sábado, 22 de julho de 2017

Leituras


«Num bairro que se habituou a ter medo da polícia, a ouvir "para dentro, caralho", a revistas sem motivo, a portas partidas, a balas perdidas, a ser tratado por tu, a não protestar "porque é pior" e a não fazer queixa "porque não serve de nada", a acusação do MP à esquadra de Alfragide é como uma esmola demasiado boa: o pobre quer acreditar mas desconfia. É muito tempo sem justiça nem lei, de "preto vai para a tua terra", de "cala-te se não queres levar". A sede de uma espera só se estanca na torrente. Virá ela?»

Fernanda Câncio, "Os polícias eram deuses, agora são como nós"

«Se estes crimes se provarem não há como fugir a uma pergunta: como é possível que toda uma esquadra, através da ação ou do silêncio conivente, permita horas de tortura e de irrepetíveis insultos racistas e depois participe na invenção de uma história e no forjar de provas para incriminar quem foi vítima? Se se confirmarem os factos, estamos perante um bando de polícias delinquentes que se comporta como estando acima da lei. Porque o que está no despacho de acusação aos polícias de Alfragide não é um descontrolo ou um abuso de poder. É muitíssimo mais grave do que isso. (...) O que o Ministério Público diz que aconteceu naquela esquadra é abjeto e, a ser verdadeiro, não pode merecer qualquer complacência num Estado de Direito democrático.»

Daniel Oliveira, Como transformar polícias em delinquentes

«Só vou dizer o seguinte: de tudo o que nos fizeram o que mais me assustou foi perceber que não havia um único agente de confiança, que nos pudesse ajudar. Houve troca de turnos até. Nunca nos deixaram fazer um telefonema para a família, que estava preocupada, nada. Pedimos, pedimos e nada. Houve um momento em que perdi toda a esperança, quando um agente que estava na carrinha a transportar-nos para Moscavide (fomos passar ao noite ao Cometlis) se vira para mim, que gemia de dor, e diz: "Deixa de fingir! Se fosse eu tinha-te dado um tiro na cabeça!". Era um polícia que nem tinha estado na esquadra de Alfragide, que não tinha presenciado nada mas também tinha aquela atitude. Assustou-me muito. Fiquei mesmo com medo, achei que era o fim. Quando penso nisso, mesmo agora, tenho medo. As pessoas ficaram contentes por esta acusação ser uma coisa inédita mas não têm noção do risco que corremos.»

Celso Lopes e Flávio Almada, na entrevista a Valentina Marcelino (17 Jul 2017)

«Partia-se do princípio de que a Amadora era problemática. Na Damaia, como era uma esquadra rodeada por vários bairros sociais com várias comunidades, achava-se que os polícias tinham de utilizar a repressão para impor a autoridade e que a população eram só criminosos. A todo o pessoal novo que vinha era incutida esta ideia. Chegava-se depois à conclusão que muitos dos problemas que existiam se deviam a essa atitude: a população reagia à presença policial considerando que não estávamos ali para nos preocuparmos com eles. Sentiam que éramos uma espécie de força de ocupação. Resultado: tínhamos os polícias contra os cidadãos daqueles bairros e aqueles contra os polícias

Paulo Rodrigues, na entrevista a Nuno Ramos de Almeida (10 Fev 2012)

«A diferença que existe entre a Cova da Moura e, por exemplo, a Lapa, tem que ver com condições económicas e culturais, do ponto de vista das populações que lá habitam. Do ponto de vista subjetivo das autoridades, além das diferenças que existem, há uma diferença na cabeça dos agentes que têm um preconceito racista, que olham para as pessoas que vivem na Cova da Moura, maioritariamente negras, com estigma e preconceito. É por isso que a sua atuação, muitas vezes, não corresponde aos códigos e procedimentos que exigem lisura, igualdade de tratamento, respeito pela dignidade, integridade física e moral das pessoas

Mamadou Ba, na entrevista a Pedro Bastos Reis (12 Jul 2017)

18 comentários:

Jose disse...

