segunda-feira, 31 de julho de 2017

Reconquistar o centro

"Guerra dos Tronos"
Sábado de manhã, centro lisboeta. Três adultos turistas abriam um mapa e falavam em francês, enquanto quatro adolescentes esperavam ordens. Perguntei se os poderia ajudar. No meu francês matinal, orientei-os. Ao despedir-se, um dos homens diz-me em francês: "O seu francês não é bom, mas foi muito simpático". E afastaram-se a rir.

Durante o dia, mastiguei possíveis respostas num bom português que não dei. Ruminei sobre uma classe média universal que se acha emanação das divindades e cuja ideia a autoriza a humilhar indígenas. Mas pior do que isso: pensei sobre a visão curta - e nada original - de uma estratégia nacional baseada no fogo fátuo do turismo, estatisticamente considerado como "exportação", sob o risco iminente de, a qualquer momento, ser revirado de pernas para o ar, pondo a descoberto toda a dependência comercial externa da nossa vida.

Ainda por cima porque se trata de um sector que pugna por baixos salários, que absorve sobretudo trabalhadores mal qualificados - ou bem qualificados, mas pagos a pouco mais do que o salário mínimo nacional - e que cresce sobre uma desigualdade na distribuição de rendimentos.

Uma estratégia que anda a par de uma outra semelhante: aliciar estrangeiros com taxas mais baixas de imposto sobre o rendimento, isentando-os das respectivas tributações nacionais, e abrindo portas a esquemas de tributação desigual em Portugal, com tributações privilegiadas para administradores de multinacionais, técnicos de consultoras internacionais, profissionais liberais, etc.

Se acrescermos ainda o esquema da lista VIP e os tapetes vermelhos a voos da China três vezes por semana, tudo aponta estar-se a fomentar migrações potenciadoras de bolhas especulativas, inflaccionadoras de preços, limitadoras da vida dos seus habitantes e que rebentarão, mais dia menos dia, em cima deles.

O nosso centro não deveria ser uma periferização das opções económicas terciárias do centro da Europa ou mundial. A nossa autonomia deveria basear-se num poderoso, viável e soberano sector secundário, assente numa densa malha nacional de consumos intermédios e exportadora de produtos qualificados de valor acrescentado nacional, que viabilizem uma existência humana digna, elemento essencial para impedir o mais estúpido dos sentimentos de pertença sobre a população de uma distante e pitoresca praia para estrangeiros mais ricos que nós.

Pode já não ser o que era...


A blogosfera pode já não ser o que era, mas a reciprocidade e o delito de opinião ainda o são: agradecendo a Pedro Correia o simpático reconhecimento do Ladrões, saúdo um resistente blogue à nossa direita que vale a pena ler regularmente. Já agora, faço a pergunta aos nossos leitores: que outros blogues colectivos vale a pena ler?

Ainda o mito do congelamento das rendas

Os efeitos perversos do “congelamento das rendas” continuam a ser um mito enraizado e incontestado da sociedade portuguesa. Esta questão tem sido uma vez mais suscitada, dada a crescente escassez de rendas a preços acessíveis nos principais centros urbanos do país. Como aqui já se esclareceu, os principais bloqueios à expansão do arrendamento foram contudo há muito eliminados, estando por isso amplamente limitados desde 1990, quando se encetou o processo de liberalização do sector para os novos contratos, com perda sucessiva de direitos para os inquilinos.

Dados dos últimos Censos já haviam mostrado que, entre 2001 e 2011, o valor médio mensal das rendas aumentou 51%; que, em 2011, a maioria dos contratos de arrendamento eram recentes, e que particulares e empresas eram os proprietários dos alojamentos arrendados com valores mensais de renda mais elevados.


Dados mais recentes, do Inquérito às Rendas de Habitação do INE, reforçam estas tendências. Em Janeiro de 2015, 68% dos contratos de arrendamento em vigor foram celebrados a partir de 1990. E nos restantes 32%, celebrados antes de 1990, apenas 21% correspondem a valores de renda de menor valor (até 100€). Com efeito, é nos contratos mais recentes que encontramos valores de arrendamento mais elevados: dos alojamentos com valores de renda igual ou superior a 400€, cerca de 90% correspondem a contratos celebrados desde de 2001.


Não só se verifica um maior peso dos contratos celebrados a partir de 2006, como se constata que os contratos com valores mais elevados de renda pertencem a alojamentos da propriedade de empresas e particulares, e, pelo contrário, os valores mais baixos dizem respeito a habitação que pertence a entidades públicas. Dos alojamentos com valores de renda inferiores a 50€, cerca de 65% são propriedade do Estado, outros institutos públicos ou instituições, das autarquias locais ou de empresas públicas; pelo contrário, dos alojamentos com valores de renda iguais ou superiores a 400€, cerca de 98% são propriedade de particulares ou empresas privadas.


Uma vez mais: a escassez de alojamentos para arrendar a preços acessíveis não se deve às rendas ditas congeladas. Deve-se, isso sim, à insuficiente oferta pública de alojamentos, que, em 2015, não perfazia sequer um quinto dos alojamentos familiares arrendados.

domingo, 30 de julho de 2017

Bombas e armadilhas

Uma grande empresa portuguesa decide pagar a uma universidade norte-americana que permite uma cátedra dada por um político português que tutela o sector em que essa empresa se insere.

É um caso de corrupção? Pode ser que sim, pode ser que não. No caso EDP/Manuel Pinho, o juiz de instrução achou que não: Sobre o facto de Manuel Pinho ter dado aulas na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e de a EDP ter patrocinado aquela instituição, "é manifestamente insuficiente para concluirmos que isso consistia numa vantagem indirecta em troca das pretensões da EDP", considera Ivo Rosa.

De qualquer forma, uma coisa é certa: não é para todos. Ou então poderíamos todos concorrer a algo semelhante. Mas se não é para todos, por que razão há-de ser para alguns?

Corrupção activa, corrupção preventiva, armadilha (em caso de litígio, o dossier é libertado), sedução ou aliciamento?

Economia também é isto.

Roger Waters - Who needs information



sábado, 29 de julho de 2017

Dilemas de um arrumador de livros


Entrei numa livraria e, por curiosidade, decidi verificar em que secção se encontraria o «Economia com Todos». Dito de outro modo, dei por mim a pensar no eventual dilema que se terá colocado à pessoa encarregue de distribuir os livros pelas estantes, segundo critérios temáticos ou disciplinares, no momento em que olhou para o volume que tinha em mãos.

Fixando-se no título, a decisão terá sido bastante fácil: aquela peça encaixava seguramente na estante dedicada à «Economia e Gestão», apesar de a designação dos autores (Ladrões de Bicicletas) parecer estranha para uma ciência tão rigorosa e que leva tão a sério a sua identidade e as suas fronteiras. Perante esse dado, é possível que tenham nascido dúvidas no que antes parecia ser claro... Talvez o livro pertencesse à secção das «Ciências Sociais», onde cabem temas e disciplinas muito diversos e onde se costumam colocar as coisas que não se sabe bem onde arrumar.

Na incerteza, pode ter surgido a necessidade de folhear o livro, espreitar o índice ou ler um pedaço da introdução. Mas o mais provável é que isso não tenha ajudado muito a resolver o problema. Se alguns capítulos indiciavam estar-se perante um livro de Economia (tratando de assuntos como o neoliberalismo, os desequilíbrios macroeconómicos, o euro, a dívida ou a financeirização), outros apontavam para matérias de âmbito mais social (a globalização, a imprensa ou o emprego). E se outros capítulos sugeriam a secção de «Política» (Estado Social, desenvolvimento de capacidades produtivas ou as eleições em França), havia ainda dois que, de tão intrigantes, pareciam empenhados em não fornecer qualquer pista («Histórias do nosso futuro» e «Tornar possível o impensável»).

