quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

A questão europeia

Fonte: INE, Contas Nacional
Se há coisa em que a esquerda tomaria a dianteira à "cultura de compromisso" à direita, era começar a olhar para as contas externas. Para as contas da Balança de Transações Correntes, mas mais em particular para a Balança Comercial.

Por facilidade, os gráficos apenas abordam essa realidade a partir de 1995. Já nessa altura, a economia portuguesa estava entrosada no Sistema Monetário Europeu, com toda a política macroeconómica subordinada à política cambial-monetária europeia, decidida pelo Governo Cavaco Silva e prolongada pelo Governo Guterres, mantendo o escudo português indexado ao marco alemão. Foi a opção europeia. Nessa altura, a nossa Balança de Bens já era largamente deficitária. E assim continuou após a criação do euro em 2000, até 2010, sem que o saldo positivo da balança de serviços - onde se encontram as receitas de turismo - tivesse evitado essa tendência.

Fonte: INE, Contas Nacionais
A partir de 2010, "miraculosamente", o défice comercial atenua-se. E assim continuou até 2013. Foi o período de intervenção externa, com o devido apoio ideológico do Governo PSD/CDS, de Pedro Passos Coelho/Paulo Portas, tendo Assunção Cristas como ministra. O défice atenuou-se porque o consumo privado foi asfixiado e o investimento privado sofreu a maior queda de que há conhecimento na História recente de Portugal. Mas mal a retoma se iniciou em 2013, os problemas voltaram a revelar-se. Apenas a avalanche de turistas tem compensado o agravamento do défice comercial. E já começa a revelar-se insuficiente...

Se a preços correntes (primeiro grafico), o saldo da Balança Comercial se mostra positiva (Paulo Portas mostrou-se felissíssimo na campanha eleitoral de 2015 com esses escassos valores), já a situação das transações em volume (segundo gráfico) parece revelar melhor as fragilidades presentes.

Há causas para esta situação.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

"Cultura de compromisso" 2

Da série "Boss", na SIC Radical, que mostra como gerir a comunicação social
Quem leia o Público de hoje, sente a mão de Marcelo por detrás de cada palavra. A peça de David Dinis, director do jornal, entra na cabeça do presidente da República e diz que o jornal "apurou" que ele "voltou mais preocupado do que partira para o segundo encontro numa semana" com Rui Rio.

E nem foi só ao jornal que o pensamento do presidente chegou. Marques Mendes, no espaço concedido na SIC pelo militante nº1 do PSD, afirmou que “o Presidente deve ter vindo [de S.Tomé] com os cabelos em pé”. 

O que aflige tanto Marcelo?
Continua o Público em espaço noticioso nobre, nas páginas 2 e 3 do jornal:  "No Palácio de Belém, o estado de espírito confirma os receios com a desunião do maior partido da oposição. E com a forma como Rui Rio parece querer lidar com ela, em confronto com os críticos internos, achando que o que perde em desunião, pode ganhar na imagem que dele terá o país".

Aliás, David Dinis expressou ontem essa mesma preocupação quando partilhou com a editora de Política da Antena 1 Flor Pedroso o espaço de comentário moderado por Ana Lourenço na RTP3:

"Uma guerra dentro de casa, com o PSD dez pontos atrás do PS, à beira de eleições legislativas, diria que, no mínimo, há um sentido de risco... ia dizer mal medido... " (16'30').
"Estamos a falar de um ano e meio. É muito tempo para comprar uma guerra interna desta dimensão e muito pouco tempo para apresentar propostas que o diferenciem. Neste momento, só tem a guerra. Nem sequer propostas tem para apresentar. Portanto, o país só fala - nós aqui - só podemos estar a falar de duas coisas: da aproximação de Rui Rio a António Costa, com a agenda de António Costa acrescento eu, e da guerra interna no PSD" (26'30'')
"A carga ideológica do CDS desapareceu (...) é um partido aberto, jovem. No fim, pode contar um bocadinho se o PSD... Não estou à espera de um crescimento exponencial do CDS. Mas se o PSD não se acautela e passa ano e meio em guerra... quer dizer... as pessoas que não quiserem votar na esquerda, que é preciso equilibrar, vão votar em quem? (33'45'')

Mas alguém acredita que o risco seja que os eleitores do PSD votem no CDS?
O risco é, portanto, outro.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

"A cultura de compromisso"


Público, 24/2/2018 

A crónica de São José Almeida (SJA) é sintomática do que aí vem. A SJA que, em Maio  e Julho de 2011, criticou a agenda neoliberal do Memorando de Entendimento com a Troica e acusou o Governo PSD/CDS de ir mais além, aceita agora como benéfico para o país um negócio entre o PS e o PSD.

Nada se sabe o que pensa este "novo PSD". Aliás, já não se sabia o que pensava o "velho PSD". Sabia-se que ele defendia aquela política do Memorando que criou 1,5 milhões de desempregados, mas desde 2014, lá se foi ouvindo PSD e CDS dizer que, afinal, tinham sido obrigados a aplicar o Memorando negociado, sim, pelo PS. Por isso, quando se questiona um social-democrata sobre que reformas defende, apenas saem frases feitas. E Rui Rio não foi excepção. Ainda ontem à saída do Palácio de Belém, Rui Rio disse que "ninguém traz as reformas estruturais numa pasta".

Apesar disso, parece achar-se que "a cultura de compromisso" é positiva em si mesmo, independentemente do que se discuta. Como se houvesse vantagem na existência de uma união nacional em torno de qualquer coisa, desde que seja qualquer coisa. E arrisca-se - pelos actores em presença - a ser um "compromisso" em torno de uma aceitação ligeira e preguiçosa da pequena margem que as políticas comunitárias deixam à decisão nacional. Sem rasgo, sem imaginação, sem eficácia de fundo. Apenas uma fotografia para os telejornais.

A comunicação social alinha, aliás, muito rapidamente nesse apelo a um "compromisso", mas apenas a um certo "compromisso" vazio: durante a intervenção da Troica, repetiu-se - e repetiu-se! - a necessidade de um acordo entre os partidos do "arco-da-governação" (PS, PSD e CDS). Agora, os tempos são outros. Aqueles partidos foram despromovidos e passaram a "estes partidos do meio do sistema para não dizer outra coisa", como disse esta noite na RTP3 a Flor Pedroso. Mas a ideia é a mesma: fazer com que o PS fique preso à direita e rompa à esquerda.

Tudo deve ser feito para que o PS não tenha veleidades: nunca será permitido ao PS pensar de outra maneira que não seja este pensamento que outros definem para ele.

Homenagem a António Gama

«António Gama Mendes, geógrafo, brilhante professor e investigador, faleceu prematuramente em Dezembro de 2014. A sua competência científica, a sua aptidão pedagógica, a sua vastíssima bagagem cultural e, acima de tudo, uma estatura académica muito assente na sua qualidade intelectual e numa imensa generosidade do ponto de vista humano, fizeram com que a Universidade Portuguesa e, particularmente, a Geografia tenham sofrido um forte abalo com a sua partida. Para além de deixar uma obra significativa em diferentes domínios da Geografia Social, da Geografia Política e da Geografia Cultural, deixou muitos amigos em Portugal e no estrangeiro, em diferentes áreas disciplinares que vão da Geografia à Economia e da Sociologia à Filosofia e à Literatura. Por isso, este livro, com que alguns dos seus amigos de diferentes áreas científicas pretendem homenageá-lo, revisitando alguns dos temas de investigação que lhe eram mais queridos, de modo a perpetuar a memória de um nome, de uma obra e de uma personalidade absolutamente ímpares na Universidade e na ciência portuguesas».