Uma só verdade com duas visões, que só JRA aborda.

Tudo o mais refocinha no racismo.

Onde têm andado os psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e demais bateria de gente do Estado Social e de Direito?

Anónimo disse...

5 leituras que se saúdam pelo tema, pela frontalidade e pela denúncia

Anónimo disse...

Fica-se perplexo com o comentário das 10 e 30.

Por um lado pela tentativa de equidistância com que tenta abordar a questão.

Apagando a abissal diferença que há entre as putativas vítimas e agressores.

Por outro pela violência semi-oculta que as suas palavras traduzem, provando que o tema o perturba e transtorna.

"Refocinha"?

Que linguagem patibular é esta?

Anónimo disse...

Para além do muito notável destrambelhamento do sujeito em causa, adivinha-se contudo uma outra questão: a pressa com que tenta fugir das "leituras" apontadas.

Traduzida em dois factos concretos:

-Diz o sujeito : "Só JRA aborda"
Quem?
Com a pressa não leu, tresleu. E partiu a galope

-A tentativa de desviar o que se denuncia para os "psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e demais bateria de gente do Estado Social e de Direito"
Apressado, tenta arrastar o debate para qualquer outro sítio que não o que se denuncia.

"Refocinha" então por essas bandas.

Para que se não perceba o seu "refocinho" solidário com o racismo?

Anónimo disse...

Percebe.me alguma acrimónia de herr jose para com os psicólogos, sociólogos, assistentes sociais...

Alguma perturbação funda por estes? Alguma inveja? Algum complexo tosco? Alguma inquietação pelo que desconhece?


Mas também se percebe o seu incómodo pelo estado social. Aí já se compreendem mais as coisas, porque andou num desaustino durante um ror de anos a combatê-lo,seguindo as lições da madre igreja do neoliberalismo e a pesporrência da direita

Quanto ao estado de direito aí a coisa complica-se porque o que se passou não é mesmo admissível e é contrário a qualquer noção desse mesmo estado.

Embora não se perceba bem por que meandros anda herr jose a cavalgar se o que se discute é o racismo de agentes da autoridade e de como foi possível chegar a tal ponto.

Agentes de autoridade que chafurdavam nos bas fond da nossa extrema.direita.

E aí percebe-se os malabarismos do herr e as suas mal assumidas solidariedades

Anónimo disse...

Dois dias depois de uma esquadra inteira, a de Alfragide, ser acusada pelo Ministério Público pelos crimes de tortura, sequestro, injúria e ofensa à integridade física qualificada, agravados por ódio e discriminação racial, um Trump de trazer por casa, André Ventura, candidato PSD a Loures, decidiu usar em campanha eleitoral autárquica os mais clássicos argumentos do racismo:
1. Etnia desonesta: do alto do seu doutoramento em Direito Público, Ventura acha que os ciganos "não interiorizaram o Estado de Direito", fazem o que querem e "sentem que nada lhes vai acontecer", e "ninguém faz nada". Subdiretor de um mestrado em Direito e Segurança, e campeão da inversão descarada de argumentos, o candidato que deve ter sido escolhido porque comenta futebol na TV finge ignorar que fala da comunidade étnica mais condenada pela justiça e mais vigiada pelas autoridades policiais deste país em proporção à sua dimensão demográfica (menos de 0,5% dos portugueses são de etnia cigana, mas 5-6% dos detidos nas prisões portuguesas, dez vezes mais, são ciganos).
2. Criminalização da pobreza: preocupado com a "segurança", Ventura propõe videovigilância nos bairros sociais, porque são "bairros problemáticos", onde há "notícias de tiroteios". É a mais velha convicção das direitas: muitos pobres são criminosos, os criminosos têm de ser vigiados, logo os pobres têm de ser vigiados.
3. Minoria privilegiada: impunes, os ciganos "vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado". Não é, evidentemente, verdade, mas Ventura poderia lembrar-se que as prestações sociais devem recair nos mais pobres — e os ciganos estão, desde sempre, entre eles. Mas não: o Estado (ou, neste caso, a Câmara de Loures, dirigida pela CDU) é que tem um "[pre]conceito ideológico de achar que há determinados grupos que, por pertencerem a determinadas minorias, têm de ter um tratamento diferenciado" (Notícias ao Minuto, 12.7.2017). Segue-se o "eles" e "nós": os ciganos são uma "minoria de privilégio", por oposição às "pessoas ditas 'normais' [sic] ou da 'maioria'" que terão passado a ser, segundo ele, discriminadas.