Tentando dissipar dúvidas e hesitações, pode ter surgido a ideia de olhar para a contracapa. Sim, estava lá um parágrafo que talvez ajudasse a identificar a estante onde o livro iria parar. Dizia assim: «este é um livro de economia, de política, de economia política e de política económica, escrito por autores que têm partidos e ideologias diferentes e divergentes, mas que convergiram ao longo da última década em torno de temas e valores essenciais, através de um blogue de referência em Portugal - Ladrões de Bicicletas».

Não é difícil imaginar a pessoa responsável pela arrumação taxionómica dos livros a levantar os olhos, a suspirar e a desistir. Talvez por isso eu tenha encontrado o «Economia com Todos» num daqueles expositores que ficam no meio das livrarias, a criar corredores entre as estantes «classificadas» das paredes. É isso mesmo, pensei, este livro fica bem em zonas de passagem, em espaços de circulação entre universos temáticos pretensamente delimitados e, já agora, entre universos de pensamento político distintos, à esquerda.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Já não nos vemos gregos?


Imaginem que um Ministro das Finanças de um país europeu periférico telefona a um seu conselheiro norte-americano para discutir o cenário de incumprimento do pagamento de uma parte da dívida, prestes a vencer, ao Fundo Monetário Internacional. Pouco tempo depois de terminada a chamada o seu conselheiro liga-lhe de volta a informá-lo de que acabou de receber um telefonema dos serviços secretos do seu país, questionando-o sobre a plausibilidade de tal cenário.

Os EUA têm um papel directo na crise da Zona Euro, ainda que se confirme que delegam na Alemanha e nas instituições europeias que esta controla a manutenção da ordem neoliberal deste lado do Atlântico. Por isso, as conversas mais relevantes do tal Ministro são com o seu homólogo alemão, Wolfgang Schäuble. Interpelado, já em desespero de causa, sobre se aceitaria o ultimato dos credores, apostados em perpetuar um regime austeritário, caso fosse Ministro de um país periférico, Schäuble responde: “enquanto patriota, não; é mau para o seu povo”.

Esta são só duas das muitas histórias relatadas no recente livro Adults in the Room de Yanis Varoufakis, Ministro das Finanças grego durante o primeiro semestre de 2015, sobre a sua experiência governativa e sobre o contexto que precedeu a vitória eleitoral, sem precedentes na história europeia das últimas décadas, da esquerda radical, seguida pela sua capitulação. Tratou-se, lembremo-lo com a ajuda de Varoufakis, de um governo de um país transformado numa “colónia de dívida”, vítima de “tortura orçamental” continuada e de um “golpe de Estado financeiro”, em larga medida organizado pelo Eurogrupo e pelo Banco Central Europeu (BCE), confirmando a natureza pós-democrática da União Europeia, em geral, e do Euro, em particular.

Misto de memórias, de livro de economia e de thriller político, a obra é um relato dos bastidores de uma moeda disfuncional em termos económicos, mas politicamente funcional, servindo os interesses da finança europeia e suas elites políticas. Uma pergunta clássica ecoa implicitamente ao longo do livro: que fazer? Se fizermos fé em Varoufakis, um académico especialista em teoria dos jogos – uma ferramenta económica convencional para analisar interacções estratégicas –, só um caminho seria racional e foi com este que Alexis Tsipras se comprometeu pessoalmente com Varoufakis. Começar por procurar um acordo europeu que permitisse virar a página da austeridade, garantido também por uma reestruturação substancial da dívida grega e por reformas da disfuncional Zona Euro. Para obter um tal acordo, Varoufakis argumenta que o governo grego sabia que tinha de estar disposto a negociar no mais cooperativo espírito europeísta mas que, perante a eventual recusa por parte da antiga troika e dos países que a suportam, pior do que romper, entrar em incumprimento, iniciar um sistema alternativo de pagamentos e eventualmente sair do Euro seria aceitar o prolongamento da lógica que tinha conduzido a sociedade grega a uma catástrofe humanitária. O sucesso desta linha dependia então de uma liderança com nervos de aço e firmeza de propósito. Os problemas da narrativa começam pela identificação da natureza do adversário e dos seus propósitos.

O resto do artigo, em escrito em co-autoria com Nuno Teles, pode ser lido no Público.

Fogo férreo

Este gráfico ilustra bem a percepção que qualquer espectador tem ao mudar de canal. E isso daria pano para mangas numa investigação académica. E até política.

O número de minutos representado no gráfico abrange todos aqueles subtemas a que as televisões deram atenção nos últimos oito dias: incêndios propriamantre ditos, o caso de Pedrógão e o número das suas vítimas, a reforma florestal, SIRESP, reacções políticas, declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, etc., etc. 

Mas como é que é possível que redacções distintas, com jornalistas profissionais independentes, consigam um grau de sintonia tão apurado? Verifica-se mesmo uma sintonia nos dias em que o tema é abertura dos jornais nocturnos (23, 24, 25, 26 e 27/7) ou quando apenas aparece no meio do jornal (dias 20, 21 e 22/7) e até na hora em que surge. 

A realidade no terreno dos incêndios explicará parte dessa sintonia, Mas como explicar os mesmos tempos de cobertura, a ponto de monopolizarem metade dos jornais?

Além desse, muitos outros factores poderão influir: uniformização de fontes de informação, uniformização de factos políticos (caso do jornal Expresso no sábado, 22/7, quando suscitou a questão do número de mortos em Pedrógão), mimetismo de informação (fruto da luta entre empresas de comunicação por um mesmo mercado), silly season (quando o futebol acaba os jornais ficam com um buraco, como lembrou o José Pacheco Pereira na Quadratura do Círculo), etc.

O resultado é que a informação passada não se distingue muito entre canais, quando - segundo a ideia passada que levou à privatização do espaço público - a concorrência entre canais deveria suscitar, sim, uma maior variedade de informação...  

As ditaduras percepcionam-se também pela uniformização da informação. E essa uniformização existe igualmente com a centralização das decisões num número reduzido de pessoas e no afunilamento de temas a que conduziu a concorrência entre empresas que contaminou todo o processo de produção de informação e os comportamentos dos jornalistas.

Algo tem de ser feito, porque este dispositivo será usado no dia em que se queira que os povos embarquem para uma guerra que não é sua ou para legitimar políticas pouco discutidas e que os prejudicam.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

O bom e o mau FMI não falam entre si?

O gabinete independente de avaliação (IEO) do Fundo Monetário Internacional (FMI) difundiu recentemente um conjunto de relatórios sobre políticas de proteção social seguidas por 21 países e que compreendem o período entre 2006 e 2015. Portugal é incluído num grupo de economias avançadas, juntamente com três países que também estiveram sob «assistência financeira» (Irlanda, Chipre e Islândia).

Nas suas conclusões, o IEO não só assinala com clareza as orientações seguidas pelo Fundo no processo de «ajustamento» português (com a primazia atribuída ao controlo do défice e à defesa da flexibilização do mercado de trabalho, passando pelos cortes nos rendimentos, pensões e prestações sociais), como o faz num certo tom de desaprovação, deixando no ar a ideia de estarmos perante uma organização que funciona - por acomodação de divergências internas, experimentalismo leviano, ou simples mecanismo de equilíbrio e auto-defesa - num registo de dupla personalidade.