Da contracapa do Livro de Homenagem a António Gama Mendes, que vai ser lançado na próxima quarta-feira, 28 de Fevereiro, a partir das 18h00, na Faculdade de Letras (Anfiteatro III), em Coimbra. Apresentam a obra Fernanda Delgado Cravidão (Departamento de Geografia e Turismo, da FLUC), Nuno Serra (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) e Julio Villar Castro (Faculdade de Geografia e História da Universidade de Salamanca). Estão todos convidados, apareçam.

Uma reforma estrutural para voltarmos ao século XIX


O patronato, a Comissão Europeia, a OCDE, o FMI, os analistas da TV, os economistas do 'centrão', todos reclamam por mais flexibilidade no mercado de trabalho. Uma "reforma estrutural" (léxico do neoliberalismo) que, pelos vistos, seria urgente fazer para que o país se desenvolva. Na conversa de hoje, mostramos com bons argumentos que esse discurso não só não tem fundamento em investigação séria como, na realidade, não passa de retórica ao serviço dos interesses mais retrógrados do capitalismo contemporâneo.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Marxistas de ontem, marxistas de hoje


Espero que a influência política da crónica de Rui Tavares, apostado em mobilizar o pobre Marx para a sua perdida causa europeísta, esteja ao nível da seriedade intelectual da pergunta que colocou na sexta-feira, tanto mais que se trata de um historiador: acreditaria Marx nos marxistas de hoje?

Tudo por causa da forma como os marxistas actuais, nomeadamente os comunistas portugueses, que parecem ser o alvo por mencionar, abordam a questão nacional, ao mesmo tempo que assinalam os duzentos anos do nascimento de Marx.

Tavares limita-se basicamente a repetir uma série de magníficos slogans conhecidos do Manifesto do Partido Comunista, escrito por Marx e Engels há 170 anos, e depois elabora uma narrativa que passa por cima de tudo o que de mais importante ocorreu na história do marxismo e da questão nacional.

Comecemos então por abrir e ler esse brilhante e aberto texto que é o Manifesto, indo para lá do slogan e parando em quatro momentos onde a questão nacional surge, baralhando as certezas algo a-históricas de Tavares.

Em primeiro lugar, note-se no que diz Engels no prefácio à edição polaca: “A restauração de uma Polónia forte e independente, porém, é uma causa que não diz respeito só aos Polacos — diz-nos respeito a todos. Uma colaboração internacional sincera das nações europeias só é possível se cada uma destas nações for, em sua casa, perfeitamente autónoma.”

Em segundo lugar, é verdade que “os operários não têm pátria”. Mas logo a seguir Marx e Engels esclarecem: “Não se lhes pode tirar o que não têm. Na medida em que o proletariado tem primeiro de conquistar para si a dominação política, de se elevar a classe nacional, de se constituir a si próprio como nação, ele próprio é ainda nacional, mas de modo nenhum no sentido da burguesia.”

Em terceiro lugar, afirmam o seguinte: “Pela forma, embora não pelo conteúdo, a luta do proletariado contra a burguesia começa por ser uma luta nacional. O proletariado de cada um dos países tem naturalmente de começar por resolver os problemas com a sua própria burguesia.”

Em quarto lugar, quando elencam dez medidas gerais para os “países mais avançados”, não deixam de sublinhar previamente que “estas medidas serão naturalmente diversas consoante os diversos países”, valorizando a especificidade e diversidade da escala nacional também no conteúdo. Já agora, entre essas medidas estava a “centralização do crédito nas mãos do Estado, através de um banco nacional com capital de Estado e monopólio exclusivo.”

sábado, 24 de fevereiro de 2018

A realidade e os «mas» do FMI

A propósito das visitas regulares do FMI, agora já não podemos invocar o senhor Subir Lall, entretanto substituído pelo mexicano Alfredo Cuevas. Mas a liturgia da visita não mudou muito. Apenas o choque com a realidade, que expõe e contradiz, de forma cada vez mais clara, o fracasso dos mantras da instituição, complica a vida dos seus técnicos, obrigando a maiores concessões e a um esforço acrescido de dissimulação.

A parte mais difícil será essa: reconhecer que os avisos sobre as políticas seguidas, ao arrepio das recomendações do FMI, não tiveram as consequências nefastas então profetizadas, como quem anuncia a chegada do diabo. O desemprego, por exemplo, não aumentou com a subida do salário mínimo - antes pelo contrário - e a economia cresceu mais do dobro que o previsto. E por isso tornou-se necessário reconhecer que o risco da dívida «moderou significativamente» e que o Governo português merece nota positiva.

Feita a parte mais difícil, seguem-se dois tipos de «mas». Os primeiros servem para defender a honra do convento, alertando por exemplo para a necessidade de proteger as reformas laborais e facilitar os despedimentos. Os segundos, que já merecem ser tidos em conta, servem para sinalizar problemas novos (como a necessidade de vigiar a evolução do mercado imobiliário ou de estar alerta para o peso que o turismo tem na recuperação da economia), ajudando também o FMI a melhor acomodar o seu próprio «virar de página», no plano discursivo, sobre os benefícios da austeridade.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Sinal

PS, PSD e CDS-PP travam regresso dos CTT à esfera pública e Vieira da Silva volta a defender prémio para baixos salários através da TSU. Duas notícias sem ligação aparente a não ser o sinal relevante de que em Portugal, e ao contrário do que se está a registar no trabalhismo britânico, por exemplo, a Terceira Via continua na prática a dominar uma social-democracia que acha que se pode salvar nesta região dependente através do bloco central europeu de que falava recentemente Centeno (que de resto nem sequer finge que é social-democrata, como se sabe).

O que vai valendo para algumas coisas importantes é não terem a maioria absoluta, ao mesmo tempo que nesta correlação de forças os avanços nas decisivas matérias de relações de propriedade e laborais são demasiadas vezes anulados pelas alianças com a direita, também fruto da pressão externa (Centeno encarna agora claramente esta duas dimensões, já agora). Neste contexto, creio que os factores de crise da social-democracia por essa Europa afora, produto da sua aceitação de demasiados termos euro-liberais, também se manifestarão por cá. Provavelmente, e de forma não desprovida de eventual paradoxo, tão mais intensos quanto por mais tempo forem contidos pela conjuntura económica e política.

Contra

Primeiro Facto: Realizaram-se anteontem as eleições para os corpos gerentes do Sindicato dos Jornalistas. Num universo de 2098 inscritos, num total de cinco a seis mil profissionais, votaram 536 sócios (374 em Lisboa e Açores, 119 no Porto e 43 na Madeira). 

Segundo facto: Havia duas listas. A Lista B que se candidatava a todos os corpos gerentes e que era presidida pela actual presidente do Sindicato, Sofia Branco. E a Lista A que se candidatava apenas ao Conselho Deontológico (CD) e ao Conselho Geral (CG), e cujo primeiro candidato ao CD era  Alfredo Maia, qu foi presidente do Sindicato de 2000 a 2014.

Terceiro facto: Ganhou a Lista B. Para a Direcção, Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal, a lista B recebeu 433 votos. Para o CD, a Lista B teve 353 votos, contra 170 da lista A (4 mandatos contra 1). Para o CG, a Lista B teve 366 votos, contra 160 da Lista A (15 mandatos contra 6). Há 3 anos, e pela primeira vez desde 1987, apresentaram-se duas listas. A Lista B (encabeçada por Sofia Branco), ganhou a eleição com 378 votos contra a Lista A (encabeçada por Alfredo Maia) que recolheu 264 votos.

