A síndrome da nêspera
Depois da instabilidade financeira e económica da Zona Euro, a economia europeia assiste à recuperação do crescimento económico, com ligeira diminuição do desemprego, exceptuando a Grécia. Esta estabilização económica parece ser acompanhada por um reforço do poder das elites políticas europeias, goradas que foram, quer a ameaça de uma vitória da extrema-direita na Holanda e em França, quer a novidade dos movimentos insurgentes, ideologicamente diversos, mas nascidos ou crescidos no auge da crise, o Syriza na Grécia, o Podemos, em Espanha, e o Movimento Cinco Estrelas, em Itália. Num movimento de recomposição partidária, total ou parcial, com a vitória do movimento de Emmanuel Macron e a mais que provável vitória do partido de Angela Merkel na Alemanha, agora numa aliança com os liberais, o programa político do «Consenso de Bruxelas» ganhou novo fôlego.
Não por acaso é este o tempo em que a Comissão Europeia, com aguçado sentido de oportunidade, apresenta um novo documento estratégico, onde sob o pretexto de colmatar as falhas diagnosticadas no euro aquando da crise, se propõe a passagem da «educação, a fiscalidade e a concepção dos sistemas de protecção sociais» para a alçada do «Semestre Europeu», maior condicionalidade política nos fundos estruturais, criação de um enorme mercado de titularização da dívida, etc. Juntem-se novas rondas de reformas laborais, já em curso em França, de recapitalização bancária e de liberalização do comércio internacional e conseguimos identificar as grandes componentes deste programa do que Tariq Ali apelida de «extremo-centro», que se traduzirá na contínua transferência de rendimento, social e internacionalmente regressiva, conforme à mercadorização de cada vez mais esferas da vida social. No entanto, a estabilização neoliberal da União Europeia não significa um recuo ao estado ex-ante da crise financeira internacional, nem económico, nem político.
A estagnação, dita secular, e a instabilidade financeira vieram para ficar, tornando as contradições do capitalismo financeirizado cada vez mais salientes. A União Europeia e suas instituições estão enredadas na tentativa de reanimar um regime de acumulação ferido e limitado pela crise, com um sistema bancário falido, permanentes desequilíbrios entre países do Sul e do Norte e níveis de endividamento que pairam como espada de Dâmocles sobre o nosso futuro.
Os problemas e contradições desta defeituosa retoma foram claros no recente Fórum do Banco Central Europeu, que teve lugar em Sintra. Mario Draghi mostrava-se preocupado com um estranho fenómeno: a economia europeia cresce moderadamente, o emprego parece recuperar, mas os salários teimam em não descolar, num fenómeno a que aliás Portugal não é alheio. Com salários e preços das matérias-primas estagnados, a taxa de inflação europeia está ainda longe do objectivo dos 2%. O presidente do Banco Central Europeu (BCE) vê-se em apuros, pois este contexto dificulta a reversão da política monetária expansionista, que mantém as taxas de juros próximas do zero, e o retorno a uma eventual «normalidade» económica e financeira, exigidas por um governo alemão preocupado com a rendibilidade dos activos financeiros que, naquele país, sustentam a provisão de pensões. Mais surpreendente foi a «confissão» de Draghi quanto à responsabilidade do desmantelamento da negociação colectiva sectorial à escala europeia, continuadamente promovida pelo próprio BCE, na difícil valorização salarial, já que coloca os trabalhadores e sindicatos numa posição negocial estruturalmente mais desfavorável. O BCE naturalmente não está preocupado com o rendimento dos trabalhadores europeus, mas antes com a «camisa de sete varas» em que a sua política monetária se encontra face às realidades diversas e conflituantes na Zona Euro.
Outro exemplo das contradições da presente situação diz respeito aos efeitos da situação nos mercados financeiros e da política monetária nas economias periféricas do Sul da Zona Euro. A política monetária expansionista, graças às baixas taxas de juro, permite aos países, como Portugal e Espanha, encontrar facilmente quem os queira financiar e, consequentemente, diminuir os custos do serviço da sua dívida, aumentado a margem de manobra orçamental no quadro das restritivas regras do euro. Acresce que, face a uma economia internacional com a procura deprimida e com poucas oportunidades de investimentos para os excedentes financeiros, estes países beneficiam de novos fluxos de capital estrangeiro que, em busca de rendimento rápido, encontram no imobiliário dos centros das grandes cidades uma fonte de valorização. É certo que este é um movimento que gera crescimento, emprego e receita fiscal, mas, aparentando ser a primeira fase de uma bolha especulativa, dada a evolução recente dos preços, o futuro deste movimento só pode causar preocupação, sabendo nós da volatilidade dos fluxos de capital financeiro que rapidamente se colocam em fuga ao menor perigo, real ou imaginado.