Mas a maior perplexidade é constatar a «evidência», referida pelo IEO, de que as equipas do FMI em Portugal - apesar de focadas no défice e de advogar a necessidade de cortes em benefícios sociais - «fizeram esforços para defender as pessoas com menores rendimentos», verificando-se contudo que «as decisões políticas finais nem sempre refletiram esses esforços». Ou seja, a confirmação, uma vez mais - e agora por uma entidade externa - do resultado e da determinação do anterior governo em «ir além da troika». Isto é, mais longe que o próprio FMI, dando assim um sentido ainda mais literal à sua opção pelo fracassado «empobrecimento competitivo».

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Eles ganham


Já conhecíamos o “roubo, mas faço”. Esta semana, em entrevista, Alexis Tsipras vem defender uma espécie de “não faço, mas não roubo”. Na realidade, acho que um “faço o que uns mandam e deixo que outros roubem” se aproxima mais da verdade. No processo, a economia política da predação, agora reforçada com todo o cinismo que está à vista, não deixará de tentar as elites do que passou por esquerda radical.

Tsipras queixa-se que Varoufakis não tinha um plano B viável, ao mesmo tempo que afiança que tal plano nunca seria viável. Eu e o Nuno Teles publicaremos um artigo na próxima sexta-feira, uma espécie de recensão ao último livro de Varoufakis, onde argumentamos que a inexistência de tal plano é da responsabilidade da direcção do Syriza e que sem ele, como Varoufakis aparentemente bem percebeu, não havia mesmo alternativa à capitulação, acompanhada pela correspondente adaptação regressiva de preferências políticas.

Agora que está tudo conformado, o BCE deixa fazer uma emissão de obrigações nos chamados mercados e tudo. A vitória da elite europeia do poder na Grécia é total.

terça-feira, 25 de julho de 2017

Precariedade e socialismo

Augusto Santos Silva no 360 graus, da RTP3, 6ªfeira à noite.
"Sou das pessoas que compreende muito bem a luta que está a ocorrer na PT. Porque se eu fosse trabalhador da PT, estivesse na PT aos 20 ou 30 anos e fosse agora colocado numa empresa subsidiária, mantendo os meus direitos apenas por um ano... eu se calhar também estava a fazer greve e a manifestar-me...

- E estaria a pedir ao Governo legislação para impedir a empresa de fazer esse tipo manobra?

- Não. Como sou socialista, estaria a pedir ao Governo que aplicasse a legislação existente. Que aliás é o que o Governo está a fazer. A ACT está justamente a verificar se as práticas de gestão da mão-de-obra da actual gestão da PT são inconformes com a legislação portuguesa e europeia aplicável".
Sinceramente, não entendo qual a relação entre ser socialista e defender o primado da legislação que estiver em vigor. Aliás, o próprio Santos Silva tão-pouco o deve entender porque o Partido Socialista foi o partido que mais concordou em mudar a legislação laboral desde o 25 de Abril de 1974.

Foi isto, não foi?


«Resumo destes últimos 3 dias
No sábado o Expresso faz uma manchete inacreditável, desmentida pelo texto da investigação do próprio jornal e, à boleia, aquela coisa chamada "i" resolve publicar, sem verificação, uma lista de uma senhora (que para além de ter muito tempo disponível não deve muito à inteligência, como ontem provou na TVI) em que eram apresentados supostamente 73 nomes de mortos. Escândalo, o governo está a esconder mortos (como se 64 fossem poucos, enfim...) grita quase tudo o que é comunicação social portuguesa, "o governo tem de se demitir" ou "o governo tem de mostrar os nomes".
[Chegada aqui confesso que a parte mais surreal foi ver o Expresso mandar às couves a sua própria investigação - que, recordo, dizia que as listas que circulavam tinham inúmeras incorreções e que tinha chegado ao mesmo número que os números oficiais - e alimentar a fogueira da "lista da senhora empresária".]
Entretanto surge a PGR a dizer que a lista está em segredo de justiça, mas isso não interessa nada, o PSD até dá 24h ao governo para apresentar a lista.
Cerejinha no bolo, a SIC apresenta ontem no jornal da noite uma série de peças que continuam a alimentar a teoria da conspiração e no fim resolve passar uma em que diz que foi verificar a dita lista e está cheia de erros, chegando também ao número oficial de mortos (ao mesmo tempo a autora da lista era entrevistada na TVI e foi um espetáculo surreal).
A maravilha das maravilhas é ver jornalistas, particularmente os do Expresso, muito ofendidos porque estão a ser atacados. Mal estaríamos nós se não houvesse quem se tivesse mandado ao ar nos últimos 3 dias, assistimos a um degradante espetáculo de ver boatos transformados em notícias, e isso é gravíssimo.
Foi isto não foi?»

Maria João Pires (facebook)

Negócios predadores


A Altice está a acabar com os símbolos da inovação da PT, como o Sapo, a fazer fuga de capital para pagar a dívida da casa-mãe, através de esquemas como o inacreditável caso da taxa de 50 a 70 milhões de euros que a PT terá de pagar à casa-mãe para usar o nome Altice. O que está em marcha é um cenário de pesadelo não só para os trabalhadores da PT, mas para o país. O poder político tem o dever de chamar a atenção para o que se está aqui a passar e deve intervir. Tem ainda de assumir que não basta ter parado as privatizações; é preciso um olhar atento e crítico às práticas de empresas com posições semelhantes na economia nacional.

Excerto da oportuna crónica de Manuel Carvalho da Silva no JN. Por falar em olhar crítico, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, veio em surpreendente apoio aos trabalhadores em greve, declarando que, se tivesse na sua posição, também a faria. Mas o governo não está nessa posição. Está, isso sim, em posição para mobilizar os instrumentos de política para acabar com este pesadelo. A simpatia é só o início da política.

domingo, 23 de julho de 2017

Leituras: Revista Crítica - Económica e Social (n.º 12)


O número trimestral de Verão da Revista Crítica abre com três estudos: um sobre a floresta, os incêndios e as alterações climáticas (por João Camargo), outro sobre a CGD e as políticas públicas na banca (por Eugénio Rosa) e um terceiro sobre a produtividade nos serviços (por Mário Bairrada).

Seguem-se três dossiers: um com dois textos de Ricardo Cabral sobre contas públicas, outro sobre os CMEC (Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual) e a EDP (com textos de Mariana Mortágua e e Pedro Adão e Silva) e um terceiro, sobre a União Bancária (com textos de Nuno Teles e Ricardo Cabral). A terminar, uma reflexão sobre o emprego e reformas neoliberais (por João Ramos de Almeida) e uma outra, sobre a desertificação do mundo rural (por Renato Carmo).

Com as férias à porta, o nº 12 da revista Crítica está disponível aqui, para download gratuito. Boas leituras.

sábado, 22 de julho de 2017

Leituras


«Num bairro que se habituou a ter medo da polícia, a ouvir "para dentro, caralho", a revistas sem motivo, a portas partidas, a balas perdidas, a ser tratado por tu, a não protestar "porque é pior" e a não fazer queixa "porque não serve de nada", a acusação do MP à esquadra de Alfragide é como uma esmola demasiado boa: o pobre quer acreditar mas desconfia. É muito tempo sem justiça nem lei, de "preto vai para a tua terra", de "cala-te se não queres levar". A sede de uma espera só se estanca na torrente. Virá ela?»

Fernanda Câncio, "Os polícias eram deuses, agora são como nós"

«Se estes crimes se provarem não há como fugir a uma pergunta: como é possível que toda uma esquadra, através da ação ou do silêncio conivente, permita horas de tortura e de irrepetíveis insultos racistas e depois participe na invenção de uma história e no forjar de provas para incriminar quem foi vítima? Se se confirmarem os factos, estamos perante um bando de polícias delinquentes que se comporta como estando acima da lei. Porque o que está no despacho de acusação aos polícias de Alfragide não é um descontrolo ou um abuso de poder. É muitíssimo mais grave do que isso. (...) O que o Ministério Público diz que aconteceu naquela esquadra é abjeto e, a ser verdadeiro, não pode merecer qualquer complacência num Estado de Direito democrático.»