A expressão contra foi usada de forma consciente, na plenitude do seu sentido, e não apenas como utensílio descritivo.

E assim foi por diversas razões. Mas todas elas estranhas, quando os jornalistas têm levado na cabeça todos os dias, quando são forçados a ritmos de trabalho incompatíveis com a produção de uma boa informação e pagos ainda por cima com ordenados cada vez mais pequenos e aliciados/pressionados para fazer horários nocturnos sem ser pagos (aconteceu recentemente na TVI, tendo a administração recuado após resistência de alguns trabalhadores). Os despedimentos campeiam e jazem freelancers, que fazem uns artigos (poucos) pagos ao preço da uva-mijona, com meses de atraso. As redacções estreitam-se, os jornalistas empobrecem, a informação empobrece, ao arrepio das responsabilidades constitucionais (aqui) postas em causa quotidianamente.

Este cenário - que deveria levar todos os sindicalistas a encontrar o que os une, em vez de descobrir razões para se virarem uns contra os outros - foi completamente arredado da discussão eleitoral. E isso ficou claro desde o início:

José Afonso - Traz outro amigo também



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Pequenos passos

Parece sintomático que os dois temas escolhidos pelo PSD para conversar com o Governo sejam em torno de dinheiro. É um tema fácil para os dois partidos. 

Ele é a descentralização - ou seja, a transferência de responsabilidade e verbas do Estado para as autarquias - e o desenho do próximo quadro de fundos comunitários.  

O PSD colocou a negociar Álvaro Amaro, presidente dos autarcas sociais-democratas, para a descentralização, e Manuel Castro Almeida, agora vice-presidente do PSD e ex-secretário de Estado para o Desenvolvimento Regional, para os fundos europeus. Até Maria Luís Albuquerque, aquela ex-ministra que se caracterizou pela incapacidade até para se mostrar dialogante, aposta nas conversas com o Governo. Disse ela em Bruxelas: "Não queremos ser apenas informados do que está a acontecer, queremos que haja um verdadeiro debate, uma consulta. Havendo essa disponibilidade para falar connosco, em tempo, não há razão nenhuma para não nos entendermos, porque nunca nos desentendemos nestas matérias relacionadas com questões económico-financeiras". 

E nem por coincidência, o secretário de Estado Pedro Marques inicia hoje contactos com a Associação Nacional de Municípios Portugueses para debater o novo enquadramento dos fundos comunitários.

O fecho ou mesmo a aparência de diálogo sobre um tema fácil, como os que estão em causa, tem vantagens para ambos neste jogo de aparências pré-eleitorais. E é uma escola de aprender a dialogar. É também para isso que se criam grupos de trabalho. Quem aceita falar de amor, tende a acabar na cama. E esse é o grande risco e o grande desafio à esquerda do PS.

Porque partem?

Há umas quantas perguntas que Ferraz da Costa deveria colocar a si próprio. Por que emigram os portugueses? Por que razão mais de 500 mil saíram do país entre 2011 e 2015, numa sangria que só em 2017, com um ligeiro aumento da população ativa, dá sinais de inversão? Se «as pessoas não querem trabalhar», como diz o antigo presidente da CIP, para que se dão ao trabalho de cruzar a fronteira? Vão em busca de quê? Continuam apenas a «não querer trabalhar», só que noutro país, ou foram empurradas para o exterior pela falta de emprego e pelos cortes nos rendimentos e prestações sociais, no decurso do «ajustamento»? Isto é, pela degradação das condições de vida nos «anos de chumbo», da qual só muito recentemente começámos a recuperar?


Se o homem que «tem pena que a troika tenha ido embora» parasse um momento para pensar e suspendesse a sua obsessão com a flexibilização das leis laborais, o esmagamento dos salários e a redução de impostos para as empresas (na mais pura «economia-do-pingo-que-nunca-pinga»), talvez percebesse o que aconteceu verdadeiramente em Portugal nos últimos anos. Isto é, que a «austeridade expansionista» e o «empobrecimento competitivo» têm limites e que, quando se deteriora consecutivamente a qualidade do trabalho, emerge a emigração em massa e a descapacitação da sociedade e da economia. Vale aliás a pena lembrar, neste sentido, o recente estudo da OCDE, com dados de 2013 a 2015, que dava conta do facto de Portugal ser um dos piores países para trabalhar, pelo elevado nível de insegurança no mercado de trabalho e pela reduzida qualidade das remunerações, entre outros aspetos.


Mas não se espantem se um destes dias Ferraz da Costa, ou outro dos membros do Fórum para a Mediocridade, vier perorar, muito preocupado, sobre o declínio demográfico e a quebra da natalidade em Portugal, apontando desta vez o dedo aos jovens casais pelo facto de não quererem ter filhos e, com o seu egoísmo, se recusarem a contribuir para a disponibilidade de mão-de-obra (de preferência barata), numa Europa demograficamente cada vez mais competitiva.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Queremos mesmo ser a Florida da Europa?

A persistência dos baixos salários no pujante sector do turismo não é surpreendente. O que é surpreendente é que alguém possa pensar que tenha ocorrido, graças à troika e à sua política, ainda por superar em muitas áreas, qualquer transformação estrutural positiva na economia portuguesa. Pelo contrário, a ter ocorrido alguma coisa, foi uma regressão estrutural, uma maior especialização em sectores de serviços, como o turismo, com reduzida capacidade de gerar incrementos de produtividade. Não é aliás por acaso que o patronato deste sector é dos mais reaccionários em matéria de relações laborais, nunca estando satisfeito com os direitos que tem conquistado (com correspondentes obrigações acrescidas para os trabalhadores): tende a ver a força de trabalho, aí intensivamente usada, como um mero custo a conter. O destino a que podemos aspirar, e a que as elites do centro querem que aspiremos, neste quadro de constrangimentos europeus - ser uma espécie de Florida da Europa - impede qualquer perspectiva de desenvolvimento inclusivo, mas permite vislumbrar, como na Florida original, um persistente risco de pobreza laboral.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Paralelismos noutra dimensão

"Apesar do rápido crescimento económico e das profundas transformações estruturais, as políticas de regulação conjuntural continuaram a ter características marcadamente conservadoras. Não se imitaram entre nós as políticas de tipo keynesiano de controlo da procura, que então estavam em voga na maioria dos países europeus. A política orçamental dos governos do Estado Novo continuou, como em décadas anteriores, a ser dominada pelo objectivo de evitar os défices orçamentais, ainda que com sacrifício de despesas públicas essenciais com a educação, a saúde, a segurança social e mesmo, embora em menor grau, os investimentos em infra-estruturas económicas"
(José da Silva Lopes, A economia portuguesa desde 1960, Gradiva, sobre a economia em Portugal durante a ditadura de 1960 a 1973)

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Crescimento e convergência segundo Passos Coelho

«Eu acho que nós não devemos dizer mal das coisas boas e eu estou satisfeito com o facto de a economia estar a crescer e ter crescido, em 2017, 2,7%. Mas acho - o nosso Hugo Soares recordou-o esta semana no parlamento - que faz algum sentido termos em conta o que é que se passou nos outros sítios. Até para a gente ter uma noção da espetacularidade dos 2,7% que se registaram em Portugal. Não levem a mal, só demora um minuto: a Estónia cresceu 4,4%; a Letónia 4,5; a Lituânia 3,8; o Luxemburgo 3,4. Malta cresceu 6,9, a Holanda 3,2, a Áustria 3,1. A Eslovénia 4,9, a Eslováquia 3,4. A Finlândia 3,3. E perguntarão... então e aqueles países que passaram por processos parecidos com Portugal, com programas de ajustamento? Eu deixarei a Grécia para o fim por razões que eu acho que todos adivinham. Mas vou dizer: Chipre cresceu, em 2016, 3% e em 2017, 3,8. A Irlanda cresceu 5,1% em 2016 e 7,3 em 2017. A Espanha cresceu 3,3% em 2016 e 3,1% em 2017. Eu contei 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 países que cresceram bem mais do que Portugal na Zona Euro, em 19».