Em Portugal, o atentismo que se verifica perante a situação internacional e a recuperação económica nacional, de que o artigo do economista José Gusmão neste número nos dá conta (ver «A meia-morte da austeridade»), deve ser encarada com preocupação. Portugal parece ser o exemplo último do que o sociólogo alemão Wolfgang Streeck chama de «Estado de Consolidação», onde governos «sociais-democratas» (o autor está a pensar na Suécia), com renovada capacidade orçamental prometem reversão da austeridade, mas permanecem trancados no compromisso com: (1) um orçamento sem défice, ainda que associado a despesas de salários e pensões; (2) redução do investimento público e concomitante multiplicação das parcerias público-privadas; (3) degradação nos serviços públicos e introdução de mimetismo de mercado nestes sectores; (4) surgimento de poderosos actores privados e do terceiro sector no que eram até há pouco áreas de provisão pública.
Mesmo por outros meios, observamos como os processos impostos pela União Europeia aquando dos resgates financeiros continuam a fazer o seu percurso de esvaziamento das capacidades públicas e de individualização da provisão. O caldo económico e político que levou ao colapso de partidos sociais-democratas, de que o Partido Socialista francês foi o último exemplo e que paira agora sobre o Partido Social-Democrata alemão, está por isso longe de ter desaparecido. Depois de décadas de neoliberalismo, o sucesso na mobilização política contra o actual programa político em curso depende de um apurado diagnóstico e de arrojo na proposta. Exemplos como o do Partido Trabalhista, no Reino Unido, fornecem hoje novas pistas, inexistentes há poucos anos, mas o caminho a percorrer é demasiado longo para posições complacentes.
28 comentários:
No seu contexto geral um grande artigo
Eu sei que há quem esbraceje e quem pragueje contra artigos assim , que põem a nu a bondade desta UE, da Comissão Europeia , do BCE, do FMI.
Sei também que há quem apenas tenha confiança nos mercados e na Alemanha, que, tal como outrora as grandes famílias detentoras do poder económico em Portugal, são os únicos merecedores do retorno ao saque porque eram e são "honrados". (não vale a pena rir).
Ver que atrás destas roupagens e destes panegíricos de serviçais aboletados e subservientes está a máfia e o proxenetismo em estado puro é a obrigação de todos ( ou quase ) todos nós.
Por isso se sublinha este último parágrafo, porque nos remete para a acção coordenada:
"Depois de décadas de neoliberalismo, o sucesso na mobilização política contra o actual programa político em curso depende de um apurado diagnóstico e de arrojo na proposta. Exemplos como o do Partido Trabalhista, no Reino Unido, fornecem hoje novas pistas, inexistentes há poucos anos, mas o caminho a percorrer é demasiado longo para posições complacentes".
E a complacência com tal gent(alha) é extremamente perigosa.
É... dantes pensava que era só o euro que não resistia à próxima crise, agora tenho dúvidas que a própria UE possa resistir. De uma maneira ou de outra, pelos motivos certos ou errados, vai estar tudo farto de só poder sonhar com uma vida pior.
Quando o Corbyn aparece travestido do novo caudilho da esquerda, o caso não é sério mas é grave.
O Mário Viegas e a Nêspera!
Simplesmente magnífico
De resto uma das coisas menos comentadas é o suporte em vídeo ou em imagens dos textos publicados. E estes mostram bem a vitalidade e a criatividade dos seus autores.
Um caso sério ou um caso grave?
Eis um bom exemplo de alguma coisa que merece atenção ( deste jeitinho) saído da lavra de quem não sabe o que é um caudilho.
Nem um travesti.
Mas dá para ver uma coisa. Que Corbyn o inquieta e o deixa assim travestido do juízo. Não tarda e irá confundir os géneros enquanto bate no peito e dirá:
O caso é grave e é sério. Ou será sério sem ser grave? E o Corbyn é um caudilho .
E assim abastardará os conceitos e os termos, condimentando-os com as suas memórias em que lhe era grato ver os caudilhos serem recebidos comme il faut: de braço estendido e de mão levantada?
Sobre os caudilhos da especial predilecção dum que invoca o sério e o grave ou o seriamente grave ( ou o gravemente sério) espanta ver a classificação de caudilho atribuído a Corbyn
Um caso sério mesmo. Este desnorte só mesmo da lavra desnorteada, fora do contexto de qualquer argumento racional.
Admirem-se que depois se queixe que o travesti do seu caudilho de estimação foi citado fora do texto (ou do contexto).
"May estende a mão à oposição expondo ainda mais a sua debilidade
Corbyn responde que "terá todo o gosto" em entregar a May cópia do programa eleitoral trabalhista, mas diz que prefere eleições antecipadas.