Daniel Oliveira, Como transformar polícias em delinquentes

«Só vou dizer o seguinte: de tudo o que nos fizeram o que mais me assustou foi perceber que não havia um único agente de confiança, que nos pudesse ajudar. Houve troca de turnos até. Nunca nos deixaram fazer um telefonema para a família, que estava preocupada, nada. Pedimos, pedimos e nada. Houve um momento em que perdi toda a esperança, quando um agente que estava na carrinha a transportar-nos para Moscavide (fomos passar ao noite ao Cometlis) se vira para mim, que gemia de dor, e diz: "Deixa de fingir! Se fosse eu tinha-te dado um tiro na cabeça!". Era um polícia que nem tinha estado na esquadra de Alfragide, que não tinha presenciado nada mas também tinha aquela atitude. Assustou-me muito. Fiquei mesmo com medo, achei que era o fim. Quando penso nisso, mesmo agora, tenho medo. As pessoas ficaram contentes por esta acusação ser uma coisa inédita mas não têm noção do risco que corremos.»

Celso Lopes e Flávio Almada, na entrevista a Valentina Marcelino (17 Jul 2017)

«Partia-se do princípio de que a Amadora era problemática. Na Damaia, como era uma esquadra rodeada por vários bairros sociais com várias comunidades, achava-se que os polícias tinham de utilizar a repressão para impor a autoridade e que a população eram só criminosos. A todo o pessoal novo que vinha era incutida esta ideia. Chegava-se depois à conclusão que muitos dos problemas que existiam se deviam a essa atitude: a população reagia à presença policial considerando que não estávamos ali para nos preocuparmos com eles. Sentiam que éramos uma espécie de força de ocupação. Resultado: tínhamos os polícias contra os cidadãos daqueles bairros e aqueles contra os polícias

Paulo Rodrigues, na entrevista a Nuno Ramos de Almeida (10 Fev 2012)

«A diferença que existe entre a Cova da Moura e, por exemplo, a Lapa, tem que ver com condições económicas e culturais, do ponto de vista das populações que lá habitam. Do ponto de vista subjetivo das autoridades, além das diferenças que existem, há uma diferença na cabeça dos agentes que têm um preconceito racista, que olham para as pessoas que vivem na Cova da Moura, maioritariamente negras, com estigma e preconceito. É por isso que a sua atuação, muitas vezes, não corresponde aos códigos e procedimentos que exigem lisura, igualdade de tratamento, respeito pela dignidade, integridade física e moral das pessoas

Mamadou Ba, na entrevista a Pedro Bastos Reis (12 Jul 2017)

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Precariedade e produtividade: evidência para abalar mitos


Manobrar o senso comum para garantir apoio popular a medidas de afronta à dignidade social e laboral foi um instrumento político de recurso abundante nos recentes anos de crise económica.

Na tentativa de promoção da precariedade como veículo de eficiência e desenvolvimento, este instrumento foi usado com frequência, procurando-se transmitir a ideia de que os trabalhadores precários são mais produtivos. O enunciado era simples: um trabalhador com um contrato precário tem um maior incentivo a esforçar-se do que um trabalhador com um contrato efetivo, porque não tem um posto de trabalhado garantido, logo é mais produtivo. O raciocínio, linear e intuitivo, encontrou algum acolhimento na opinião pública.

O problema é que não é verdadeiro. Como já tive oportunidade de referir aqui, em resposta aos argumentos do gerente da Padaria Portuguesa, a evidência coligida sobre o tema aponta em sentido exatamente contrário. Nessa resposta, aludi a um dos estudos mais influentes e robustos sobre o tema, dos economistas Servaas Storm e C. W. Naastepad. O estudo analisa 20 países da OCDE entre 1984 e 2004 e conclui que países com mercados de trabalho mais regulados (com menor favorecimento legal da precariedade) registam maiores aumentos de produtividade.

Nessa ocasião, algumas pessoas fizeram notar que um estudo isolado não constitui evidência bastante para sustentar qualquer conclusão. E têm razão. Um estudo isolado, por mais bem fundamentado, pode ser cirurgicamente escolhido pelo autor do argumento para validar o seu ponto de vista.

Uma boa fonte de consulta para uma visão global sobre a relação entre produtividade e precariedade é o relatório publicado em Novembro de 2016 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo das Nações Unidas, sobre formas de trabalho não padronizadas (non-standard forms of employment), designação que contempla um leque alargado de modalidades de relações de trabalho que na discussão pública são referidos sob o conceito lato de “precariedade”. (Em particular a informação contida entre as páginas 178 e 181).

O relatório conclui que a relação entre produtividade e precariedade se assemelha graficamente a um “U invertido”. Isto é, se o recurso a contratos de trabalho temporários for reduzido e os trabalhadores forem voluntariamente temporários, existe um impacto positivo na produtividade. No entanto, quando o recurso a trabalhadores precários é generalizado e os trabalhadores com vínculo precário pretendem ter um vínculo permanente, o impacto na produtividade é negativo.

Um dos estudos revistos conclui que trabalhadores voluntariamente temporários no seio de organizações com uma tradição de contratação estável podem ser até 10 pontos percentuais mais produtivos. As hipóteses teóricas para sustentar estes resultados são razoáveis: o recurso a trabalhadores temporários é fundamental para suprir a falta de trabalhadores efetivos ausentes por motivos de paternidade ou doença, bem como para corresponder a picos de procura de produção. Permite ainda trazer novo conhecimento potencial, que a empresa pode escolher incorporar futuramente através de um contrato permanente.

Contudo, os estudos revistos são claros e consistentes ao concluir que empresas com elevada expressão de vínculos precários contra a vontade dos trabalhadores são menos produtivas. Um dos estudos, conduzido em Espanha, conclui que 20% do abrandamento da produtividade entre 1992 e 2005 se deveu ao excessivo uso de vínculos precários. Os resultados obtidos em exercícios semelhantes para Itália e Holanda apontam no mesmo sentido. Adicionalmente, um estudo à escala global centrado em empresas de 132 países em vias de desenvolvimento registou que as empresas com recurso intensivo a relações precárias – categoria em que se inseriam empresas com mais de 50% de contratos temporários nos seus quadros ­ tinham piores níveis de produtividade e investiam menos em formação do que as suas congéneres que optavam por contratos estáveis.

O relatório aponta um leque de fatores que explicam estes resultados. Em primeiro lugar, as empresas onde a precariedade é prevalecente investem menos em formação no posto de trabalho, o que por sua vez reduz o incentivo a introduzir nova tecnologia que necessita dessa formação prévia. Por outro lado, tendem a ser menos inovadoras e a registar menos patentes, por temerem a fuga de conhecimento para os seus concorrentes através da elevada rotação de trabalhadores. Compromete ainda a aquisição e transmissão de conhecimento específico no contexto da empresa, impedindo a consolidação de processos e a busca de aperfeiçoamento nos modelos de gestão. Finalmente, tem um impacto negativo na moral dos trabalhadores precários, dificultando as relações de cooperação com os trabalhadores permanentes e com os órgãos de gestão.

Em suma, o estudo sublinha que os efeitos negativos da precariedade são muito pronunciados e tendem a sobrepor-se a quaisquer efeitos positivos, com exceção para as situações em que os cenários de precariedade são residuais no seio da organização e em que os trabalhadores concordam voluntariamente com essa modalidade de contratação.

Tendo esta conclusão presente, tem interesse olhar para o caso português. Será que a maioria dos trabalhadores são voluntariamente temporários ou, pelo contrário, gostariam de ter acesso a um vínculo permanente?