Quem viu ontem Passos Coelho a ordenar os países da Zona Euro por taxas de crescimento do PIB - de modo a poder dizer que Portugal ocupou o 14º lugar em 19 países - poderá ter sido levado a crer que, nos anos em que ele foi primeiro-ministro, o país ocupou posições «espetaculares» nesse ranking. Sucede, porém, que não foi bem assim. Nos dois primeiros anos da governação PSD/CDS-PP, quando a direita decidiu «ir além da troika», Portugal ficou em 18º lugar e, nos anos seguintes, em 15º e 14º. Isto é, apenas em 2015 - já com a austeridade suspensa e a direita PAF em campanha eleitoral - Portugal consegue chegar à 11ª posição com um crescimento de 1,8%, situando-se contudo, tal como nos anos anteriores, abaixo dos valores registados na Zona Euro e na UE28. Ou seja, a divergir face à Europa, ao contrário do que sucede em 2017, com o país a ocupar a 14ª posição, mas acima da Zona Euro e da UE28, com um crescimento do PIB de 2,7%.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Desafios da social-democracia

«Houve um tempo em que, à esquerda, reformas foram a edificação de um Serviço Nacional de Saúde, a construção da escola pública, a criação e subida do salário mínimo ou a introdução do subsídio de desemprego. Quando hoje nos são pedidas reformas, sabemos que nos estão a pedir a facilitação dos despedimentos ou o plafonamento da Segurança Social. As reformas têm de voltar a significar o que sempre significaram para nós: progresso social, concretização de direitos e aumento de bem-estar. (...) Só a defesa de um Estado Social forte e universal pode garantir liberdade para todos, e não apenas para alguns: só um sistema de saúde público e universal garante a todos, do nascimento até ao fim da vida, cuidados independentemente do seu rendimento; só um sistema público de pensões garante que ninguém chega à reforma dependente de terceiros ou da estabilidade dos mercados financeiros; só a legislação laboral pode proteger os trabalhadores da eventual discricionariedade dos empregadores. (...) O desafio da social-democracia não é hoje muito diferente do passado: garantir, num mundo em rápida mudança, a liberdade, a igualdade e a prosperidade dos cidadãos numa comunidade política que assenta num denso tecido de direitos e de deveres, de valores morais de justiça e de cooperação, e de laços de interdependência e de reciprocidade».

Do artigo de Pedro Nuno Santos no Público de ontem (a ler na íntegra aqui).

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Os dois sentidos de uma âncora

Fonte: Banco de Portugal
A divulgação pelo INE dos dados mais recentes sobre o crescimento económico está a suscitar uma onda de desvalorização. Mas também de inconsequência.

Ouvindo a mais recente crónica na Antena 1 de Helena Garrido, que condiz com outros pensamentos já aventadas (nomeadamente no Parlamento, com Hugo Soares do PSD), percebe-se que as críticas assentam em duas ideias: 1) nada disto se deve ao Governo e era inevitável, porque a seguir a qualquer crise, tudo desabrocha em força, como que por "milagre"; 2) mas mesmo que fosse, o que está a acontecer não é sustentável, porque assenta em actividades pouco produtivas (como o turismo).

Ora, esta linha de crítica - até bem real - tem apenas por alvo o Governo e como tal é uma contradição que falha o objectivo. Se o Governo não é o responsável, por que não criticar quem o seja (a UE)? Se o emprego não é bom (que não é) porque não propor formas de o tornar melhor, e - já agora - como fazê-lo se os contrangimentos são europeus? Mas esse passo no racionínio nunca é dado. Seja por incapacidade ou falta de vontade. E porque o alvo é, estranhamente apenas... o Governo apoiado pela esquerda.

Fonte: INE, inquérito de conjuntura às empresas e consumidores
Na verdade, se olharmos para uma série longa da evolução do PIB (acima), verifica-se que, à medida que se vai aprofundando a articulação e entrosamento dos instrumentos de política económica de Portugal nas agendas comunitárias (monetário-cambial, orçamental, gestão do sector financeiro, etc.), o nosso ritmo de progressão e crescimento tende a abrandar e a pulsar ao ritmo do coração europeu.

Ou seja, esta política não tem conseguido recuperar o fosso existente com o centro europeu. E já lá vão mais de duas décadas, sem descolar. O problema é que, à medida que esse entrosamento político se adensa, mais complicado se torna aos portugueses aceitarem um projecto político que não esteja amarrado a algo que o afunda. O pedido de adesão à CEE em 1976 e a adesão em 1986 foi um projecto político, mais do que um projecto económico - atar o país à Europa para evitar os revolucionários. E hoje ainda o é. Para mal de nós. 

Mas mais uma vez não se consegue olhar para esse peso político. Ainda hoje, António Barreto, na RTP3, no 360 (minuto 11) chegou mesmo a aventar que a solução seria ainda mais Europa. "Perdemos a consciência de que estivemos 20 anos em divergência com a Europa desde o final dos anos 90". Mas a solução política actual à esquerda só poderia sobreviver se PCP e Bloco se tornassem europeistas...

Eis, pois, o resultado das políticas de convergência nominal levadas a cabo pelos governo de Cavaco Silva e socialistas que se lhe seguiram. Inflação baixa, taxas de juro elevadas (até 2000), desenvolvimento baixo. A seguir a 2000, com a criação do euro, foi a fixação do escudo a um cabaz de moedas fortes, sem os apoios orçamentais comunitários para compensar os choques assimétricos.

Caso se olhe para a sintonia nos mais diversos aspectos da actividade económica, patente nos dados do INE sobre a confiança económica, ver-se-á que apenas podemos estar bem dispostos se os europeus estiverem bem dispostos. E no entanto, estar sintonizados nesta fase é o mesmo que perpetuar o atraso ou um pouco menos de atraso.   

Fonte: INE, inquérito de conjuntura às empresas e consumidores
Podemos desagravar uma política imposta de fora, mas será uma política imposta de fora. E ainda por cima - como mostrou Varoufakis durante a crise grega - sem que essa política seja discutida, sem que se debata alguma coisa de profundo ou mesmo de económico. 

E isso diz muito sobre os fracassos e os sucessos sentidos nos últimos anos. Mas muito mais sobre a capacidade de um desenvolvimento de longo prazo soberano, independente e tendo como preocupação o bem-estar de todos. 

Uma âncora segura um barco, mas também o impede de navegar quando é preciso adaptar-se à maré. Se não formos flexíveis  a esse nível, vamos afundar.  


quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Descontruir a nova narrativa económica da direita (1): desemprego estrutural, legislação laboral e produtividade


Esta publicação vem na sequência de uma anterior (ver aqui) onde me propus a desconstruir as principais ideias apresentadas pelos protagonistas da nova narrativa económica da direita.

Este texto tratará da ideia número 1:

“A economia portuguesa aproxima-se da sua taxa de desemprego estrutural, logo o governo não conseguirá reduções adicionais significativas da taxa de desemprego, devendo focar-se em atingir ganhos de produtividade; reduzir a taxa de desemprego estrutural é um processo de longo-prazo, só alcançável com o aprofundamento da flexibilização da legislação laboral”.

