a registar ligeiros aumentos ao nível da população, agregados familiares e número de alojamentos.
É claro que o alojamento local é apenas uma das vertentes da intensificação do turismo, ainda que particularmente relevante do ponto de vista do seu impacto de pressão e transformação da estrutura residencial do centro das cidades. Mas é justamente por isso que fazem todo o sentido as medidas restritivas entretanto adotadas, cruciais para assegurar o equilíbrio entre a função residencial e a função turística, e impedir as lógicas de expulsão, socialmente iníqua, de famílias e pessoas dos centros das cidades, no quadro de indesejáveis processos de gentrificação.
Adenda: A propósito dos processos de gentrificação e dos seus impactos sociais profundos, à escala humana do bairro, dos quotidianos e das famílias, vale muito a pena ouvir o poadcast «A cidade e o medo - O efeito Lisboa», da jornalista da RAI Francesca Berardi (a que cheguei por recomendação do Ivan Nunes).
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8 comentários:
Se tratassem de alojar - ainda que precária e provisoriamente - quem fosse expeditamente despejado por falta de pagamento de renda, poupavam complexas análises e estapafúrdias especulações.
Nota: muito do que hoje é AL, foi antes escritório ou habitação inabitável.
Este deve ser senhorio de um AL.
A perda de população dos bairros históricos é muito anterior ao aparecimento do AL. Veja os números desde os anos 60 e 70.
Será talvez de considerar que o turismo tomou de assalto bairros que estavam vazios, mas não foi ele que esvaziou os bairros.
Nunca ninguém considera o que seriam os bairros sem o turismo. Dou-lhe uma pista: vá ao arquivo fotográfico da CML e veja fotografias antigas de Alfama, da Mouraria, do Bairro Alto e da Baixa. Irá ver um impressionante número de casas em ruínas e de fotografias de gente na miséria. Isto desde que existem fotografias, no início do século XX.
Pretender que tudo isto foi provocado pelo alojamento local é um pouco excessivo.
Análise completamente estapafúrdia. De 2000 para 2010 também houve uma sangria populacional em Lisboa sem haver AL.
P.S. Não sou senhorio AL
Entre 1981 e 1991 a queda da população em Lisboa foi de 17,9% e entre 1991 e 2001 a queda foi de 14,9%. Fazendo uma análise simplista como este artigo também se pode concluir que quanto mais AL existe menos a população lisboeta cai.
Temos aqui o Jose o Anónimo de 17/08/21 às 0022, dois proprietários para quem o arrendamento e o despejo são meros casos difíceis, os quais estes nada têm a ver. Se para um as análises são «estapafúrdias» (palavra inventada por um mentecapto), para o outro, há que analisar fotografias e andar à procura do «Wallie», pois isto é tipo de proprietário que tem sempre razão (fizeram-lhe sempre as vontades, desde menino).
Na verdade, o texto de Nuno Serra é não só importante como preocupante. Devido à ganância e ao rumo de certas políticas de habitação, aquilo que é hoje Lisboa bem se pode tornar (daqui a algum tempo) numa cidade fantasma.
Entrar pelo insulto não me parece uma boa maneira de discutir. Mas compreendo, a cabeça não dá mais.
A cabeça de alguns proprietários não dá mais, quando lhes falam em habitação para todos e baixar as rendas.
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