Isto deixa os neoliberais do regime à beira duma apoplexia, como se confirma de resto
(Quem anda travestido é o caudilho do José, seja ele quem for. E seja ele quem for, o próprio José)
O caudilho José, que também é JgMenos, mas já foi tonibler, é o Ex.mo Senhor Eng.º Doutorado em Física, João Pires da Cruz, consultor na empresa Closer para as Finanças dos Offshores da camarilha do costume.
Diz-se a síndrome ou o sindroma. É preciso cuidado com o Português. Já basta os analfabetos funcionais que habitam as TVs como o Marques Lopes ou o Baldaia.
Cumprimentos.
Francisco Santos
Herr José é um precioso cultor da língua portuguesa e resolveu brindar-nos com um novel oxímoro: "caudilho da esquerda".
Explique-nos uma coisa, caríssimo Herr José: sabendo nós do seu profundíssimo amor à Esquerda, e aparecendo o "caudilho" a ela ligado, significa isso que o nosso liberalíssimo cultor da língua de Camões se desfez apressadamente de um dos seus ídolos de estimação, o grande apologista (e prático) das virtudes profiláticas e curativas do garrote vil Francisco Franco Bahamonde?
Não querem lá ver que Herr José ainda têm de ir, de joelhos e zurzindo largamente os costados com o látego dos grandes místicos, em romaria penitente ao vale dos Caídos para se redimir da ofensa feita ao cristianíssimo galego homicida?
Ahahah.
Magnífico este comentário das 15 e 33. A lembrar que o baobá da ironia está do lado certo da vida
Vale dos Caídos (leia-se).
Tem (leia-se).
cau·di·lho
(espanhol caudillo)
substantivo masculino
1. Chefe de facção, de partido ou de bando armado.
2. [Figurado] Ditador.
3. [Figurado] Pessoa que tem um poder político local muito forte. = MANDA-CHUVA
Sejam servidos.
A síndrome e não "o" síndrome. Obrigado pela correcção.
Nuno
Jose faz-se de lucas. E de parvo e de tonto?
Depois de se ter reconhecido nessa estranha expressão "mulher de soalheiro"( ver post de João Ramos de Almeida) marcha agora em defesa da sua tese sobre o "caudilho"
Impressiona o seu silêncio sobre a idiotice da sua tresloucada afirmação de conotar Corbyn com um caudilho. À acusação de abandalhar os conceitos e os termos, condimentando-os com as suas memórias em que lhe era grato ver os caudilhos serem recebidos comme il faut: de braço estendido e de mão levantada, não responde rigorosamente nada.
E opta antes, num preciosismo que tem tanto de ridículo como de fanado, por exibir o que um pobre dicionário exibe sobre o termo "caudilho".
O preciosismo invocado esconde várias coisas.
Esconde a canalhice de quem insulta assim Corbyn desta forma soez e abjecta.
Esconde a ignorância ( ou a tentativa de se passar por tal) sobre quem era de facto o Caudilho.
Esconde a frustração que lhe deve ter atravessado as meninges perante o excelente comentário de 11 de julho de 2017 às 15:33.
Mas esconde algo mais que abaixo se explicita
Para desgosto de Jose todos sabemos ( e ele também) que o general Francisco Franco, governou a Espanha entre 1939 e 1975. Fascista execrável, crápula assumido, homicida inveterado e invertebrado, era tratado oficialmente como Caudilho. Pelos seus. Com os seus.
E de manápula no ar saudava e era saudado naquela espécie de gesto que ficou conhecido mundialmente como marca da escória da humanidade.
Foge jose da conotação com o amigo do seu amigo, Oliveira Salazar?
E refugia-se nas palavras esconsas, paupérrimas e de "manda-chuva" (cito) dum dicionário que apesar de tudo um dia lhe fora aconselhado.
Mas jose esconde mais outra coisa.
Esconde uma coisa vergonhosa.
Esconde que considerou como "Boas notícias!" ( com o ponto de exclamação da ordem), a condenação a uma pena de prisão imposta por um tribunal espanhol à jovem Cassandra Vera, sob a acusação de os seus comentários sobre a morte, por atentado atribuído à ETA – quando a ETA era guerrilha – , nos idos anos 70, de Carrero Blanco, terem um “carácter de descrédito, gozo e escárnio a uma vítima de terrorismo”.
Este 1º ministro fascista de uma implacável ditadura – não esqueçamos que Franco, já depois do 25 de Abril português, promoveu fuzilamentos “preventivos” em Espanha – é assim objecto da solidariedade e de admiração de Jose.
Verdadeiramente chocante
Ainda mais surreal quando até a neta de Carrero Blanco se insurgiu contra a sentença, que considerou um atentado à liberdade de expressão e à democracia:
“O que me preocupa é que um acto de extremo mau gosto e falta de sensibilidade seja considerado um crime,” escreve Lucía Carrero Blanco, que sublinha que a sentença é “aterradora, não só para a acusada, mas para todos nós que vivemos em democracia”.
