sábado, 29 de julho de 2017
Dilemas de um arrumador de livros
Entrei numa livraria e, por curiosidade, decidi verificar em que secção se encontraria o «Economia com Todos». Dito de outro modo, dei por mim a pensar no eventual dilema que se terá colocado à pessoa encarregue de distribuir os livros pelas estantes, segundo critérios temáticos ou disciplinares, no momento em que olhou para o volume que tinha em mãos.
Fixando-se no título, a decisão terá sido bastante fácil: aquela peça encaixava seguramente na estante dedicada à «Economia e Gestão», apesar de a designação dos autores (Ladrões de Bicicletas) parecer estranha para uma ciência tão rigorosa e que leva tão a sério a sua identidade e as suas fronteiras. Perante esse dado, é possível que tenham nascido dúvidas no que antes parecia ser claro... Talvez o livro pertencesse à secção das «Ciências Sociais», onde cabem temas e disciplinas muito diversos e onde se costumam colocar as coisas que não se sabe bem onde arrumar.
Na incerteza, pode ter surgido a necessidade de folhear o livro, espreitar o índice ou ler um pedaço da introdução. Mas o mais provável é que isso não tenha ajudado muito a resolver o problema. Se alguns capítulos indiciavam estar-se perante um livro de Economia (tratando de assuntos como o neoliberalismo, os desequilíbrios macroeconómicos, o euro, a dívida ou a financeirização), outros apontavam para matérias de âmbito mais social (a globalização, a imprensa ou o emprego). E se outros capítulos sugeriam a secção de «Política» (Estado Social, desenvolvimento de capacidades produtivas ou as eleições em França), havia ainda dois que, de tão intrigantes, pareciam empenhados em não fornecer qualquer pista («Histórias do nosso futuro» e «Tornar possível o impensável»).
Tentando dissipar dúvidas e hesitações, pode ter surgido a ideia de olhar para a contracapa. Sim, estava lá um parágrafo que talvez ajudasse a identificar a estante onde o livro iria parar. Dizia assim: «este é um livro de economia, de política, de economia política e de política económica, escrito por autores que têm partidos e ideologias diferentes e divergentes, mas que convergiram ao longo da última década em torno de temas e valores essenciais, através de um blogue de referência em Portugal - Ladrões de Bicicletas».
Não é difícil imaginar a pessoa responsável pela arrumação taxionómica dos livros a levantar os olhos, a suspirar e a desistir. Talvez por isso eu tenha encontrado o «Economia com Todos» num daqueles expositores que ficam no meio das livrarias, a criar corredores entre as estantes «classificadas» das paredes. É isso mesmo, pensei, este livro fica bem em zonas de passagem, em espaços de circulação entre universos temáticos pretensamente delimitados e, já agora, entre universos de pensamento político distintos, à esquerda.
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5 comentários:
Por seu lado, o 'bacalhau com todos' não suscita quaisquer perplexidades.
Uma oportunidade para visitar o miolo do "Economia com todos"
E José para mostrar o seu bacalhau, parece que também com todos. Como diz, sem quaisquer perplexidades.
A iliteracia do patronato é tramada
Gostei.
Já não gostei do "encarregue" ( à pessoa encarregue de distribuir ), ou quando o erro se vai transformando insidiosamente em regra.
É considerado espaço premium em livrarias. O lobby das Bicicletas está fortíssimo! =P
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