Anónimo disse...

4. As minorias impõem tabus: como Trump com os mexicanos, como Le Pen com os árabes, Ventura acha que veio tocar num "tabu": "toda a gente se aproxima de mim para dizer: 'Obrigado, André, por teres discutido um problema que ninguém tem coragem de discutir'." Ventura atreve-se a falar como se todos, no fundo, concordássemos com ele mas tivéssemos "medo de dizerem que estamos a ser 'fascistas', “racistas', 'xenófobos'" (Sol, 17.7.2017).
5. Os racistas nunca são racistas: "Nada me move contra a comunidade cigana, [...] ao longo da minha vida sempre convivi bem com pessoas de várias raças e etnias e diferentes credos." Passos Coelho assegura que o PSD "nunca foi, não é e nunca será racista e xenófobo". Le Pen, pai e filha, nunca disseram outra coisa. Como Ventura, acham todos que o preconceito está é na cabeça dos outros, dos "politicamente corretos", como agora, sem pudor algum, a direita passou a chamar a quem denuncia o racismo, a homofobia, a misoginia...
Ao se recusar a proceder como lhe pedem há anos a ONU e a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa, publicando dados fiáveis "para efeitos de monitorização das desigualdades" entre grupos étnicos, e especialmente relativamente a ciganos e afrodescendentes, o Estado português "recusa-se tacitamente a tomar medidas eficazes para avaliar (e combater) a discriminação étnico-racial" (Marta Araújo, investigadora do CES, PÚBLICO, 14.7.2017). E, por isso, propicia este discurso nauseabundo de que "temos tido uma excessiva tolerância com alguns grupos e minorias étnicas".
Numa só coisa, tem Ventura razão, mas por motivos rigorosamente inversos: "Não se corrige a situação enquanto não se assumir que o problema existe." O verdadeiro problema, o do preconceito racista, não é exclusivo da direita, extrema ou não. Ele também emerge à esquerda, em todas as gerações, regiões, classes sociais. A diferença é que é à direita que ele se sente à vontade. E não precisa de se organizar autonomamente na extrema-direita: ele está bem representado, como se vê, nos partidos da direita clássica, como o PSD.
(Manuel Loff)

Jose disse...

Faltava a leitura do Loff!

O esforço dos ciganos de se integrarem nas regras da Republica, de cumprirem os objectivos definidos para a nação em termos de literacia e qualificação profissional é das sagas mais dramáticas na sua luta contra a exclusão.

Vão ladrar à lua! Palhaços!

Anónimo disse...

Há coisas paradoxais.

É um russo, Ivan Pavlo, que herr Jose homenageia aqui de quando em quando.

Demonstrando que os estudos daquele fisiologista sobre o condicionamento clássico estavam certos.

É que cada vez que se ouve falar em Manuel Loff, herr Jose responde pavlovianamente, daquele jeito resumido que aí em cima está patente

Anónimo disse...

O esforço dos grandes homens de negócios, de Dias Loureiro a Oliveira Costa, passando por Salgado e por Borges de se integrarem nas regras da República é o que se vê.
Deviam estar presos ou ter sido presos. Há muito tempo.