É assim para Carrero Blanco que vai a solidariedade deste Jose.
É pois para este franquista assumido, braço direito de Franco, servidor sem escrúpulos do Caudilho, abertamente germanófilo em toda a primeira parte da Grande guerra, que pende a "alma sensível" de Jose
E para que depois não ocorram pretextos cobardes e poltrões do próprio sobre o texto e o contexto, pode confirmar-se na sua intervenção a 31/03/2017 pelas 00:19.
Aqui:
https://aventar.eu/2017/03/30/cassandra-vera/
Cuco, e os pides?
Aquela dos bons serviços à Pátria?
Estás a perder a têmpera agarrando-te a actos « de extremo mau gosto e falta de sensibilidade». Logo tu, criatura de tão elevada sensibilidade...
"extremo mau gosto e falta de sensibilidade"?
Mas este ignorante nao sabe que não é disto que se trata?
Mas sim do desmascarar dum cuja corda sensível vibra com um pulha de nome Carrero Blanco?
Braço direito do Caudilho, pelo qual andou por aí aos caídos?
É ver o texto e o contexto para não termos que aturar depois o vagidos e os gemidos
E não.
Não vamos pegar nem nos cucos tao prezados lá em casa, nem no tratamento coloquial e boçal.
Nem tao pouco nos seus pides.
O que faz este tipo para apagar o rasto do que diz e do que se debate...
Herr José faz-se de sonso e, bem de acordo com os ventos dos tempos que vivemos, cavalga a onda da suposta erosão das diferenças entre a Esquerda e a Direita. E tudo isso com uma intenção que é, ela também, fruta da época: a atribuição à Esquerda de todas as canalhices da História Universal, incluindo, até, no inteligente pacote de agravos, o vastíssimo mar de crimes praticado pela direita fascista.
Em vez de fazer malabarismos enciclopédicos de analfabeto funcional, mais valeria ao nosso querido germanófilo de serviço ler um pouquito mais (não muito, para não cansar os dois sobrecarregados neurónios que lhe restam: o Antoninho e o Francisquinho) de historiografia para entender que o caudilhismo foi um fenómeno com raízes profundas no século XIX ibérico. Adentrando-se pelos dois primeiros terços do século XX, o fenómeno teve vasta implantação aquém e além-mar: com diversas nuances, de Primo de Rivera a Franco, de Getúlio Vargas a Péron, houve caudilhos e mais caudilhos. Todos tiveram em comum o exercício ditatorial de um poder altamente personalizado, uma rígida conceção hierarquizada do corpo societário e as convicções profundamente reacionárias, ainda que pontuadas, aqui e ali, com uma pinceladas de modernização tecnocrática. Por aqui se vê o acerto de chamar a Corbyn "caudilho". Mas a gente entende - como entende! - que estas pardaladas de Herr José não passam de obnóxias piruetas de escondido Mandrake fascista com as botas cardadas de fora... Um conselho, estimadíssimo Herr José: assuma-se, homem, saia do armário e rume à Ucrânia, o paraíso na terra do "pride" dos cultores do Adolfito, o sítio onde as camisas castanhas e o passo de ganso ressuscitaram e dão provas do seu valor.
Que injustiça monumental!
O Caudilho Castro miseravelmente ignorado...e tantos outros.
Completo destrambelhamento?
Herr jose?
Depois da lição sobre o "caudilhismo" de Corbyn e depois do desmontar da treta ideológica acoplada, eis que herr jose se volta em estado crepuscular para Castro.
Não aprendeu a lição ainda. Tem inveja de Castro ou ainda lhe tem o ódio tal como agora o tem por Corbyn?
É isto que lhe resta. Um pífio e requentado e impotente babar contra Castro.
Assuma-se herr jose.
Herr José encheu-se de intelectual brio e, do alto das suas botas cardadas com fivelas gamadas, ordenou ao Antoninho e ao Francisquinho que dessem o seu melhor na árdua faina do garimpo da analogia... E que lhe saiu da despovoada caixinha da matéria cinzenta? Antonescu? Pavelic? Não, senhores, o que verteu da cloaca josesística foi um pífio portento confirmativo do acerto dos reparos que anteriormente aí ficaram. O Fidel foi um "caudilho", muito ao contrário, aliás, desse excelso e abrangente democrata tão querido do Ocidente que foi o Fulgêncio... Tenhamos fé: ainda que teimosamente resista aos apelos da Razão, não há calhau que consiga furtar-se à inexorabilidade do transformar-se em pó com o progresso dos tempos. E o pó, intelectualmente falando, vale ainda menos que dois desamparados neurónios que já valem pouco mais que nada.
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