É oportuno analisar o quadro acima, inserido na página 79 do Livro Verde das Relações Laborais, publicado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. De entre os trabalhadores com contratos temporários em 2015 entre os 15 e os 24 anos, 67.9% afirma que o motivo para manterem esse tipo de vínculo é não conseguirem encontrar um emprego permanente. No segmento entre os 25 e os 64 anos, essa percentagem aumenta consideravelmente para os 86.9%. De notar ainda o contraste com a média europeia no que se refere aos jovens. Se em Portugal 67.9% dos trabalhadores entre os 15 e os 24 anos têm contratos temporários por não conseguirem encontrar um posto permanente, a média europeia que assinala esse motivo para o mesmo segmento etário é de apenas 37.3%.

Em presença destes resultados, é razoável inferir que o elevado nível de precariedade do mercado de trabalho português tem, muito provavelmente, um impacto negativo na produtividade do trabalho. Com efeito, diminuir a precariedade laboral não é apenas uma condição para a dignificação do trabalho: é um imperativo de desenvolvimento económico.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

A questão da habitação


A habitação é sem margem para dúvidas uma questão de economia política. Expõe com particular clareza a centralidade da produção e da redistribuição, bem como a ordem social e a ideologia vigentes em cada contexto histórico, geográfico e político. A habitação é hoje uma questão premente. A recente criação da Secretaria de Estado da Habitação confirma isso mesmo.

A habitação é uma questão de produção. A construção (e reabilitação) de alojamentos familiares constitui um importante sector de atividade económica, e com importantes efeitos de arrastamento sobre as indústrias adjacentes. Este sector tende a ser promovido em períodos de estagnação económica, sendo atualmente um dos principais responsáveis pela recuperação da economia portuguesa. Mas a produção de habitação não se deve apenas ao seu relevante “valor de uso’”, isto é, à sua capacidade de satisfazer uma necessidade humana básica. Deve-se também ao seu “valor de troca”. Com efeito, a habitação é cada vez mais procurada tendo em vista a realização de um ganho com a sua venda futura, assente na expectativa de que esta se valorizará. Nesta medida, a habitação adquire características típicas dos ativos financeiros, e atrai sectores de intermediação, como o imobiliário e o financeiro.

A habitação convoca relevantes questões de redistribuição. Basta lembrar que é um bem essencial; no nosso país, até é um direito constitucionalmente reconhecido. Ainda que nunca tenha sido uma área de intervenção prioritária, políticas públicas mais ou menos avulsas tentaram dar resposta às necessidades habitacionais mais urgentes. Hoje os bairros de lata são raros e não há propriamente uma carência de alojamentos familiares. Mas há uma enorme desigualdade no acesso, do ponto de vista das condições de habitabilidade, das infraestruturas e do espaço público envolvente, reproduzindo desigualdades de classe, raça, género e, cada vez mais, geracionais devido a retrocessos recentes na legislação laboral que afetam sobretudo as camadas mais jovens da população.

A habitação é ainda profundamente ideológica. Num país em que a provisão de habitação foi maioritariamente relegada para o sector privado, esta sempre se apoiou e sustentou o valor absoluto da propriedade privada, com impacto não despiciendo na paisagem urbana. Mas daqui não se pode inferir um Estado ausente. Este desde sempre concedeu importantes apoios públicos à construção e aquisição de casa própria, e hoje cerca de dois terços dos alojamentos familiares são ocupados por proprietários, embora uma parte relevante com crédito bancário. Os proprietários atuais, ou mesmo potenciais, detêm assim um relevante poder político face a uma minoria de inquilinos, bem como todos os agentes direta ou indiretamente envolvidos na atividade imobiliária.

Em plena crise financeira e económica, o nexo construção-imobiliário-finança saiu reforçado, continuando a beneficiar de relevantes apoios públicos. Os chamados vistos gold ilustram bem o poder económico e político destes sectores. Perante uma economia deprimida, a promoção do investimento estrangeiro no imobiliário foi uma forma expedita de revitalizar estes mercados, em troca de relevantes vantagens económicas e políticas, ao mesmo tempo que os direitos dos não proprietários foram crescentemente diminuídos, vendo-se obrigados a abandonar os principais centros urbanos do país. Fica claro que a capacidade da nova Secretaria de Estado da Habitação de mitigar estes efeitos, como parece ser o seu propósito, dependerá de mudanças nessa entranhada economia política.

Neoliberalismo diz-se ordoliberalismus em alemão


Vital Moreira insiste em distinguir o ordoliberalismo do neoliberalismo, acusando-me agora de superficialidade e recomendando uma entrada da wikipédia. Sem querer colocar a sabedoria das multidões em causa, creio que a entrada sobre ordoliberalismo referida não coloca em causa o que eu disse sobre este assunto – o ordoliberalismo é mesmo um ramo da frondosa árvore neoliberal desde a formação deste feixe de ideias económicas em movimento político nos anos trinta do século XX.

Aliás, eu já abordei este assunto aqui ou aqui anteriormente e não recebi nenhuma resposta. Insisto na ideia de que existem pelo menos três erros que Vital Moreira continua a cometer, tendo em conta o que se sabe sobre a história do neoliberalismo: reduz o neoliberalismo à Escola de Chicago, reduz a renovação do liberalismo, associada também a um maior reconhecimento dos mercados enquanto construção política, ao ordoliberalismo e confunde o ordoliberalismo com a totalidade da economia política alemã do pós-guerra.

Entretanto, e antes de tentar repor alguma ordem, creio que podemos avançar, sublinhando aquilo em concordamos e que de algum modo permite revelar a substância política deste debate: a integração europeia tem a sua economia política desde o início marcada pelo ordoliberalismo, que de resto influenciou a social-democracia alemã. Voltemos então à questão original, com meia dúzia de notas em modo de repetição.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Escravatura, Imperialismo e Racismo


O historiador João Pedro Marques escreveu mais um artigo no Público sobre escravatura e abolicionismo. Neste artigo, João Pedro Marques gasta os dois primeiros parágrafos do seu texto a enunciar os seus pergaminhos académicos e a acusar quem se engaja no debate sobre escravatura em Portugal de “pouco ou mal informados”, comparando-os aos flagelantes medievais. O cenário para falar de “alto da cátedra” fica assim construído, num estilo de condescendência que perpassa o resto do artigo.

Depois de encher a boca sobre os horrores da escravatura (como se o debate fosse esse), João Pedro Marques afiança-nos que foram esses mesmos horrores que levaram as “nações ocidentais” a “estigmatizar e proibir” a escravatura, a partir do final do século XVIII. Devem ter sido iluminados por algo (o trocadilho é propositado). Ou seja, se a escravatura acabou foi graças aos brancos. Os negros continuam a ser as personagens passivas da história: primeiro, vítimas da violência dos brancos, depois, libertados por estes. A permanente resistência e revoltas de escravos, que acompanharam toda a história da escravatura, não entram na equação do fim da escravatura. A independência “negra” do Haiti, força-motriz da abolição da escravatura no império francês no final do século XVIII, a que o autor estará a aludir, e subsequente movimento anti-escravista americano são ignorados. João Pedro Marques é, aliás, para usar os seus termos, famoso internacionalmente por defender a irrelevância, senão mesmo o efeito negativo das revoltas de escravos no abolicionismo (ver “The American Crucible: Slavery Emancipation and Humanism” de Robin Blackburn). Neste artigo, pelo contrário, recorrendo a Hollywood, somos lembrados que houve brancos que morreram na guerra civil americana, reduzida assim a um combate entre escravistas e anti-escravistas, e que houve marinheiros (brancos?) que morreram no policiamento marítimo anti-tráfico (a razão para países abolirem o tráfico, mas não abolirem a escravatura nas colónias, deve ficar para outro artigo).