Esta ideia tem sido veiculada em diferentes momentos do tempo e sob diversas formas. O exemplo mais recente é-nos dado pelas declarações de Fernando Alexandre em entrevista à TSF/Dinheiro Vivo (ver aqui), onde afirma: “O desemprego já está a entrar em valores que começam a aproximar-se daquilo que os economistas chamam de taxa natural de desemprego, que é uma taxa de desemprego a longo prazo, o que limita a possibilidade de crescer reduzindo o desemprego e que é o que tem permitido o crescimento da economia nos últimos anos. Essa pode ser uma restrição, ou seja, para crescermos nos próximos anos vamos precisar de ter aumentos de produtividade (...)”.

Antes de avançarmos para a análise crítica desta citação, é oportuno reconhecer a aparente razoabilidade do raciocínio. A taxa de desemprego portuguesa encontra-se nos 7,9%, abaixo da taxa natural de desemprego calculada pela Comissão Europeia para os anos de 2017 (9,9%) e 2018 (9,1%). Se a taxa de desemprego natural constituísse, de facto, uma limitação à expansão do emprego, como defende Fernando Alexandre, o decréscimo adicional da taxa de desemprego seria inviável num horizonte de médio-prazo. Incapaz de crescer em volume -aumentando o número de trabalhadores que produzem o mesmo valor de produto médio - a economia portuguesa teria de crescer através do aumento da produtividade – mantendo ou reduzindo o número de trabalhadores empregados, mas aumentando o valor de produto médio produzido por trabalhador.

O vício deste raciocínio – como será fácil de antever – reside no conceito de taxa natural de desemprego. Fernando Alexandre evoca-o de forma concludente a meio da entrevista, servindo-se da sua validade técnica para demonstrar a superioridade do seu argumento. Veremos que esse caminho lógico está longe de ser linear. Para ilustrar as suas fragilidades, dedicaremos as secções seguintes história deste conceito e às suas implicações presentes.

A vida, e a dignidade, dos outros (I)


«Pensar a morte implica conceber deixar de existir. É difícil, não temos ideia do que significa inexistir e o vazio é sempre assustador. Mas boa parte do que torna a ideia da nossa própria morte tão angustiante não é a abstração do nada. É a antecipação do momento, em vida, em que tomaremos consciência de que a morte é certa. E o medo maior é que esse momento seja longo, doloroso ou degradante. Que o nada chegue antes de nos irmos, que o corpo nos sobreviva, muito para além da vontade e, portanto, da dignidade. É fundamentalmente por isto que a eutanásia não é uma escolha sobre a morte. É sobre a liberdade de decidir como queremos viver uma morte quando esta se afigura insuportavelmente inevitável.»

Mariana Mortágua, A derradeira liberdade

«É isso que exijo do Estado. Que me reconheça enquanto pessoa inteira, capaz de tomar uma decisão intimíssima e intransmissível. Sei que o Estado tem o dever de proteger a minha vida de agressões oriundas de terceiros, mas sei que o Estado de direito em que vivo não é um Estado que põe em causa a autonomia de cada um. O Estado de direito não funciona assim, já não funciona assim. (...) A lei fundamental tem, claramente, uma conceção de sujeito autónomo, de pessoa responsável pelas suas decisões íntimas fundamentais, não cabendo ao Estado pôr em causa essa autonomia, pelo que a decisão última sobre a sua vida, sobre o “modo da sua morte”, cabe nessa autonomia, que é parte integrante do princípio cimeiro da nossa República – o da dignidade da pessoa humana.»

Isabel Moreira, Eutanásia – reconheçam-me

«A proposta do CDS não é mais que uma manobra de distração, por parte de um partido que, no que às políticas públicas diz respeito, tem um longo cadastro de abandono e maus tratos aos idosos. (...) Esta criminalização teria um efeito profundamente nocivo para os idosos de famílias pobres: promover uma ainda maior desresponsabilização do Estado e incentivar o seu abandono. É que, sem prejuízo dos deveres familiares que a lei prevê, as pessoas mais velhas não são seres tutelados, sem autonomia nem opinião. E sim, por vezes ficar com a família pode ser a pior solução. O resultado de criminalizar a família seria uma pressão para que esta, procurando evitar a sanção, fosse buscar os mais velhos, mesmo sem vontade ou condição para os cuidar. Lava-se assim a consciência do legislador, desresponsabilizam-se as respostas públicas e condena-se estes idosos a uma situação de ainda maior fragilidade.»

José Soeiro, O pior dos mundos: criminalizar os pobres e abandonar os idosos em casa

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Quinta-feira em Loulé

«A provisão de bem-estar, através do acesso a cuidados de saúde, a uma educação de qualidade e a medidas de proteção social e de combate à pobreza e à exclusão, continua a ser uma questão central no atual debate político. Se é consensual a ideia de que todos os cidadãos devem poder aceder a estes bens e serviços, numa lógica de direitos que torna irrelevantes as diferenças de estatuto económico e social, já é menos pacífica a questão dos mecanismos institucionais para garantir essa provisão, universal e gratuita. Neste âmbito, são diversos os modelos propostos, que oscilam entre a provisão pública direta de serviços de educação, saúde e proteção social e a defesa da privatização e da concorrência, passando pelas propostas de financiamento estatal da oferta privada, no pressuposto da existência de sistemas únicos de bem-estar social. Questões que convidam à reflexão sobre a natureza, os objetivos e a especificidade da provisão pública e da oferta privada, não descurando neste âmbito o papel das organizações privadas não lucrativas, que constituem o recentemente reconhecido Terceiro Setor».

Integrada no ciclo Horizontes do Futuro, promovido pelo município de Loulé, a conferência realiza-se na próxima quinta-feira, 15 de fevereiro, a partir das 21h00, no Salão Nobre da Câmara Municipal, tendo como mote de conversa o «Estado Social e a desmercadorização do bem-estar». Estão todos convidados, apareçam.

Com conteúdo

Na edição de Fevereiro analisamos as formas de enfraquecimento do Estado, que não desaparecem com a reposição de rendimentos e exigem pensar nos modelos de provisão pública (Alexandre Abreu e César Madureira), ao mesmo tempo que são um terreno de favorecimento do rentismo, como se verifica olhando para a factura eléctrica (Jorge Costa). Destacamos também um dossiê sobre a crise da habitação e as escolhas colectivas a fazer, reflectindo a partir dos casos do Porto e de Lisboa (João Queirós, Agutin Cocola Gant e Ana Catarina Ferreira). Propomos ainda uma reflexão sobre o relativo e o arbitrário, que discute o elefante na sala das «notícias falsas» ou dos «factos alternativos» (João Luís Lisboa). Já na ficção, Eduardo Jorge Duarte explora realidades em «Osvaldo Se»... 

No internacional, o ex-presidente do Equador Rafael Correa deixa o seu testemunho sobre as conquistas e refluxos da esquerda na América Latina. No Médio Oriente, destaque para mobilização política e cidadã da juventude palestiniana e, nos Estados Unidos, para o drama das novas overdoses. O «Santo Império económico alemão» descreve o centro do poder europeu e uma análise sobre a permanência do sexismo, apesar das transformações na sexualidade, mostra outros sistemas de dominação e desigualdades.

Resumo da edição de Fevereiro do Le Monde diplomatique - edição portuguesa. O editorial de Sandra Monteiro sobre o perverso papel da Concertação Social está disponível no sítio do jornal. Não percam.

