É com alguma perplexidade que se leem as recentes declarações do presidente da CIP, a propósito do emprego público: «ontem vi uma retrospetiva do Lucas Pires e, já em 1983, se não estou em erro, num dos discursos que fazia na Assembleia questionava o Governo sobre o facto de, quando tínhamos um império e as colónias, tínhamos um Estado que tinha de responder com cento e tal mil funcionários. Hoje temos para cima de 700 mil e está a aumentar».
Até custa ter que lembrar a António Saraiva que nesse tempo, em que «tínhamos um império e as colónias», o país não dispunha, entre outros serviços públicos fundamentais, de um SNS e de uma Escola Pública que permitiram, por exemplo, que a taxa de mortalidade infantil passasse de 55,5 para 2,4 óbitos por mil nascimentos (entre 1970 e 2020); a esperança média de vida à nascença subisse de 74 para 81 anos, ou que a escolarização no secundário passasse de 3,8% para 81,5%. Mudanças abissais - e com ganhos incomensuráveis para as empresas, já agora - que não teriam sido possíveis sem estruturar, à escala nacional, e entre outras áreas da ação pública, uma rede concelhia de estabelecimentos de ensino e de saúde de diferentes níveis, providos com os respetivos recursos humanos.
Já menos estranho é, contudo, que o presidente da CIP não resista a veicular de novo, nas suas declarações, duas ideias recorrentes em que a direita há muito insiste. Por um lado, a ideia de que a despesa pública é um gasto perdulário e não um investimento (como se o Estado não fosse, também ele, economia) e, por outro, a ideia de que Portugal tem «funcionários públicos a mais», um mito que a comparação à escala da UE deita por terra (e que foi responsável por um emagrecimento cego da função pública nas últimas décadas e pela falta de renovação dos seus quadros).
A propósito dos investimentos no âmbito do PRR, é aliás pena que António Saraiva não tenha tomado boa nota das recentes declarações do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, a assinalar o facto de, «em termos de recursos humanos a Administração Pública estar desfalcada», tendo sido «esticada até ao limite» e se encontrar «muito debilitada por causa da pandemia».
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6 comentários:
Se nós tivéssemos uma comunicação social séria, uma que faz jornalismo, pilantras como o Saraiva da CIP seriam confrontados com as mentiras que eles contam constantemente e deliberadamente, mas como nós não temos uma comunicação social séria ao Saraiva é-lhe estendida a carpete vermelha para ir contar mentiras na TV e jornais, isto é assim porque o Saraiva é senhor muito, muito “sério”!
O Saraiva, como sindicato do patronato, está a fazer o seu trabalho, aparecer na comunicação social para defender os interesses dos seus associados, defender sempre os mais baixos salários para o trabalhador, defender um Estado mínimo de serviços sociais e um Estado máximo de ajudas ao patronato.
E o Partido “Socialista” faz a vontade ao Saraiva & amigos, como sempre fez...
A bazuca de Euros já está direccionada para os bolsos do costume, para os bolsos dos Donos Disto Tudo.
O Partido “Socialista” não vai usar a euro-bazuca para resolver problemas muito graves que austeridade do PS-PSD-CDS causaram durante já longos anos...
Muito haveria a dizer acerca destas declarações, habituais e com a adesão de públicos já tradicionais, discurso estafado, enquanto outros sofismas (imagino, temporariamente eficazes) o não substituam.
1. aparecem num momento em que determinada direita (clientelas) tem poucas esperanças de chegar ao poder nesta fase do PRR. Faz-se, portanto, o que se pode, com os que lá estão. Melhores dias virão.
2. A declaração é feita numa altura em que concursos para professores, polícias, profissionais de saúde, antes muito concorridos, tenham "meia-dúzia" de candidatos, tal foi a pauperização do funcionário público e a continuada descredibilização da função de servidor público.
3. Relativamente ao "Império", encontrando-me a trabalhar num país lusófono, apercebo-me bem, quotidianamente, pois isto não é automático (mudar o regime), das consequências da falta de uma escola e de uma tradição de funcionalismo público nestes territórios.
Sempre transparece a mais completa ignorância do que era o Estado Novo.
Dizem-no fascista e descrevem-no liberal na economia.
Dizem-no autoritário e descrevem-no desprovido de pessoal que lhe garantisse aparelho burocrático e de segurança.
Não pucos hospitais, universidades e escolas públicas (tantas encerradas hoje) são desse tempo mas imaginam-nas despovoadas.
A população e o território decresceram dramaticamente e ainda que tendo aumentado os serviços a proporção de 1 para 7, não suscita no mínimo uma reflexão em tempos de revolução digital!!!!!
Segundo julgo saber (e por favor corrija-me), em alguns países os números incluem emprego na saúde e na educação e noutros não inclui. No caso de Portugal não inclui. Usar os 14% de Portugal e depois escrever a frase "o país não dispunha, entre outros serviços públicos fundamentais, de um SNS e de uma Escola Pública" parece-me algo demagógico. Esses serviços não fazem parte dos 14%.
Gostaria de ver uma tabela em que os números sejam efectivamente comparáveis e também uma tabela que mostre o peso dos salários públicos no orçamento de estado por país.
No inquérito ao emprego, o INE só classifica como emprego público na atividade "administração pública, defesa e serviços da segurança social obrigatória" os empregos associados à oferta de bens públicos puros, em que o Estado ou a Previdência não têm concorrência dos privados.
Segundo o INE, os empregos públicos puros ou em sentido estrito são em atividades "relacionadas com o exercício de poderes de soberania, autoridade e representação política do Estado (negócios estrangeiros, defesa nacional, segurança interna, justiça)", por exemplo, onde os privados não concorrem. Onde não há mercado, por assim dizer. Os funcionários dos serviços da Segurança Social pública também aqui estão, pois não há uma Previdência universal privada.
E é por isso que a educação pública e o SNS estão classificados fora desse agregado emprego público; aqui os privados já estão presentes na exploração destes mercados, e cada vez mais. Já não são empregos em atividades que providenciam bens públicos puros.
O instituto explica que, nas contas oficiais do emprego em Portugal, depois enviadas ao Eurostat, "o conceito de Administração Pública é entendido como o conjunto de atividades de regulamentação e apoio à gestão de atividades que, pela sua natureza, não podem exercer-se numa base de mercado".
Assim, "o estatuto jurídico ou institucional não é determinante para classificar nesta secção as unidades do tipo administrativo".
"Há atividades, como por exemplo, ensino e saúde, que não pertencem ao âmbito desta secção, ainda que a Administração Pública as desenvolva num nível mais ou menos elevado".
A Educação "compreende, para além do ensino a todos os níveis e formas, as atividades dos institutos e das academias militares, escolas de condução, formação profissional e de ensino artístico", público ou privado.
Na "Saúde humana", o INE regista os empregos nas "atividades de saúde humana (hospitalares, liberais, paramédicas, etc.), exercidas em regime de internamento ou ambulatório, com ou sem fim lucrativo".
Nuno Serra, a responsabilidade pela redução do número de funcionários públicos não é de uma qualquer ideia feita, é dos défices crónicos do Estado. A ideia arranjou-se para justificar uma redução de despesa porque é mais fácil falar-se de racionalização de recursos do que de falência do Estado...
De resto, de acordo...
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