Obviamente, quase sempre houve quem se horrorizasse com a escravatura e a tivesse combatido sem ser necessário ser escravo e/ou negro. Mas, o propósito do artigo é outro e é logo enunciado nos parágrafos seguintes. O trabalho forçado nas colónias é reconhecido pelo autor como tendo sido uma forma de exploração da mão-de-obra negra “retomada” após a escravatura, mas aparentemente "regulado" (!), e quem quiser ver continuidades entre uma coisa e outra está a “misturar” tudo. E aqui chegamos ao ponto: para João Pedro Marques, a escravatura deve ser separada não só do período histórico que se lhe seguiu, mas sobretudo do presente. As consequências do imperialismo ficam no passado e não têm tradução no presente, logo não há espaço para qualquer responsabilização perante o subdesenvolvimento e, muito menos, para desculpas. Quem diz subdesenvolvimento, diz racismo, assim desligado de quaisquer raízes históricas, passando a ser uma mera coincidência diacrónica.

Não sou historiador, não escrevi artigos ou livros sobre a escravatura e confesso que, de João Pedro Marques, só li os artigos no Público. Mas o que motivou este, já longo, desabafo, foi exactamente o interesse que o estudo da escravatura tem para se perceber as origens do capitalismo, as suas desigualdades e consequências no mundo em que vivemos. Este é hoje um tema que é objecto de uma nova literatura histórica, invocada por Joacine Moreira no seu último artigo, alvo do dedo corrector e condescendente de João Pedro Marques. Se Joacine Moreira, apoiando-se no fascinante “Empire of Cotton” de Sven Beckert e na obra de Marcus Rediker (que não li), aponta exactamente para como o capitalismo foi construído nas costas do colonialismo e da escravatura, João Pedro Marques treslê o argumento – pensa que diz respeito ao efeito "modernizador" do capitalismo no abolicionismo –, e lança o pretenso anátema sobre o argumento, apontando-o como anacrónico – invocando, presumo eu, a obra do historiador da Trinidad e Tobago, Eric Williams,“Capitalismo e Escravatura” de 1944 – e marxista (ui,ui!). Acusando os seus oponentes de ignorantes, João Pedro Marques prefere assim ignorar a chamada nova história do capitalismo.

João Pedro Marques recorda-me um episódio passado há dois anos na revista The Economist. Ao recensearem o que é talvez o melhor livro sobre a relação entre capitalismo e escravatura desta nova geração, "The Half Has Never been Told", de Edward Baptist (quem se interessa por mercados financeiros tem aqui um testemunho histórico brilhante sobre titularização financeira de escravos e fluxos internacionais de capitais), o autor da recensão queixava-se que neste livro sobre escravatura “os negros eram quase todos vítimas e os brancos quase todos vilões”. Depois, do escândalo causado, a revista retirou a recensão e publicou uma nova, pedindo desculpas e deixando a primeira versão no seu sítio para memória futura. Já de João Pedro Marques, ao abrigo do entendimento partilhado em Portugal sobre o imperialismo português como “descobrimentos” e do mantra do “não somos racistas”, não poderemos esperar a mesma atitude.

Testar «Trump» em Loures?

1. Na sequência das declarações racistas e xenófobas de André Ventura, candidato da direita a Loures (aqui e aqui) - a que se somou a defesa da «prisão perpétua dos delinquentes [associados] a certos tipos de crimes» - assistiu-se: ao repúdio dessas declarações por alguns dirigentes de partidos que suportam a candidatura (como Teresa Leal Coelho e Francisco Mendes da Silva); ao apoio explícito do candidato pela extrema-direita (com o líder do PNR a considerá-lo «um dos seus»); à confirmação do apoio do PSD a André Ventura (que não recuou nas suas declarações); e à demarcação do CDS-PP, que rompeu com a coligação, decidindo avançar com candidato próprio. Em suma, o candidato a Loures conta hoje com o apoio reiterado da extrema-direita, do PPM e do PSD.

2. A circunstância de as afirmações de André Ventura terem tanto de eleitoralismo populista como de simplismo, falsidade e demagogia (a ideia, por exemplo, de que os ciganos ocupam «ilegalmente fogos imobiliários que não lhes pertencem» ou de que «vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado»), apenas reforça a gravidade da decisão do PSD em manter o apoio ao candidato. Isto é, a opção por surfar a onda do populismo eleitoralista e de desinformação deliberada, recuperando para o efeito algumas ideias de senso comum sobre a comunidade cigana e que costumam florescer bem em conversas de café.

3. Na verdade, Passos Coelho conhece, e a direção do PSD também, alguns factos: a comunidade cigana é uma das comunidades mais pobres, marginalizadas e vítimas de preconceito em Portugal; uma grande percentagem de ciganos trabalha, pelo que o RSI representa apenas cerca de 33,5% das fontes de rendimento destas famílias (com o risco de pobreza a rondar, nesta comunidade, os 95%); existe uma elevada incidência de situações de sobrelotação no realojamento de famílias ciganas (29%, entre as que residem nos bairros sociais de Lisboa); o RSI tem permitido uma melhoria muito significativa dos níveis de escolarização da comunidade cigana, decisivos para uma maior inclusão social e inserção no mercado de trabalho. Eles sabem bem tudo isto e o candidato a Loures, Professor André Ventura, também.


4. Não sobra portanto margem para encontrar uma razão decente que explique a manutenção do apoio do PSD a André Ventura. Trata-se de um partido que não revela, de facto (até hoje), uma «tradição xenófoba», o que é válido tanto ao nível das suas sucessivas direções políticas, como ao nível da sua militância e eleitorado. Sabendo isso muito bem, Passos Coelho há-de ter portanto uma motivação muito forte para não arrepiar caminho, sobretudo depois da colagem do PNR à candidatura e do recuo do CDS-PP. A situação é de tal modo bizarra que apenas se vislumbra uma hipótese: embalar no espírito do tempo e fazer o teste do eleitoralismo populista de direita em Portugal, o «teste Trump», a ver no que dá.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Dispensados de exame


O debate do Estado da Nação constitui um momento de balanço da situação económica e social do país, permitindo a avaliação das políticas levadas a cabo, ao longo do ano, pelo Governo em funções. É natural, portanto, que o executivo esteja no centro do debate.

Dito isto, não parece contudo haver justificação para o sossego em que é deixada a oposição de direita pela comunicação social em geral. Não é de agora, já vem de há muito. Talvez nem seja exagero dizer que é preciso recuar até à campanha eleitoral de 2015 para encontrar sinais substantivos de interesse mediático pelas ideias que o PSD e o CDS-PP têm para o país. Desde então, a curiosidade parece ser nula: que medidas concretas teriam prosseguido estes partidos se tivessem obtido maioria para formar Governo? O que entendem deveria ter sido feito em cada área de governação e que o atual Governo não fez? De que medidas, alternativas às que foram tomadas, resultaria a redução do défice, o crescimento da economia, a criação de emprego ou a melhoria dos rendimentos? Não sabemos. Não sabemos e parece não haver quem queira, nas múltiplas entrevistas, reações e conferências de imprensa destes partidos, colocar estas e outras questões.