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Uma poderosa ferramenta

«Uma lista ordenada de escolas a partir dos resultados de exames nacionais nada diz sobre a qualidade das escolas. É sabido que, por vezes, a posição na lista reflete práticas pedagógicas erradas, como a exclusão de alunos para não irem a exame, ou práticas de seleção de alunos à entrada. A lista ordenada reflete, por vezes, de forma injusta, apenas o tecido urbano e alimenta o mito de que vale a pena falsear moradas para entrar numa escola que está à frente de outra, sem que se conheça o valor da escola do lado. Promove lógicas de competitividade insana entre escolas, quando sabemos que os sistemas educativos melhoram quando as escolas cooperam. A publicação desta lista ordenada alimenta reportagens sobre as 20 mais e as 20 menos e pouco mais. A escola 354 vale mais que a 362 exatamente no quê? Pelo contrário, há um valor intrínseco a muitas escolas que não sobressaem em rankings. (...) São inúmeras as escolas que são oásis em bairros cheios de problemas (Escola da Bela Vista, em Setúbal, Agrupamento Padre Vítor Melícias, em Torres Vedras, e tantos outros) e delas não rezam os rankings

João Costa, A quem serve uma lista ordenada de escolas?

«O principal efeito dos rankings ao longo destes anos tem sido aprofundar o fosso da desigualdade escolar. Trata-se de um exemplo perfeito do que os sociólogos chamam o efeito Mateus. As escolas à partida com melhores alunos, por qualquer razão, seja porque os puderam escolher ou porque estavam inseridas em territórios privilegiados, viram, com os rankings, a sua posição melhorar. Puderam atrair e escolher, todos os anos, os melhores alunos, numa espiral de acumulação de vantagens. Para as escolas em pior situação à partida, o "efeito Mateus" também se verificou, mas agora numa espiral negativa de acumulação de desvantagens. A tendência foi para os melhores alunos escolherem as escolas que já tinham uma maior percentagem de bons alunos. E como as que melhor podem selecionar são as privadas com mais reputação, do aprofundamento da desigualdade escolar resultou a consolidação da imagem de que as escolas privadas são melhores do que as escolas públicas. De certa forma, os rankings acabaram por funcionar contra a escola pública

Maria de Lurdes Rodrigues, Gostar ou não gostar dos rankings

«Bem podem os críticos do ranking das escolas erguer publicamente os seus argumentos contra uma hierarquização obtusa que poderia figurar como um exemplo de idiotia da nossa época. Estarão sempre em desvantagem porque o exercício é excitante, funciona como um jogo e satisfaz uma pulsão escatológica infantil. E quando se passa para o plano da legitimação racional, o modelo do ranking aplicado às escolas está protegido pelo princípio supremo do mercado: a concorrência. (...) A concorrência e a competição promovidas pelo ranking à imagem da norma do mercado tornam-se um factor importante da reprodução social. A estrutura social das escolas é cada vez mais afectada pelas estratégias de distinção das famílias. O ranking, no fundo, simula um mercado escolar que verdadeiramente não existe. E se existe como um quase-mercado, ele não é fruto de uma lógica espontânea, não se faz naturalmente por obra das “leis imanentes” do capitalismo (como pretendem os partidários da lógica do mercado aplicada ao campo escolar), mas de uma construção política. E essa construção tem no ranking das escolas uma poderosa ferramenta

António Guerreiro, A escola e a norma do mercado

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Cinco notas sobre o emprego

1. Dois anos depois de a maioria de esquerda assumir a governação do país, verifica-se pela primeira vez um aumento da população ativa, de 41 mil entre 2016 e 2017, invertendo assim o saldo de perdas sucessivas (-250 mil ativos) registado entre 2011 e 2016. Paralelamente, são criados cerca de 104 mil postos de trabalho por ano, muito acima da criação de emprego entre 2013 e 2015 (60 mil, parte dos quais «emprego artificial»), quando a direita é obrigada (e se obriga ela própria) a suspender a austeridade, na esperança de a retomar depois das eleições legislativas. Também nos dois últimos anos, a alternativa à TINA permitiu que a taxa de desemprego descesse de 12,4 para 8,9%, atingindo-se assim um valor abaixo do registado em 2011 (12,7%) e no ano negro de 2013 (16,2%).


2. A recomposição do mercado de trabalho traduz, em segundo lugar, uma redução das formas atípicas de emprego e desemprego. O subemprego cai 16% entre 2015 e 2017 (-38 mil); os desempregados ocupados passam de 146 mil em 2015 para cerca de 99 mil em 2017 (menos 32%); e os inativos desencorajados diminuem cerca de 16% (passando de 283 para 237 mil). Ou seja, a criação de emprego nos últimos dois anos supera a simples absorção do desemprego registado pelo INE, permitindo uma redução da diferença entre os valores de desemprego oficial e de desemprego real, que atinge o nível mais baixo desde 2011, na ordem dos 9,9%.

3. Mas a recuperação do emprego em 2017 passa também por uma melhoria, ainda que muito ligeira, do peso da contratação sem termo, que recupera neste ano os níveis registados 2015 e 2011 (78% do total do emprego). De facto, se em 2016 se observa ainda um recurso muito significativo à contratação a prazo (38% do total de empregos criados) - como é frequente suceder em períodos de recuperação do mercado de trabalho - em 2017 esta modalidade contratual passa a representar apenas 15% do emprego criado, correspondendo os restantes 85% a contratos sem termo (sendo este o valor que contribui para o ligeiro aumento, de +0,3 pp, do peso da contratação permanente no total do emprego em 2017).

4. Contudo, se a esta redução muito ligeira do peso relativo da contratação a prazo e outras situações no total do emprego se juntar a diminuição do trabalho por conta própria na modalidade «isolados» (categoria estatística associada aos «recibos verdes»), obtemos sinais mais relevantes de melhoria da qualidade do emprego em termos contratuais. De facto, se os contratos a prazo e os trabalhadores isolados por conta própria representavam cerca de 28% da população empregada em 2015, esse universo tem vindo a diminuir, passando a representar 27% do emprego existente em 2017.


5. Face ao ritmo expressivo da criação de emprego e da redução do desemprego nos últimos dois anos, a recuperação e melhoria do mercado de trabalho nas suas dimensões qualitativas é ainda manifestamente insuficiente, mesmo quando consideramos que os trabalhadores por conta de outrém que mantiveram o emprego entre abril de 2016 e abril de 2017 tiveram um acréscimo salarial nominal de 3,7% (2,8% em termos reais). De facto, Portugal continua a registar dos mais baixos salários médios no quadro europeu e persiste um elevado nível de segmentação do mercado de trabalho, que importa enfrentar, à esquerda, em vários planos. O que não se pode é afirmar que «a precariedade pesa agora mais que no tempo da troika».

A China vai liderar a globalização?


A China tem sido crescentemente alvo da pressão das organizações internacionais (BM, FMI, OCDE) que, a cada relatório publicado, repetem o mantra neoliberal das "reformas estruturais", liberalização do comércio, movimentos de capitais especulativos e abandono da política cambial (ver aqui).

Imagine-se o que aconteceria se a China finalmente cedesse em toda a linha, como fizeram alguns países asiáticos, já então em industrialização acelerada, nos anos noventa do século passado. A experiência resultou na grande crise financeira asiática de 1997-8 que contagiou a Rússia e produziu crises em vários países da América Latina (ver aqui). Na altura foi o pânico à escala global. O certo é que, com a "ajuda" do FMI, o neoliberalismo conseguiu definitivamente implantar-se na Ásia, adoptando variantes de acordo com as especificidades nacionais.
Na China, o influxo descontrolado dos capitais produziria (ou agravaria as já existentes) bolhas especulativas de vários tipos e lançaria o resto do mundo numa crise de alcance inimaginável.