No entanto herr jose e esse respeito nada diz. Prefere anatemizar toda uma étnia. À boa e tradicional maneira matreira dum vulgar racista


Mais "esquisita" será aquela sua afirmação sobre o cumprimento dos "objectivos definidos para a nação em termos de literacia"

A nação definiu isso?

Mas,mas ,mas... e o patronato cuja iliteracia brada aos céus? Onde está o cumprimento etc etc etc?

Triste saga a deste assumido xenófobo

Anónimo disse...

Saga que, todavia, não acaba por aqui.

Parece que está destrambelhado, inquieto, perturbado. Só alguém neste estado pode desatar a dizer coisas deste jeitinho:
"Vão ladrar à lua! Palhaços!" (com os ambivalentes pontos de exclamação)

Terá sido pelo Loff e não ter outra resposta que não estas cenas um pouco canalhas?

Impotências assim, expostas em plena luz do dia. E da Lua

Anónimo disse...

Eu preconceituoso me confesso. Quem defende certos comportamentos faz-me lembrar aqueles ecologistas que gostam muito da natureza, mas quando chegam a casa (geralmente um apartamento) deixam os sapatos à porta, pois têm terra o que é uma porcaria.

Anónimo disse...

“O racismo sempre foi a forma escolhida pelas elites para dividir os mais pobres”
NUNO RAMOS DE ALMEIDA, JORNAL I

Jose disse...

A nação definiu isso?

Pergunta o crónico poluidor dos comentários do LdB com as suas inanidades e 'armanços em parvo'.

Como se não houvesse um plano obrigatório de estudos até ao 12º ano.

O passo seguinte é instituir o ensino doméstico na comunidade cigana dispensado de exames e diplomas enviados por correio.

Anónimo disse...

(Armanço em parvo...isso, isso. Mais o coxo doente e a anomalia do Gentil
http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2017/07/testar-trump-em-loures.html )

Está completamente enganado o fulano com tiques xenófobos, que fala sobre o ensino doméstico e sobre os dispensados de exame.

Como provado aqui, neste post de Nuno Serra, quem parece que quer ficar dispensado de exame é Passos e a sua trupe. Calando-se sobre as alternativas e sobre as suas propostas.

A cobardia dos pafistas só se justifica porque têm medo que aquelas mostrem que afinal o que nos querem impingir é mais do mesmo: mais austeridade, mais desemprego, mais cortes, mais miséria.

http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2017/07/dispensados-de-exame.html

Um tiro ao lado que só se compreende por uma apressada necessidade de ocultar que Loff tinha razão quando desmascarou assim a direita e a sua extrema.



Anónimo disse...

Mas se se percebe a inquietação de quem anda aqui a apregoar o racismo, continua-se sem perceber porque motivo não foi respondida a verdadeira questão sobre o que a Nação de facto decidiu

Ou seja:

Os "objectivos definidos para a nação em termos de literacia"

E a pergunta concreta é : "A nação definiu isso?"

Mas,mas,mas... e o patronato cuja iliteracia brada aos céus? Onde está o cumprimento etc etc etc?

Como resposta tivemos o silêncio e o plano obrigatório de estudos. Mais inanidades e armanços em parvo como confirmado pelo paleio dos diplomas enviados pelo correio. Coisa que, como se sabe é da competência do Relvas.

Anónimo disse...

Como se sabe em Portugal, o nível de escolaridade da maioria dos patrões é inferior à dos trabalhadores . Naqueles, 55,8% têm o ensino básico (!!!) e apenas 21,7% o ensino superior.

O passo seguinte é instituir o serviço doméstico na comunidade patronal, dispensada de exames e diplomas enviados por correio para os offshores que frequentam-

Anónimo disse...

Ó caro Anónimo das 02:49, quem precisa de estudar quando pode contratar precariamente profissionais altamente qualificados a quem paga menos do que a uma mulher-a-dias? Estudar? Que estudem os outros, porra!