Poderá argumentar-se que a identificação das propostas da direita para o país é desnecessária, uma vez que as mesmas estão vertidas, no essencial, em dois documentos: o famigerado «Guião para a Reforma do Estado» (aprovado pelo Conselho de Ministros em outubro de 2013), e o «Programa de Estabilidade 2015-2019», entregue em Bruxelas pelo anterior Governo, em abril de 2015. Mas, nesse caso, como conciliar as orientações políticas que estão, em ampla medida, refletidas nesses documentos (tendentes, por exemplo, a aprofundar o desmantelamento dos serviços públicos e do Estado Social e a reforçar e tornar permanentes os cortes nos salários e nas pensões), com o atual discurso da direita em torno de um suposto colapso do Estado e dos serviços públicos? Será que nem essa contradição suscita curiosidade, continuando a dispensar-se a direita de ir, também ela, a exame?

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Série B

Dr.Strangelove, Stanley Kubrick
"Hoje só há razões para lamentar o percurso começado com Hugo Chávez ainda antes de terminar o século XX, apesar de o seu sucesso original ter sido saudado como uma feliz alvorada pelo contingente de extrema-esquerda que se revê nos populismos de ocasião. (...) O que a Venezuela precisa, e depressa, é de se livrar de Maduro e de conseguir um governo respeitado e respeitável — para poder atrair a ajuda internacional que é essencial de forma a garantir alguma viabilidade financeira a um país que está na falência e a um governo que condena os seus cidadãos à fome. (...) Há muito trabalho para fazer que só pode começar quando o Presidente venezuelano cair. Que seja depressa." 

A opinião - ligeira - é do director adjunto do Público, Diogo Queiroz de Andrade, num artigo publicado hoje.  Chama-se a atenção para os termos usados que poderiam integrar um diálogo numa má série norte-americana ou num filme de série B anti-imperialista, a imitar Costa Gavras, sobre o que fazer a um país produtor de petróleo, com um governo fora da influência dos Estados Unidos e muito perto do seu quintal. Junta-se aquele que poderia ser o seu guião (usa-se a letra courier para se assemelhar mais a um guião):  

À volta de uma mesa estão várias homens, de fato e gravata, alguns militares. A luz é artificial, em tons de azulado. Sobre a mesa estão vários dossiers, conseguindo-se ver entre eles as letras "Venez.." Na segunda linha, assessores tiram notas. Há grandes planos dos presentes, paira um ambiente tenso.
- O que a Venezuela precisa é de se livrar de Maduro - diz um homem cinquentão, cabelo branco armado.Nota-se que é um político, membro de uma comissão parlamentar ligada aos serviços de segurança.
- É verdade - concorda um jovem com um fato impecável e uma gravata à moda, talvez assessor de segurança do Senado - Hoje só há razões para lamentar o percurso começado com Hugo Chavez que foi saudado por uma feliz alvorada pelo contingente da extrema-esquerda...
- ... e populista - remata um empresário de cara fechada, nitidamente do sector petrolífero. - É preciso um governo respeitado e respeitável. Estou disposto a pagar para ver isso!
- Sim - corrobora um homem dos FMI - um governo que possa atrair a ajuda financeira a um país na falência e que está a condenar os seus cidadãos à fome.
- Mas - interrompe uma das assessoras - não eram esses cidadãos que estavam à fome antes de Chavez chegar ao poder?
- Quem é esta? - bichana um militar ao seu parceiro do lado.
O homem para quem ela trabalha olha-a de soslaio.
- Há muito trabalho para fazer! - interrompe quem está a presidir à reunião - Muito trabalho que só pode começar quando o presidente venezuelano cair.
- Que seja depressa! - diz o empresário.

sábado, 15 de julho de 2017

Um livro para ler e debater


Notícias da apresentação, no Porto, do livro 'Economia com Todos'.

Foi uma sessão muito concorrida, sala cheia, para o que contribuiu o generoso acolhimento e divulgação da apresentação pelo director da UNICEP - Cooperativa livreira, Rui Vaz Pinto.

O nosso obrigado ao anfitrião e aos apresentadores que encantaram a plateia, segundo me disseram vários amigos.

No final, a Fernanda Rodrigues lançou-nos um desafio: façam um debate sobre o livro depois de o terem lido em férias. Confesso que a ideia me agrada muito porque aí teríamos que debater também algumas das políticas que o livro ousa avançar. Ou seja, teríamos de conversar sobre o futuro do país e desta UE. Como se vê, temas aliciantes.

Radiohead - Subterranean homesick alien



Parece que o Ok Computer está a fazer vinte anos

A propósito de empresários e políticos

Jornal Público, 30/9/2000, artigo de José Augusto Moreira
Um dia nos meus primeiros anos de jornalista, algures entre 1986 e 1989, estava no Diário de Lisboa, e chega um envelope, acho que endereçado ao José António Cerejo que, nessa altura, trabalhava na secção de Economia, com o Daniel Reis e eu.

Eram meia dúzia de folhas dactilografadas e agrafadas. Uma com organogramas do grupo Amorim, uma outra com uma lista de pessoas que trabalhavam no grupo, com os seus telefones e moradas. E noutra uma carta de denúncia, naquele estilo corrido, de desabafo, anónimo. Entre as denúncias, contava-se que o grupo Amorim andava a desviar dinheiros do Fundo Social Europeu (FSE) para a formação profissional.

Naqueles anos - como o próprio ex-ministro da Economia Mira Amaral reconheceu depois - o que interessava era que Portugal esgotasse as verbas possíveis do FSE. Eram dinheiros para os empresários nacionais...

No Diário de Lisboa, ainda demorámos a pensar o que fazer. O Cerejo disse-me para ir telefonando para aquelas pessoas, a ver o que dava. E assim foi. Fui ligando, um a um. Sem resultados. O quarto da lista - deveria ser o autor da denúncia - dispôs-se a conversar. Mas não pelo telefone. Fui para o norte, para a freguesia onde estava instalado o grupo Amorim. Já não me lembro onde nos encontrámos. Na conversa, o desabafo continuou. Um enorme grupo gerido de forma altamente centralizada na pessoa de Américo Amorim, com práticas nada abonatórias do que hoje é descrito na comunicação social como sendo um "empresário". E lá vinham as descrições do desvio de dinheiro do FSE. Supostamente, a formação era para jovens, mas o dinheiro ficava na empresa. Pude falar com trabalhadores que me confirmaram que tinham tido formação numa manhã, mas sem continuação.

A denúncia anónima deve ter ido também para a Polícia Judiciária. Américo Amorim foi acusado de falsificação de documentos, fraude e desvio de dinheiro do Fundo Social Europeu. A União Europeia exige uma indemnização de 77 mil contos e juros a contar de 1987, com base na utilização fraudulenta de meio milhão de contos para formação profissional entre 1985 e 1988... Mas o caso haveria de prescrever. Veja-se a descrição a notícia no Público, de 30/9/2000.

Outros casos do FSE como o da Partex, da UGT - e muitos outros megaprocessos investigados e com acusação - prescreveram por questões processuais - veja-se aqui a lista feita pelo Ministério Público.

Jornal Público, 18/11/2000, Catarina Gomes
Aqui, entre nós, e sem qualquer orgulho, tudo foi por causa de mim. Por causa de uma queixa que fiz contra Cavaco Silva. Não interessam os pormenores, apenas que Cavaco me acusou publicamente de algo que eu não fizera e eu queixei-me ao Ministério Público de ele me ter difamado.

Nesse processo, a juíza em primeira instância considerou que o interrogatório feito a Cavaco Silva não interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal. No tribunal da Relação, dois juízes deram razão à juíza, quando dois meses antes tinham decidido em sentido contrário, num processo em tudo semelhante. E o Supremo Tribunal, chamado a fixar jurisprudência, decidiu a favor de Cavaco Silva...

E com essa decisão fez-se prescrever todos os megaprocessos. Veja-se o número de prescrições na tabela inscrita no artigo do Público, para aferir da sua importância.