Para termos uma ideia do que isso significaria, vale a pena ler Ha-Joon-Chang, por exemplo no Epílogo:
Face à crescente importância da economia chinesa, não é pura ficção pensar que uma grande crise económica na China, em finais dos anos 20 [deste século], poderia converter-se numa Segunda Grande Depressão, sobretudo se houver uma grande convulsão política no país.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Mitos laborais

Fonte: DGERT; INE, Inquérito ao Emprego
Anteontem, a propósito de mais uma invectiva comunitária para que Portugal desregule os contratos de trabalho, a RTP convidou Marco Capitão Ferreira e o André Macedo (minuto 11), actual director-adjunto de informação da RTP, para debater o tema.

A Comissão Europeia apresentara mais um estudo em que voltou a defender aquela estranha ideia de que, para combater a precariedade laboral nalguns contratos, o melhor é alargar a precariedade a todos os contratos, através do fim aos entraves ao despedimento individual nos contratos "permanentes": 
“Há espaço para ir mais longe em reformas que reduzam a proteção laboral excessiva nos contratos permanentes em países como Portugal e Espanha, por exemplo”.
Um dia, esta ideia será politicamente assumida como estúpida, como o foram os critérios de Maastricht na moeda única, cujo papel, apesar disso, seria reforçado no Tratado Orçamental em pleno vigor. Mas até lá, essa estupidez adopta hoje em dia a forma de pressões políticas graves, de que o Governo nacional muito receia. Leia-se neste artigo do Luís Reis Ribeiro uma súmula das pressões recentes.

Ora, no debate da RTP André Macedo - apesar de considerar o estudo como um "mantra" que a Comissão repete como "música celestial" - acabou por tecer a mesma ideia de outra forma. Há os trabalhadores precários - "que vivem durante anos e anos numa situação de precariedade e de desprotecção social" - e depois há os outros, mas que já podem ser afastados por despedimento colectivo: "As empresas usaram e abusaram do despedimento colectivo que é abolutamente cego, é uma brutalidade que é feita". A sua ideia é, pois, a de que, após as alterações laborais de 2003, 2009 e 2012, "neste momento o mercado funciona razoavelmente".

Mas esta ideia está errada, por duas razões.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Soluções enganadoras: flexibilizar para crescer

Num exercício de fact checking dedicado ao mais recente debate quinzenal, o Observador analisa, entre outras, a seguinte frase de Catarina Martins: «se o PS não mexe nas leis laborais por medo de Bruxelas, que fique sabendo que até Bruxelas já diz que temos de mexer nos contratos a prazo e no combate ao trabalho temporário. É altura de avançar e há uma maioria neste parlamento para fazer este trabalho». Ora, segundo o Observador, esta frase da coordenadora do BE é «enganadora».

De facto, se é verdade que «a Comissão Europeia recomenda ao Governo Português que promova a contratação baseada em contratos sem termo» - reconhecendo assim o excessivo volume peso dos contratos temporários em Portugal face à média da União Europeia (apesar do ligeiro aumento dos contratos sem termo verificado em 2017, que não se verificou a nível europeu) - também o é a circunstância de a troika considerar que esse diferencial «deve ser eliminado principalmente através da flexibilização dos contratos permanentes e não através da introdução de restrições ao uso de contratos temporários» (como refere a 6ª avaliação pós-programa).


Pode pois dizer-se que o fact checking do Observador está correto. Mas talvez conviesse precisar que a divergência que sinaliza está nas soluções e não no diagnóstico, já que ninguém contesta os elevados níveis de segmentação do mercado de trabalho português. É que se a troika defende o nivelamento por baixo, através da flexibilização dos contratos permanentes e da generalização do trabalho precário, a alternativa política é a do nivelamento por cima, apostando na generalização da contratação sem termo. Por mais que custe ao Observador, a «corrida para o fundo» - que prometia risonhas alvoradas de crescimento e prosperidade, fruto de «ajustamentos estruturais», «austeridades expansionistas» e «empobrecimentos competitivos» - já foi testada entre nós, com os péssimos resultados que se conhecem. Para «enganadora», essa solução não esteve nada mal.

A nova narrativa económica da direita portuguesa: protagonistas, ideias e promessas de escrita futura


Após um período de previsões catastrofistas, que prontamente foram desmentidas pela realidade, a direita portuguesa prepara uma nova narrativa económica com os olhos postos em 2019.

O perfil dos novos protagonistas

Na sua elaboração destacam-se os nomes de economistas como Fernando Alexandre e Joaquim Miranda Sarmento, membros de uma nova geração em quem os setores conservadores depositam grandes esperanças. Fernando Alexandre, professor na Universidade do Minho e ex-secretário de Estado do governo PSD/CDS, é uma figura experimentada na intervenção no debate económico público. Em conjunto com outros professores de economia da Universidade do Minho, entre os quais surge Luís Aguiar-Conraria, colunista do Observador, é autor de estudos com grande impacto mediático, como o livro Crise e Castigo, da Fundação Francisco Manuel dos Santos e o recente estudo sobre investimento empresarial em Portugal encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Ele e os seus co-autores afirmam-se, aliás, como os grandes produtores de publicações de divulgação económica com pendor conservador, correspondendo às solicitações feitas por instituições dominadas por essa orientação. Nas eleições internas do PSD foi o responsável pelo programa económico de Rui Rio e vai-se assumindo como ministeriável num futuro governo de direita. Joaquim Miranda Sarmento, por seu lado, é professor de Finanças no ISEG, colunista do ECO, ex-assessor económico de Cavaco Silva e membro influente do think thank de direita Forum da Competitividade, dinamizado por Ferraz da Costa. As suas colunas no ECO popularizaram-no nos meios de direita. Grande apreciador de vocabulário tecnocrata, usa-o como forma de legitimar como “científicas” as posições que expressa. Ao contrário de Fernando Alexandre, reconhecido como circunspecto nas suas intervenções, Joaquim Sarmento tem um estilo truculento, acompanhado do tique infantil de resvalar para o argumento de autoridade –basta lembrar a célebre crónica em que referiu o seu número de artigos científicos publicados em revistas internacionais para ilustrar a superioridade do seu argumento. Tem também uma propensão para os afetos, sempre que estes lhe são concedidos por figuras cimeiras da política conservadora nacional – lembre-se a crónica risível dedicada a lembrar com emoção o momento em que o então Presidente da República Cavaco Silva lhe ligou no dia da apresentação da sua tese de doutoramento para o felicitar (ver aqui).

Questões de estilo aparte, tratam-se ambos de figuras com presença mediática crescente e que reúnem um conjunto características que devem inspirar prudência aos que se opõem às suas conceções. Essas características incluem a aparência de credibilidade, a comunicação eficaz e um discurso pejado de aforismos como a virtude da poupança, da austeridade e do anti-despesismo do Estado, muito capazes de capturar o imaginário popular em períodos políticos específicos, como demonstra a nossa história recente.

Importa ressalvar que estes parágrafos não se movem por nenhum instinto persecutório aos visados. No debate político e económico é quase tão importante conhecer os protagonistas como as suas ideias. Pretende-se apenas fazer um retrato de uma nova vaga de economistas de direita que, sustentando a nova liderança do PSD e beneficiando do eco dos principais comentadores da imprensa escrita e audiovisual, podem fazer pender o debate económico para o lado conservador.

A nova narrativa económica da direita portuguesa assenta em cinco ideias fundamentais:

i) A economia portuguesa aproxima-se da sua taxa de desemprego estrutural, logo o governo não conseguirá reduções adicionais significativas da taxa de desemprego, devendo focar-se em atingir ganhos de produtividade; reduzir a taxa de desemprego estrutural é um processo de longo-prazo, só alcançável com o aprofundamento da flexibilização da legislação laboral;

ii) O governo conseguiu diminuir o défice nominal mas falhou o ajustamento necessário no défice estrutural;

iii) O governo deveria aproveitar o bom momento da economia para acelerar a diminuição do défice, garantindo uma redução mais rápida da dívida pública, o que colocaria Portugal numa situação de menor exposição a riscos externos;

iv) A esquerda tem uma agenda para a redistribuição do rendimento, mas não possui uma estratégia para o crescimento económico;

v) É fundamental diminuir a taxa de IRC, a fim de atrair investimento estrangeiro para o país.
Prevenir que estas ideias se apossem do senso comum é uma tarefa a que todos os economistas de esquerda se devem dedicar. Nesse sentido, reservarei as minhas cinco futuras publicações a desconstruir passo por passo cada uma destas ideias. O primeiro post dedicado à ideia número 1 será publicado já amanhã.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Lançamento em Coimbra a 8 de Fevereiro

«Este livro é sobre Portugal, mas não se pode estudar Portugal sem discutir a União Europeia (UE), sem tentar saber como é que ela chegou à situação onde está hoje e sem compreender o que mais a carateriza. Assim como faz sentido tentar conjugar o que é profundo e estrutural, vindo de longe, com assuntos de hoje mesmo, falando de especialização produtiva, de dívida, de política orçamental, de território ou de problemas de precariedade que temos de saber como resolver no presente.»

Do texto introdutório ao mais recente livro de José Reis, A Economia Portuguesa - Formas de economia política numa periferia persistente (1960-2017). Depois de Lisboa, a obra será apresentada em Coimbra na próxima quinta-feira, 8 de fevereiro, por Nicolau Santos (que assina o prefácio) e João Rodrigues. A sessão de lançamento tem lugar na Livraria Almedina do Estádio, a partir das 18h00. Apareçam.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

A irreverência muito conveniente dos Verdes Europeus


Para os Verdes Europeus, o grande problema do BCE é nunca ter tido uma presidente mulher. A ausência de escrutínio democrático do seu funcionamento ou a omissão do emprego como variável objetiva na condução da política monetária parecem ser problemas secundários.

Alguns argumentarão que não são problemas mutuamente exclusivos. Isto é, é possível reconhecer na falta de igualdade de género um problema e criticar de igual modo as questões que mencionei acima. Ainda que seja formalmente válido, assumir este argumento tem contornos, no mínimo, bizarros. Apontar a falta de igualdade de género a uma instituição cuja ação fundamental repudiamos não faz sentido. É como se alguém num regime ditatorial declarasse: “isto da comissão de censura é um escândalo, vejam lá que nunca teve uma presidente mulher!”

A menos que, tal como a experiência me leva a suspeitar, os Verdes Europeus não vejam nas atuais características do BCE um problema assim tão grande e optem por dar ares de grande arrojo e irreverência alertando para a falta de igualdade de género na sua administração, enquanto convenientemente esquecem tudo o resto.

Não há uma pinga de progresso. Só um jogo de luzes político que faz as delícias da burocracia ordoliberal de Bruxelas e Frankfurt.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

«Rankings» e «jornalismo»: desinformação e propaganda

Na sequência de uma decisão judicial, o Ministério da Educação começou a facultar, em 2001, os resultados dos exames que permitem a elaboração de rankings. Em 2012, essa informação passou a ser complementada com dados sobre o perfil socioeconómico dos alunos, permitindo enquadrar uma das falhas mais grosseiras dos exercícios de ordenação de escolas: a ausência de dados de contexto, indispensáveis para interpretar, com um mínimo de seriedade, os resultados escolares.

Desde então, os termos do debate foram, apesar de tudo, melhorando. Há hoje mais pudor nas redações dos jornais em colocar nas manchetes a exaltação simplista e acrítica da aparente supremacia das escolas privadas face às escolas públicas; passou a ter-se uma noção mais clara sobre o impacto da seleção de alunos na «produção automática» dos bons resultados; sinalizaram-se problemas como a inflação de notas ou a «cultura do chumbo». Já com o atual Governo, começou a construir-se um referencial bem mais útil e interessante para aferir o desempenho das escolas, dos alunos e das comunidades educativas, os percursos diretos de sucesso.

É por tudo isto que está ao nível da mais intolerável indigência e despudorada propaganda a forma como José Rodrigues dos Santos, no telejornal de ontem na RTP1, se referiu aos «resultados» do «ranking» de escolas de 2017 (não deixem de ver, a partir do minuto 9). Disse o «jornalista»: «O ranking das melhores escolas do secundário voltou a ser dominado pelas privadas. Nas primeiras cinquenta melhores escolas de Portugal só há quatro públicas. No primeiro lugar do ranking está o Colégio Nossa Senhora do Rosário, no Porto, cujos alunos obtiveram nos exames nacionais uma média de 14,9 valores. A seguir, está o Colégio D. Diogo de Sousa, em Braga, e depois vem o Colégio Manuel Bernardes, em Lisboa. No ranking, em que a RTP segue os critérios do jornal Público, a primeira escola pública só aparece no lugar 32. É a Secundária Garcia da Horta, no Porto, cujos alunos obtiveram uma média de 12,4 valores nos exames nacionais. Segue-se a secundária Infanta D. Maria, em Coimbra, e depois vem a Clara de Resende, no Porto. Se olharmos para as médias, as privadas chegam aos 11,8 valores, enquanto as públicas ficam pelos 10,3».

Um pingo de decência e isenção obrigaria José Rodrigues dos Santos a salientar - como fez a generalidade dos jornais, com maior ou menor realce - que as escolas privadas não disponibilizaram, uma vez mais, dados sobre o perfil socioeconómico dos seus alunos ao Ministério da Educação. O que, evidentemente, não só descredibiliza qualquer exercício de ordenação minimamente sério entre escolas públicas e privadas, como torna fraudulenta a aclamação da superioridade das escolas privadas. Que estas não queiram facultar dados do perfil socioeconómico dos seus alunos, para evitar confrontar-se com os resultados de uma verdadeira comparação com as escolas públicas, compreende-se. Que o canal público de televisão, e José Rodrigues dos Santos, optem pelo frete da desinformação e da propaganda, já é mais difícil de aceitar.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Lançamento em Lisboa a 6 de fevereiro

«Este livro é sobre o Portugal de hoje. Em vez da ansiedade que marca o debate corrente ou da busca de uma sentença singela, propõe-se uma atitude detida em que se juntem as várias dimensões de um problema complexo. Assenta em ideias simples: uma economia deve ser encarada como um sistema de produção e provisão capaz de criar riqueza, de a repartir de modo justo e de satisfazer as necessidades coletivas; a valorização do trabalho constitui o mais sólido mecanismo de inclusão social; a evolução resulta de deliberações explícitas ou implícitas, isto é, de formas de economia política.
Percorrem-se as caraterísticas estruturais da economia portuguesa, desde que nos anos sessenta se industrializou sem considerar o trabalho, coagindo a emigrar, passando pela democracia, que pela primeira vez criou massivamente emprego, e pela integração europeia, chegando à UEM e à financeirização que ela representa. É nestas últimas que se encontra a chave para compreender os problemas dos nossos dias.
»

Da contracapa do mais recente livro de José Reis, A Economia Portuguesa - Formas de economia política numa periferia persistente (1960-2017), que será apresentado em Lisboa na próxima terça-feira, 6 de fevereiro, por João Cravinho e Daniel Oliveira. A sessão de lançamento realiza-se na Livraria Almedina do Atrium Saldanha, a partir das 18h00. Estão todos convidados, apareçam.