Ele há mesmo dias que uma pessoa deve ficar na cama. E há histórias reais que davam um episódio de uma boa série.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

«Economia com Todos», hoje no Porto


O «Economia com Todos» é hoje apresentado no Porto, numa sessão em que participam Fernanda Rodrigues, Nuno Martins e Jorge Bateira. É na UNICEPE - Cooperativa Livreira (Praça de Carlos Alberto, 128), a partir das 18h30. Apareçam.

Ataque violento foi a privatização

António Costa assinalou o seu receio pelo que possa acontecer à PT nas mãos da Altice, comparando-a à Cimpor, dados os riscos para a integridade de uma grande empresa de base tecnológica, criada pelo tal Estado empreendedor português, e para os seus cada vez mais pressionados trabalhadores, terminando com um “olhe, eu por mim já fiz a minha escolha da companhia que utilizo”. Estes comentários merecem meia dúzia de notas meio críticas.

Em primeiro lugar, quero apostar que o Negócios, que fica perturbado com críticas justas a certos negócios, daqui a uns tempos repetirá a manchete, mas com uma alteração – “Primeiro-Ministro faz ataque violento à Lone Star” –, já que predadores há mesmo muitos.

Em segundo lugar, o destino da PT é a enésima ilustração dos riscos que impendem sobre empresas crucialmente estratégicas quando são privatizadas e reduzidas a geradores de lucros de curto prazo para accionistas impacientes.

Em terceiro lugar, o PS, que foi um dos entusiastas participantes do ciclo de privatizações, a começar na revisão constitucional que o permitiu há quase três décadas, tem de reconhecer que sem propriedade pública não há regulação, nem estratégia de desenvolvimento, que nos valha.

Em quarto lugar, o governo tem de ser consequente com o diagnóstico, mobilizando todos os instrumentos ainda ao seu dispor.

Em quinto lugar, a greve dos trabalhadores da PT merece todo o apoio, indicando que o trabalho organizado é um dos freios à predação em curso.

Em sexto lugar, temo que as declarações de Costa sejam inconsequentes, dada a convocação da ideia da “liberdade para escolher”, confundindo de forma reveladora a realidade da deliberação política, que tem lugar na AR, com a ilusão ideológica da soberania do consumidor privado, que não deve ter lugar no debate público.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

A Democracia e os seus inimigos

Segundo notícia do Jornal de Negócios hoje divulgada, “[o] Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa (NECEP) da Universidade Católica espera que o produto interno bruto (PIB) nacional alcance um crescimento de 2,7% em 2017”, como “pode ler-se na sua mais recente folha trimestral de conjuntura”.

Parece, assim, que em 8 meses o país passou da "provável derrocada financeira" ao maior crescimento em 17 anos: um milagre, passe o oximoro, cientificamente confirmado.

De facto, quem sabe, sabe. Parece-me caso para sublinhar que a análise económica objetiva, expurgada de considerações políticas, mas comprometida com a Democracia, recompensa os seus discípulos.

O que fica por explicar, contudo, é que o milagre tenha acontecido ainda que não tenha sido respeitada a primeira das condições (técnico-económicas, evidentemente) da sua materialização, ou seja, “calar as posições extremistas dos que apoiam o governo”.

Que diabo, terá sido, outra vez, mão do dito?

A produtividade, ora aí está

Com dez anos de existência, o Ladrões de Bicicletas está prestes a atingir os 10 mil seguidores no facebook (no final de junho eram mais de 9.700 e com um total de «likes» superior a 9.800). Em termos de visualizações, o aumento registado desde o início de 2016 é expressivo: de um primeiro semestre, nesse ano, com uma média mensal de 84 mil visualizações, passa-se para um valor médio de 158 mil nos primeiros seis meses de 2017. Quase o dobro portanto, num tempo em que - com um Governo apoiado por uma maioria parlamentar de esquerda - não surpreenderia uma redução no número de visitas.

Mas há ainda um outro aspeto curioso: a tendência de queda no número médio mensal de «posts por ladrão». De facto, se nos primeiros seis meses de 2015 cada larápio publicava em média quase 6 posts por mês, esse valor que reduz-se para metade (3 posts) no primeiro semestre de 2017. O que significa que a produtividade meliante, apurada através do número de visualizações, tem aumentado de forma muito significativa.


Está aqui, aliás, uma boa metáfora dos equívocos e das obsessões que tantas vezes dominam o debate sobre o «fator trabalho» e a produtividade (a ponto de se achar, por exemplo, que para o aumento da dita se devem «suprimir feriados»). De facto, quem continua a pensar que os ganhos de produtividade dependem, exclusiva ou fundamentalmente, do «fator trabalho» (e portanto do número de horas ou da quantidade de «peças» que o aumento de tempo permite produzir), terá mesmo muita dificuldade em conseguir explicar o gráfico aqui em cima.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Coerências e incoerências em tempos financeiros


Vinte anos depois, Pequim ainda mantém controlos estritos sobre a sua conta de capital e sobre a taxa de câmbio da sua moeda (...) Um dos objectivos é garantir que o capital estrangeiro exerce um poder marginal sobre os mercados financeiros internos (...) Desta forma, a China insere-se nos mercados de capitais internacionais nos seus termos, neutralizando o poder dos Soros mais recentes (...) A vitória de Mahatir pode ter sido indirecta, mas a Ásia começa a cair para o seu lado.

Recupero um artigo de James Kynge no Financial Timesjá com alguns dias, a propósito dos vinte anos do início da crise financeira asiática, uma das ilustrações de uma tese hoje bem mais aceite: a liberalização financeira faz mesmo mal às economias reais. Não por acaso, a China foi poupada a tal crise, bem como a Índia, países que tiveram a sensatez de manter controlos nacionais à circulação internacional de capitais. É por estas e por outras que a recente retórica globalista de Xi Jiping em Davos esconde mais do que revela, como aliás costuma acontecer com os que estão resolutamente a trepar na hierarquia internacional: a questão é sempre que fluxos devem estar conectados ao sistema internacional, e como, e que fluxos devem estar desconectados, e como.

Nada está alguma vez resolvido nesta área: por exemplo, a Malásia de Mahathir bin Mohamad reintroduziu controlos de capitais nos contextos de crise do final dos anos noventa e ainda de Consenso de Washington, perante a consternação de muitos economistas convencionais e das tais organizações internacionais por estes povoadas, como o FMI, saindo-se bem com essa heresia. Hoje, o FMI, pelo menos em teoria, está mais aberto a reconhecer as virtudes dos controlos de capitais em algumas circunstâncias, contribuindo para aquilo que Ilene Grabel apodou de incoerência produtiva nesta área (na UE é só, por desenho institucional favorável à circulação irrestrita, coerência improdutiva ou não tivesse esta resgatado o Consenso de Washington...). No resto do sudeste asiático tivemos também a mobilização de outros instrumentos de política, como a taxa de câmbio, e a neo-mercantilista acumulação de reservas, através da geração de superávites de balança corrente no novo milénio, uma espécie de seguro, em dólares, contra o risco financeiro internacional, uma espécie de tributo aos EUA, detentores do mais próximo que existe a uma moeda mundial, financiados a baixas taxas de juro na sua própria moeda, o que faz toda a diferença na gestão da dívida externa. Sim, ainda há privilégios exorbitantes.

terça-feira, 11 de julho de 2017

«Economia com Todos»: Apresentação no Porto


Depois das apresentações em Lisboa e em Coimbra, segue-se o Porto. É já na próxima sexta-feira, 14 de julho, na UNICEPE - Cooperativa Livreira (na Praça de Carlos Alberto, 128). Intervenções de Fernanda Rodrigues, Nuno Martins e Jorge Bateira. Estão todos convidados, apareçam.